quinta-feira, 25 de abril de 2024

DO 25 DE ABRIL. A ESCOLA

 Não pode deixar de ser, é dia 25 de Abril. É o dia em que toda a gente, quase, fala daquele 25 de Abril, o de 74. Mais do que nunca importa recordar os valores inspiradores do 25 de Abril. Muito do que considerámos adquirido está de novo em causa e assombra-nos os dias.

Quase sem nos darmos conta os anos passam, já lá vão 50 anos. Actualmente, boa parte da população portuguesa não viveu o 25 de Abril de 1974, nem o 24 de Abril com tudo o que continha. Talvez por isso e sem esquecer tudo o que aconteceu nestes 50 anos de bom e de menos bom, valha a pena olhar um pouco para o 24 de Abril de 74 e que sustentou o desencadear da mudança e pode sustentar o caminho para o futuro.

É verdade que a história tende a ser uma espécie de adereço, tal como a generalidade das ciências sociais e não uma potente ferramenta de desenvolvimento das comunidades. Estamos num tempo em que à história se dá pouca atenção e o futuro é percebido como muito longe, vive-se a urgência do hoje. No entanto, perceber e conhecer o que foi a estrada que percorremos é fundamental para viver e conhecer o presente e querer construir um futuro com uma visão escolhida por nós.

É verdade que temos vivido tempos difíceis, mas também é verdade que não é sequer possível comparar o país de hoje com o país de 1973. Já passaram 50 anos, para refrescar algumas memórias ou contar alguma história aos mais novos, deixem que vos fale um pouco da escola do meu tempo, o tempo dos anos cinquenta e sessenta.

Escolho voltar a falar da escola porque é um universo que conheço um pouco melhor, mas poderia fazer o mesmo exercício em muitas outras áreas de funcionamento da nossa sociedade. Não me esqueço, antes pelo contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o resto, também tem atravessado, atravessa e provavelmente sempre viverá dificuldades e problemas sérios, mas só a falta de memória, uma qualquer agenda ou o desconhecimento sustentam o “antigamente era melhor” e inquietam-me discursos que emergem defendendo “aquela” escola, “aquela” educação, a de “antigamente”. Já não é a primeira vez que falo disto e não será certamente a última. Vejamos, pois, um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já se vê.

A escola que havia lá para trás no tempo não era grande, nem pequena, era triste. A maioria das pessoas que por lá andavam era, naturalmente, triste. É claro que nós miúdos também nos divertíamos e ríamos, os miúdos são resilientes e … são miúdos.

As pessoas que mandavam na escola estabeleciam o que toda a gente tinha de aprender, fazer, dizer e pensar. Quem pensasse, dissesse ou fizesse diferente podia até sofrer algum castigo, mesmo os professores, não eram só os alunos. Não se podia inventar histórias, as pessoas contavam só histórias já inventadas. Às vezes, os miúdos e os professores, às escondidas, inventavam histórias novas.

Eu andei nesta escola lá para trás no tempo.

E na escola do meu tempo nem todos lá entravam e muitos dos que o conseguiam saíam ao fim de pouco tempo, ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava, outros completavam a quarta classe, a escolaridade obrigatória naquela altura. Chegava.

Alguns outros, nem se entendia que deveriam estar na escola, eram pessoas com deficiência, ainda não sabíamos falar de necessidades educativas especiais nem de inclusão, que iriam fazer para a escola.

E na escola do meu tempo os rapazes estavam separados das raparigas.

E na escola do meu tempo havia um só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.

E na escola do meu tempo levavam-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.

E na escola do meu tempo ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que fosse.

E na escola do meu tempo eu era “obrigado” a ter catequese, religiosa e política.

E na escola do meu tempo aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e dos filhos.

E na escola do meu tempo não aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o campo”. Quanto menos estudassem, menos perguntas e dúvidas teriam.

E na escola do meu tempo não se falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal cinzento e pequenino.

Na escola do meu tempo eu era avisado em casa para não falar de certas coisas na escola, era perigoso.

Quem mandava no país achava que muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas. Ao meu pai perguntaram porque me tinha posto a estudar depois da quarta classe, não era frequente naquele meio, para ser serralheiro como ele não precisava de estudar mais.

Sim, eu sei, não precisam de me dizer que a escola deste tempo tem muitas coisas, embora com outras vestes e discursos, que nos recordam a escola do meu tempo. Nem tudo está bem, longe disso e algumas questões não mudaram na substância, apenas se actualizaram. No entanto, o caminho é melhorar a escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.

Eu andei naquela escola lá para trás no tempo.

Por isso, quando falam da escola hoje, penso, nunca mais voltarei a andar naquela escola. E não quero que os meus netos e os outros miúdos andem numa escola como aquela, a minha escola, lá para trás no tempo.

Também por isso hoje falamos do 25 de Abril de 1974 e do que os tempos nos trouxeram.

25 de Abril sempre.

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