Voltemos à questão dos resultados da colocação 1.ª fase de candidatura ao ensino superior, agora na sua dimensão mais preocupante e que se antecipava pelo abaixamento do número de candidaturas. Foram colocados menos 6064 estudantes colocados, 12,1% abaixo do ano anterior. O ensino politécnico e no interior parece ser mais afectado com quebras de 40% em algumas instituições.
Por outro lado, e ainda mais preocupante, também voltou a
baixar o número de alunos colocados oriundos de famílias com baixo rendimento.
Foram colocados nesta fase 1548 estudantes do escalão A, dos quais 1123
estudantes vindos do contingente prioritário criado em 2023 para os
beneficiários de escalão A de acção social escolar. Em 2024 tinham sido 1655, 1178
através do contingente prioritário.
Face a este cenário, algumas notas em linha com o que
escrevi há pouco tempo quase conheceram os dados da candidatura que antecipavam
o cenário das colocações.
Não me parece que a razão para o abaixamento deste ano
assente de forma significativa no ajustamento do processo de conclusão e exames
do secundário assim como as oscilações demográficas também não o explicarão.
Para além de um eventual cenário de desencanto ou ausência
em muitos jovens de uma imagem criadora de futuro associada a qualificação de
nível superior, creio que os custos de frequência do ensino superior entre
propinas, materiais, vida diária e necessidades de deslocação e alojamento
difíceis de suportar para muitos jovens e famílias e um dispositivo de bolsas
insuficiente um peso significativo neste abaixamento de candidaturas.
Os custos de deslocação e alojamento estarão foram do
alcance de muitas famílias. No Correio da Manhã, com base em dados do Observatório de
Alojamento Estudantil, lê-se que o custo médio nacional é de 415 euros e no último mês estariam
disponíveis no último mês perto de seis mil quartos, mais de metade eram na
região de Lisboa, onde haverá cerca de 50 mil estudantes deslocados. Ainda segundo
o Observatório um quarto em Lisboa custa, em média, 500 euros por mês, mas pode
chegar a 714 euros, o mais elevado do país. No Porto, o custo médio é de 400
euros, em Faro é de 380 euros, no Funchal é 465 euros e em Ponta Delgada, 400
euros. O Governo e algumas instituições de ensino superior têm anunciado a
criação de mais camas para estudantes do ensino superior, mas o cenário é muito
complicado e dificulta o acesso e frequência do ensino superior.
Aliás, para além deste menor número de alunos a
candidatar-se ao superior também se verifica um aumento do abandono de
estudantes no final do primeiro ano de frequência.
De acordo com o divulgado no portal Inforcursos pela Direcção-Geral de Estatísticas da
Educação e Ciência, em 23/24, nos cursos técnicos superiores profissionais,
CTeSP, 28.1% dos alunos não estavam a frequentar o ensino um ano depois de
iniciarem o curso e nas licenciaturas a taxa de abandono é de 11,2%, também
superior aos anos anteriores.
A estes indicadores não serão certamente alheios os custos
da frequência do ensino superior ou o “desencanto” com a escolha.
Como tantas vezes tenho afirmado, a qualificação é um bem de
primeira necessidade e um forte contributo para projectos de vida bem-sucedidos
pelo que o elevado abandono é uma questão crítica como crítica será a não
candidatura de muitos jovens.
Sabe.se também que se tem verificado um aumento do número de
candidatos a bolsa e é também reconhecido que em muitas famílias se tem
verificado uma perda de rendimento.
No entanto, apesar destas dimensões poderem constituir
alguma justificação a verdade em termos estruturais é estudar no superior é
muito caro em Portugal e nem a recente alteração do regulamento de atribuição
de bolsas minimizou esta situação.
Volto a um dado já aqui citado.
De acordo com o Relatório do CNE, "Estado da Educação 2019", a
percentagem de alunos que em Portugal acede a bolsas de estudo para o 1º ciclo
do superior está no segundo escalão mais baixo da análise, entre 10 e 24,9%.
Para comparação, Irlanda, Países Baixos estão no intervalo entre 25% e 49,9% e
a Suécia no superior a 75%. Países como Espanha, França, Reino Unido e muitos
outros têm percentagens de alunos com apoio superiores a nós e, sem estranheza,
também maior nível de qualificação.
Estudos comparativos
internacionais, “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe”, por
exemplo, também mostram que as famílias portuguesas são das que suportam uma
fatia maior dos custos de frequência do superior sendo que ainda se verifica
uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de
escolarização e estatuto económico das famílias.
Apesar de um abaixamento do valor
as propinas no ensino público, as dificuldades sentidas por muitos estudantes
do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no
sistema privado com valores bem mais altos de propinas, são frequentemente
consideradas, do meu ponto de vista, de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas.
Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é
um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.
Não é particularmente animador o
que a actual Secretária de Estado do Ensino Superior, Cláudia Sarrico, tenha
referido em 2022 que, “as propinas de licenciatura são baixíssimas — muito
menos do que se paga pelo infantário dos miúdos”, e que o “ensino superior
gratuito, ou quase, tem um efeito regressivo”.
A questão é que a educação e
qualificação são a melhor forma de promover desenvolvimento e cidadania de
qualidade pelo que as políticas públicas devem enquadrar e sustentar os
processos de educação e qualificação dos cidadãos, de todos os cidadãos.
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