terça-feira, 30 de janeiro de 2024

NOTÍCIAS DA CORRIDA DE OBSTÁCULOS

 No Público encontrei um trabalho sobre um projecto educativo criado e desenvolvido por duas mães para resposta a crianças com necessidades especiais. Depois de muitas dificuldades no encontrar resposta educativas e recursos adequados aos filhos partiram para a criação dessas respostas.

Na verdade, apesar do muito que já caminhámos, as crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, bem como as suas famílias e técnicos sabem, sentem, que a sua vida continua a ser uma árdua e espinhosa prova de obstáculos em múltiplas áreas, acessibilidades, educação, trabalho, segurança social, habitação, etc., muitos deles inultrapassáveis.

Lamentavelmente, boa parte dessas dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas ou económicas, por exemplo, entendem ser a geometria variável dos direitos, do bem comum e do bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

AS MÃOS QUE ENSINAM

 O Público divulga um estudo publicado na Frontiers in Psychology, “Handwriting but not typewriting leadsto widespread brain connectivity: a high-density EEG study with implications for the classroom” que merece leitura e reflexão. Num tempo em parece ter-se instalado no sistema educativo um deslumbramento com o digital termos mais um trabalho que evidencia a importância de aprendizagem da escrita à mão e não de forma digital é importante e útil. No entanto, não está em causa o recurso a ferramentas digitais desde que devidamente enquadrado.

Curiosamente, ao ler o trabalho lembrei-me de uma história que coloquei no Atenta Inquietude em 2010, o tempo voa, com o título, “As mãos que ensinam”. Aqui fica, está actual.

(…)

Um dia destes a Sara, professora de gente pequena, encontrou-se no refeitório da escola com o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros. A conversa, para não variar, foi sobre o trabalho de ensinar e aprender.

Estava a lembrar-me da reunião que ontem tivemos. Velho, que me dizes à polémica que vai por aí sobre a utilização dos computadores com os gaiatos pequenos? Estás contra ou a favor?

Na minha idade já nem sempre consigo estar de forma definitiva, contra ou favor de muitas coisas. A questão dos computadores na sala de aula com os miúdos pequenos é um exemplo, acho que não se pode discutir assim.

Então?

Como é evidente os computadores fazem cada vez mais parte da nossa vida em múltiplas dimensões. Assim sendo, considerando que a escola deve lidar e colocar os miúdos a lidar com as coisas da vida, o computador poderá aparecer e integrar-se, no trabalho "sério" ou nas brincadeiras, é uma questão de bom senso. Por outro lado, quando se começa a mexer nas letras, a juntá-las e a escrever, parece-me muito importante que as mãos escrevam, desenhem as letras, construam as histórias. Às vezes dizem que os miúdos se motivam mais porque os computadores são inovadores. É um equívoco, os miúdos motivam-se por aquilo que gostam e aprendem a gostar. E para aprender a gostar também é preciso saber fazer. Repito, parece-me essencial que as mãos conheçam as letras, como elas se desenham, como elas se juntam e o que elas são capazes de dizer. Utilizar o computador será útil para algumas outras tarefas ou actividades que não substituem escrever e construir textos com as mãos.

Sabes que tanto como a cabeça ensina as mãos, as mãos ensinam a cabeça. Quando as mãos e a cabeça aprendem e sabem, então o computador também já pode ser uma caneta. Dá para entender Sara? É por isso que estou contra e a favor do uso dos computadores pelo gaiatos pequenos ou, se preferires, a favor e contra.

Parece simples Velho, porque se discute tanto?

domingo, 28 de janeiro de 2024

SEMENTES DE MAL-ESTAR

 No Expresso encontra-se uma inquietante peça abordando a problemática crescente de violência e delinquência entre jovens associada às novas tecnologias que se verifica em Espanha. Fala-se de novos padrões de delinquência e dimensões como bullying, violência sexual ou mal-estar psicológico são grandes áreas de preocupação.

Sem estranheza as questões identificadas exigem respostas de natureza multidimensionada e de recursos que, não existindo, terão, têm sérias consequências.

Muitas vezes aqui tenho abordado questões desta natureza a que também estamos vulneráveis como exemplifica o recente e trágico episódio acontecido numa escola de Trás-os-Montes.

Importa estar atento e compreender que prevenir sai sempre mais barato e é mais eficiente que responder depois dos problemas acontecerem embora, obviamente, também seja necessário.

A Espanha é aqui mesmo ao lado.

sábado, 27 de janeiro de 2024

ESPAÇOS URBANOS AMIGÁVEIS PARA AS CRIANÇAS

 No Público encontra-se um trabalho sobre uma iniciativa do governo britânico e associações ligadas à infância no sentido promover a existência nas zonas urbanas de espaços seguros para as crianças brincarem no exterior considerando a importância que que terá para o seu bem-estar e desenvolvimento.

Muitas vezes aqui tenho abordado esta questão e volto a insistir nessa importância e como, do meu ponto de vista, brincar é a actividade mais séria que as crianças realizam, nela põem tudo quanto são e constroem a base de tudo o que virão a ser. Para que o brincar na rua seja possível e seguro exige-se que as políticas públicas tornem os espaços urbanos mais amigáveis para os mais novos. Em muitos países e também por cá, felizmente começam a surgir iniciativas nesse sentido.

Com as alterações nos estilos de vida e as opções em matéria de organização do trabalho, muitas crianças têm a vida preenchida por um tempo significativo de estadia na escola e muitos pais recorrem ainda ao envolvimento dos filhos em múltiplas actividades transformando-as numa espécie de crianças-agenda. Todas estas actividades, a oferta é variadíssima, são percebidas como imprescindíveis à excelência, aliás, muitas crianças são educadas (pressionadas) para a excelência. Promovem níveis "fantásticos" de desenvolvimento intelectual e da linguagem, desenvolvimento motor, maturidade emocional, criatividade, interacção social, autonomia e certamente de mais alguns aspectos que agora não recordo. Assim, as crianças e adolescentes estão sempre envolvidos em qualquer actividade, a quase todas as horas pois delas se espera não menos que a excelência.

Nada disto esquece a importância que, de facto, podem ter algumas actividades, mas apenas sublinhar alguns riscos no excesso.

Os pais, alguns pais, seduzidos pela sofisticação desta oferta, pressionados por estilos de vida que não conseguem ou podem ajustar e com a culpa que carregam pela falta de tempo para os filhos e sem vislumbrar alternativas aceitam que os trabalhos dos miúdos se desenvolvam para além do que seria desejável, eu diria saudável.

Somos dos países da Europa em que adultos e crianças menos desenvolvem actividades no exterior contrariamente, por exemplo ao que se verifica nos países nórdicos. É verdade que esses países têm habitualmente climas bastante mais amenos que o nosso, mas, ainda assim, poderíamos ter durante mais tempo crianças e adultos a realizar actividades no exterior. Por princípio e sempre que possível, a área curricular Estudo do Meio, mas não só, poderia ser também Estudo no Meio.

Muitas experiências, incluindo em Portugal, sugerem múltiplos benefícios para as crianças, desenvolvem maior autonomia, maior consciência ambiental e competências em dimensões como bem-estar emocional, a partilha de emoções, a autoconfiança, auto-regulação, a criatividade ou o pensamento crítico para além, naturalmente dos benefícios mais directamente associados a qualquer actividade.

Embora consciente das questões como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível alguma oportunidade de “devolver” aos miúdos o circular e brincar na rua, ter mais algum tempo as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã promovendo, por exemplo, níveis de literacia motora frequentemente aquém do desejável.

Creio que o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a auto-regulação, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. O brincar, o brincar na rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento, de literacia motora também, e promoção dessa autonomia.

Importa sublinhar a necessidade de controlar um eventual perigo que, ainda assim, é diferente do risco, as crianças também “aprendem” a lidar com o risco.

Talvez, devagarinho e com os perigos e riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

É, pois, importante que todos os que lidam com crianças, em particular, os que têm “peso” em matéria de orientação, pediatras, professores, psicólogos, etc. assumam como “guide line” para a sua intervenção a promoção do brincar. E a actividade de brincar na infância não se esgota, longe disso, numa disciplina curricular.

Os mais novos vão gostar e faz-lhes bem.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

SE HOUVERA QUEM ME ENSINARA ...

 No JN encontrei uma peça sobre o trabalho que a ONG “Teach for Portugal” desenvolve em Portugal desde 2019 e que aqui tenho referido.

