Foi divulgado o relatório de Actividade da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e da Protecção das Crianças e Jovens relativo a 2023.
Foram comunicadas às CPCJ 54 746
situações de perigo, um aumento de 10,5% relativamente a 2022. No entanto,
neste aumento também é explicado por uma maior atenção das comunidades às
situações de risco que envolvem crianças e jovens.
As queixas recebidas envolvem maioritariamente
crianças e jovens entre os 11 aos 18 anos e 23% dos casos reportavam ao grupo
dos zero aos cinco anos.
As três situações de risco com
maior prevalência são a negligência, violência doméstica e comportamentos de
perigo na infância e juventude.
Verificou-se, naturalmente, um
maior volume de actividade das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.
De há muito e a propósito de
várias questões afirmo que em Portugal, apesar de existirem diferentes
dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação
no mesmo sentido sempre assente no incontornável “superior interesse da criança",
não possuímos ainda o que me parece mais importante, uma cultura sólida de
protecção das crianças e jovens como alguns exemplos regularmente evidenciam.
Por outro lado, as condições de
funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer
um trabalho eficaz estão ainda longe de ser as mais adequadas e operam em
circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria, as Comissões têm responsabilidades
sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua
capacidade de resposta.
A parte mais operacional das
Comissões, a designada Comissão restrita, é composta por muitos técnicos em
tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e
qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos
profissionais que as integram.
Muitas vezes tenho aqui referido
a necessidade maior investimento e eficiência no âmbito do sistema de protecção
de menores. Para além do reforço dos recursos das CPCJ seria desejável uma
melhor integração e oportunidade das respostas a situações detectadas, uma
adequação às mudanças e novas realidades na área dos Tribunais de Família e
Menores, etc. Os serviços de apoio às comunidades, ainda que regulados e
escrutinados, deverão ser suficientes e adequados em recursos e procedimentos.
Este cenário permite que ocorram
situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e
jovens que sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não
tiveram, o apoio ou os procedimentos necessários. É então provável que, depois
de se conhecerem episódios mais graves, possamos ouvir expressão que me deixa
particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada”,
mas dessa "sinalização" não decorreu a adequada intervenção.
Sinalizamos e referenciamos com
relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas
das crianças referenciadas ou sinalizadas. Importa ainda não esquecer as que
passam mal em diferentes aspectos sem que estejam sinalizadas ou referenciadas.
Nos tempos que atravessamos os riscos serão maiores.
Por isso, sendo importante
registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos
miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à
ausência de respostas.
As crianças são resilientes, mas
família, afecto, contextos educativos de qualidade, são bens de primeira
necessidade.
Como afirma, Benedict Wells em “O
fim da solidão”, “Uma infância difícil é como um inimigo invisível. Nunca se
sabe quando nos vai atingir”.
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