É impossível ler sem um sobressalto de inquietação uma peça no JN sobre alunos com
necessidades especiais, sim, com necessidades especiais
que aos 18 anos terminam a escolaridade obrigatória e têm … nada à sua frente.
A propósito do Dia Mundial da Paralisia Cerebral, a Federação
Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social revela em 2016 se registavam 1997
situações de jovens sem apoios à saída do sistema educativo implicando problemas
gravíssimos para as famílias e para os próprios.
Estes jovens terão passado ao longo do seu trajecto
educativo no cumprimento da escolaridade obrigatória por experiências de sucesso independentemente do seu perfil de
competências, felizmente que assim é.
No entanto, para muitos o período que se segue é um enorme
túnel no qual poucas vezes se vislumbra uma luz, sobretudo em situações com
problemáticas mais severas. Desculpem a insistência e a repetição ... mas é
necessário.
Começando pela continuidade no trajecto escolar, no ano
lectivo 2017/2018 frequentaram o ensino superior 1644 alunos com necessidades
especiais, 0,5% do total dos matriculados no ensino superior o que evidencia o
que está por fazer em matéria de equidade e inclusão. Considerando as vagas do
contingente especial para estes estudantes apenas 14% foram ocupadas.
Se a estes dados acrescentarmos que a taxa de desemprego na
população com deficiência é estimada em 70-75% e que o risco de pobreza é 25%
superior à população sem deficiência e que Portugal se orgulha de ter cerca de
98% dos alunos com NEE a frequentar as escolas de ensino regular no período de
escolaridade obrigatória, temos um cenário que nos deve merecer a maior
atenção.
Como tantas vezes tenho dito, aqui e nos espaços de
contextos da lida profissional, a questão da presença dos alunos começa no que
é feito no ensino básico e secundário, e existe muita matéria para reflectir e
sobre as mudanças necessárias.
Por outro lado, é fundamental que com clareza, sem
ambiguidades ou equívocos se entenda e após a escolaridade obrigatória os
jovens, os jovens, têm três vias disponíveis: formação profissional, formação
escolar (ensino superior) ou mercado de trabalho (trabalho na comunidade que
pode ter uma dimensão ocupacional ou mesmo de âmbito terapêutico e
institucional em situações mais greves mas menos frequentes).
A realidade mostra que os jovens com necessidades especiais
estão significativamente arredados destas vias e, voltamos ao mesmo, em muitas
circunstâncias ao abrigo de práticas e modelos de resposta sob a capa da …
inclusão. Muitos deles ficam entregados (não integrados) às famílias, o que
alguém já designou como Ministério Casa, ou encaminham-se para instituições onde, apesar
de algumas experiências muito positivas interessantes, se recicla a exclusão.
Mas mesmo o acesso a instituições nem sempre fácil.
Esta dificuldade de acesso envolve quer a resposta no âmbito
da formação profissional, quer no apoio a situações com problemáticas mais
severas.
Desculpem a enésima repetição mas um processo de inclusão
assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na
comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas),
Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns),
Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer
(sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco
dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e
independência.
As pessoas com NEE de diferente natureza depois dos 18 anos
devem ser, estar, participar e pertencer até aos contextos que todas as outras
pessoas com mais de 18 anos estão. As instituições ou voltar para a família será
sempre um recurso e muito bem regulado e apoiado, nunca uma via.
É também claro que no âmbito do ensino superior importa que
se proceda a ajustamentos de natureza diversa, atitudes, representações e
expectativas, oferta formativa, custos, acessibilidades e apoios ou, aspecto
fundamental, promover melhor articulação com o ensino secundário.
As questões mais complexas decorrem, os estudos e a
experiência sugerem-no, das barreiras psicológicas e das atitudes, pessoais e
institucionais, seja de professores, direcções de escola, da restante
comunidade, incluindo, naturalmente, professores do ensino básico e secundário
e de "educação especial", técnicos, os alunos com necessidades
especiais e famílias.
Também é minha convicção de que as preocupações com a
frequência do ensino superior por parte de alunos com necessidades especiais é
fundamentalmente dirigida aos alunos que manterão as capacidades suficientes
para aceder com sucesso à oferta formativa tal como ela existe. Estou a
referir-me, evidentemente, aos alunos que não têm “diagnóstico” de problemas de
natureza cognitiva.
No entanto, como tantas vezes digo, esta preocupação deveria
ser mais alargada, estamos a falar de inclusão. Sim, frequentar o ensino
superior onde estão jovens da sua idade e em que a oferta formativa se for
repensada e a experiência de vida proporcionada podem ser importantes.
Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências noutras
paragens mas também por cá mostram que não é utopia.
O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho
afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.
Eu já disse e escrevi isto várias vezes e em múltiplos
contextos e ocasiões. Peço desculpa, mas continuarei a fazê-lo. Os velhos são
teimosos.