quinta-feira, 30 de setembro de 2010

AUSTERIDADE E CONFIANÇA

Depois da falência, estranhamente não devidamente antecipada pelos especialistas, dos modelos de desenvolvimento assentes no endeusamento do mercado, a crise que se abateu sobre a economia mundial veio provocar mossas grandes.
Como é óbvio, mesmo para um desconhecedor dos meandros científicos da economia, os efeitos seriam sempre mais pesados para as economias mais vulneráveis e mais expostas às manipulações e especulações dos "donos dos mercados".
Em Portugal, de há três anos para cá, o "monstro" começou a abater-se sobre nós, o desemprego é a face mais visível e dramática das consequências.
Tornaram-se então necessárias iniciativas e decisões que controlassem os danos. As opções, estranhamente, encaminharam-se mais para aumentar as receitas, através dos impostos e cortar despesa nos apoios sociais, que atingem exactamente os mais necessitados, do que para intervir seriamente no desperdício inaceitável que o alimentar de um estado demasiado obeso ao serviço de clientelas partidárias, tem produzido.
De PEC em PEC o caminho tem sido esse.
Ontem foram anunciadas mais medidas e intenções a contemplar no próximo OGE que acentuam a austeridade, mas sempre sobrevalorizando um caminho que me parece discutível, no mínimo, cortes em despesas sociais e aumento de impostos. Mais uma vez teremos um aumento do IVA, um imposto completamente cego e que atinge da mesma forma todos os cidadãos. É rápido, é barato e dá milhões que serão necessários, mas é socialmente injusto.
Também não são claras as decisões de reformar a organização e funcionamento do estado, as centenas de entidades, empresas, institutos, fundações, etc. que são sorvedouros enormes de dinheiro aplicado ao serviço de competências que muitas vezes nem sequer se percebem, existem em sobreposição ou são pura e simplesmente inúteis.
Do meu ponto de vista, este caminho, para além dos efeitos imediatos que possa ter nas condições de vida da maioria dos portugueses, tem um efeito devastador na confiança com que precisamos de encarar o futuro.

A LETRA BONITA

Era uma vez uma Menina que, como todas as meninas, era diferente. Esta era mais diferente do que as outras, por assim dizer. Tinha mais dificuldades em aprender as coisas da escola, às vezes não se percebia logo o que queria dizer e muitas coisas não fazia mesmo ou fazia a muito custo e sem que fiquem muito perfeitas.
Porque a Menina cresceu, a mudou de escola e na escola nova os professores e os colegas começaram a perceber que a Menina era um pouco diferente das outras. Quase sempre os miúdos percebem que ninguém é igual a ninguém e não estranham muito. Os mais crescidos assustam-se por vezes, porque acham que não saberão o que fazer com os meninos e meninas que são diferentes, mais diferentes. Às vezes também não sabem muito bem o que fazer com os que não são tão diferentes, mas isso é de outra história.
A Menina gostou imenso de mudar de escola, sentiu-se bem com os colegas e com os professores o que até surpreendeu um pouco pois esperava-se que se pudessem criar algumas dificuldades.
Um dia destes, uma das professoras da Menina sem se lembrar que ela era diferente, pediu-lhe para escrever qualquer coisa no caderno, tarefa que só com alguma ajuda poderia ser desempenhada. No entanto, muito tranquilamente, a Menina pediu à professora que escrevesse ela o que era solicitado. É que "a letra da professora é mais bonita" disse a Menina à sua maneira, sorrindo.
Os miúdos diferentes são inteligentes, nem sempre sabemos quanto.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

RITUAIS

O funcionamento das sociedades modernas, nas suas diferentes dimensões, envolve um conjunto muito alargado de rituais com significados e impactos diferentes.
O sistema político português que, lentamente, se transformou numa partidocracia, uma vez que os partidos através dos seus aparelhos e da alimentação de clientelas capturaram o essencial da participação cívica dos cidadãos, também instituiu, naturalmente, os seus rituais.
Um deles é a chamada de um membro do governo ao Parlamento para explicar, apresentar ou defender as políticas sectoriais de que é responsável. Parece razoável e um indicador da função fiscalizadora do Parlamento sobre o poder executivo. Só que em Portugal o Parlamento, ou seja, os deputados, salvo raras e honrosas excepções, são meros "papagueadores" das agendas partidárias que dizem o que chefe manda, carregam no botão que o chefe manda quando o chefe manda. Lamentavelmente é nisto que se transformou o eixo central de uma democracia política, o Parlamento.
É, aliás, elucidativo analisar o nível de confiança que os deputados, na sua generalidade, merecem ao cidadão comum, preocupantemente baixo.
Vem isto a propósito da ida ao Parlamento da Ministra da Educação, cujo resultado é, obviamente, antecipável. Os partidos da oposição dispararão em todas as direcções na habitual lógica, "o Governo fez ou disse, portanto, está mal feito ou dito", o PS responderá que "o Governo fez ou disse e, portanto, está certo". A senhora Ministra naquele jeito peculiar materno-voluntarista dirá, sorrindo, que a "realidade está enganada, tudo o que foi feito, foi bem feito e os irrelevantes incidentes foram equívocos que o diálogo (sempre o diálogo) permitem ultrapassar".
No final e perante a comunicação social, toda a gente assumirá um ar sério, chamam-lhe pose de estado, e afirmará a relevância das suas posições.
E cumpriu-se mais um ritual.

A HISTÓRIA DO SINALIZADO

Era uma vez um rapaz chamado Sinalizado. Filho de uma mãe muito nova e pouco preparada para ser mãe, nasceu antes de tempo e ficou Sinalizado, nome curioso. E assim continuou.
Em pequeno, devido às condições muito precárias e com bastante dificuldade em que a sua família vivia, continuou Sinalizado.
À entrada na escola com a mochila que já carregava logo perceberam que devia ser Sinalizado. E foi. Toda a gente conhecia o Sinalizado, toda a gente sabia das circunstâncias de vida do rapaz, por isso mesmo era um Sinalizado.
Mais crescido, os problemas em que estava frequentemente envolvido continuavam a fazer com que o Sinalizado assim continuasse, Sinalizado.
Já no final da adolescência o Sinalizado envolveu-se em algo de mais grave e sucedeu uma tragédia que encurtou a sua vida.
Muita gente que conhecia o Sinalizado se interrogava e dizia ter dificuldade em perceber como podia tal vida ser vivida por um Sinalizado. Até foi notícia de rodapé em alguns jornais mais dados a estas coisas que acontecem aos Sinalizados.
Mas isto foi só uma história triste e sem jeito. Os Sinalizados raramente entram em histórias bonitas e bem contadas.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

EQUIDADE E OPORTUNIDADES, NOVAS E VELHAS

No seu estilo materno-voluntarista a Ministra Isabel Alçada vem tapar o Sol com a peneira. As pessoas que conhecem minimamente o desenvolvimento do Programa Novas Oportunidades nos últimos anos sabem que, apesar do empenho e esforço da maioria dos técnicos dos Centros Novas Oportunidades, a pressão para a certificação não permite afirmar, como a senhora Ministra faz, que à certificação, por exemplo no que respeita ao 12º, correspondem qualificações do mesmo nível. Esta questão mais do que conhecida e reconhecida, ganhou dimensão com entrada na Universidade de um jovem com 20 em apenas um exame, sendo que cerca de 530 entraram no superior através do mesmo processo.
Às questões levantadas por esta situação, o Comissário Capucha, presidente da Agência Nacional para a Qualificação, responsável pelas Novas Oportunidades, consegue até afirmar, no Público, que não pode acontecer que “as portas [do ensino superior] se voltem a fechar por culpa de uma certa ortodoxia”, e critica os “puristas” que querem o ensino superior só para alguns, ou seja, diz o senhor, “Se há coisa mais pura é o puro (!!) preconceito elitista, obsoleto e até ineficiente do que é o ensino superior”. O Comissário Capucha, se fosse competente e sério intelectualmente, saberia muito bem que a questão não é esta. As portas do superior devem estar abertas a percurso diferenciados, e estão, por exemplo, abertas aos alunos com mais de 23 anos com trajectos de vida diferentes. A questão não tem nada a ver com elitismo ou preconceito, tem a ver com qualificação e equidade.
E o que está em discussão queira a Senhora Ministra ou não, queira o Comissário Capucha ou não, é a qualificação que as pessoas possuem e se a certificação que exibem corresponde, de facto, a qualificação. Num outro plano deve também ser considerada a questão da equidade de oportunidades o que, lamento, não tem a ver com igualdade de percursos que podem, e devem ser diferentes.