A organização refere que desde o início já acompanhou mais de 19000 alunos de 63 escolas pertencentes a 40 municípios. Neste ano lectivo a iniciativa abrange mais de 6000 alunos de 48 escolas com uma percentagem elevada de alunos com o apoio da Acção Social Escolar e conta com o trabalho de 70 mentores. Até 2028, tem como objectivo apoiar 87000 alunos contando com mais de 255 mentores.

De acordo com o Relatório de 22/23 o trabalho desenvolvido acelerou a redução de negativas em 51% face a turmas sem o apoio dos mentores da Teach for Portugal.

A organização conta com o apoio de diferentes entidades, autarquias, empresas privadas e fundações. Assegura o recrutamento, formação e colocação paga dos mentores que trabalham em sala de aula com os professores, apoiam os alunos e desenvolvem algum trabalham com as famílias.

Como é evidente, registo todas as iniciativas que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas, mas já me falta convicção no impacto do modelo mais habitualmente seguido.

Para cada constrangimento ou dificuldade percebida nas e pelas escolas e com regularidade, aparece vindo de fora ou gerido de fora, um Plano, um Projecto, um Programa, uma Iniciativa, as combinações são múltiplas, destinado a essa problemática.

Durante as últimas décadas, perco a conta a planos, projectos, programas, experiências inovadoras, que chegaram e chegam às escolas para combater o insucesso ou, pela positiva, promover o sucesso, promover a leitura e escrita, promover a matemática, promover a educação científica, promover a educação inclusiva, a aprendizagem emocional, erradicar ou minimizar o bullying, a relação entre escola e pais e encarregados de educação, promover a expressão artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis e actividades desportivas, literacia financeira, promover a inovação e as novas tecnologias, para não falar de iniciativas mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes mágicos, parece. A lista enunciada é apenas exemplificativa e não está em causa a pertinência ou juízo sobre as dimensões citadas, trata-se do modelo de abordagem.

Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado. Importa ainda não esquecer as dificuldades severas que muitos agrupamentos e escolas sentem com a falta de recursos humanos, professores, técnicos e auxiliares actualmente.

Também com demasiada frequência muitos destes projectos morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos organizadores e proporcionam uma experiência que se deseja positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto.

Todavia, preciso de afirmar que muitos destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos mereceriam.

Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.

Ponto.

Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado, o que se verifica é inaceitável, poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos.

Ainda este propósito, ficar embaraçado, volto a contar uma experiência pessoal.

Há largos anos estava na altura na Direcção-Geral do Ensino Básico e foi-me pedido que apresentasse numa escola do 1º ciclo um Projecto em desenvolvimento pela Direcção-Geral destinado ao ensino de português a crianças de famílias oriundas dos PALOP que aprendiam em português na escola e falavam crioulo em casa. Apresentei o Projecto o melhor que fui capaz aos professores da escola e no fim alguém me disse de uma forma muito simpática, “Colega, o Projecto é muito interessante, mas sabe, já temos 24 Projectos na escola, não podemos fazer mais.”

Na verdade, a Projectite, sobretudo vinda de fora, é uma opção com pouco potencial apesar, insisto, das boas experiências que também conheço.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

E AGORA?

 No Público encontra-se mais uma peça ainda dedicada ao recente Relatório do IAVE sobre as provas de aferição de 2023 abordando em particular os resultados de Português.

Na análise da Associação de Professores de Português os resultados são preocupantes e considera a necessidade de ajustamentos nas didácticas e, necessariamente, na formação de docentes e na necessidade de recursos adequados.

Na verdade, e para além de aspectos específicos no caso de Português, continua a ser imprescindível dotar as escolas de forma estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais e serão sempre essenciais.

Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido é urgente um processo eficiente de desburocratização do trabalho dos docentes.

Vamos ter brevemente eleições legislativas e em matéria de educação exigem-se respostas que seria importante conhecermos vindas de quem se propõe governar.  Muitos países estão a desenvolver programas ou introduzir ajustamentos procurando minimizar dificuldades também sentidas nos resultados dos seus alunos que só os efeitos da pandemia não explicam.

É certo que a expectativa não é muito elevada, mas … que é imprescindível fazer alguma coisa, é.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

DIA INTERNACIONAL DA EDUCAÇÃO

 O calendário das consciências assinala hoje o Dia Internacional da Educação. O universo da educação é muito provavelmente o que reúne maior número de especialistas. Raramente se encontra alguém que não tenha discursos bem firmes sobre qualquer assunto em matéria de educação. Aliás, também não é raro que especialistas de outras áreas científicas falem de ciências da educação recorrendo a aspas e produzam com a maior facilidade discursos pejorativos generalizados sobre pessoas/instituições que estudam e trabalham durante décadas em educação ainda que, obviamente, devam estar sob escrutínio.

De facto, para muita gente, educação não é matéria de saber, é matéria de opinião e portanto … opinam.

É verdade que a educação atravessa um tempo preocupante. Desde logo porque políticas públicas erradas trouxeram-nos a uma situação dramática de falta de docentes. Demasiados anos de desvalorização e penalização da carreira docente levaram a pouca capacidade de motivação para novos profissionais. A carga burocrática asfixiante, um modelo de gestão permeável à menor competência e à contaminação com agendas de outra natureza que não a educação, a falta de recursos humanos para além dos professores, técnicos e auxiliares de educação são problemas sérios que afectam a vida das escolas.

A verdade é que, sou suspeito na afirmação (também tenho a minha agenda), a educação, o sistema educativo, o desenvolvimento das pessoas e das comunidades, a qualificação dos cidadãos, de todos os cidadãos, são o motor do desenvolvimento e com impacto muito significativo em todas as áreas da vida em comunidade.

Não temos muitos motivos para comemorar, temos mais razões para nos preocuparmos e exigir.

Vamos entrar em campanha para as eleições legislativas das quais sairá um novo governo. Confesso que a confiança em mudanças substantivas é baixa, mas queria estar enganado.

A ver vamos.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

ECRÃS, NET E REDES SOCIAIS

 É hoje apresentado um estudo, “Scroll.Logo Existo!: comportamentos adictivos no uso dos ecrãs”, realizado por investigadores do Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social da Universidade Lusíada.

Os dados merecem reflexão e ilustram a fortíssima relação que a população inquirida, acima dos 16 anos, assume com os ecrãs, designadamente na utilização da net e de redes sociais.

Os dados globais são relevantes, mas umas notas sobretudo a pensar nos mais novos que, também neste trabalho, evidenciara uma significativa associação entre mal-estar e a elevada utilização destes dispositivos.

As referências recorrentes ao tempo excessivo e aos riscos associados à ligação que muitas crianças e adolescentes estabelecem com a net nas suas múltiplas possibilidades designadamente as redes sociais, são, por assim dizer, um sinal dos tempos e os dados deste trabalho são particularmente elucidativos embora tenha sido realizado com uma amostra a partir dos 16 anos.

Relativamente à forma de lidar com esta quadro creio que, tal como noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não funciona ainda que sejam imprescindíveis dispositivos de regulação.

Numa nota prévia que creio que enquanto não olharmos para questões desta natureza, como de outras, como os consumos, álcool, tabaco ou droga nas múltiplas variantes, como sendo um problema das comunidades e exigir estratégias de impacto comunitário, dificilmente conseguiremos alterar os comportamentos dos mais novos.

Dito de outra maneira e a propósito das redes sociais, enquanto a relação que muitos de nós, adultos, temos com este universo assumir, genericamente, o perfil que conhecemos e que o estudo agora divulgado evidencia, não vale a pena acreditar que se altera significativamente o padrão de utilização dos mais novos. No entanto e como é óbvio por tudo o que sabemos, é imprescindível a tentativa de ajusta comportamentos em crianças e adolescentes.

Neste sentido, e como muitas vezes escrito e afirmado, a promoção de uma utilização auto-regulada e informada parece-me uma estratégia mais adequada. A net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas as suas potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É o nosso trabalho, como também é nosso trabalho a exigência por mais eficazes dispositivos de controle de acesso e na natureza dos conteúdos embora este seja o caminho mais difícil.

Sabemos que muitas crianças e adolescentes têm um ecrã como companhia em casa durante o pouco tempo que a escola "a tempo inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente "filiação" em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre” do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente ainda é passado à sombra de um ecrã.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, por estranho que pareça, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Aliás, existem demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones” ou outros dispositivos funcionam como “babysitters”.

