Peço desculpa pela repetição, mas a pertinência da entrevista de Jonathan Haidt ao Público sobre o impacto significativo que pode assumir a enorme exposição a ecrãs a que os mais novos estão sujeitos, leva-me a retomar o que escrevi há pouco tempo ao referenciar um trabalho da Ordem dos Psicólogos Portugueses sobre a mesma preocupante questão.
Apesar de algum cepticismo relativamente
ao efeito num futuro próximo, parece estar a assistir-se a um movimento que
evidencia uma preocupação crescente com a digitalização que tem tido especial
ênfase nos contextos escolares.
Já este ano foi divulgado um
trabalho realizado por investigadores da Universidade de Aveiro mostra que o
tempo excessivo que crianças de 4 e 5 anos podem passar em frente a um ecrã tem
um impacto negativo no desenvolvimento da linguagem. Ainda assim, importa
sublinhar que não devemos diabolizar os recursos digitais, mas sim, promover
uma utilização adequada.
Em Agosto de 2023 foi publicado
pela revista JAMA Pediatrics um trabalho, “Screen Time at Age 1 Year and
Communication and Problem-Solving Developmental Delay at 2 and 4 Years”, em que
se analisa a relação entre o tempo de exposição a ecrãs com riscos no seu
desenvolvimento. Estar um tempo superior a duas horas em frente aos diversos
tipos de ecrãs pode potenciar o risco de atraso no desenvolvimento nos anos
seguintes.
A investigação envolveu 7097
crianças e concluiu que quanto maior for o tempo de exposição maior a
probabilidade de compromissos no desenvolvimento, designadamente nas
comunicação e resolução de problemas embora se reflicta noutras áreas e aumente
com maior exposição.
O trabalho parece ser
suficientemente robusto para que consideremos esta questão que tem estado na
agenda. Aumentou exponencialmente com os períodos de confinamento e para muitas
crianças o ecrã é algo omnipresente no seu dia-a-dia.
Recordo ainda um trabalho
divulgado em 2020 e que aqui comentei “Social inequalities in traditional and
emerging screen devices among Portuguese children: a cross-sectional study”
publicado em BMC Public Health e realizado por uma equipa do Centro de Investigação
em Antropologia e Saúde da Universidade de Coimbra que também mostra dados que
devem ser levados em conta.
O trabalho envolveu 8.430
crianças entre os três e os dez anos e sugere que até aos cinco anos as
crianças passam por dia e em média 154 minutos em frente a um ecrã considerando
os diferentes dispositivos disponíveis. Nas crianças mais velhas o tempo de exposição
é superior, 201 minutos em média. Independentemente de outras variáveis como
género, idade ou dispositivo utilizado, o tempo de exposição é sempre maior em
famílias de menor estatuto académico e económico.
Recordo que em 2023 a agência
francesa de saúde pública lançou um novo alerta a partir de estudos realizados
relativos à exposição excessiva das crianças aos ecrãs, sobretudo nas crianças
até aos três anos.
Sublinhe-se também que a OMS, tal
como a Associação Americana de Pediatria, indicam extrema prudência para
crianças até aos dois e anos e aconselham a que tempo de exposição ao ecrã não
exceda uma hora diária até aos cinco anos e duas horas depois dos seis anos.
Uma pequena nota para referir que
estando numa conversa com pais a propósito destas questões, referi estas
orientações da OMS. Um pai pede a palavra para me dizer, “isso são opiniões”.
Felizmente, para comentar tive a ajuda de alguns pais. É que já não tenho muita
paciência.
Estão também identificados os
riscos da sobreexposição, sedentarismo e obesidade, falta de qualidade e tempo
de sono ou alterações no desenvolvimento, por exemplo na linguagem como mostra
o estudo que justificou estas notas. A evidência também sugere que os riscos
aumentam quando, como é frequente, a presença excessiva em frente de um ecrã
está associada a um menor nível de interacção com adultos, designadamente com
os pais.
Como tantas vezes já tenho
referido, o ecrã, qualquer ecrã, é hoje a “baby-sitter” de muitíssimas das
nossas crianças e adolescentes que neles, ecrãs, passam um tempo enorme
“fechados”. Por vezes, sobretudo em adolescentes e jovens, "acompanhados"
de outros tão sós quanto eles.
Acontece também que, como
referido acima, durante o período de sono e sem regulação familiar muitas
crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou
"smartphone". Desculpem insistir nestas questões, mas, como é óbvio,
esta situação não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos
durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de
falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.
Comer é necessário e faz bem às
crianças, mas comer excessivamente e produtos de má qualidade, provocam sérios
problemas de saúde. Que se eduque o consumo, sem se diabolizar ou exaltar o
produto.
Estas matérias, a presença das
novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais,
alguns deles com níveis baixos de alfabetização informática, sobretudo no que
respeita aos riscos, como constato em muitas conversas que mantenho com grupos
de pais.
Considerando as implicações
sérias na vida diária e que só estratégias proibicionistas não são muito
eficazes, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais
para que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de
vida das crianças e adolescentes.
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