O PROBLEMA OU A SOLUÇÃO

Eu sei, sou estúpido, é a economia, é coisa para inteligentes, mas já não há saco. Neste tempo em que a crise económica e as suas consequências mais graves, sobretudo o desemprego, se abatem sobre as classes menos favorecidas economicamente, aparecem de todo o lado as vozes a clamar pelos sacrifícios que é preciso fazer para salvar o país, agora chegou a OCDE e existe o espectro do FMI. A crise resultou, parece, de modelos errados e desregulados de desenvolvimento, do endeusamento do mercado, da ganância especulativa dos mercados financeiros com a complacência negligente, cúmplice ou incompetente das diversas entidades de supervisão, nacionais ou internacionais.
Neste contexto, acho de um atrevimento despudorado as movimentações de economistas, ex-ministros das finanças e outros iluminados que tendo sido parte do problema durante décadas vêm agora para a praça pública diariamente exigir sacrifícios e medidas draconianas que, obviamente, não os atingirão. Se bem se lembram o dinheiro dos contribuintes, em muitos países e também entre nós, tem sido usado para salvar a banca que continua a registar lucros não devidamente taxados.
Em vésperas de negociação do OGE e antes de ser recebido pelo Presidente da República, o candidato a governar o País, Dr. Passos Coelho vai ouvir reputados “especialistas” na área da economia e finanças. Como não se imagina que se trata de uma jornada de convívio, será, certamente um espaço de “reflexão”, eu diria, de aconselhamento.
E voltamos ao mesmo. Este pessoal que em tempos diferentes e de forma diversa deu o seu contributo para a situação a que chegámos, assume-se agora como farol que segura e inequivocamente mostra o caminho para ultrapassar dificuldades.
Como vai sendo habitual o discurso sugerirá a imprescindibilidade de, claro, exigir sacrifícios, contenção, cortes, sendo que estes atingirão os suspeitos do costume.
Como diz o povo, o que paga a crise, fazem o mal e a caramunha.
Continuo na minha, sem a introdução de uma fortíssima dimensão ética no mundo da economia e finanças, os economistas, na sua generalidade, são mais parte do problema que da solução.

UMA FAMÍLIA DIFERENTE

Esta família não é como as outras que passam o tempo a gritar uns com os outros. Esta família toma as suas refeições de forma muito tranquila e silenciosa a ouvir o que passa na televisão. Fora das refeições e quando estão em casa, o pai está na sala a ler o jornal com a televisão em fundo, a mãe na cozinha enredada na lida da casa e o filho no quarto de fones e ecrã, não se ouvem.
Esta família não é como as outras que são desorganizadas e sem rotinas. Esta família tem as tarefas muito bem distribuídas, a mãe faz tudo, o pai faz perguntas e o filho faz nada.
Esta família não é como as outras que são consumistas e desperdiçam. A mãe está desempregada, o pai ganha pouco mais que o salário mínimo e o filho tem apoio social escolar para parte dos gastos com o estudo.
Esta família não é como as outras que têm televisões por toda a casa. Esta família só tem duas televisões, um LCD dos mais baratos comprado a crédito e uma pequena no quarto do filho que a comprou com umas economias.
Esta família não é como as outras, em que alguns elementos gostam pouco de trabalhar. O pai, de vez em quando, consegue uma baixa médica para fazer uns biscates e arranjar mais algum dinheiro para compor o orçamento e chegar a uns "luxos", como o LCD.
Esta família não é como as outras que andam sempre a incomodar os professores dos filhos. Esta família raramente vai a reuniões na escola.
Esta família não é como as outras que afirmam que "eles", os que governam é que têm a culpa de tudo. Esta família acha que os que governam são iguais aos que querem governar, "eles" são todos iguais.
Enfim, uma família diferente.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O DIREITO AOS AVÓS, de novo

O Público de hoje aborda num oportuno e interessante trabalho a situação de famílias em co-residência de gerações, ou seja e mais simplesmente, as que têm avós a viver lá em casa. Não se estranhará a percepção de que o número de famílias nesta situação revele tendência para baixar embora se desconheçam indicadores actuais. As razões para este abaixamento, para além do inverno demográfico prendem-se, entre outros aspectos, com estilos de vida, valores e mobilidade, levando a que, na prática, os mais velhos se fechem em lares e os mais novos se fechem em ecrãs e numa estadia indesejavelmente longa nas escolas.
Por isso, aqui no Atenta Inquietude retomo recorrentemente a minha proposta no sentido de ser legislado o Direito aos Avós.
Tal iniciativa significa simplesmente que todos os miúdos deveriam, obrigatoriamente, ter avós e que todos os velhos deveriam ter netos. Num tempo em que milhares de miúdos sós e velhos a morrer de solidão, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, sentir-se ia obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, inscrevê-la nos direitos fundamentais.
Com tantas crianças abandonadas dentro de casa, institucionalizadas, mergulhadas na escola tempos infindos ou escondidas em ecrãs, ao mesmo tempo que os velhos estão emprateleirados em lares ou também abandonados em casa, trata-se apenas de os juntar, seria um dois em um. Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários.
Um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo.

OUTONO

É. Chegou o Outono ao meu Alentejo, não porque o calendário o determine mas porque as tarefas mudam. Das do Verão mantem-se, por enquanto, alguma rega, apesar das noites já trazerem algumas branduras que refrescam as plantas.
Estamos no final de Setembro, passou o fim de semana em que se comemora a Senhora D'Aires e em que esperávamos alguma água, os velhos ensinavam que se não chovesse pela feira de Ferreira, certamente choveria na semana seguinte, a da Festa da Senhora D'Aires.
No Meu Alentejo, como sempre em fim de Setembro, estivemos, como diz o Velho Marrafa, de posse das nozes. Este ano a colheita foi boa o que quer dizer que várias noites de lareira no Inverno se usarão para as partir depois de secas ao sol. Apanhar e, sobretudo, libertar as nozes do invólucro é algo que deixa as mãos com um escuro que demora dias a tirar. Já uma vez aqui contei, história do Velho Marrafa, que antigamente, quando não se trabalhava com luvas, havia feitores e agrários malinos que obrigavam as raparigas a apanhar as nozes nas vésperas da Festa para que fossem de mãos sujas. Com as luvas a coisa fica diferente embora, por não ter reparado que uma das luvas estava rota, tenha um dedo "inapresentável" e quase gasto de tanto esfregar.
O tempo ainda deu para outra tarefa de Outono, apanhar as primeiras azeitonas, das mais gradas, para pisar. Pisam-se com um maço de madeira talhado da limpeza de uma oliveira, uma árvore completa, fornece azeitonas, lenha e ferramentas. Depois de uns dias debaixo da fonte, outro privilégio do Meu Alentejo, a água corrente rapidamente lhes tira o amargo, é só pôr sal, temperar e .. costumam ficar óptimas. Daqui a mais umas semanas apanha-se mais alguma para retalhar e na altura de colheita ainda haverá que guardar azeitona para conserva, tarefas do Outono.
Enquanto espero pelas águas que o Outono certamente trará e que permitirão começar a fabricar a terra, ainda tenho tempo para chamar uns nomes feios a uma colónia de saca-rabos que resolveu acampar no monte e esburacar a horta. Não bastava a sociedade que estabelecemos com os melros e demais passarada, nós cuidamos das árvores e eles comem a fruta, nas amoras, por exemplo, mal conseguimos tocar-lhes, uma(s) raposa que "levou" uma boa dose de melancias com o gentil requinte de deixar as cascas inteirinhas com um buraco pequeno, agora ainda chegaram os saca-rabos. Custos da biodiversidade.
É. Chegou o Outono ao Meu Alentejo.