As dificuldades sentidas por muitas famílias na ajuda aos filhos em tempo de ensino não presencial, mostrou isso mesmo, baixos níveis de literacia digital. Considerando as implicações sérias na vida diária, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes minimizando os riscos existentes nos “alçapões da net” muitas com riscos e consequências bem graves ou fatais.

Por outro lado, a experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder eficácia com a idade.

Creio que o caminho terá de passar por autonomia, supervisão, diálogo e informação que estimulem auto-regulação e muita atenção aos sinais que crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas, sobretudo a situações que possam estar associadas a mal-estar, que podem ser como que portas abertas para cair num alçapão com consequências imprevisíveis.

domingo, 21 de janeiro de 2024

PODERÍAMOS VIVER SEM A "ATENÇÃOZINHA", O "JEITINHO", MAS NÃO ERA A MESMA COISA

 Está um dia solarengo e bonito por aqui no Alentejo. Depois de chovida uns dias de chuva bem chovida a terra está cheia de água e a erva e a horta brilham de humidade. Depois de uma manhã de roçadora na mão para limpar caminhos pensava vir escrever alguma coisa sobre educação, quase cinquenta anos de vida profissional e a paixão que se mantém por este universo, concorrem para isso.

No entanto, tropecei no Público com uma peça interessante sobre a “cunha”, uma instituição que não conhece crises e está sempre na nossa vida. A educação fica para depois e hoje não falo dos seus problemas, muitos e importantes.

Na verdade, a “cunha”, o “jeitinho”, o “favorzinho” ou uma “atençãozinha, fazem parte da nossa cultura cívica. Aliás, ao longo do tempo tem ganho relevância o empenho e a necessidade dos “facilitadores”, as pessoas que “conhecem” a pessoa certa para o que está causa.

Mesmo os que de nós, também me incluo, vociferamos contra isto já nos deixámos, uma vez ou outra, envolver no "jeitinho" ou na "atençãozinha". Depois é uma questão de escala, pode ir do “obrigadinho” aos milhões.

Como a peça do Público sublinha, trata-se de um fenómeno, um comportamento, profundamente enraizado e com o qual parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre "desinteressadamente", é claro.

A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e toda a relação do dia a dia com a "atençãozinha" à recepcionista que nos passa para a frente na lista de espera ou ao funcionário de quem esperamos que possa dar um "jeito", dificulta seriamente qualquer alteração substantiva neste modo de funcionar.

Combatê-lo passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania.

Certamente que poderíamos viver sem a "atençãozinha" ou o "jeitinho", mas não era a mesma coisa.

sábado, 20 de janeiro de 2024

S.O.S.

 Lamentavelmente sem nenhuma surpresa, mas com muita inquietação, foi agora divulgado pelo IAVE o Relatório da análise dos resultados das provas de aferição do 2.º, 5.º e 8.º ano em realizadas em Maio e Junho deste ano lectivo, 22/23. Os resultados já tinham chegado às escolas em 15 de Dezembro que  lamentaram o atraso dificultando eventuais medidas de resposta aos resultados. Retomo algumas notas expressas na altura. 

Em síntese, no 2º ano foram avaliados os domínios de Português, Matemática, Estudo do Meio, Educação Artística e Educação Física. Só em Educação Física, se observou uma maioria de resposta com “Conseguiu”. O melhor resultado verificado em Português, foi 48.1% de respostas adequadas em “Oralidade” com nenhum parâmetro acima dos 20% de avaliação positiva. Em Matemática em nenhum domínio se verificaram resultados positivos.

No 5.º ano, em Português, 14,2% não revelaram dificuldades na “Oralidade”, em “Leitura”, 5,2%, em “Gramática” 8,7% e em “Escrita” 17, 4%.

Em História e Geografia de Portugal nos três domínios avaliados, a média foi negativa com percentagem de positivas inferior a 35 no contexto nacional. Só em Educação Física se verificaram resultados positivos.

No 8.º ano realizaram provas de Matemática, Ciência Naturais, Físico-Química e TIC.  O número de alunos com dificuldade é superior a 50% na maioria dos domínios avaliados em Ciências e Físico-Química. Em Matemática verificaram-se resultados semelhantes e em TIC a percentagem de alunos que não atingiu os objectivos é também elevado.

O Relatório do IAVE agora divulgado é verdadeiramente preocupante. A forma como as provas de aferição são percebidas pelos alunos, “não contam para nada”, ou a realização em forma digital ditada pelo deslumbramento do ME, podem dar algum contributo, mas, obviamente, estão longe de explicar os níveis de desempenho dos alunos.

Em todo o caso, como tenho escrito, estas provas de aferição creio que assentam numa perspectiva inadequada. Dado que ainda não foi alterada, a Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa lógica de ciclos e não de disciplinas como o secundário. Assim, parece claro que uma avaliação externa de aferição deveria ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, quando os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo. Acresce que no 4º e no 6º não existem exames finais pelo que não temos a imprescindível avaliação externa.

A argumentação para a sua realização nestes anos, assenta na ideia de que a identificação de dificuldades e a devolução de resultados permitiriam a correcção de trajectórias futuras dos alunos. Certo, assim sendo, neste caso a avaliação não é de aferição, mas de diagnóstico. No entanto, espera-se que diariamente nas salas de aula os professores realizem, mais formal ou mais informalmente, avaliações desta natureza, mais formativa, pois é a mais sólida ferramenta que possuem de regulação do trabalho dos alunos e do seu próprio trabalho.

Acresce que estes resultados são incompatíveis comos designados “percursos de sucesso, resultantes das avaliações internas”. Em Maio de 2023, a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, divulgou um relatório, “Resultados Escolares: Sucesso e Equidade” em que analisa os chamados percursos de sucesso, alunos que finalizam o ciclo de estudos nos anos previstos. De acordo com este indicador, em 2021 e considerando o número de anos de cada ciclo, 91% dos alunos do 1º ciclo, 95% do 2º ciclo, 90% do 3º ciclo, terminaram no tempo previsto.

Esta disparidade entre avaliação interna e externa é preocupante estabelece um pesado caderno de encargos num quadro de políticas públicas de qualidade.

Na análise do desempenho escolar dos alunos importa, evidentemente, considerar os resultados das avaliações internas, mas é imprescindível a existência de dispositivos de avaliação externa com uma função reguladora. E é aqui que radicam todas as dúvidas.

Nos últimos anos múltiplos estudos, nacionais e internacionais, revelaram a existência de impactos nas aprendizagens embora também se verificasse a necessidade de uma análise mais fina à natureza das dificuldades mais globalmente percebidas. Abordei aqui algumas dessas iniciativas.

Recordemos algumas referências.

Em Setembro, numa Conferência no Parlamento do Grupo de Trabalho de Acompanhamento do Plano de Recuperação as Aprendizagens foi apresentado um trabalho em que se revelava que dois terços dos alunos (66%) que em 21/22 no último ano lectivo frequentavam o 2.º ano de escolaridade evidenciaram um desempenho na leitura muito baixo ou abaixo da média.

Um trabalho do IAVE divulgado em 2021 afirmava que “menos de metade dos alunos atinge nível esperado em conhecimentos elementares". As dificuldades acentuavam-se no 6.º e 9.º ano.

Em Agosto, o Tribunal de Contas na auditoria ao Programa Escola 21/23+ considerou que “Existem insuficiências na definição do Plano 21/23, como prioridades pouco claras, insuficiente afectação de recursos, excessivo número de acções e inexistência de metas e de indicadores para efeitos de monitorização e avaliação”.

Em Dezembro foi divulgado os resultados do PISA 2022 e, à semelhança do que se verificou em muitos países que também verificaram abaixamento, os resultados dos alunos portugueses baixaram de forma preocupante a Matemática e Leitura e menos a Ciências.

Também sabemos que foram reajustados pelo ME os recursos disponibilizados para o Plano de Recuperação que foi prolongado. As reduções reflectiram-se sobretudo nos créditos horários para o envolvimento dos professores. No entanto, importa considerar o impacto da falta de docentes em muitas escolas e em diferntes disciplinas.

