terça-feira, 28 de março de 2017

"ESCOLA A TEMPO INTEIRO - Mais um equívoco""

A preocupação hoje conhecida do Conselho Nacional de Educação relativa ao impacto negativo que o programa “Escola a tempo inteiro” pode implicar levou-me a procurar um dos primeiros textos que escrevi no Atenta Inquietude, “Escola a Tempo Inteiro – mais um equívoco”, em Fevereiro de 2007. Aliás, tendo participado em várias iniciativas e debates na altura do seu lançamento já estava habituado a ser o tipo que levantava dúvidas sobre algo que parecia e era apresentado como cheio de virtudes.
Por curiosidade ecom a vossa licença aqui fica, dez anos depois ainda parece actual no seu conteúdo apesar da desactualização histórica. Coisa estranha não é? 

“A iniciativa do Ministério da Educação divulgada sob o desígnio "ESCOLA A TEMPO INTEIRO" sendo dirigida a um problema presente na generalidade das comunidades educativas, a ocupação e supervisão das crianças fora dos tempos lectivos/escolares, tem, na sua implantação e desenvolvimento, evidenciado mais um dos muitos equívocos presentes nas políticas e iniciativas subscritas por esta equipa ministerial.
Não me refiro aos incidentes relativos à organização e ao mau aproveitamento do muito que nesta matéria era já realizado, por exemplo, através de ATL(s) a funcionar no âmbito de parcerias com as Associações de Pais. Interessa-me sobretudo a dimensão da qualidade educativa dos espaços e conteúdos definidos, fundamentalmente, nas escolas do 1º ciclo do ensino básico pela reconhecida importância de promover desde início experiências educativas de qualidade, pois ... "o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita".
O equívoco existe ao confundir a importante necessidade de "EDUCAÇÃO A TEMPO INTEIRO" com "ESCOLA A TEMPO INTEIRO". Na prática em muitas situações que conheço verifica-se:
- A dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação para ensino de inglês ou trabalho noutras actividades, com crianças dos 6 aos 10. Recorre-se então a docentes de inglês do 2º e 3º ciclo e ensino secundário ou, em alguns casos, a pessoas com formação académica mas sem formação pedagógica, em inglês, por exemplo. Em muitas situações este procedimento resulta na réplica para as crianças de aulas e actividades pensadas para pré-adolescentes e adolescentes. O benefício imediato é quase nulo e a consequência a prazo poderá ser a desmotivação, no mínimo.
- O modelo de organização do trabalho, sendo desenvolvido por professores ou outros elementos desconhecedores do modelo de funcionamento do 1º ciclo, mostra-se, com frequência, completamente desajustado. Como exemplo, refiro o horário de um grupo de 1º ano (crianças com 6 anos): trabalham com a professora da turma das 9h às 12 e das 13 e 15 às 15 e 15, e todos os dias têm a seguir dois ou três tempos de 45 minutos até às 17 e 30 ou 18.
Verificamos assim que as crianças estão envolvidas em tarefas de natureza escolar durante um tempo que nestas idades se torna completamente excessivo e contraproducente. Quero sublinhar que o que me parece errado não é tanto o tempo em que as crianças se envolvem em trabalho e que estão na escola, mas sim a natureza desse trabalho, "licealizado", ou seja, organizado por tempos, de forma rígida e ocupado com conteúdos e tarefas não compatíveis com crianças deste escalão etário.
Este quadro ilustra, creio, o equívoco a que me referi. Em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja educativo a tempo inteiro, preenchido na escola e com qualidade, assistimos à definição de uma pesada agenda de actividades que está a motivar situações de relação com a escola turbulenta e reactiva. Alguns pais têm optado por retirar (quando e se podem) os seus filhos deste tipo de actividades.
Como entendo que esta matéria é susceptível de diferentes entendimentos, gostaria de conhecer opiniões e experiências que ajudassem à reflexão e ao conhecimento de outras realidades que desejaria mais positivas.”
O resto tem sido conhecido e ainda penso da mesma forma sobre este equívoco 

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