domingo, 26 de setembro de 2010

MÃES PRECOCES, PROBLEMAS MADUROS

Em trabalho de hoje o Público aborda a gravidez na adolescência referindo o nascimento diário de 12 crianças fruto de gravidez em mães adolescentes. Embora se registe uma diminuição, Portugal continua a ser um dos países da Europa com mais alta taxa de gravidez na adolescência. Tal facto, evidencia a atenção que esta situação deveria receber. No entanto, ainda não há muito tempo tivemos uma enorme discussão pública sobre a distribuição de preservativos nas escolas e foi possível a perceber a grande disparidade e diferenças de ponto de vista sobre a questão. Embora nestas matérias, como em todas as que dizem respeito à vida das pessoas, se deva considerar o universo de valores em presença, bem diferentes, é fundamental não esquecer as consequências devastadoras e dramáticas que a maternidade adolescente pode implicar. Como refere Teresa Bombas da Sociedade Portuguesa de Contracepção a gravidez surge para muitas adolescentes e jovens como "um projecto de vida na ausência de outros".
Sabemos, a experiência mostra, que uma adolescente pode revelar-se uma excelente mãe, tanto quanto uma mulher madura pode ser uma péssima mãe. Não podemos, nem devemos, promover avaliações prévias de competências maternais, a ética e a moral impedi-lo-iam, mas podemos combater discursos hipócritas sobre a educação em matéria de sexualidade e comportamentos de risco. Estes discursos alimentam a manutenção de situações que promovem em adolescentes, muitas vezes sem projecto de vida, um caminho e uma experiência para a qual não estão preparadas nem desejam, e promotora de sofrimento para todas as pessoas envolvidas, a começar, obviamente por uma criança, que sem ser ouvida, entra a sofrer neste mundo.

sábado, 25 de setembro de 2010

AI, AI, FORAM CHAMADOS AO DIRECTOR

As águas andam cada vez mais agitadas lá pela turma. Como é costume, está dividida e ninguém se entende, o delegado de turma e os seus amigos, dizem que foram eleitos e por isso são eles que devem decidir como se faz o orçamento da turma para a viagem de finalistas. Os outros grupos discordam, cada grupo acha que se deve fazer de outra maneira. O delegado de turma diz que se o orçamento da viagem não for feito como ele diz, deixa de ser delegado. Parece que os outros que gostavam de mandar na turma, nesta altura também não estão muito interessados em mandar porque os alunos da turma, a maioria, não tem muitos meios para poder financiar a viagem de finalistas pelo que também não se sabe onde é que vão buscar o dinheiro. O cenário está mesmo complicado.
A maioria dos alunos da turma está preocupada por que aqueles que querem mandar não se entendem e sobretudo sem perceber como é que se vai fazer a viagem de finalistas. A Ministra da Educação bem avisou para trabalharem para ser inteligentes porque o trabalho é a ginástica do cérebro, além de que devem ouvir com atenção e cumprir o que os professores lhes dizem e ensinam para bem deles e dos pais e do país, é claro. Só que ninguém ouve ninguém e todos discutem.
O barulho que por lá vai é cada vez maior e agora foram chamados ao Director da escola para ver se conseguem entender-se. O Director passa o tempo a dizer que é preciso que todos se dêem bem, mas parece que já ninguém liga muito ao Director, mas como ele é o Director vamos ver o que acontece.
Ainda chumbam todos e acaba-se com a turma.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

DESATENTOS MAS MUITO PREOCUPADOS

Segundo o JN dez crianças morreram nos últimos três anos devido a quedas de janelas ou varandas. Durante a época de Verão, todos os anos somos informados da quantidade inaceitável de acidentes que vitimizam crianças em piscinas.
Continuamos a ser um dos países europeus em que as crianças mais são vítimas de acidentes domésticos. Nas mais das vezes verifica-se alguma negligência ou excesso de confiança da nossa parte, adultos, na vigilância dos miúdos.
O que me parece importante sublinhar é que num tempo em que os discursos e as práticas sobre a protecção da criança estão sempre presentes também se verifica um número altíssimo de acidentes mortais o que parece paradoxal. Por um lado, protegemos as crianças de forma que, do meu ponto de vista, me parece excessiva e por outro lado e em muitas circunstâncias, adoptamos atitudes e comportamentos altamente negligentes e facilitadoras de acidentes que, frequentemente, têm consequências trágicas. Ainda hoje o Público refere uma nota distribuída à comunicação social pela direcção do Serviço de Ortopedia do Hospital Pediátrico de Coimbra, em que se repõe algum bom senso sobre a questão do peso das mochilas carregadas por crianças e adolescentes. Do meu ponto de vista o grande problema das mochilas dos miúdos não é o peso mas o que elas contêm, mas voltaremos a isso. Este é um bom exemplo do paradoxo a que me referia, para além dos acidentes domésticos muitos pais deixam os miúdos, por negligência ou não, fechados horas em ecrãs, a alimentação dos miúdos já é quase um problema de saúde pública. No entanto, simultaneamente, tudo dá origem a discursos sobre a preocupação com a segurança e bem-estar dos mais novos.
Entretanto, verificou-se uma vez mais, a queda de um anjo, desta vez, felizmente, sem um fim trágico. Um pormenor, a criança de quatro anos estaria só em casa.

A CRISE E A SARDINHA

Pode parecer uma associação estranha, mas vou tentar explicar. Na imprensa e pela nossa experiência diariamente se regista e se sente, naturalmente, as dificuldades que muitas pessoas atravessam em consequência da crise instalada na nossa vida por responsabilidade daqueles que, curiosamente, aparecem com receitas milagrosas para dela sair. É claro que nas mais das vezes, a receita passa pela defesa de mais sacrifícios que atingem os mais vulneráveis, alimentando ciclos de pobreza e dificuldade que dificilmente se contrariam.
Do meu ponto de vista, aqui várias vezes afirmado, a questão central, para além dos imprescindíveis apoios a situações extremas, remete para os modelos de desenvolvimento económico e social que temos "sofrido" e para a refundação de uma dimensão ética no mundo da economia e finanças que se conjugue com a mudança desses modelos.
Sem esta alteração de fundo a crise e as dificuldades emergem ciclicamente, com maior ou menor impacto, mas sempre promovendo dificuldades para a maioria das pessoas e oportunidades para um grupo pequeno que nelas se movem bem.
É neste contexto, a crise que vai e volta, que me lembro da história da sardinha bem conhecida na família e contada pela minha avó Leonor, mulher fantástica, de quem já vos tenho falado. Quando se falava de dificuldades ela contava no seu jeito encantatório que dificuldades sempre houve e haverá. Quando era pequena, numa aldeia lá para os lados de Vila Velha de Ródão raramente acedia uma luxo chamado sardinhas e quando lá chegavam eram quase sempre já salgadas porque frescas era impossível. Nesses dias de festa, sardinhas à mesa, a mãe perguntava-lhe se queria a parte da cabeça ou a parte do rabo, isso mesmo, metade de uma sardinha em dia especial.
Concluía a avó Leonor que em todos os tempos há dificuldades para muitas pessoas, mas que sempre hão-de vir melhores dias, ela nunca perguntou aos filhos que metade da sardinha preferiam.
A avó Leonor era uma optimista.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

AS ESPECIAIS DIFICULDADES DAS NECESSIDADES ESPECIAIS

O Público de hoje faz-se eco das preocupações da Fenprof com o facto de em várias escolas não estar a ser cumprida a determinação legal de que nenhuma turma pode ter integrados mais de dois alunos com necessidades educativas especiais e de que essas turmas não podem ter um efectivo superior a 20.
Tal situação é de há muito recorrente no nosso sistema educativo e foi formalmente agravada pois com a aplicação no insustentável Decreto-Lei 3 de 2008 relativo à Educação Especial, verificou-se um trágico afunilamento dos alunos identificados como tendo necessidades especiais e elegíveis para apoios no âmbito do ensino especial. Em consequência, muitos alunos, apesar de experimentarem reconhecidas dificuldades e necessidades de apoio, acabam, frequentemente, por ficar sem o apoio necessário e adequado.
Este cenário leva a que na prática muitas turmas tenham na sua constituição vários alunos com dificuldades identificadas mas como nem todas são "contabilizadas", apenas as elegíveis, acabam por receber mais alunos excedendo os 20 definidos por lei. Acresce a esta situação a falta, também reconhecida, de professores e técnicos (hoje a imprensa faz-se eco de que ainda não foram colocados muitos dos psicólogos que estavam nas escolas no ano lectivo passado) com formação e disponibilidade para providenciarem os apoios considerados adequados ao bem-estar educativo dos miúdos com mais dificuldades.
Lamentavelmente já não me surpreendo com a situação, entristece-me e revolta-me a ligeireza e negligência com que estes miúdos são tratados por quem gere o sistema e passa o tempo a promover uma retórica demagógica e enganosa sobre sucesso, qualidade e desenvolvimento educativo para todos.