Como sempre, o ME parece enredado num discurso que envolve realidades múltiplas. A habitual referência a uma espécie de realidade mágica em que tudo está quase bem, pois a perfeição não existe e uma realidade, esta sim, existente, que expõe as enormes dificuldades que alunos, professores, técnicos e pais sentem na promoção de um efectivo direito a uma educação de qualidade e que possa responder à diversidade e necessidades dos alunos. É a esta realidade que as políticas públicas têm a responsabilidade de, primeiro, reconhecer e, depois, responder.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

APRENDER A ANDAR DE "BINA" NA ESCOLA

 No JN leio que no âmbito do projecto “Desporto escolar sobre rodas” iniciado em 2019 e que aqui já referi, em vigor desde 2019, cerca de 15000 crianças e jovens aprendem a andar de bicicleta na escola. O programa pretende chegar a todas as escolas em 2024.  

O objectivo divulgado na altura era que todos os alunos aprendam a andar de bicicleta até ao final do 6º ano e se promovam formas mais saudáveis de mobilidade apesar de contextos muito pouco amigáveis em muitas das nossas cidades e vilas.

Ainda que possa entender a iniciativa não deixo de achar alguma estranheza na ideia de ser a escola a ensinar a andar de bicicleta ainda que também defenda que “andar de bina” é uma aprendizagem essencial.

Como sempre, alguma competência que é julgada útil vai engordar o trabalho da escola restando saber até quando a escola aguentará o contínuo aumento de solicitações. É bom lembrar que a escola passa por tremendas dificuldades para assegura o que só a escola pode fazer, ensinar os alunos através do trabalho dos professores que … não chegam para as necessidades.

É verdade que os estilos de vida e rotinas diárias se alteraram, as crianças tendem a desenvolver outro tipo de actividades pelo que várias escolas e agrupamentos ou autarquias têm desenvolvido iniciativas no mesmo sentido.

Recupero ainda o que escrevi a propósito de uma iniciativa semelhante numa escola básica de Lisboa na qual, também de acordo um dos responsáveis, numa turma de 4º ano com 25 a alunos, 80% não sabia andar de “bina”.

A experiência de andar de bicicleta está de facto ausente da vida de muitas crianças. Por questões da segurança, a alteração da percepção de valores, equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos e, sobretudo, a mudança nos estilos de vida, o brincar e, sobretudo, o brincar na rua começa a ser raro.

Embora consciente de variáveis como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível “devolver” os miúdos ao circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de velhos que estão sós as comunidades. Seria muito bom que as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.

Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.

Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.

Curiosamente, se olharmos às nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.

Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

A notícia e as notas, que alinhei fizeram-me também recordar com imensa ternura e nostalgia a minha bicicleta de adolescente, lá muito para trás no tempo numa estória que já por aqui passou.

Tive a sorte de ter uma bicicleta desde gaiato pequeno, oferta de tios generosos, por isso sempre me habituei a bicicletas até porque foi o veículo de transporte familiar até à adolescência, altura em que o orçamento lá de casa possibilitou a aquisição de uma motorizada para a família e na qual todos se reviam embevecidos. É certo que continuávamos em duas rodas, mas sempre tinha motor.

Já mais crescido, a economia familiar tinha limites apertados e não chegava para uma bicicleta nova de roda 28 pelo que desenvolvi um empreendedor plano. Recolhia cobre de fios velhos de instalações eléctricas e latão, sobretudo dos casquilhos das lâmpadas, que trocava no ferro-velho do Gato Bravo por peças para a minha bicicleta. O quadro, as rodas, selim, o guiador, os travões, o dispositivo de iluminação com o dínamo na roda e a minha bicicleta foi crescendo, linda, através do que se poderia designar por um modelo pioneiro de “assembling”, com a ajuda sabedora e companheira do meu pai, um conhecedor de bicicletas e, sobretudo, um especialista em gente miúda. Não vos posso dizer a cor da minha bicicleta porque teve várias, era uma bicicleta personalizada.

De vez em quando, conseguia outro guiador, outro selim e a minha amada e invejada bicicleta sofria um “restyling” ou “tuning”, até mudanças ganhou. Grandes voltas percorremos nós, quase sempre com o Zé Padiola, tantas idas à Costa da Caparica e à Fonte da Telha, sempre por estradas que há quarenta anos ainda nos permitiam andar de bicicleta sem os riscos actuais.

É verdade que eu e ela também testámos o chão, mas éramos solidários e amigos, quando eu caía, ela acompanhava-me sem um queixume ou ponta de revolta.

Era uma diversão a sério. Que saudades da minha bicicleta e do tempo em que aprendíamos muito na rua.

Ainda agora, mais raramente, ando de bicicleta sempre com gozo, tal como o fazem os meus netos que já me fogem na "brasa", o Tomás, sete anos, diz que é por causa das mudanças. Eu sei, Tomás, é mesmo uma questão de mudanças, as que a idade traz, por exemplo.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

FAMÍLIA, PRECISA-SE. URGENTE

 Foi divulgado o relatório "Caminhos para uma melhor protecção: Balanço da situação das crianças em estruturas de acolhimento na Europa e na Ásia Central" realizado pela Unicef segundo qual, entre 42 países da Europa e da Ásia Central, Portugal o país com mais crianças a viverem em instituições. Do universo de crianças acolhidas pelo sistema de protecção, 95% estão em instituições.

Mantém-se a acrescida dificuldade de processos de adopção de crianças mais velhas, mais vulneráveis por alguma condição de saúde, crianças com necessidades especiais ou adolescentes e jovens.

É consensual que em nome do bem-estar das crianças e jovens seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões.

Recordo um estudo de Paulo Delgado do Instituto Politécnico do Porto, creio que divulgado em 2018, refere que as crianças evidenciam uma percepção de bem-estar significativamente diferente consoante estejam em família tradicional, 9.05 numa escala de 0 a 10, em famílias de acolhimento, 8.69 e em instituições, 7.61.

Também há algum tempo um trabalho da Universidade do Minho evidenciou que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.

A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Também deve acentuar-se o trabalho de grande qualidade que muitas instituições procuram desenvolver. Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que por razões de ordem variada não devem ter crianças no seu seio, fazem-lhes mal, pelo que a retirada pode ser uma necessidade que o superior interesse da criança justifica sendo um princípio estruturante das decisões neste universo.

Uma família é, de facto, um bem de primeira necessidade.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

DA EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA

 Desde ontem, 16 de Janeiro, está em consulta pública o documento “Orientações Pedagógicas para Creche”. O documento foi elaborado por um grupo de trabalho constituído por iniciativa do ME e do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Parece um passo importante pois considerando a educação de infância, a educação pré-escolar, dos três anos aos seis anos, tem tutela do Ministério da Educação e as creches, até aos três anos, têm tutela da Seguranças Social.

Dadas os estilos de vida actual, a organização e os tempos de trabalho, as famílias têm sentido grandes dificuldades em encontrar vagas em instituições ou creches, quer na creche, quer nos jardins de infância. Esta situação, como é óbvio, é particularmente complicada nas zonas de maior densidade demográfica.

Muitas destas dificuldades inibem projectos de parentalidade num país que vive um Inverno demográfico. Também é positivo embora insuficiente a progressiva gratuitidade da frequência da creche.

Por outro lado, também sabemos a situação actual alimenta um “mercado” legal ou clandestino de "depósito" de crianças com conhecidas dificuldades na regulação da sua qualidade.

Antes de umas notas sobre a educação de infância, sublinhar que os estilos de vida, as políticas laborais e de família que carecem de urgente reflexão levam a que desde muito cedo as famílias sintam a necessidade de colocar os filhos em amas ou instituições. Esta resposta é pouco acessível e inibidora de projectos de vida que incluam filhos com os efeitos conhecidos na taxa de natalidade.

Neste cenário, para além da gratuitidade das creches e do aumento de respostas seria de considerar uma adequação nas políticas laborais e de família que considerassem, por exemplo, as licenças parentais (agora alteradas). A organização e os tempos do trabalho o que teria reflexos nas dinâmicas educativas familiares e nos projectos de parentalidade das famílias.

É também reconhecido por múltiplas análises o impacto positivo do acesso de respostas educativas de qualidade em creche e jardim-de-infância.

No entanto, deve sublinhar-se que garantir a universalidade do acesso não é o mesmo que obrigatoriedade. Aliás, de acordo com o relatório da rede Eurydice, “Key Data on Early Childhood Education and Care in Europe 2019”, dos 12 países em que se estabelece a universalidade aos quatro anos só em dois não é obrigatório, sendo Portugal um dos países.

