Um destes dias estava a Professora Manuela na sala de professores à espera de mais uma das imensas reuniões que ocupam o tempo dos docentes, as mais das vezes sem utilidade de maior, quando apareceu o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, para o chá habitual.
Como não podia deixar de ser,
trabalho de professor é assim, a conversa deslizou para os gaiatos, em
particular para o Márcio que andava a inquietar a Professora Manuela porque o
sentia menos bem, desatento, desinteressado, com reacções que não eram muito
frequentes, a deixar as tarefas por acabar e sem muita preocupação com a
qualidade. Para além disso, e era a maior inquietação da Professora é que,
quando tenta falar com o Márcio, com quem até acreditava ter uma reacção
tranquila, ele mostra-se nada disponível, diz que está tudo bem, fecha-se como
se estivesse numa concha.
O Professor Velho, acenando a
cabeça sublinhou, "é talvez um miúdo blindado, agora tem estado em moda
falar de blindados".
Que queres dizer com isso,
Velho?
Algumas vezes, alguns miúdos,
por razões que nem sempre são muito nítidas mergulham num mal-estar que os
empurra para a construção de uma espécie de concha, blindagem como eu lhe
chamei, no sentido de ficar, ou de sentir, ou mesmo de parecer que estão bem e
mascarar o seu desassossego que poderá vir de dentro, de fora, ou de dentro e
de fora.
Mas Velho, sendo assim, e
estando o Márcio blindado como tu dizes, como posso perceber o que o inquieta e
tentar ajudar.
Baixinho e sem pressionar
tenta perceber que sonhos sonha o Márcio. Como sabes, não é possível fechar os
sonhos numa concha e talvez consigas perceber o que carregam os sonhos do
Márcio. Se conseguires, vais ser capaz de o ajudar e tenho quase a certeza que
ele quer e precisa dessa ajuda. A que chega dos professores e dos outros adultos
atentos aos sonhos dos miúdos.
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