A HISTÓRIA DO PALHAÇO

Era uma vez um rapaz chamado Palhaço. O seu nome era dos mais conhecidos na escola onde andava. Desde o início que colegas e professores achavam um nome muito a propósito. É que o Palhaço passava o tempo a fazer, claro, palhaçadas. Os colegas riam-se com ele e dele, estavam sempre à espera de qualquer cena ou situação inventada pelo Palhaço na sala de aula que os fizesse rir. Ele respondia ao que esperavam e todos os dias acontecia qualquer coisa de diferente, ou de repetido, mas sempre divertida, arranjada pelo Palhaço.
Os professores não achavam muita graça e inúmeras vezes o repreendiam ou até castigavam porque não suportavam as suas palhaçadas que atrapalhavam o funcionamento das aulas.
Toda a gente pensava que o Palhaço se divertia imenso com as suas palhaçadas pelo que, sobretudo os professores, se zangavam com ele, estava sempre a gozar, diziam, o que obviamente não se pode aceitar.
O mais curioso nesta história é que ninguém tinha percebido que o Palhaço detestava palhaços e palhaçadas. Por isso as fazia e se sentia infeliz a rir.
De tristeza.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

AS METAS PARA 2015 - com o ME ou apesar do ME?

O Ministério divulgou ontem o Programa Educação 2015 em que se estabelecem de forma quantificada os objectivos decorrentes da já anunciada intenção de baixar os ainda demasiado elevados números de insucesso e abandono escolar. Como é evidente e muitas vezes aqui tenho referido é fundamental como regulador do desempenho que tenhamos alguma clareza e rigor nos objectivo que estabelecemos única forma de proceder à indispensável avaliação do trabalho desenvolvido. A definição dos objectivos, metas como agora lhe chamam em mais um upgrade de linguagem assentará em três indicadores, os resultados das provas aferidas e os dados do abandono e do insucesso.
Com já disse há semanas creio que o ME não desconhece que, no âmbito da autonomia escolar, de há muito existe a obrigatoriedade legal das escolas construírem um Projecto Educativo que, operacionalizado através dos Planos de Actividade, visa responder às especificidades e problemas próprios de cada comunidade escolar. Portanto, nada de novo nesta ideia de cada escola estabelecer as metas ou objectivos para o seu trabalho face às suas especificidades, por exemplo no que respeita aos indicadores considerados.
Como tenho referido, a questão central, coloca-se, do meu ponto de vista a dois níveis. Em termos mais genéricos, sublinho a necessidade de modificar, como repetidamente tenho afirmado e a Ministra da Educação tem abordado, a organização e conteúdos curriculares; de desburocratizar parte do trabalho do docentes, simplificar os modelos de organização e funcionamento das escolas recentrando a actividade docente naquilo que lhe é central, trabalho com os alunos e disponibilidade para isso. Neste quadro mais geral parece-me ainda necessário que se estruturem dispositivos de regulação, avaliação e apoio ao trabalho da escolas que efectivamente possam colaborar na melhoria da qualidade dos processo educativos. Sabemos que existem as designadas Equipas de Apoio às Escolas mas a sua eficácia na área científica e pedagógica carece de optimização.
O segundo nível que me parece de considerar remete para os recursos que as escolas têm, ou poderão ter, para criar dispositivos de apoio a alunos e professores. Quem conhece o funcionamento das escolas sabe que, apesar do empenho da grande maioria dos professores, as estruturas de apoio são difíceis de operacionalizar. Um exemplo, em algumas escolas os professores de apoio educativo a alunos em dificuldades são os que substituem as faltas dos outros colegas, pontuais ou mais prolongadas. A Ministra afirmou, a propósito de uma questão que lhe foi colocada numa entrevista recente ao Público sobre a presença (ausência) de psicólogos, que nem todos os técnicos que podem ser úteis nos processos educativos terão de estar na escola e dá o exemplo da colaboração com os técnicos das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens. Concordo com o princípio genérico, nenhum sistema educativo pode ter sediado nas escolas todos os técnicos necessários a todos os problemas que os alunos possam experimentar. No entanto, não acredito que a Ministra não saiba que a maioria dos técnicos das Comissões não estão a tempo inteiro, dispersam-se entre os trabalhos da Comissão e os do Serviço a que pertencem e que em muitas zonas do país as Comissões estão de tal modo sobrecarregadas que não conseguem sequer acompanhar devidamente as crianças e jovens já sinalizadas como em risco. E isto é apenas um exemplo. Não me parece sério este tipo de perspectivas conhecendo-se a realidade.
As escolas precisam, de facto, num quadro de autonomia regulada e avaliada estabelecer os seus próprios objectivos, muitas fazem-no, apesar do Ministério da Educação. Era mais eficaz se fosse com o Ministério da Educação.

A HISTÓRIA DO VIAJANTE

Era uma vez um rapaz chamado Viajante. A todo o tempo contava as inúmeras viagens que, dizia ele, realizava com frequência. Era frequente os colegas ficarem atentos a ouvir o Viajante constar as suas andanças. Contava coisas extraordinárias e mirabolantes sobre os sítios e terras para e por onde as viagens o levavam. Explicava com muitos pormenores as pessoas estranhas que encontrava. Tinham, por exemplo, uma linguagem diferente que muitas vezes não percebia e também, às vezes, se comportavam de forma a que ele e os colegas não estavam habituados.
Passava por terras que não eram nada parecidas com a terra onde viviam e o Viajante descrevia de forma minuciosa e ilustrada como eram essas terras.
Tinha quase sempre viagens novas para relatar e os colegas até sentiam uma pontinha de inveja por tantas viagens que o Viajante fazia.
Curiosamente, não percebiam que a quase totalidade das viagens que o Viajante lhes contava eram realizadas quando estava sentado na sala de aula a olhar para a janela. Distraído ou na Lua, como diziam os professores que não apreciavam viagens.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O BEM-ESTAR DOS MIÚDOS, A AGENDA POR CUMPRIR

O Público assinala o 20º aniversário da adopção da Convenção dos Direitos da Criança e sublinha as mudanças significativas no que respeita ao abaixamento da mortalidade perinatal e infantil, em que atingimos níveis bastante positivos, e o alargamento da rede de educação pré-escolar, base importante para o lançamento de percursos educativos bem sucedidos para a generalidade dos cidadãos.
Como a peça refere e apesar das mudanças qualitativas que devem ser registadas muito ainda há que fazer em matéria de bem-estar de crianças e adolescentes.
De entre as várias áreas que me parecem problemáticas destaco três, a atenção e resposta às crianças e adolescentes em risco, o aspecto particular do número de crianças expostas ao risco de pobreza e a qualidade e o sucesso em educação.
De uma forma geral os discursos e a retórica política sempre acentuam a importância destas matérias mas é preciso ir um pouco mais longe. Por exemplo, dotar as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens dos meios suficientes e qualificados para a detecção e acompanhamento eficaz dos casos de risco, ou caminhar no sentido de diminuir o número de crianças institucionalizadas e sem projecto de vida.
No que respeita aos risco de pobreza, as crianças são como que o elo mais fraco de uma sociedade com um fosso demasiado grande entre os mais ricos e os mais pobres, cerca de dois milhões em risco. As políticas sociais não podem deixar de entender como prioritário, sobretudo nos tempos que atravessamos, os apoios sérios e fiscalizados aos problemas das famílias que envolvem, necessariamente, os mais novos.
No que respeita à educação, a qualidade é o grande desafio. Os discursos políticos nunca esquecem o grande desígnio da educação ou a paixão pela educação. Precisamos de caminhar de forma séria e não tentados pela sedução do sucesso estatístico, para a qualidade dos processo educativos que se traduz nos níveis de qualificação das pessoas (não da simples certificação), na diminuição das taxas de abandono e insucesso, enfim, na construção de projectos de vida viáveis e bem sucedidos, como acima referia.
Continuamos com uma agenda por cumprir em matéria de bem-estar dos mais novos.