Como já tenho afirmado, não tenho certezas sobre a obrigatoriedade da frequência, mas tenho a maior convicção no sentido de que garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos e criar respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente, às famílias para as crianças dos zero aos três anos é imprescindível e urgente. Acentuo também a ideia de que este período, até aos três anos, deveria também estar sob tutela do Ministério da Educação e não da Segurança Social pois o acolhimento das crianças deve estar abrangido por um forte princípio de intencionalidade educativa. Espera-se que as Orientações Pedagógicas para Creche, agora em consulta pública possam ser um contributo nesse sentido.

Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, familiares ou institucionais. De pequenino é que ... se constrói o destino.

No entanto e mais uma vez, a educação de infância, creche e pré-escolar, são bastante mais que a “preparação” para a escola e não devem ser entendidas como etapas nas quais as cianças se preparam para entrar na escola, embora se saiba do impacto positivo que podem assumir no seu trajecto escolar.

Na verdade, as crianças estão a preparar-se para o futuro, para crescer, para ser. A educação de infância, num tempo em que as crianças estão menos tempo com as famílias, tem um papel fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que têm um valor por si só e não entendidos como uma etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escolar.

Este período, a educação pré-escolar, educação de infância numa formulação mais alargada, cumprida com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo da formação institucional das pessoas, dos cidadãos. Esta formação é global e essencial para tudo o que virão a ser, a saber e a fazer no resto da sua vida.

Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade para os mais pequenos é uma delas.

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

DA INTERVENÇÃO PRIORITÁRIA À INTERVENÇÃO POSSÍVEL

 Vi no blogue do Paulo Guinote que a 15 de Janeiro a Direcção-Geral de Educação publicou o aviso de abertura de candidaturas no âmbito do Programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária de quarta geração - TEIP4.

Nem tinha dado conta de que já vamos no TEIP4.

Os TEIP – Territórios Educativos de Intervenção Prioritária foram criados em 1996 com, de uma forma genérica, os mesmos objectivos enunciados no TEIP4 apesar da linguagem utilizada ter passado por um processo de "modernização".

Após quase trinta anos, as políticas públicas em matéria de educação têm conseguido alargar o conceito, na verdade, o modelo TEIP cobre todo o território. Por um lado, temos os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária e, por outro lado, temos os Territórios Educativos onde se realiza a Intervenção Possível.

É ainda verdade que, quase sempre, a intervenção possível é mesmo prioritária.

Sim, eu sei que muitas mudanças aconteceram, algumas, felizmente num sentido positivo, mas a verdade é que atravessamos um momento crítico no universo da educação em que há um muito que é o prioritário e um menos que é o possível.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

NOTÍCIAS DA CHAMADA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

 A imprensa de hoje divulga um inquérito realizado pela Fenprof no sentido fazer um balanço sobre os quatros anos da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 54/2018, relativo à chamada Educação Inclusiva.

O estudo abrangeu cerca de 10% dos agrupamentos e das escolas não agrupadas do Continente. Para além das direcções, envolveu, 112.187 alunos, 12.157 docentes e 5266 assistentes operacionais e decorreu no primeiro período de 23/24.

A propósito, retomo algumas notas organizadas em torno do que podemos considerar o lado A e o lado B da tal educação inclusiva independentemente do que se entende que seja.

Comecemos pelo lado A.

O Ministro da Educação no final de Março de 2023 em intervenção na comissão parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Inclusão sobre a situação da designada educação inclusiva, a operacionalização do incontornável DL 54/2018, desenhou um quadro muito positivo do trabalho realizado pelo ME permitindo que nas escolas as coisas corram bem.

De acordo com o Ministro, mais de metade das turmas, 55,6%, têm 20 alunos, foram criadas mais 4959 turmas devido à redução do efectivo de turma, aumentaram substantivamente o número de professores de educação especial, de psicólogos e outros técnicos e estão em curso mudanças que optimizarão o processo de transição pós cumprimento da escolaridade obrigatória. Fiquei entusiasmado, claro.

Em Abril de 2022 foi divulgado pela OCDE o trabalho, “Review of Inclusive Education in Portugal” que, com base numa análise a seis agrupamentos e a que na altura fiz referência, encontrou “um ambiente genuinamente inclusivo” e em linha com a apreciação de que a legislação portuguesa relativa à promoção de educação inclusiva é “das mais abrangentes dos países da OCDE. Pensei naqueles agrupamentos e escolas onde tudo vai bem, muito bem. Só lamento pelos outros.

Aliás, recupero o que será certamente uma fonte de inspiração para o ME. No 2.º Encontro Nacional de Autonomia e Flexibilidade Curricular realizado em Abril de 2022, Amapola Alama, especialista da UNESCO, afirmou, "Vocês são o 'Rolls-Royce' dos sistemas de educação. Estão entre os 40 países de topo no mundo da educação". É bonito e gosto da imagem. A questão é que se, felizmente, muitos alunos andarão no “Rolls Royce”, muitos outros andam de bicicleta ou a pé, mas será, provavelmente, por razões ambientais.

Consideremos agora o lado B.

Retomemos o estudo da Fenprof hoje divulgado.  Das direcções escolares envolvidas, 73% considera insuficiente o número de docentes de educação especial é insuficiente, 78% afirma a insuficiência de assistentes operacionais e 85% refere a insuficiência de técnicos especializados (sobretudo psicólogos e terapeutas. É ainda de referir que apenas 6% dos assistentes operacionais possuem formação específica para trabalhar com “alunos com medidas seletivas e/ou adicionais".

É ainda de registar que os alunos com maiores dificuldades, com “medidas selectivas e adicionais” na linguagem do DL 54 serão 8% do total de alunos e cerca de 3,5% terão apoio indirecto de um professor de Educação Especial.

É referido que "os alunos com medidas seletivas e adicionais são na ordem dos 8% do total dos alunos e cerca de 3,5% referem-se a alunos apenas com apoio indirecto do Docente de Educação Especial".

É ainda divulgado que cerca de 20% das turmas estão constituídas com um número de alunos superior ao definido legalmente, mais de 20 alunos e/ou mais de dois alunos com necessidades específicas.

O inquérito é divulgado durante o dia de hoje pela Fenprof e será possível aceder a outros dados

Mais algumas notas deste lado B. Em Maio de 2023 o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas referia a insuficiência preocupante dos recursos humanos, professores e técnicos, designadamente psicólogos e terapeutas, um crescimento significativo do número de alunos sinalizados com algum tipo de dificuldade. Aliás, também se conhecem situações em que professores com funções de apoio assumem outro trabalho minimizando a falta de professores.

 Deste quadro resulta a impossibilidade de assegurar a muitos alunos aquilo que é “apenas” um direito e não um privilégio, uma resposta educativa de acordo com as suas necessidades.

Recordo ainda que num levantamento realizado no início de 22/23 pela Fenprof com a colaboração de direcções de agrupamentos foram referenciadas diferentes questões. As ainda existentes situações em que o limite de alunos com necessidades educativas especiais por turma não é cumprido, sendo que em turmas de 1º ciclo com diferentes com alunos de diferentes anos de escolaridade as dificuldades agravam-se.

Já era referida a insuficiência e docentes, de técnicos (psicólogos e terapeutas) e mantém-se a carência de auxiliares que acompanhem os alunos “dentro e fora da sala de aula”.

Ainda me parece de considerar um relatório da Inspecção-Geral de Educação e Ciência, “Organização do ano lectivo 2020-2021”, que na altura aqui referi, realizado em 97 escolas ou agrupamentos mostrou que em 30,8% das turmas de 5º ano com alunos com relatório técnico-pedagógico o limite de dois alunos por turma não era cumprido. Também 12,4% das escolas avaliadas não conseguem operacionalizar todas as medidas de apoio definidas nos relatórios técnico-pedagógicos. As direcções referem a insuficiência de recursos humanos adequados, problema que se mantém.

Mais recentemente, a OCDE terá mudado um pouco de opinião pois em 2022 no relatório “Review of Inclusive Education in Portugal” já eram referidas diferenças significativas nas aprendizagens e bem-estar de alunos com necessidades especiais de diferente natureza tendo definido um conjunto de recomendações de investimento e qualidade nas respostas à diversidade dos alunos.

Como tenho afirmados e escrito inúmeras vezes, acompanhei com esperança e expectativa a mais do que necessária, reafirmo, mudança legislativa desencadeada no âmbito da Educação Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele próprio associado a todo um quadro de mudança envolvendo, designadamente a definição do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, das Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º 55/2018 relativamente ao currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação, a mudança de paradigma, de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da revolução que estava em marcha e anunciavam os amanhãs que cantam que se foram encontrando e encontram, aparentemente, em algumas escolas visitadas pelo Senhor Ministro.

