quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

A MATEMÁTICA É DIFÍCIL E CHATA. SERÁ DESTINO?

 Foram divulgados os resultados do Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS), relativo 2023. Alguns indicadores.

Sem surpresa, já se tinha verificado com o PISA, verificou-se uma descida nos resultados de 2023. Considerando a Matemática, no 8.º ano os alunos portugueses obtiveram 475 pontos, ligeiramente abaixo da média, 478 pontos representando, no entanto, uma descida de 25 pontos. Em 42 territórios analisados Portugal está em 25.º Os alunos do 4.º ano obtiveram 517 pontos, 14 acima da média e menos 8 que em 2019 ocupando o 26.º lugar em 58 participantes.

Em Ciências, verifica-se uma desci no 8.º ano, 13 pontos e um posicionamento de 28 pontos acima da média, 17.º.

Também como seria de esperar, os alunos com frequência mais prolongada de educação pré-escolar e com contextos socioeconómicos mais favoráveis revelaram melhor desempenho.

Professores reclamam um currículo mais exigente para inverter queda dos alunos a Matemática

É também de considerar que 58% dos alunos portugueses inquiridos “não gostam” de aprender Matemática e 13% afirmam “gostar muito”, menos 8% que a média.

Como é natural e considerando a Matemática, o domínio com mais escrutínio, surgem sempre algumas leituras. No Público refere-se a análise da Sociedade Portuguesa de Matemática e da Associação dos Professores de Matemática que, mais uma vez, divergem no discurso produzido.

A SPM sobrevaloriza a questão da alteração curricular, a passagem das “metas curriculares” para as “aprendizagens essenciais” e a APM considera as “aprendizagens essenciais” são de manter e alerta para outras variáveis como, por exemplo, os efeitos da falta de docentes.

Não sou especialista em questões curriculares, mas parece-me curioso que a Sociedade Portuguesa de Matemática e a Associação dos Professores de Matemática, não sei com que dimensão representativa dos professores de matemática têm habitualmente entendimentos diferentes com um argumentário que em alguns aspectos que me são mais familiares, o funcionamento dos alunos por exemplo, me levantam dúvidas e, por vezes, me parecem fruto de agendas para além da Matemática.

Lembro-me, por exemplo, de Nuno Crato, de há muito ligado à SPM e sempre com “base na evidência” ter, enquanto ministro, proclamado a existência de professores a mais e a “inevitabilidade da redução”. Sabemos o que se tem verificado.

Continuo a entender que estruturas curriculares demasiado extensas, normativas e prescritivas são pouco amigáveis para o bom desempenho da generalidade dos alunos, pouco amigáveis para acomodar a diversidade.

Por outro lado, e como aqui tenho escrito, o desempenho a Matemática pode ainda ser influenciado, não numa relação de causa-efeito, por múltiplas variáveis como número de alunos por turma, tipologia das turmas e das escolas e dos contextos, dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e professores ou questões de natureza didáctica e pedagógica.

Acresce a esta complexidade um conjunto de outras variáveis menos consideradas por vezes, mas que a experiência e a evidência mostram ter também algum impacto.

São variáveis de natureza mais psicológica como a percepção que os alunos têm de si próprios como capazes de ter sucesso associada a contextos familiares de natureza diversa, por exemplo.

É também conhecido e os resultados do PISA sublinham, que os pais com mais qualificação e de mais elevado estatuto económico têm expectativas mais elevadas sobre o desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção educativa e nos resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam formas de ajuda para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de ajuda externa.

Finalmente uma outra variável neste âmbito, a representação sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje existe uma percepção passada nos discursos de muita gente com diferentes níveis de qualificação de que a Matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os mais “inteligentes” têm “jeito” para a Matemática. Esta ideia é tão presente que não é raro ouvir figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com bonomia que “nunca tiveram jeito para a Matemática, para os números”. É claro que ninguém se atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa e, por vezes, bem que parece. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos nós e não apenas para os professores e seria importante que acontecesse.

De facto, este tipo de discursos não pode deixar de contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se alguns que a Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a desmotivar-se.

Não fica fácil a tarefa dos professores, mas no limite e como sempre será a escola o braço operacional da comunidade a fazer a diferença.

Parece ainda claro e é uma questão central claro que para promover mais sucesso e não empurrar os alunos para os anos seguintes sem nenhuma melhoria nas suas competências ou saberes é essencial, como referia acima, criar e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.

Sabemos também que a escola pode e deve fazer a diferença, em muitas escolas isso acontece. Mas para que isto seja consistente e não localizado também sabemos que o sucesso se constrói identificando e prevenindo dificuldades de forma precoce, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, com a valorização do trabalho dos professores, com práticas de diferenciação que não sejam "grelhodependentes", com expectativas positivas face ao trabalho e face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer para professores quer para alunos, etc.

Uma nota final para a importância da avaliação externa como forma imprescindível de regulação. No entanto, não entendo que só por existirem e serem muitos, os exames finais, só por si, insisto, só por si, melhorem a qualidade. É como esperar que só por medir muitas vezes a febre irá baixar. A qualidade é promovida considerando o que escrevi em cima e regulada em termos globais pela avaliação externa que permite análises necessárias, nacionais ou internacionais como, por exemplo, … o TIMSS.

É com a escola, por dentro da escola e integrado em sólidos projectos de autonomia e responsabilidade e com recursos adequados que o caminho se constrói.

Sabemos tudo isto. Nada é novo. Só falta um pequeno passo.

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