Na Visão encontrei um texto do Professor Mário Cordeiro que na altura me terá escapado e que merece reflexão “Uma palmada na hora certa faz sentido?”. A abordagem do Professor Mário Cordeiro é interessante e partilho muito do seu conteúdo como, aliás, acontece com frequência.
A questão abordada não é uma matéria fácil mas os tempos que
atravessamos com crianças e muitos pais todo o tempo em casa potenciam um risco
de alterações nos comportamentos e no bem-estar e que ainda dão maior
importância a este texto.
Muitas vezes também aqui tenho abordado estas questões e
retomo umas notas em complemento e de reforço às ideias dedo professor Mário Cordeiro.
Na verdade, a questão do recurso aos castigos físicos ou às
agressões verbais e humilhação como forma de educar é recorrente e está sempre
presente na agenda de qualquer encontro ou conversa entre e com pais sendo,
aliás, frequentes os discursos de legitimação destas “estratégias educativas”.
Se estivermos atentos reparamos que quando na imprensa
generalista se abordam questões relativas a comportamentos menos positivos de
crianças ou adolescentes são inúmeros os comentários e discursos sobre a
alegada falência das famílias na definição de regras e limites nos
comportamentos de crianças e adolescentes. Muitos destes discursos e
comentários são normalmente acompanhados de referências ao facto de não se
recorrer a umas “palmadas”, à “pedagogia do chinelo” ou outras variações no
mesmo tom, com uns “tabefes” a coisa resolvia-se.
As alusões às dificuldades das famílias ou da escola na
regulação dos comportamentos de crianças e adolescentes podem ser
justificáveis, mas a ideia de lidar com estas dificuldades através do bater e
dos castigos severos parece-me na verdade preocupante para além da sua
potencial ineficácia. Ninguém pode garantir que foram ou que são as “tareias”
que constroem pessoas de bem.
É de recordar que em 2018 a Academia Americana de Pediatria
produziu novas orientações sobre a parentalidade afirmando veementemente que
bater nas crianças, insultá-las, humilhá-las ou envergonhá-las são
comportamentos a banir. Os efeitos positivos são nulos e os negativos estão bem
demonstrados.
Um outra referência a
um trabalho desenvolvido pela Universidade de Pittsburgh nos EUA divulgado na
Child Development em 2017 que considerando diferentes variáveis seguiu 1482
alunos durante nove anos e evidenciou uma relação sólida entre o que foi
considerado “parentalidade severa” (recorrer com regularidade ao gritar, bater
ou outro tipo de comportamento coercivo, além de ameaças físicas e verbais como
forma de punição) e baixo rendimento escolar e problemas de comportamento nas
crianças envolvidas nesse “modelo” de educação familiar.
Sabemos e não esquecemos que os “castigos corporais” podem
ir da mais ligeira palmada à mais pesada tareia e também sabemos que bater é um
tipo de comportamento inscrito na prática de muitas famílias na sua relação
educativa com os filhos.
Na verdade, os castigos corporais ainda são uma
"ferramenta" educativa em muitas famílias e, é conhecido, também em
instituições que acolhem crianças sendo que mesmo que no âmbito da justiça a
questão é complexa como algumas decisões judiciais ilustram.
A ver se nos entendemos, bater ou castigar severamente as crianças não é uma actividade educativa, gritar ou agredir verbalmente de forma regular não é uma actividade educativa. O comportamento gera comportamento e adultos que não se autoregulam dificilmente ajudam crianças a ser autoreguladas. Aliás, também se sabe que crianças que foram batidas tornam-se frequentemente pais que batem.
No entanto e dito tudo isto, também entendo que comportamentos inadequados ou incompetentes não significam necessariamente que estejamos perante pessoas, pais, más ou incompetentes.
Todos nós, alguma vez, agimos de uma forma menos ajustada ou
adequada com os nossos filhos e isso não nos transforma em pessoas más,
significa que somos apenas pessoas, que não somos perfeitos como perfeitos não são os nossos filhos.
Assim sendo, creio que devemos ser cautelosos, quer na
defesa da "estalada educadora" ou “palmada pedagógica”, quer na
diabolização definitiva de pais que numa situação eventualmente esporádica e de
tensão assumem um comportamento de que podem ser os primeiros a arrepender-se.
Esta nota, não branqueadora ou desculpabilizante de nada,
pode não ser particularmente simpática, mas estou cansado, tanto de discursos
de legitimação do efeito "educativo" da violência física ou verbal dirigida
a crianças, como de discursos demagógicos e, por vezes hipócritas, que clamam
pelo "crucificação" cega de uma pessoa, o outro que bate, mas são
produzidos por gente desatenta ou mesmo autora ou apoiante doutros
comportamentos dirigidos a miúdos tão indignos quanto a "estalada"
ainda que menos visíveis.
