Dados divulgados pela Polícia Judiciária revelam que cerca de 51% dos casos de abuso de menores aconteceram no contexto familiar. Se forem consideradas as situações que envolvem pessoas de círculos próximos das crianças a percentagem subirá para 65%.
Lamentavelmente, a realidade
mantém-se. A maioria das situações de abusos sexuais sobre crianças e
adolescentes, envolve familiares, amigos ou conhecidos da criança e
também instituições que lidam com menores. Citando Manuel Coutinho do Instituto
de Apoio à Criança, "A família deve ser o local mais seguro que a criança
tem e por vezes é lá que corre os maiores perigos".
Apesar das mudanças verificadas
em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada na criação de
uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam
expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com
base num sentimento de posse e usufruto quase medieval.
Muitas crianças em situação de
abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a culpa da
denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de
que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual
das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez que se
sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam confiar ou
ainda o medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos
que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais
casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da
eficiência do sistema de justiça, continua a ser absolutamente necessário que
as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da
educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo
de menos positivo se passa com eles. Na verdade, os professores e os técnicos
das escolas, incluindo os auxiliares, são muito frequentemente quem se apercebe
de situações de mal-estar das crianças, “são os olhos do sistema de protecção”.
Esta atitude de permanente,
informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do
meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre
as crianças e o enorme sofrimento provocado.
Neste cenário importa ainda ter
em atenção o impacto que manutenção das crianças em casa nos períodos de
confinamento poderá implicar, preocupação expressa por muitos técnicos.
Como é evidente não se trata de
uma situação fácil. Sabe-se que situações de isolamento potenciam o aumento de
casos de violência doméstica como de maus tratos a crianças, a possibilidade de
denúncia diminui, o medo prevalece e a própria situação, só por si, é geradora
de risco.
No entanto, de uma forma alargada
e com a colaboração da comunicação social e com os serviços de proximidade,
autarquias por exemplo, talvez fosse possível promover a atenção das
comunidades próximas, das relações de vizinhança, para o que pode estar a acontecer
na casa ao lado e recorrer aos canais de informação disponíveis.
Sabemos que os riscos são grandes
e a cada dia podem aumentar as situações de sofrimento e negligência que
envolvem milhares de crianças.
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