Sim, eu sei, estamos no tempo das Boas Festas, da entrada num Ano Novo, mas recordando a Cantata da Paz de Sophia de Mello Breyner Andresen, “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.
Vem este início a propósito de
uma peça no JN sobre o abaixamento do número de crianças em situação de pobreza que frequentam a educação pré-escolar.
Com base em dados do Eurostat que
também aqui referi em Junho, em Portugal, no final de 2023, considerando a
primeira infância, até aos seis anos, a taxa de risco de pobreza é de 21,6%, um
aumento de 4%, face a 2022.
Em 2023, 13,4% destas crianças não
frequentam o jardim de infância, o dobro do verificado no ano anterior.
Importa ainda que a percentagem
que frequenta o jardim de infância 24h semanais ou menos aumentou de 1,6% para
14,9% e o número de crianças que frequenta a tempo inteiro, 25h ou mais, baixou
20 pontos para 71,7%.
A educação do pré-escolar por
parte de crianças que não se encontram em risco de pobreza é de cerca de 89,1%.
Continua, assim, a verificar-se uma consistente dificuldade no acesso a
educação pré-escolar.
Se atentarmos na idade de creche,
dos 0 aos três anos e recuperando o relatório “Portugal, Balanço Social 2023”,
realizado pela Nova SBE Economics for Policy. De acordo com o trabalho, 82% das
crianças pobres com três anos ou menos não frequentam pelo menos 30h de creche.
Continuamos com uma enorme
dificuldade em minimizar os riscos de pobreza e exclusão e sabemos como o
acesso à educação é uma poderosa alavanca de desenvolvimento.
Apesar da gratuitidade da
frequência da creche em 2022, a insuficiência de vagas dificulta o acesso das
famílias de menor rendimento apesar de alguns efeitos decorrentes do Programa
Creche Feliz.
Está bem estudada a relação entre
a situação económica, laboral e nível de literacia familiar no trajecto
pessoal. E também sabemos que situações de "guetização da pobreza"
são um obstáculo à sua minimização.
Também sabemos que a pobreza tem
claramente uma dimensão estrutural e intergeracional, as crianças de famílias
pobres demorarão até cinco gerações a aceder a rendimentos médios, um indicador
acima da média europeia.
A escola é certamente uma
ferramenta poderosa de promoção de mobilidade social, mas, por si só,
dificilmente funciona como elevador social. Muito menos o fará em
circunstâncias em que a maioria vive em piores condições.
O impacto das circunstâncias de
vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares como o
rendimento escolar ou o comportamento é por demais conhecido e essas
circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso
e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências
significativas ao nível das necessidades básicas.
Esta questão deveria ser uma prioridade
clara nas políticas públicas.
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