Retomo as reflexões em torno do chamado elevador social que, lamentavelmente, não estamos a conseguir promover de forma satisfatória através do sistema educativo
O Conselho Nacional de Educação divulgou
um relatório o título sugestivo “Relatório Técnico | Explicações / “'Educação
(na) Sombra””, sobre o universo das explicações escolares que merece leitura e
deveria ser um forte contributo para ajustamentos nas políticas públicas de
educação.
Vejamos alguns indicadores.
Considerando os dados inquérito “Estudantes à Saída do Secundário de 18/19”,
cerca de 28 mil, 29% afirmaram recorrer a explicações fora da escola. Mais de
metade dos alunos que recorrem a explicações têm pais com formação superior e à
medida que decrescem as habilitações familiares baixa a procura por explicações.
As razões são óbvias e as consequências também.
Na verdade, nestes últimos anos
este nicho do mercado da educação tem estado em alta com uma oferta crescente
estimulada pela pressão da busca de apoio escolar externo.
A pandemia intrometeu-se no
mercado, mas tenho para mim que são as políticas públicas de educação que têm
sido definidas nos últimos anos o que verdadeiramente sustenta este florescente
nicho de mercado.
Algumas vezes aqui tenho abordado
esta questão e retomo algumas notas. Recordo um estudo, também referido na peça
do Público, realizado em 2019 pelo grupo “Ginásios da Educação Da Vinci”, um
franchising que gere em Portugal 42 centros respondendo a 5400 alunos num
universo estimado em 244 mil que recorrem a estes “serviços”. Destes, cerca de
70% têm “explicadores” particulares, maioritariamente professores que dão
explicação num “cantinho” da sua casa num volume de facturação estimado em 200
milhões de euros e que passa, por assim dizer ao lado, das obrigações fiscais,
questão que também o CNE coloca incluindo num plano de regulação. Ainda segundo
os mesmos dados, existirão à volta de doze mil explicadores e de mil centros de
estudo e apoio escolar.
Trata-se de facto de um mercado
em expansão e fomentador do empreendedorismo individual e que também contribui
para acentuar as desigualdades sociais pré-existentes sem qualquer sobressalto
por parte de quem tem sido responsável por políticas públicas.
É um mercado que envolve alunos
de todos os anos de escolaridade, mas tem maior procura em anos de exame e no
ensino secundário quando está em jogo o acesso ao ensino superior.
Na verdade, é um mercado
generalizado como se pode verificar com um passeio pelas proximidades das
escolas abundando a oferta de ajudas fora da escola, antes conhecidas por
“explicações”, mas agora com designações mais sofisticadas como “Centro de
Estudo”, “Ginásio”, "Academia", etc., que, provavelmente, terão mais
efeito “catch” no sentido de atingir o “target”, aliás, não são raras as
designações em inglês. Ainda temos a oferta mais personalizada, as
“explicações” no aconchego caseiro dos explicadores, numa espécie de
atendimento personalizado. O mercado está sempre atento e o marketing
desempenha um papel importante.
Apesar de nada ter contra a
iniciativa privada desde que com enquadramento legal e regulação, o que está
longe de existir, várias vezes tenho insistido no sentido de entender como
desejável que os apoios e ajudas de que os alunos necessitam fossem encontrados
dentro das escolas e agrupamentos. O impacto no sucesso dos alunos minimizaria,
certamente, eventuais custos em recursos que, aliás, em alguns casos já existem
dentro do sistema.
Esta minha posição radica no
entendimento de que a procura “externa” de apoios, legítima por parte das
famílias, tem também como efeito o alimentar da desigualdade de oportunidades e
da falta de equidade como tem sido regularmente sublinhado em múltiplos
estudos.
Neste contexto, recordo que no
Relatório do CNE, "Estado da Educação 2016", constava um dado
interessante relativo a Portugal que na altura comentei e extraído do TIMSS de
2015. Referindo apenas o secundário, 61% dos estudantes do secundário afirmam
ter aulas particulares de Matemática no sentido de melhorar o desempenho nos
exames. A comparação com outros países é elucidativa tanto mais se
considerarmos o respectivo nível de vida, sendo a Noruega um exemplo extremo.
Esta questão é também colocada no
recente relatório do CNE e noutros trabalhos que evidenciam algo de muito
significativo apesar de bem conhecido e reconhecido, nove em cada dez alunos
com insucesso escolar são de famílias pobres.
A ajuda externa ao estudo como
ferramenta promotora do sucesso não está ao alcance de todas as famílias sendo,
portanto, fundamental que as escolas possam dispor dos dispositivos de apoio
suficientes e qualificados para que se possa garantir, tanto quanto possível, a
equidade de oportunidades e a protecção dos direitos dos miúdos, de todos os
miúdos.
De uma vez por todas, é
necessário contenção e combate ao desperdício, mas em educação não há despesa
há investimento. Talvez o investimento canalizado para inúmeros projectos,
iniciativas, vestidas de "inovação", consumidoras de recursos e vindas
de fora da escola, fosse mais eficiente se utilizado na e pela escola no âmbito
da sua autonomia.
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