A HISTÓRIA DO ALUNO MAU

Era uma vez um rapaz chamado Aluno Mau. Era novo naquela escola mas a sua mochila já carregava muitas andanças e os professores que o receberam já sabiam que se tratava de um Aluno Mau.
Como se sabe, quando vamos encontrar um Aluno Mau já estamos à espera que ele assim seja. E ele era, um Aluno Mau.
Mal conhecia os companheiros mas rapidamente eles o conheceram. Passava o tempo a arranjar umas encrencas, ora com um, ora com outro. Não raramente estas encrencas acabavam de forma, digamos, um pouco mais viva, por assim dizer.
Nas aulas, a coisa não corria melhor. O Aluno Mau quase nunca trazia o material ajustado, ou se esquecia, ou se baralhava com os horários. Da feitura dos trabalhos de casa nem vale a pena fazer, ignorava-os na maior parte das vezes. Era raro passar um dia em que não houvesse um qualquer incidente com o Aluno Mau numa das aulas.
Como não podia deixar de ser o pai do Aluno Mau foi várias vezes chamado à escola. Só apareceu a primeira vez pois quando percebeu que lhe disseram o que sempre tinha vindo a ouvir sobre o filho em todas as escolas, nunca mais voltou.
Com o andar do tempo o Aluno Mau foi acumulando castigos e insucessos que se acumulavam sem efeitos positivos.
Estranhamente, a partir de certa altura o Aluno Mau deixou de aparecer na escola a que, apesar de tudo, raramente faltava. Alguns dias depois, um aluno que morava perto da casa do Aluno Mau disse que tinha ouvido dizer que a família dele se tinha ido embora para outra terra à procura de trabalho para o pai.
E assim a história do Aluno Mau teve um final feliz, os colegas e os professores livraram-se dele e passaram a estar em paz numa escola sem problemas.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A CADEIRA DE RODAS NÃO CABE E NÃO SOBE DEGRAUS

O Público de hoje retoma um tema que algumas vezes também aqui tenho abordado, as condições de vida das pessoas com deficiência, em particular a falta de fiscalização relativa às questões das acessibilidades e barreiras nos edifícios.
Como acontece em outras áreas, a legislação portuguesa é positiva e promotora dos seus direitos, mas a sua falta de eficácia e operacionalização é bem evidenciada na tremenda dificuldade que milhares de pessoas experimentam no dia a dia.
Existem ainda muitos serviços públicos e outro tipo de equipamentos de prestação de serviços com barreiras arquitectónicas intransponíveis, a que os cidadãos com deficiência só podem aceder com ajuda de terceiros e, mesmo assim, com dificuldade.
Os transportes públicos de diferente natureza também colocam enormes problemas na acessibilidade por parte de pessoas com mobilidade reduzida.
As normas de construção não são respeitadas, mantendo-se em edifícios novos a ausência de rampas ou a sua existência com desníveis superiores ao estabelecido, constituindo, assim, um risco sério de queda.
Para além deste quadro, suficientemente complicado, ainda há que contar com a prestimosa colaboração de muitos de nós que estacionamos o belo carrinho em cima dos passeios, complicando ou proibindo, naturalmente, a circulação de cadeiras de rodas. Os passeios, nem sempre com as medidas determinadas por lei, são, por vezes e quase na totalidade, ocupados com esplanadas que, claro, são só mais uma dificuldade para muita gente.
A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade que a sua condição, só por si, pode implicar.
Termino com uma afirmação que recorrentemente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.

O GPS DOS MIÚDOS

Começa na família a construção do GPS que nos acompanhará, ou não, em toda a viagem. Quando as famílias cuidam dos miúdos de forma a que sejam gente, eles aprendem aí a saber fazer e entender a estrada, perceber as dificuldades que vão encontrar e integram também algumas ferramentas que os ajudarão a tentar ultrapassar e a lidar com essas dificuldades. O GPS é muito útil, contribui decisivamente para que os esforços e o empenho que os miúdos possam desenvolver e assumir os conduzam a bom porto.
É pois fundamental que as famílias possam cumprir bem essa tarefa de ajudar a que os miúdos possam sentir-se seguros com o seu GPS. Por vezes e em algumas circunstâncias, as famílias terão alguma necessidade de ajuda e apoio para que essa missão seja bem sucedida.
Depois da família, cumpre à escola a responsabilidade de tornar o GPS dos miúdos e adolescentes mais eficaz e sofisticado, mais equipado e mais preparado para outras dificuldades, obstáculos e percursos. O projecto de vida que cada um desenvolverá vai certamente depender da qualidade do GPS com que se vai equipando.
De facto, nos dias que correm é imprescindível que todas a crianças, adolescentes e jovens possuam um GPS, Guia Para o Sucesso, que tenha qualidade e seja personalizado.
Sabemos que alguns se perderão, não conseguiremos evitá-lo mas, ainda assim, temos a responsabilidade ética de tentar construir para todos um GPS que funcione.

domingo, 19 de setembro de 2010

NÃO LHES TIREM, TAMBÉM, A SESTA

Há muitos anos tinha o meu filho entrado no jardim de infância da rede social, onte esteve globalmente muito bem acompanhado, a adaptação estava a correr bem mas ele começou a pedir para que se possível o fôssemos buscar logo a seguir ao almoço. Para abreviar a história só algum tempo depois é que percebemos que o gaiato, na altura com quatro anos e ainda um sesto-dependente, se sentia muito desconfortável por ter de dormir calçado, isso mesmo, calçado. Falámos com a educadora e com a auxiliar, a situação alterou-se, a sesta ficou tranquila e o João feliz. É um exemplo de miúdo para o qual a sesta era importante e foi-o mais algum tempo, ainda nos rimos hoje cá em casa porque era frequente quando passeávamos ter que me sentar num banco de jardim onde ele adormecia facilmente durante uns minutos, ficando pronto e em forma para o resto do dia.
Vem esta introdução a propósito do facto de em muitas instituições se determinar a idade a partir da qual se retira às crianças a possibilidade da sesta, proibindo-a. Como em muitos outros aspectos as crianças não têm padrões de sono/vigília iguais pelo que umas, mais cedo que outras, começam a dispensar a sesta e algumas, é bom não esquecer, a adquirir estilos de vida que não sendo contrariados pelas famílias as levam rapidamente a viver com menos horas de sono do que seria desejável com várias consequência menos positivas. Por outro lado, a alternativa que em muitas instituições é oferecida para ocupar este tempo é absolutamente inacreditável, por exemplo na penumbra a ver televisão, como há alguns meses a comunicação social referia e muitos pais sabem.
Além disto, deve ainda considerar-se que boa parte das crianças que estão em instituições de educação pré-escolar o fazem por necessidade ou negligência familiar durante um número de horas enorme pelo que a sesta poderia ser um factor de repouso e corte numa presença institucional diária de longa duração.
Assim, parece uma questão de bom senso e qualidade educativa, permitir que no jardim de infância as crianças cumpram uma sestazinha que só faz bem e que deixa muitos de nós cheios de inveja.