Com confiança em algumas virtudes do novo quadro aguardei expectante pela revelação da escola inclusiva de 2ª geração. No entanto, para meu desconforto e cansaço, o que fui conhecendo e vai sendo divulgado não me ajudou a perceber o que seria.

Continuo a verificar que, tal como aconteceu com o velho 319/91, (nesta altura eu já trabalhava neste universo há 15 anos), quer com o 3/2008 e depois com o actual 54/2018 existiam e existem professores e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser conhecidos e reconhecidos.

A avaliação dos alunos, a definição dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização uma vez que a outra categorização já não existe), o funcionamento das Equipas, os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a articulação dos intervenientes continuam com inúmeros sobressaltos. Recebo muitos testemunhos e dados mais robustos conhecidos também não são particularmente animadores como alguns relatórios da IGEC ou estudos de diferente natureza.

Apesar de agora estar mais desligado em termos profissionais, o interesse e a paixão por este universo mantêm-se e apesar do cansaço, sempre me animo quando conheço situações muito positivas que, felizmente, acontecem todos os dias em tantas escolas.

No entanto, nem tudo vai bem, muito longe disso. Não torturem a realidade que ela não vai confessar.

Há muito que fazer, muito para caminhar.

 

PS - Talvez já vá sendo tempo de não insistir no uso da designação "educação inclusiva" para referir a educação dos alunos que têm algum tipo de dificuldade e que se encaixam nas novas "categorias", os "universais", os "selectivos" e os "adicionais" criadas pelo DL 54, a educação inclusiva é de todos e, portanto, deveria ser “apenas” educação.

sábado, 13 de janeiro de 2024

CRIANÇAS E ECRÃS,

 Na SIC Notícias encontra-se uma peça, “Agarrados ao ecrã”, sobre a relação dos mais novos com os ecrãs que merece atenção e divulgação.

Muitas vezes aqui tenho abordado esta questão assim como frequentemente é tema de conversas com pais e educadores. Retomo algumas notas.

Em Agosto de 2023 foi publicado pela revista JAMA Pediatrics um trabalho, “Screen Time at Age 1 Year and Communication and Problem-Solving Developmental Delay at 2 and 4 Years”, em que se analisa a relação entre o tempo de exposição a ecrãs com riscos no seu desenvolvimento. Estar um tempo superior a duas horas em frente aos diversos tipos de ecrãs pode potenciar o risco de atraso no desenvolvimento nos anos seguintes.

A investigação envolveu 7097 crianças e concluiu que quanto maior for o tempo de exposição maior a probabilidade de compromissos no desenvolvimento, designadamente nas comunicação e resolução de problemas embora se reflicta noutras áreas e aumente com maior exposição.

O trabalho parece ser suficientemente robusto para que consideremos esta questão que tem estado na agenda e aumentou exponencialmente com os períodos de confinamento e para muitas crianças o ecrã é algo omnipresente no seu dia-a-dia.

Recordo ainda um trabalho divulgado em 2020 e que aqui comentei “Social inequalities in traditional and emerging screen devices among Portuguese children: a cross-sectional study” publicado em BMC Public Health e realizado por uma equipa do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da Universidade de Coimbra que também mostra dados que devem ser levados em conta.

O trabalho envolveu 8.430 crianças entre os três e os dez anos e sugere que até aos cinco anos as crianças passam por dia e em média 154 minutos em frente a um ecrã considerando os diferentes dispositivos disponíveis. Nas crianças mais velhas o tempo de exposição é superior, 201 minutos em média. Independentemente de outras variáveis como género, idade ou dispositivo utilizado, o tempo de exposição é sempre maior em famílias de menor estatuto académico e económico.

Recordo que em 2023 a agência francesa de saúde pública lançou um novo alerta a partir de estudos realizados relativos à exposição excessiva das crianças aos ecrãs, sobretudo nas crianças até aos três anos.

Sublinhe-se também que a OMS, tal como a Associação Americana de Pediatria, indicam extrema prudência para crianças até aos dois e anos e aconselham a que tempo de exposição ao ecrã não exceda uma hora diária até aos cinco anos e duas horas depois dos seis anos.

Estão também identificados os riscos da sobreexposição, sedentarismo e obesidade, falta de qualidade e tempo de sono ou alterações no desenvolvimento, por exemplo na linguagem. A evidência também sugere que os riscos aumentam quando, como é frequente, a presença excessiva em frente de um ecrã está associada a um menor nível de interacção com adultos, designadamente com os pais.

Como tantas vezes já tenho referido o ecrã, qualquer ecrã, é hoje a “baby-sitter” de muitíssimas das nossas crianças e adolescentes que neles, ecrãs, passam um tempo enorme “fechados”. Por vezes, sobretudo em adolescentes e jovens, "acompanhados" de outros tão sós quanto eles.

Acontece também que, como referido acima, durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou "smartphone". Desculpem insistir nestas questões, mas, como é óbvio, esta situação não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.

Comer é necessário e faz bem às crianças, mas comer excessivamente e produtos de má qualidade, provocam sérios problemas de saúde. Que se eduque o consumo, sem se diabolizar ou exaltar o produto.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, alguns deles com níveis baixos de alfabetização informática, sobretudo no que respeita aos riscos, como constato em muitas conversas que mantenho com grupos de pais.

Considerando as implicações sérias na vida diária e que só estratégias proibicionistas não são muito eficazes, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

RETRATOS DAS VIDAS DESAFIANTES DE MUITOS DOCENTES (2)

 Foram divulgados ontem dados relativos a um inquérito realizado pela Fenprof que envolveu 4471 docentes de do 2.º, 3.º ciclo e secundário. Vejamos alguns dados.

Os professores os docentes do 2.º e 3.º ciclos e do ensino secundário trabalham 50 horas e 15 minutos.

De entre os professores inquiridos, metade tem menos de cinco turmas atribuídas, um em cada cinco docentes, 19,5%, tem sete ou mais turmas atribuídas e 4,2% dos dos docentes leccionam 11 ou mais turmas.

Considerando o número de alunos, 43,2% dos professores têm mais de 100 alunos, 38% tem entre 100 e 200 estudantes e os restantes 5,3% têm mais de 200 alunos.

A este cenário acresce uma carga de burocracia asfixiante que de há muito é um dos problemas que inferniza o quotidiano de escolas e professores.

Estes dados mostram “apenas” mais alguns retratos da vida desafiante de muitos dos que tentam cumprir-se, ser professores.

Não há muito a acrescentar ao que aqui tantas vezes tenho escrito e ao que conhecemos. É mau demais, não é uma fatalidade, não é uma surpresa.

Trata-se “apenas” da negligência e incompetência de vários anos de políticas públicas nestas matérias.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

NOTÍCIAS DO DESLUMBRAMENTO DIGITAL, PERDÃO, DA DESMATERIALIZAÇÃO

 Afinal os exames finais do secundário vão ser realizados em papel. Segundo o ME, não se trata de “travar a desmaterialização”, mas de uma alteração no roteiro, coisas da linguística. Entretanto e ao longo do ano realiza-se um processo de testagem à “desmaterialização”, até porque há um financiamento europeu que importa gastar, coisas do tem de ser.

Por outro lado, apesar da preocupação de professores e directores escolares, mantém-se a realização dos exames de 9.º ano em formato digital. A preocupação estende-se às provas de aferição do 2.º, 5.º e 8.º ano, coisas da teimosia deslumbrada com o novo mantra, a transição digital.  

Tinha alguma esperança de que o bom senso e a reflexão sobre o que se passa noutros sistemas educativos que desencadearam uma reflexão e tomadas de decisão relativamente à introdução em termos excessivos dos recursos digitais pudesse contribuir para um maior equilíbrio e prudência na utilização destes recursos, designadamente nos primeiros anos de escolaridade.

Por outro lado, como tem sido divulgado, são conhecidas com demasiada frequência queixas relativas ao acesso a equipamentos por parte dos alunos, à qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de escolas e agrupamentos, a insuficiência dos recursos necessários à adequada utilização dos equipamentos, nas escolas, mas em particular nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo. Acontece ainda que existe uma enorme diversidade na literacia digital dos alunos. Deste cenário podem decorrer situações sérias de desigualdade entre escolas e entre alunos e todos conhecemos múltiplas situações que evidenciam a enorme disparidade de recursos e da sua utilização.

