Estamos em plena época de férias para quem as tem e pode usufruir o que pode significar mais tempo para a família. Nos estilos de vida actuais, as famílias expressam uma enorme dificuldade em compatibilizar o que ainda entendem ser o seu papel educativo com a pressa e o pouco tempo que assumem ter para o realizar. Tenho contactado com muitos pais que se sentem culpados e fragilizados por entenderem que não têm para os filhos a disponibilidade de tempo e atitude que julgam necessária. Esta culpa e fragilidade é, com frequência, a base inconsciente que impede alguns pais de serem consistentes e firmes na definição de regras e limites imprescindíveis às crianças, pois “temem estragar” o pouco tempo que têm com elas devido a um eventual conflito.
Também sei que apesar da
proliferação de materiais que parecem querer assumir este papel não existem,
nem irão existir e ainda bem “manuais de instrução” para a educação familiar.
Também sabemos que as famílias
vão assumindo novas configurações que colocam novos desafios à parentalidade.
E sabemos que existem muitas
famílias que, transversalmente aos patamares sociais que sentem enormes
dificuldades e inquietações no dia-a-dia com os filhos.
A estas famílias, a estes pais e
a estas crianças e adolescentes, também nós que profissionalmente ou de outra
qualquer forma nos relacionamos com este universo, precisamos de estar mais
atentos, de ler, de perceber comportamentos, discursos ou omissões que sejam
sinais de mal-estar para crianças e pais.
Considerando todo este universo e
não acreditando na educação perfeita da criança perfeita acredito num princípio
fundador da educação familiar, a promoção da autonomia e da auto-regulação
desde bebé, sim desde bebé, até …
sempre.
É muito frequente ouvir dizer que,
actualmente, as crianças têm muitos mimos, é corrente a expressão “mimo a mais”.
Estes discursos, que alguns profissionais destas áreas também subscrevem,
merecem-me alguma reserva pois assentam, do meu ponto de vista, num equívoco.
De uma forma geral, as crianças
não terão afecto, mimos, a mais, poderão, isso sim, ser objecto de “mau afecto”
ou se quiserem, de "maus mimos". É essa falta de qualidade que lhes
poderá ser prejudicial. Não é mau por ser muito, é mau porque asfixia, é
tóxico, não deixa que os miúdos cresçam, distorce a percepção da criança de si
própria e do seu funcionamento, não permite o estabelecimento de uma relação
saudável, protectora e promotora da autonomia das crianças, uma condição
fundamental para o seu desenvolvimento positivo.
Insisto, as crianças não têm
elogios ou mimos a mais. Na verdade, oque se passa mais frequentemente é que
recebem “nãos” de menos. Na verdade, muitos adultos, pais, sendo quase sempre
capazes de dar os mimos, mostram-se muitas vezes incapazes de dar os “nãos”, de
estabelecer os limites e as regras que, como sempre digo, são tão necessárias
às crianças como respirar e alimentar-se. Estes “nãos” e para utilizar a mesma
terminologia, são outros mimos imprescindíveis na educação de crianças e
adolescentes nos seus diferentes contextos de vida.
As regras e os limites são bens
de primeira necessidade. Tal como com os afectos, nenhuma dieta educativa pode
prescindir de regras e limites.
Ficando sem “nãos” muitas
crianças, a coberto da ideia dos “mimos a mais”, transformam-se em pequenos
ditadores que infernizam a vida de toda a gente, a começar pela sua própria
vida. Não crescem saudavelmente.
Neste cenário complexo da
educação familiar, continuo a afirmar a necessidade de que os pais falem entre
si sobre as suas experiências, sem receio de que os julguem maus pais. Importa
inda que na relação com os técnicos ligados à educação as conversas não incidam
quase que exclusivamente sobre "se está bem ou mal na escola", mas
que se abordem as questões educativas também no contexto familiar de forma
aberta e serena. Os "manuais de instruções" não são a solução, são,
alguns, apenas mais uma ajuda.
Pais atentos, pais confiantes,
são pais que educam sem especiais problemas. Paradoxalmente, alguns
"manuais" e alguns discursos "científicos" podem aumentar a
insegurança e a ansiedade de alguns pais.
Desculpem o texto tão longo.
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