quinta-feira, 28 de agosto de 2025

NÃO MATEM AS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANIDADES

 A decisão do Governo de promover uma alteração substantiva na área da política científica ao extinguir a Fundação para Ciência e Tecnologia e a Agência Nacional de Inovação substituindo estas instituições por uma Agência para a Investigação e Inovação (AI2), obteve o parecer positivo do Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Trata-se de um órgão de consulta do executivo que reúne instituições públicas da área, investigadores e representantes das empresas.

Em toda a extensa peça do Público sobre esta questão é patente a orientação política em matéria de Ciência e Investigação e reconhecida pelo Conselho, citando “O sucesso das mudanças será avaliado pela “medição do retorno dos investimentos públicos”, seja a “criação de produtos e serviços”, a “geração de spin-offs e startups”, a “comercialização de propriedade intelectual” ou a “criação de emprego qualificado e valorização a médio e longo prazo” que acabe com a actual “desconexão entre ciência fundamental, desenvolvimento tecnológico e comercialização”.

Tal entendimento está em linha com o que Ministro Fernando Alexandre tem defendido. Em 2021, em estudo realizado para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, entendia que para desenvolver o crescimento, o país devia centrar-se em criar produtos com incorporação de ciência e tecnologia.

Este entendimento agora reforçado pela posição do Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação vem aumentar o receio de continuidade num processo que tem vindo a desenvolver-se de há uns anos para cá com subvalorização dos apoios à investigação na área das ciências sociais e das humanidades.

Este caminho de sobrevalorização das áreas STEM não é novo e os tempos que vivemos, como verificamos pela decisão, tomada não auguram alteração da trajectória.

Em 2014, Devon Jensen, professor universitário com trabalho desenvolvido sobre o papel das universidades, a sua relação com os governos e o mundo económico e empresarial, apresentou em Lisboa uma conferência com a estimulante interrogação como título, “Is Higher Education Merely a Servant of the Economy?”.

Em entrevista ao Público Devon Jensen sublinhou a importância do desenvolvimento do ensino superior e da investigação, acentuando o papel nuclear da formação e investigação nos domínios das ciências sociais e das humanidades.

Foi há mais de 10 anos e a trajectória não se inflectiu, pelo contrário, acentuou-se esta desvalorização e continuamos no reforço desta perspectiva nas políticas públicas de investigação.

Tendo estado nas últimas décadas ligado à academia e à área das ciências sociais e humanidades, ouvi e senti com frequência, os discursos de desvalorização mesmo vindo de colegas, sobretudo das áreas STEM. Em termos institucionais as políticas públicas em matéria de ensino superior e investigação têm dado o seu contributo para o cenário actual.

Não é um caminho adequado, antes pelo contrário, sendo óbvia a importância das áreas STEM, o mundo em que vivemos com mudanças significativas em matérias sociais, nos comportamentos, nos valores, na formação dos indivíduos, etc., torna crítica a investigação e a produção de conhecimento nestes domínios e articulação de todo o conhecimento produzido.

A História não vos absolverá.

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