sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

VEMOS, OUVIMOS E LEMOS ...

 Sim, eu sei, estamos no tempo das Boas Festas, da entrada num Ano Novo, mas recordando a Cantata da Paz de Sophia de Mello Breyner Andresen, “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.

Vem este início a propósito de uma peça no JN sobre o abaixamento do número de crianças em situação de pobreza que frequentam a educação pré-escolar.

Com base em dados do Eurostat que também aqui referi em Junho, em Portugal, no final de 2023, considerando a primeira infância, até aos seis anos, a taxa de risco de pobreza é de 21,6%, um aumento de 4%, face a 2022.

Em 2023, 13,4% destas crianças não frequentam o jardim de infância, o dobro do verificado no ano anterior.

Importa ainda que a percentagem que frequenta o jardim de infância 24h semanais ou menos aumentou de 1,6% para 14,9% e o número de crianças que frequenta a tempo inteiro, 25h ou mais, baixou 20 pontos para 71,7%.

A educação do pré-escolar por parte de crianças que não se encontram em risco de pobreza é de cerca de 89,1%. Continua, assim, a verificar-se uma consistente dificuldade no acesso a educação pré-escolar.

Se atentarmos na idade de creche, dos 0 aos três anos e recuperando o relatório “Portugal, Balanço Social 2023”, realizado pela Nova SBE Economics for Policy. De acordo com o trabalho, 82% das crianças pobres com três anos ou menos não frequentam pelo menos 30h de creche.

Continuamos com uma enorme dificuldade em minimizar os riscos de pobreza e exclusão e sabemos como o acesso à educação é uma poderosa alavanca de desenvolvimento.

Apesar da gratuitidade da frequência da creche em 2022, a insuficiência de vagas dificulta o acesso das famílias de menor rendimento apesar de alguns efeitos decorrentes do Programa Creche Feliz.

Está bem estudada a relação entre a situação económica, laboral e nível de literacia familiar no trajecto pessoal. E também sabemos que situações de "guetização da pobreza" são um obstáculo à sua minimização.

Também sabemos que a pobreza tem claramente uma dimensão estrutural e intergeracional, as crianças de famílias pobres demorarão até cinco gerações a aceder a rendimentos médios, um indicador acima da média europeia.

A escola é certamente uma ferramenta poderosa de promoção de mobilidade social, mas, por si só, dificilmente funciona como elevador social. Muito menos o fará em circunstâncias em que a maioria vive em piores condições.

O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares como o rendimento escolar ou o comportamento é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas.

Esta questão deveria ser uma prioridade clara nas políticas públicas.

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