sábado, 18 de setembro de 2010

A GENIAL IDEIA DE TRAZER O GÉNIO

Ainda que o faça raramente, sempre que no Atenta Inquietude falo de futebol sinto necessidade de dizer que gosto imenso e que enquanto os joelhos o permitiram fui um praticante apaixonado. Dito isto, uma breve nota sobre o mais recente episódio que me faz pensar que em Portugal nada ainda bateu no fundo, é sempre possível esperar pior.
Na sequência da inenarrável história com Carlos Queiroz, o Presidente da FPF, o eterno Gilberto Madail aparece com a brilhante ideia de ir a Madrid tentar assegurar para dois jogos a colaboração do mago, do génio, do special one, do doutor “honoris causa”, do maior de sempre, do grande triunfador, do …, enfim, de José Mourinho.
Quando li a primeira notícia sobre isto ainda pensei que para uma notícia de 1 de Abril estaria bem pensado mas não, era mesmo a sério, Madail queria um treinador milagreiro para dois jogos.
Da perplexidade passei ao embaraço. É certo que, provavelmente, o mundo já não nos levam muito a sério mas com os diabos, o que vão pensar as pessoas com um sentido mínimo de bom senso e pudor sobre esta atitude do Dr. Madail. Desloca-se a Madrid para convencer clube e treinador a vir trabalhar nove dias a Lisboa, fazer o esperado milagre e ir à vida.
O mago, o génio, o special one, o doutor “honoris causa”, o maior de sempre, o grande triunfador, o …, enfim, José Mourinho disse que nem a gasolina queria que lhe pagassem para vir ajudar, (nota de tradução: na linguagem de José Mourinho “vir ajudar” quer dizer “vir resolver o problema”), não precisa de dinheiro e prestígio já tem que chegue e que, assim, faria esse favorzinho ao País se o patrão o deixasse, é claro.
Finalmente, como se diz aqui no meu Alentejo, o enleio parece que não vai dar em nada. Ficou a patética e embaraçante situação.
Um último pormenor, este lamentável episódio tem sido abertura em vários espaços noticiosos televisivos. Não há como um país feliz e despreocupado.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A DIMENSÃO DAS TURMAS

Foram hoje a discussão no Parlamento os projectos de diploma do BE e do PCP relativos ao número de alunos por turma na sequência da apresentação da petição desencadeada pelo Movimento Escola Pública. As propostas vão no sentido de se estabelecer que na constituição das turmas do pré-escolar e 1º ciclo, o número máximo de alunos passe de 24 para 19 e no 2º, 3º ciclo e ensino secundário diminua de 28 para 22. É ainda solicitado que cada professor não leccione para mais do que 110 alunos, ou seja, 5 turmas com o máximo de alunos que a petição propõe.
Não são conhecidas as disponibilidades físicas do parque escolar no sentido de suportarem o acréscimo de turmas que a medida proposta implicaria, até porque o número de alunos por turma não se coloca da mesma forma em todas as escolas e agrupamentos, mas não é esta a questão que está permanentemente em cima da mesa.
Por princípio, turmas menores, dentro de parâmetros razoáveis, favorecem a qualidade do trabalho dos professores e dos alunos com naturais consequências nos resultados escolares e no comportamento. No entanto, é também necessário considerar as diferenças de contexto, isto é, a população servida por cada escola, as característica da escola, a constituição do corpo docente, etc. Tal significa que, apesar da concordância genérica com o princípio de reduzir o número de alunos por turma em algumas escolas e agrupamentos, pode e deve admitir-se alguma flexibilidade. Parece ainda de sublinhar que a qualidade e sucesso do trabalho de professores e alunos depende de múltiplos factores, sendo que a dimensão do grupo é apenas um, ou seja, mesmo que se reduzam turmas consideradas demasiado grandes, se não se verificarem alterações ao nível de prática e processos de organização e funcionamento da sala de aula, o impacto na qualidade e nos resultados será, certamente, baixo como, aliás, muitos estudos e a experiência mostram.
Já a ideia de reduzir o número máximo de alunos com que cada professor trabalha só peca por tardia e com um impacto potencial mais significativo. Parece óbvio que menos alunos permite melhor conhecimento de cada um, menos turmas permitiria, por exemplo, que um professor no seu horário pudesse assegurar duas disciplinas do seu grupo científico na mesma turma (existem casos em que é possível e muitas escolas já praticam) aumentando o tempo de contacto do professor com os mesmos alunos com naturais reflexos positivos.
O actual modelo de organização das escolas e do trabalho dos professores leva a que um número extraordinário de horas de trabalho dos docentes seja dedicado a um conjunto interminável de actividades, a inúmeras tarefas de natureza quase administrativa, para além das reduções inerentes à progressão na carreira e de outras funções não lectivas. Tudo isto contribui para que em termos práticos tenhamos um modelo menos eficiente e facilitador do trabalho dos alunos e os próprios professores, cujo empenho e profissionalismo esbarra muitas vezes com modelos inadequados de organização e funcionamento das escolas.
Temo que a necessária discussão sobre estas matérias se centre excessivamente centrada nos aspectos logísticos e menos nos aspectos essenciais, as práticas que se desenvolvem, os modelos (no plural) de organização e do trabalho em sala de aula, os modelos de organização e funcionamento das escolas, o modelo e a organização da carreira docente envolvendo os conteúdos funcionais, etc.

OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL - o entusiasmo da novidade

Chamas-te Miguel não é?
Sou, tu és Carolina?
Não, sou Cristina.
É parecido, baralhei.
Estás a gostar da escola? Eu estou a achar fixe, só a conhecia por fora. Os setôres que já conhecemos parecem fixes. Só conhecia os colegas que vieram da minha escola. Temos um monte de livros novos, ainda tenho que estar a olhar para o horário para saber arrumar a mochila. Bué da livros, ando a vê-los com a minha mãe mas são muitos. A escola tem bué da salas e coisas que a minha não tinha, o ginásio e a sala de computadores. Acho fixe e tu também achas fixe?
Eu conheço bem a escola, conheço os setôres todos, sei quem os que são fixes e os que são uma seca, já sei quais são os livros e que é que se vai fazer com eles, não conheço os colegas todos, conheço mais pessoal no 6º B. Não acho a escola assim tão fixe como tu dizes.
Mas como é já conheces isso tudo? As aulas só começaram há poucos dias.
Eu já andei no 5º, chumbei e fiquei à mesma no 5º ano. Parece tudo igual ao ano passado, uma seca bué da grande, vais ver.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

JARDINS DE INFÂNCIA, EDUCADORES, MIÚDOS, PAIS, FENPROF E SEUS INTERESSES

Já aqui tenho referido que uma das medidas em matéria de políticas de família que mais impacto pode ter é a garantia de disponibilidade e acesso a creches e jardins de infância por parte das famílias. É sabido que nas zonas urbanas a oferta é claramente abaixo da procura. Sabe-se que existem muitas instituições que já nem em lista de espera aceitam novas inscrições. Como também não se estranha, esta situação é mais evidente no chamado sector social, Instituições Privadas de Solidariedade Social, pois a mensalidade é decorrente do rendimento familiar. O facto de as famílias, ao construir dos seus projectos de vida conhecerem a dificuldade e os custos para assegurar a estadia dos filhos após as licenças de parto, é um sério obstáculo ao à natalidade.
Começa hoje a ser discutida no Parlamento a petição desencadeada pela Fenprof e, certamente por coincidência, um projecto de diploma do PCP que vem defender que os calendários de funcionamento do pré-escolar sejam semelhantes ao do ensino básico. A justificação remete para a necessidade de participação da(o)s educadoras de infância nas reuniões de avaliação e planeamento dos respectivos estabelecimentos e agrupamentos.
Do ponto de vista profissional e corporativo entendo, o discurso dos representantes sindicais habituou-nos a uma defesa quase exclusiva dos interesses profissionais e corporativos dos professores, muitas vezes com razão, e menos dirigida para os interesses da comunidade educativa, miúdos e pais, por exemplo. Não se discute a necessidade de reuniões de avaliação e planeamento na educação pré-escolar e a sua articulação com o 1º ciclo, mas equiparar o calendário dos jardins de infância ao ensino básico, considerando as especificidades curriculares, pedagógicas, idade dos miúdos e impacto social, parece-me apenas sustentável à luz de uma posição meramente corporativa e destinada a manter em aberto a conflitualidade imprescindível às agendas políticas que tomaram conta da educação em Portugal.
A conflitualidade de interesses é algo de absolutamente normal, não é grave, antes pelo contrário, pode ser sempre um oportunidade de avanço, quando se quer, de facto, considerar todos os interesses envolvidos.

