quarta-feira, 15 de março de 2017

O TEMPO DA EDUCAÇÃO E O TEMPO DA POLÍTICA

Ao que se lê na imprensa de hoje, o Primeiro-mistro terá determinado “travar” ou “embargar” a promoção de mudanças de natureza curricular já no próximo ano lectivo iniciando-se o processo de forma experimental em algumas escolas.
As razões divulgadas prendem-se com a “oportunidade” pois o início do ano lectivo coincide com a realização das eleições autárquicas e o eventual “ruído” da mudança pode ter custos políticos.
Esta alegada decisão recorda-me um episódio que se passou comigo há muitos anos numa altura em que trabalhava nos serviços centrais do Ministério da Educação.
Uma vez que se tratava de matéria à qual estava ligado dentro das minas competências fui com a responsável do serviço a “despacho” com um Secretário de Estado. Depois de apresentar e fundamentar o documento, tinha ver com a área da educação especial, obtenho como resposta algo desta natureza, “Parece-me positivo, bem sustentado, passível de se realizar mas não me parece oportuno”. O assunto morreu ali e, mais uma vez, mudanças importantes atrasaram-se ou não se fizeram. É preciso de dizer que a matéria em causa não tinha a amplitude e impacto que mudanças curriculares podem assumir.
No entanto, julgo que podemos reflectir sobre esta coisa do tempo da educação e do tempo da política.
Relativamente às mudanças curriculares que como já tenho escrito considero necessárias, dado o seu impacto julgo que se devem promover assegurando e respeitando alguns aspectos dos quais sem esgotar ou hierarquizar refiro alguns.
O objectivo e conteúdo das mudanças devem assentar até ao limite possível em algum consenso. Este consenso deve ser construído de forma verdadeiramente partilhada e participada. Eu sei que a conflitualidade de interesses em jogo, alguns eventualmente para além da educação e da sua qualidade, tornam difícil este consenso mas tem que ser proactivamente tentado e publicamente conhecido incluindo as divergências não ultrapassadas. É uma questão de responsabilidade e ética.
O processo de mudança deve ser objecto de calendário e metodologias e horizonte de estabilidade também eles construídos de forma participada e transparente pelos diversos actores com divulgação ampla e antecipando estratégias de transição ou incidentes e formas de os acomodar com um mínimo de impacto. Todos os processos de mudanças contêm sobressaltos e há que os ultrapassar.
A natureza da mudança, dos seus objectivos, da sua necessidade, deve ser bem divulgada junto das comunidades. Esta informação não deve ser confundida com a utilização da “imprensa amiga” para manipular ou campanhas na imprensa “inimiga” para atacar por questões de agenda política. Eu sei que estou a pedir demais mas seria necessário que assim fosse.
As questões curriculares não podem ser analisadas de forma isolada pois são apenas uma parte do complexo processo educativo. Neste quadro terá de ser acautelado o impacto e eventuais alterações por exemplo, na autonomia da escola, na sua organização e funcionamento das escolas, nos dispositivos de apoio, no número de alunos por turma, nos modelos e dispositivos de avaliação, na formação e organização da carreira dos professores, (será que os actuais grupos disciplinares são a melhor forma de organização e gestão de recursos?), etc..
Assim sendo, perceberia e concordaria com uma processo cauteloso e sem pressas, perceberia e concordaria com um tempo de desenvolvimento que lhe desse estabilidade, sucesso e envolvimento. O tempo da educação tem requisitos que devem ser considerados.
Este tempo da educação e os seus requisitos, mesmo os de natureza política, não é compatível com o tempo da política quando se se consideram as questões da partidocracia e da contabilidade eleitoral. 
Travar ou embargar a mudanças eventualmente “só” porque temos eleições e a coisa pode não ficar “simpática”, não é algo de que goste e é de todos os tempos como recordei no episódio acima referido. É a politica, estúpido.

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