É conhecido também que muitas famílias recusam receber os computadores pois em caso de problemas serão responsáveis pelos equipamentos. Nesta situação estão sobretudo famílias com menores rendimentos o que, naturalmente, não será de estranhar. Uma hipótese seria que a sua utilização estivesse integrada no seguro escolar.

A Associação Nacional de Professores de Informática referiu há algum tempo as dificuldades existentes e também o Presidente do IAVE afirmou já em 2023 que não estavam reunidas as “condições ideais”.

A tutela, que parece entender que a realidade é a projecção dos seus desejos, insiste na digitalização, na base do “vai correr bem” habitual e, por deslumbramento ou por intenção menos clara insiste nas provas digitais, para já no secundário ainda não.

De facto, o processo de realização da avaliação em formato digital tem decorrido em modo, ia escrever “cada tiro, cada melro”, mas como não sou dado às coisas da cinegética e para prevenir alguma reacção, escrevo, “cada cavadela, cada minhoca”.

Como já aqui escrevi, este processo não podia correr assim, é mau, muito mau.

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

PARTIU UM MÁGICO

 Para quem quando era miúdo tinha uma bola de futebol à cabeceira e sempre manteve uma paixão pelo jogo apesar dos tratos que tem merecido, é impossível não falar da partida de Franz Beckenbauer, o “Kaiser” como ficou conhecido.

Foi um dos mágicos do futebol, um dos melhores de sempre, não gosto de falar do melhor de sempre, é difícil comparar, pela época em jogaram, pelo tipo de futebol que se praticava e cada um deles praticava, pela posição em campo, os atributos como desportista e cidadão, etc.

De qualquer forma, Beckenbauer fará sempre parte do pequeno lote dos maiores. Na memória retenho o gozo de o ver jogar no pleno das suas extraordinárias faculdades.

Era uma coisa mágica, de inteligência, técnica, liderança, a jogar numa posição em campo, que se diz “criada” por ele, o “libero”. Foi, como alguns outros, o alimentador da paixão pelo futebol que dura até hoje e contribuiu para o encanto do jogo, era um sol no estádio.

São eles, os mágicos como o “Kaiser”, que levam os miúdos a correr atrás de uma bola, não é o dinheiro, é o sonho.

Foi bom ver jogar Franz Beckenbauer.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

DA IRRESPONSABILIDADE

 Lê-se no DN que o ME ainda não deu cumprimento ao procedimento por infracção desencadeado pela Comissão Europeia em 2021 relativo aos professores contratados que não vêm reflectido no salário o tempo de serviço acumulado. Em Janeiro de 2023 e depois de críticas da Comissão, o ME anunciou a criação de três escalões de vencimento para os docentes sem vínculo mas ainda não se verificou qualquer alteração.

Assim, os professores contratados ainda não têm o seu salário actualizado anualmente, mantendo-se inalterado e significativamente abaixo do vencimento dos seus colegas que integram os quadros. Esta situação afecta milhares de professores com muitos anos de serviço e que não têm conseguido aceder aos quadros em virtude das opções erradas em matéria de política educativa.

Esta situação não é a única razão, mas faz parte do conjunto de dimensões que alimentam o cenário que vivemos de falta de docentes e pouca atracção pela profissão.

Como aqui referi, em Setembro o Ministro da Educação afirmou que o processo ainda estva na fase de “direito de oposição”, “Ainda estamos no diálogo jurídico-legal com a Comissão Europeia”. Como?

“Direito de oposição” a quê? A que um professor veja o seu salário progredir a cada ano de trabalho tal como acontece aos seus colegas?

“Diálogo jurídico-legal”?!

Não senhor Ministro, esta questão não é um problema jurídico-legal, é um problema de ética, de seriedade institucional, de justiça moral e zelo, de equidade, de respeito por profissionais e pelo seu trabalho, pela ordem que lhe parecer melhor.

Gerir esta questão com base nas habilidades processuais jurídicas é inaceitável e ajuda a perceber a forma e a cultura com que o Ministério da Educação tem tratado os professores.

Importa sublinhar que também sabemos, e o Senhor Ministro também sabe, que apesar das dificuldades que o mundo da educação sempre sente, os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

Não há explicação que não a incompetência para situações desta natureza.

E o que é mais grave é que não acontece nada, estamos no reino, perdão, na república da inimputabilidade política.

domingo, 7 de janeiro de 2024

DELINQUÊNCIA, JOVENS E EDUCAÇÃO (DE NOVO)

 No Público encontra-se uma peça que merece atenção. Dados da Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais revelam que no final de 2023 se encontravam detidos 56 jovens entre os 16 e os 18 anos, o número mais elevado desde 2013 sendo ainda relevante o aumento do número de raparigas detidas.

Sendo preocupante não é surpreendente. Como tive oportunidade de aqui referir, em Novembro passado foi divulgado o segundo relatório intercalar da Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta (CAIDJCV), coordenada por Isabel Oneto e integra elementos de diferentes ministérios.

Para além do aumento de situações é particularmente preocupante a severidade dos comportamentos, o abaixamento da idade dos intervenientes, a sensação de impunidade percebida, o nível de ocorrências de criminalidade grupal entre jovens entre outras dimensões.

É também relevante a valorização da resposta dada pelos centros educativos em comparação com a colocação dos jovens em casas de acolhimento

Tenho abordado com regularidade esta questão, delinquência e violência juvenil, e recupero mais alguns dados.

Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna de 2021 verificou-se um aumento de 7,3% do número de ocorrências e no RASI de 2022 de 50,6%. Estes números dizem respeito a factos qualificados como crimes, mas cometidos por jovens entre os 12 e os 16 anos, idade a partir da qual se pode ser responsabilizado por um ilícito criminal. Também a criminalidade grupal cresceu em 2022 (18%) relativamente ao ano anterior, contabilizando 5895 ocorrências, ou seja, mais 11,5% do que as registadas em 2019.

A criminalidade grupal tem gerado uma preocupação crescente pois tem vindo a aumentar, a envolver adolescentes cada vez mais novos e mais raparigas. De acordo com dados da PSP estes grupos são distintos dos gangues, são constituídos por três a trinta elementos, não têm organização estruturada e muitos dos seus elementos têm “insucesso escolar, famílias fragilizadas, percursos desviantes” e as vítimas são também predominantemente jovens.

Mais alguns dados relativos a 2019 considerando a violência nas relações de namoro. Um trabalho de 2020 da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) que envolveu 4598 jovens, do 7.º ao 12.º com idade média de 15 anos, mostrou que para 67% é normal algum tipo de violência e 58% já terá sofrido pelo menos um comportamento de agressão.

Relativamente ao bullying, os estudos em Portugal sugerem uma prevalência entre 10 e 25% e a OMS indica que 1 em cada 3 crianças ou adolescentes será vítima de bullying. No caso mais particular do bullying homofóbico, um trabalho da Associação ILGA Portugal (2018) envolvendo 700 jovens dos 14 e aos 20 anos, refere que 73,6% já sentiu alguma forma de exclusão intencional por parte dos colegas.

Consumo de drogas, dados de 2019. Entre os 13 e os 18 anos aumentou o consumo de drogas não canábis e no grupo de 18 anos aumentou o consumo de canábis. O número de overdoses aumenta há três anos. O consumo de álcool por jovens está a aumentar desde 2017.

Não é, pois, de estranhar o aumento de jovens entre os 16 e os 18 anos a cumprir penas de prisão.

Deixem-me insistir em duas ou três notas que retomo de reflexões anteriores.

Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Creio que já dificilmente se entende que a “família educa e a escola instrói”.

Creio que já dificilmente se entende que a escola forma “técnicos” e não cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas. Aliás, se bem repararem falamos de sistemas de educação e não de sistemas de ensino e ainda bem que assim é.

Creio que já dificilmente se entende que o conhecimento é asséptico. O conhecimento, a sua produção e a sua divulgação, tem, deve ter, sempre um enquadramento ético e não é imune a valores.

Creio que os tempos mais recentes são elucidativos de como a abordagem de matérias como Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde; Sexualidade; Media; Instituições e Participação Democrática; Literacia Financeira e Educação para o Consumo; Segurança Rodoviária; Risco, Empreendedorismo; Mundo do Trabalho, Segurança defesa e paz, Bem-estar animal e Voluntariado são fundamentais ao longo do processo de formação de crianças, jovens e adultos.

