Não pode deixar de ser, é dia 25 de Abril. É o dia em que toda a gente, quase, fala daquele 25 de Abril, o de 74. Mais do que nunca importa recordar os valores inspiradores do 25 de Abril. Muito do que considerámos adquirido está de novo em causa e assombra-nos os dias.
Quase sem nos darmos conta os anos passam, já lá vão 50 anos. Actualmente, boa parte da população portuguesa não viveu o 25 de Abril de 1974, nem o 24 de Abril com tudo o que continha. Talvez por isso e sem esquecer tudo o que aconteceu nestes 50 anos de bom e de menos bom, valha a pena olhar um pouco para o 24 de Abril de 74 e que sustentou o desencadear da mudança e pode sustentar o caminho para o futuro.
É verdade que a história tende a
ser uma espécie de adereço, tal como a generalidade das ciências sociais e não
uma potente ferramenta de desenvolvimento das comunidades. Estamos num tempo em
que à história se dá pouca atenção e o futuro é percebido como muito longe,
vive-se a urgência do hoje. No entanto, perceber e conhecer o que foi a estrada
que percorremos é fundamental para viver e conhecer o presente e querer
construir um futuro com uma visão escolhida por nós.
É verdade que temos vivido tempos
difíceis, mas também é verdade que não é sequer possível comparar o país de
hoje com o país de 1973. Já passaram 50 anos, para refrescar algumas memórias
ou contar alguma história aos mais novos, deixem que vos fale um pouco da
escola do meu tempo, o tempo dos anos cinquenta e sessenta.
Escolho voltar a falar da escola
porque é um universo que conheço um pouco melhor, mas poderia fazer o mesmo
exercício em muitas outras áreas de funcionamento da nossa sociedade. Não me
esqueço, antes pelo contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o
resto, também tem atravessado, atravessa e provavelmente sempre viverá
dificuldades e problemas sérios, mas só a falta de memória, uma qualquer agenda
ou o desconhecimento sustentam o “antigamente era melhor” e inquietam-me
discursos que emergem defendendo “aquela” escola, “aquela” educação, a de
“antigamente”. Já não é a primeira vez que falo disto e não será certamente a
última. Vejamos, pois, um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já
se vê.
A escola que havia lá para trás
no tempo não era grande, nem pequena, era triste. A maioria das pessoas que por
lá andavam era, naturalmente, triste. É claro que nós miúdos também nos
divertíamos e ríamos, os miúdos são resilientes e … são miúdos.
As pessoas que mandavam na escola
estabeleciam o que toda a gente tinha de aprender, fazer, dizer e pensar. Quem
pensasse, dissesse ou fizesse diferente podia até sofrer algum castigo, mesmo
os professores, não eram só os alunos. Não se podia inventar histórias, as
pessoas contavam só histórias já inventadas. Às vezes, os miúdos e os
professores, às escondidas, inventavam histórias novas.
Eu andei nesta escola lá para
trás no tempo.
E na escola do meu tempo nem
todos lá entravam e muitos dos que o conseguiam saíam ao fim de pouco tempo,
ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava, outros
completavam a quarta classe, a escolaridade obrigatória naquela altura. Chegava.
Alguns outros, nem se entendia
que deveriam estar na escola, eram pessoas com deficiência, ainda não sabíamos
falar de necessidades educativas especiais nem de inclusão, que iriam fazer
para a escola.
E na escola do meu tempo os
rapazes estavam separados das raparigas.
E na escola do meu tempo havia um
só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.
E na escola do meu tempo
levavam-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.
E na escola do meu tempo
ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que
fosse.
E na escola do meu tempo eu era
“obrigado” a ter catequese, religiosa e política.
E na escola do meu tempo
aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e
dos filhos.
E na escola do meu tempo não
aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o
campo”. Quanto menos estudassem, menos perguntas e dúvidas teriam.
E na escola do meu tempo não se
falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal
cinzento e pequenino.
Na escola do meu tempo eu era
avisado em casa para não falar de certas coisas na escola, era perigoso.
Quem mandava no país achava que
muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas. Ao meu pai perguntaram
porque me tinha posto a estudar depois da quarta classe, não era frequente
naquele meio, para ser serralheiro como ele não precisava de estudar mais.
Sim, eu sei, não precisam de me
dizer que a escola deste tempo tem muitas coisas, embora com outras vestes e
discursos, que nos recordam a escola do meu tempo. Nem tudo está bem, longe
disso e algumas questões não mudaram na substância, apenas se actualizaram. No
entanto, o caminho é melhorar a escola deste tempo não é, não pode ser, querer
a escola do meu tempo.
Eu andei naquela escola lá para
trás no tempo.
Por isso, quando falam da escola
hoje, penso, nunca mais voltarei a andar naquela escola. E não quero que os
meus netos e os outros miúdos andem numa escola como aquela, a minha escola, lá
para trás no tempo.
Também por isso hoje falamos do
25 de Abril de 1974 e do que os tempos nos trouxeram.
25 de Abril sempre.
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