Há mais de 40 anos estava eu a assistir à prova oral do meu colega Fernando na disciplina de Ciências Naturais, acho que era assim que se chamava, do 5º ano do antigo curso do Liceu, quando o Setôr Jardim, professor competente mas demasiado sério para o nosso gosto, disse ao meu colega para ir buscar uma peça que se encontrava numa mesa com materiais de apoio às provas. Tratava-se de um papagaio embalsamado, empoleirado num pequeno tronco.
Com o papagaio na mão do Fernando, o Setôr Jardim exigiu a classificação do bicho. O meu colega respondeu terminando com a referência à pertença ao grupo das Trepadoras, não sei se será ainda uma designação actual. Inquirido sobre a justificação, respondeu que se devia ao facto de estar equipado com dedos opostos nas patas que optimizavam a função de trepar.
Num raro momento de humor, mas mantendo a habitual sisudez, o professor perguntou-lhe como sabia ele tal coisa se desde o início agarrava o papagaio pelas patas. Pois o meu amigo Fernando respondeu tranquilamente que tinha um papagaio em casa. O exame acabou por ali, com sucesso, diga-se.
Tal como naquele tempo, creio que uma parte da nossa escola ainda desconhece, ou não quer conhecer, o que os miúdos já sabem quando se sentam, seja aprendido em casa, nos ecrãs onde se fecham ou noutro qualquer cenário que não a sala de aula. O que há para saber está dentro do manual, dos manuais. O que os miúdos carregam, bom ou mau, muito ou pouco, ou não é valorizado ou nem sequer é conhecido.
A escola é sempre melhor sucedida quando conhece o que os miúdos sabem e os leva a um passo adiante.
Como sempre digo, a gente só aprende a partir do que já sabe. Por isso é que muitos miúdos experimentam sérias dificuldades para darem passos na aprendizagem que, algumas vezes, são maiores que as suas pernas.
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