Nas sociedades contemporâneas um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Considerando todo este universo parece-me claro que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" devem obrigatoriamente fazer parte do trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar. Sei que, no actual contexto de problemas que a escola atravessa, é particularmente difícil responder com recursos adequados a todas as solicitações, mas é justamente por isso as políticas públicas estão obrigadas mobilizar meios e definir prioridades.

Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das referidas políticas públicas.

Precisamos e devemos discutir como fazer sempre, com que recursos e objectivos, promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e insegurança.

sábado, 6 de janeiro de 2024

O MANUAL DO ALPINISTA

 De vez em quando, esta é uma dessas alturas, o clima político e económico faz-me recordar uma personagem cuja história já aqui contei.

Era uma vez um homem chamado Alpinista. Nasceu numa terra pequena onde muita gente gostava de praticar a subida, na vida, é claro. Uns conseguiam subir alguma coisa, outros nem tanto, mas tinham pena.

O Alpinista, foi um rapaz discreto sem de início revelar algumas especiais capacidades ou dotes que o habilitassem ao sucesso, subir na vida. No entanto, tinha alguma capacidade discursiva, era perspicaz e assertivo, conseguia perceber sem grande dificuldade o caminho a seguir e fazia-o de forma convicta.

Durante a adolescência e olhando para o que se passava naquela terra, quase tudo o que fossem lugares de algum relevo eram ocupados de acordo com o aparelho partidário do partido que ocupasse o poder naquela altura e verificando que também existiam outros lugares com uma exigência de mérito a que ele não acederia, decidiu-se pela via partidária.

Analisou a oferta e optou pelo partido que lhe pareceu com maior probabilidade de ocupar o poder durante mais tempo inscrevendo-se na juventude partidária. Diligentemente o Alpinista cumpria as tarefas que lhe eram cometidas e com a sua capacidade discursiva foi subindo na hierarquia, tendo chegado a um patamar que lhe garantiu um lugar nas listas de deputados em representação da juventude. Entretanto inscreveu-se numa daquelas instituições de ensino em que a exigência para certos cursos e para figuras de algum relevo público não é muito grande, mas que, para compensar, as notas são mais altas e passou a Dr. Alpinista.

O bom desempenho no aparelho do partido e a fidelidade canina no Parlamento, levaram-no a uma irrelevante Secretaria de Estado durante alguns mandatos. A sua acção, socialmente insignificante, mas partidariamente relevante valeu-lhe, à saída do Governo, um lugar na administração de uma empresa de capitais públicos de uma área que ignorava por completo.

Alguns, poucos, anos depois o Alpinista reformou-se, retirando-se para uma das propriedades que faziam parte do património que, entretanto, tinha adquirido e dedicou-se à escrita.

O livro que produziu, autobiográfico, rapidamente se transformou num enorme sucesso, tem por título, “O Manual do Alpinista”.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

PROFESSOR

Segundo o ME, “A 29 de dezembro, estavam sem professor a pelo menos uma disciplina 1.161 alunos". Esta nota divulgada pelo ME será para contrapor à divulgação pela Fenprof da informação, lê-se no DN, que 40 000 alunos recomeçaram as aulas sem terem todos os professores. A Fenprof afirma também que quase 2.000 alunos têm um professor em falta desde o início do ano, ou seja, têm uma disciplina a que nunca tiveram aulas.

Sendo certo que o número, maior ou menor, de alunos sem professores assegurados para todas as disciplinas é importante, o que me parece verdadeiramente preocupante é mesmo existirem no início do segundo período alunos sem professor a todas as disciplinas.

Há décadas que a falta de docentes era identificada e anunciada em múltiplos estudos e relatórios e sucessivas equipas ministeriais, para além de más políticas públicas que afastaram milhares de professores das escolas, ainda negavam a evidência e se proclamava o mantra dos “professores a mais”.

A situação actual mostra essa responsabilidade que, como sempre, ninguém assume e, também como sempre, sabemos para quem sobram os efeitos, o ensino e a educação dos alunos.

Muitas vezes afirmo que professores e alunos constituem dois grupos que sustentam o futuro das comunidades, os alunos porque são eles mesmo o futuro, os professores pelo função que assumem na formação dos alunos, donde, do futuro.

Talvez seja também por razões desta natureza que na iniciativa da Porto Editora, identificação da palavra de Ano, a escolha tenha sido “PROFESSOR”.


quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

O SEGUNDO PERÍODO

 Inicia-se hoje o segundo período escolar ainda que em algumas comunidades educativas se tenha “semestralizado” o ano escolar. Mais do que o terceiro creio que é este o período das decisões. Na verdade, embora falte o terceiro trimestre este que agora começa parece-me ser o mais importante no calendário escolar.

Este reinício de ano escolar continua marcado pela instabilidade nas escolas associada aos problemas que afectam a classe docente. A realização de eleições pode permitir que sejam acauteladas dimensões críticas para sua valorização profissional, adequação da carreira e da avaliação, e atractividade da carreira, imprescindíveis num sistema educativo de qualidade, como muitas vezes aqui tenho abordado. Esperemos para ver.

Relativamente ao trabalho educativo, quando o primeiro trimestre corre bem e o segundo decorre de forma igualmente positiva, normalmente, o sucesso do ano de trabalho escolar estará praticamente assegurado.

Se os dois primeiros períodos não se desenvolverem de forma positiva torna-se, obviamente, bem mais difícil a recuperação durante o terceiro período e o risco de insucesso ou retenção é mais elevado.

Assim, o segundo período é um tempo em aberto, um tempo que permitirá manter bons resultados, recuperar de algumas dificuldades ou “certificar”, antecipando, o insucesso.

É neste aspecto que centro estas notas. De facto, alguns alunos devido aos seus resultados menos positivos no primeiro trimestre, à sua história escolar que poderá incluir eventuais dificuldades ou até pela imagem que deles foi sendo construída, integrarão provavelmente um grupo, “os que não vão lá”, para utilizar uma terminologia frequente no meio escolar.

Dito de outra maneira, a escola, algumas vezes sem se dar conta, outras por ausência de meios ou disponibilidade e outras ainda pela convicção de que é "normal" que nem todos aprendam apesar de possuírem capacidades para tal, constrói sobre alguns alunos uma baixa ou nula expectativa de sucesso que não é alheia ao “eles não vão lá” e cujos efeitos negativos estão estudados.

Neste cenário, a escola pode vir a desistir deles e eles podem vir a desistir da escola através de processos que nem sempre são conscientes, quer por parte da escola, quer por parte de alunos e pais.

Curiosamente, muitos destes alunos que “não vão lá” são reconhecidos como crianças ou adolescentes inteligentes, dotados, de tal maneira que "se eles quisessem" teriam sucesso. O problema é que com alguma frequência, por menor atenção, pelo número de alunos por turma e/ou por falta de recursos, dispositivos de apoio, condições de trabalho, não conseguimos que eles tenham sucesso, tal como eles não conseguem mobilizar eficazmente as suas capacidades para serem bem-sucedidos. Eu sei que a afirmação é forte e pode ser injusta em muitas situações, mas existem alunos de quem a escola, por várias razões, parece ter “desistido”.

Importa, pois, iniciar este segundo período com expectativas positivas face ao trabalho de alunos e de docentes. Por outro lado, é também importante que as expectativas positivas e confiança nas capacidades dos alunos lhes sejam claramente expressas por pais e professores. Finalmente é essencial que os apoios a eventuais dificuldades de alunos e professores estejam disponíveis, sejam suficientes, competentes e estruturados em tempo oportuno.

Volto ao início, a serenidade é um bem de primeira necessidade nos contextos educativos, espero que as decisões no âmbito das políticas públicas em matéria de educação não esqueçam o quanto e o que está causa nas questões que envolvem os professores, a sua valorização, o clima e a autonomia das escolas. Muito do que está não serve, muito do que se anuncia também não, urge um entendimento, a responsabilidade é grande.

O risco de insucesso e exclusão na escola é também o primeiro grande risco, ou mesmo a primeira etapa, da exclusão social.

Eles vão lá. Bom trabalho e Bom Ano.

PS - Os alunos que aqui referiro como "não vão lá" acabam com alguma frequência por "transitar" e até alimentar "percursos de sucesso". Não resolve nenhum problema, continuam sem adquir o que precisariam de adquirir.