POBREZA, DESCULPEM A INSISTÊNCIA

Lamentavelmente a pobreza e o risco de pobreza em Portugal continuam na agenda. Bruto da Costa, citado no JN e um dos mais conhecidos especialista nestas matérias para além dos verdadeiros pobres naturalmente, alerta para a ineficácia genérica da Acção Social na diminuição dos números da pobreza.
Não é novidade o baixo impacto que políticas centradas quase que exclusivamente no subsídio, obviamente necessário em muitas circunstâncias, têm no combate à pobreza e exclusão uma vez que não atingem o aspecto essencial que é autonomia na produção de recursos que minimizem as dificuldades económicas.
É óbvio que grupos sociais como idosos exigem modelos e dispositivos de apoio social diferenciados de populações mais jovens e em idade produtiva. É certo que existem algumas iniciativas nesse âmbito como, por exemplo, a promoção de formação profissional no âmbito de programas de apoio.
Acontece, no entanto, que essa oferta é, por vezes, desfasada das necessidades e particularidades contextuais sendo ainda desvalorizada pelos próprios beneficiários que a encaram apenas como condição de acesso a apoios e não como oportunidades de desenvolvimento pessoal e reconstrução de projectos de vida. É pois fundamental que estas iniciativas sejam devidamente avaliadas e regulado o seu desenvolvimento.
Neste quadro importa ainda a coragem de, mais uma vez, ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, diminuir efectivamente o fosso intolerável entre os mais ricos e mas pobres, caminhar no sentido da construção de uma dimensão ética que seja reguladora da atribuição de privilégios incompreensíveis e obscenos para poucos e tolerância face a situações de exclusão extrema para bastantes outros.
Eu sei que escrever sobre estas questões em espaços desta natureza tem alcance zero, mas continuo convencido que é fundamental não deixar cair a preocupação com a pobreza e exclusão. Por isso, a insistência.

A HISTÓRIA DO RAFAEL, O PREGUIÇOSO

Um destes dias, já depois das aulas terem começado a Graça, nova na escola e que tem um grupo do primeiro ano, encontrou o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, na sala de professores. Para não variar estava de volta do chá e, claro, sempre pronto para a conversa.
Posso sentar-me uns minutos?
Claro Graça, que tal achas a escola?
Simpática, bons colegas e com boas condições. Os miúdos arrumadinhos e com vontade de crescer, sabendo. Ainda é um bocadinho cedo mas convém estar atenta desde o início e o Rafael intriga-me um pouco. Conheces o gaiato? Aqui não usam muito mas lá no Alentejo é assim que falamos.
Não conheço o Rafael, o gaiato como lhe chamas, ele não estava no Jardim de Infância aqui da escola. Que te intriga?
A qualquer coisa que eu peça ou sugira ao Rafael para fazer, diz de imediato que não sabe ou não é capaz. Dificilmente e só estando muito por perto a incentivar é que faz qualquer coisa, sempre a contragosto. O que acho curioso é que, por vezes, se põe junto dos outros e dá dicas e ajudas para eles fazerem as coisas. Quando lhe peço eu volta ao não sabe ou não é capaz. Sabes o que me faz lembrar? Aquelas pessoas pouco amigas de trabalhar, há muitas assim, que quando vêem alguém a trabalhar na rua juntam-se logo e ficam por perto a assistir e a dar conselhos, palpites. Se lhes pedirem para fazer alguma coisa desaparecem rapidamente.
Como te disse não conheço o Rafael mas, desculpa por isto, podes estar a ser um pouquinho injusta. Tenho encontrado miúdos como o Rafael que ao responder que não sabem ou não são capazes de fazer o que se lhes pede, estão a mostrar medo de não fazer bem, falta de confiança nas suas capacidades, por isso fogem de fazer. Se estiveram ao lado de colegas, com tarefas que não são suas, não se sentem ameaçados, por assim dizer e até mostram que na verdade são miúdos capazes.
Não tinha pensado nisso. Mas como faço para perceber melhor o Rafael?
Experimenta pedir-lhe que faça a coisa que melhor era capaz de fazer quando estava no Jardim de Infância. Creio que ele não dirá que não, vai fazer algo de bem feito o que te permite mostrar ao Rafael como ele é mesmo capaz de fazer coisas bem feitas. A gente só aprende a partir do que já sabe, não é do que ainda não sabe. De resto, como dizias há pouco, é preciso estar atento e mostrar confiança no "preguiçoso" do Rafael.
Não precisas de te meter comigo Velho. Até logo. Olha, o teu chá deve estar frio.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A MENSAGEM

A Ministra da Educação entendeu por bem fazer a sua declaração "urbi et orbi" de início de ano lectivo novo dirigida aos alunos, professores e até (sublinho o até utilizado pela Senhora Ministra) aos pais.
Não compreendo o alcance desta iniciativa, tal como foi feita, mas entendo-o à luz do comportamento voluntarista "bem intencionado" e materno-moralista de Isabel Alçada.
Para além do conteúdo exclusivamente dirigido a alunos e cheio de banalidades que não captam os mais novos, designadamente pré-adolescentes e adolescentes, a que apenas terá faltado outro inédito conselho, "temos que ser amiguinhos, porque é muito bonito as pessoas darem-se bem" o registo utilizado, a voz e os trejeitos, fez-me lembrar as histórias contadas às crianças pequenas por quem julga que por serem pequenas são parvas.
Uma mensagem de ano novo poderia ter sido uma boa oportunidade para, dirigindo-se, de facto, também a professores e pais, aflorar de forma serena as alterações ocorridas, os seus objectivos, as dificuldades esperadas, os objectivos que se pretendem, etc.
Assim, nem uma boa iniciativa no campo do marketing político me pareceu.

A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO?

A importância e o peso social, cultural e mesmo económico que a Igreja Católica tem em Portugal exigem que os seus discursos e posições sejam seguidos e considerados com atenção.
Num trabalho hoje divulgado no JN, D. Carlos Azevedo, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e uma das vozes mais importantes da Igreja portuguesa considera o actual modelo económico "indecente, injusto, desigual e desproporcionado". Palavras fortes que poderiam fazer parte de qualquer texto subscrito pela chamada esquerda, mesmo a mais radical. A propósito da crise instalada, sobretudo, de há três anos e das suas consequências trágicas como motor de exclusão, muito se discute sobre os modelos que a produziram. Muitas vezes aqui tenho referido a necessidade de alcançar um novo patamar ético que substitua o endeusamento do mercado e se possa constituir, também, como uma dimensão reguladora do mundo da economia e finanças.
Registo a dureza das palavras de D. Carlos Azevedo embora não esqueça a relação estreita entre boa parte das elites económicas e a Igreja Católica e me parecer tardia a posição agora expressa.
Não acredito que o discurso hoje divulgado seja sinal de uma qualquer adesão da Igreja portuguesa às teses mais próximas da teologia da libertação, em todo o caso parece-me uma tomada de posição importante. Os sinais que vão emergindo não permitem grande optimismo, passada a crise (esta) o modelo económico permanecerá estruturalmente semelhante apesar da retórica de mudança que, aliás, fica sempre bem.