Finalizando, embora saiba que a legislação mesmo quando é
imperativa é entendida como indicativa e, portanto, desrespeitada como temos
tantos exemplos em várias matérias, é bom não esquecer que estamos a falar de
direitos, não de opiniões.
2 comentários:
Resumo da minha ficha de leitura:
Delaroche, P. (1996). Aprender a dizer não. (M. M. Laura, & J. M. Silva, Trads.) Paris: Éditions Albin Michel.
Quem bem ama, bem castiga.
A obrigação de formular proibições é um papel ingrato mas vital, e é precisamente por isso que os filhos ficarão agradecidos aos pais.
A proibição, que não deve ser confundida com punição, é essencial na educação (não há educação sem proibição), na vida em sociedade e na saúde pública.
O que move a obediência é interno. Mas foi fruto de uma eficaz enunciação desde a mais tenra idade. A desobediência é tão precoce como a obediência e é necessário que esta se aprenda.
O poderio da criança precisa de ser enquadrado muito cedo, uma vez, que sem isso, ele tende a impor-se sem limites.
Não há nada pior para uma criança do que o facto de não ter limites. A ausência de limites assemelha-se a maus tratos.
Autoritarismo: nocivo porque substitui a palavra pela “mão lesta”.
Laxismo sem proibição: nocivo e mais pernicioso porque pretende nada opor à criança, deixando-a, na realidade, escrava dos seus desejos.
Proibição: ato autêntico que protege a criança dos perigos, para ela ainda desconhecidos.
A criança deve aprender a solidão, a angústia, o sofrimento. E deve fazê-lo sozinha. Certos pais não o suportam e isso em nada ajuda a criança, pois desta forma ela não vai adquirir, ou adquirirá mal, os mecanismos que fazem com que cada indivíduo em si mesmo defesas complexas contra os riscos e os imprevistos da vida.
Ao proibir e punir, o progenitor arrisca-se e por vezes receia ou tem medo que a criança não goste mais dele. Compreendemos melhor aqui a razão pela qual certos pais têm tanta dificuldade em castigar. É porque, na realidade temem para si os efeitos da punição, que se transforma na sua própria punição.
A criança precisa de pais diretivos. Até uma certa idade, a criança precisa de decidam por ela.
Nos nossos dias, temos medo daquilo a que se chama frustração, mas não nos apercebemos de que a frustração é a filha das gratificações.
As crianças devem ficar convencidas de que as decisões não são tomadas contra ela, mas por ela.
É preciso negociar? Sim, eventualmente, mas até um certo ponto. É preciso saber parar a negociação. Não cabe à criança conduzir a negociação e ficar com o progenitor como refém.
É preciso explicar as proibições? Sim, mas as explicações não devem ser justificações infinitas. A maior parte das vezes, não há mesmo nada a explicar. E uma criança saberá sempre pôr o dedo nas contradições lógicas dos pais.
Como sancionar? Os castigos corporais não são, evidentemente, uma solução. É claro que é preferível passar pela palavra e uma sanção que tenha sentido (privar de um interesse). Mas mais vale uma bofetada, que por vezes sai depressa de mais, do que uma prejudicial ausência de reação. Uma mão rápida que assinalou que o limite foi atingido não é um mau trato. Em contrapartida, o que é altamente tóxico é a encenação do castigo corporal.
A vocação da escola republicana é, através da educação, arrancar a criança às suas origens, fornecendo-lhe meios para ultrapassar os limites da sua classe social.
Olá Rui, excerto de um textoque aqui deixei em Junho de 2020
(...)
Insisto, as crianças não têm elogios ou mimos a mais. O que se passa mais frequentemente é que recebem “nãos” de menos. Na verdade, muitos adultos, pais, sendo quase sempre capazes de dar os mimos, mostram-se muitas vezes incapazes de dar os “nãos”, de estabelecer os limites e as regras que, como sempre digo, são tão necessárias às crianças como respirar e alimentar-se. Estes “nãos” e para utilizar a mesma terminologia, são outros mimos imprescindíveis na educação de crianças e adolescentes nos seus diferentes contextos de vida.
As regras e os limites são bens de primeira necessidade. Tal como com os afectos, nenhuma dieta educativa pode prescindir de regras e limites como também subscreve Hugo Henriques.
Ficando sem “nãos” muitas crianças, a coberto da ideia dos “mimos a mais”, transformam-se em pequenos ditadores que infernizam a vida de toda a gente, a começar pela sua própria vida. Não crescem saudavelmente.
Neste contexto, apoiar e ajudar os pais a desenvolverem de forma confiante comportamentos de disponibilidade e escuta de crianças e adolescentes, a assumirem com firmeza e sem culpa a necessidade de definir regras e limites, de mostrar afecto sem que se sintam a dar “mimos” a mais que “estragam” os filhos, só pode resultar em bom trabalho, para os pais e para os filhos.
De pequenino é que se constrói … o destino.
https://atentainquietude.blogspot.com/2020/06/mimo-mais-e-coisa-que-nao-existe.html
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