A HISTÓRIA DO OLHAR DA JOANA

Nestes primeiros dias em que se inicia uma nova viagem escolar realizam-se sempre algumas iniciativas menos habituais.
A professora Isabel que trabalha na escola onde está o Professor Velho, aquele que já não dá aulas, está a biblioteca e fala com os livros convidou-o para ir à sala dela falar com os miúdos de como era a escola noutros tempos. O Professor Velho adora contar histórias, acha mesmo que é umas das vantagens de ficar velho, ter histórias para contar e passou a manhã com os miúdos, mesmo ao intervalo andava por lá no meio dos jogos e brincadeiras. Nessa tarde pediu à professora Isabel que passasse pela biblioteca para conversarem sobre a visita.
Olá Velho, então gostaste da minha turma?
Foi bonito, como sabes gosto de contar histórias e eles, ainda bem para mim, parecem gostar de ouvir histórias e participar nas conversas.
Pois é, gostam mesmo de falar e ainda estão a aprender a não falar todos aos mesmo. Às vezes não é fácil.
Com o tempo e com persistência eles aprendem, são inteligentes e percebem que é melhor assim. Já reparaste naquela menina com o cabelo e os olhos pretos, pequenina, que se chama, creio, Joana?
Já Velho estava para um dia destes te falar dela. Está sempre calada, desvia o olhar quando chego ao pé dela, está quase sempre só. Porque perguntas?
Também me pareceu, como referes, que a Joana é uma menina que parece triste. Desde que cheguei à sala que o olhar dela me chamava. Procurei estar atento e durante o intervalo tentei aproximar-me e conversar.
Não parece fácil, ela foge um bocadinho.
Não fugiu, conversámos sobre uma história que eu tinha contado mas fiquei preocupado. A Joana tem uma sombra?
Uma sombra?
Sim Isabel, uma sombra, uma sombra grande no olhar. Não consegui perceber o que é, mas ela carrega uma sombra grande que a assusta, que a faz ficar com medo. Quando a gente espreita nos olhos dos miúdos consegue, às vezes, ver as sombras da vida deles. Temos que descobrir qual a sombra do olhar da Joana, para a ajudar a perder o medo.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

APESAR DO MINISTÉRIO OU COM O MINISTÉRIO

A Ministra da Educação em entrevista no Público apresenta uma ideia central, as escolas deverão estabelecer os objectivos, metas como agora lhes chamam, para os seus alunos. Esta definição de objectivos deverá assentar em três indicadores, os resultados das provas aferidas e os dados do abandono e do insucesso.
A Ministra saberá certamente que, no âmbito da autonomia escolar, de há muito existe a obrigatoriedade legal das escolas construírem um Projecto Educativo que, operacionalizado através dos Planos de Actividade, visa responder às especificidades e problemas próprios de cada comunidade escolar. Portanto, nada de novo nesta ideia de cada escola estabelecer as metas.
A questão central, do meu ponto de vista, coloca-se a dois níveis. Em termos mais genéricos sublinho a necessidade de modificar, como repetidamente tenho afirmado e a Ministra concorda, a organização e conteúdos curriculares; de desburocratizar parte do trabalho do docentes, simplificar os modelos de organização e funcionamento das escolas recentrando a actividade docente naquilo que lhe é central, trabalho com os alunos e disponibilidade para isso. Neste quadro mais geral parece-me ainda necessário que se estruturem dispositivos de regulação, avaliação e apoio ao trabalho da escolas que efectivamente possam colaborar na melhoria da qualidade dos processo educativos. Sabemos que existem as designadas Equipas de Apoio às Escolas mas a sua eficácia na área científica e pedagógica carece de optimização.
O segundo nível que me parece de considerar remete para os recursos que as escola terão, ou poderão ter, para criar dispositivos de apoio a alunos e professores. Quem conhece o funcionamento das escolas sabe que, apesar do empenho da grande maioria dos professores, as estruturas de apoio são difíceis de operacionalizar. Um exemplo, em algumas escolas os professores de apoio educativo a alunos em dificuldades são os que substituem as faltas dos outros colegas, pontuais ou mais prolongadas. A Ministra afirma a propósito de uma questão sobre a presença (ausência) de psicólogos que nem todos os técnicos que podem ser úteis nos processos educativos terão de estar na escola e dá o exemplo da colaboração com os técnicos das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens. Concordo com o princípio genérico, nenhum sistema educativo pode ter sediado nas escolas os técnicos necessários a todos os problemas que os alunos possam experimentar. No entanto, não acredito que a Ministra não saiba que a maioria dos técnicos das Comissões não estão a tempo inteiro, dispersam-se entre os trabalhos da Comissão e os do Serviço a que pertencem e que em muitas zonas do país as Comissões estão de tal modo sobrecarregadas que não conseguem sequer acompanhar devidamente as crianças e jovens já sinalizadas como em risco. Não me parece sério este tipo de perspectivas conhecendo-se a realidade.
As escolas precisam, de facto, num quadro de autonomia regulada e avaliada estabelecer os seus próprios objectivos, muitas fazem-no, apesar do Ministério da Educação. Era mais eficaz se fosse com o Ministério da Educação.

A HISTÓRIA DO EXCELENTE

Era uma vez um rapaz chamado Excelente, isso mesmo, Excelente. Desde pequeno que se transformou num modelo no qual a família se revia. Bem comportado, inteligente, sempre obediente e discreto era, como se costuma dizer, o orgulho dos pais o que, deve dizer-se, incomodava a sua irmã que se chamava Assim Assim. Como sabem, não é fácil a vida de irmã de um Excelente. Os pais ainda ficavam mais satisfeitos por toda a gente lhes fazer sentir as qualidades do Excelente e a inveja, diziam mesmo, que sentiam por não terem filhos tão dotados.
A escola do Excelente foi sempre de uma tranquilidade absoluta, notas máximas e, mais uma vez, a perfeição como aluno. Sempre concentrado, muito responsável, uma qualidade sempre muito apreciada e exigida pelos professores. Nunca falava fora dos assuntos em discussão nas aulas e aproveitava todo o tempo para estudar e manter o seu estatuto de melhor aluno da escola. Nunca se lhe conheceu qualquer envolvimento em algum incidente na escola. Como era hábito nas reuniões de pais, não havia ninguém, professores ou outros pais, que não se referisse às enormes qualidades do Excelente. Em casa o tempo também era utilizado a estudar e, raramente, a ver na televisão algum programa de natureza científica que aumentasse o seu conhecimento.
Um dia, teria o Excelente uns dezasseis anos, estavam os pais, como de costume, a aguardar que ele viesse jantar sem que fosse necessário chamá-lo. Era um rapaz organizado e responsável. A hora passou e os pais pensaram que desta vez o estudo estava tão sério que tinha deixado escapar a hora de jantar.
Quando bateram à porta do quarto e o Excelente não abriu nem respondeu, entraram. O Excelente continuava a surpreendê-los. Tinha o quarto completamente virado do avesso, desarrumado como nunca tinha estado e ele deitado no chão brincava com uns bonecos pequenos com que aos seis anos não tinha tido oportunidade brincar, estiveram dentro de uma caixa estes anos todos. Quando o interromperam o Excelente fez a primeira birra da sua vida. Foi dura e os pais ficaram verdadeiramente assustados e perdidos.
Como perdido no tempo tinha ficado o Excelente. Há tempos para tudo, quando não os usamos nos tempos certos podemos perder-nos.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

PAIS, ESCOLA, SUCESSO ESCOLAR E EDUCATIVO

O Público retoma hoje, primeiro dia de aulas para todos os alunos, o papel e o contributo dos pais no sucesso educativo e escolar dos miúdos. Melhorar este papel e a relação dos pais com a escola não é tarefa fácil e não é problema resolvido em nenhum sistema educativo. Não é fácil, por um lado pelos estilos de vida modernos, sobretudo em zonas urbanas e, por outro lado pela inerência das dificuldades, conteúdos curriculares e cultura escolar desconhecidos por muitos pais e encarregados de educação, pelas solicitações e motivações presentes na vida dos miúdos, etc.
De qualquer forma é indiscutível a necessidade de o envolvimento dos pais e a qualidade desse envolvimento.
É reconhecido, por exemplo, do afastamento dos pais traduzido na baixa participação em reuniões. Como causas referem-se as dificuldades em termos de legislação e horários laborais e algumas atitudes de menor empenhamento.
De há muito defendo a pertinência de em sede de Concertação Social, avançar com propostas de alteração legislativa, sobretudo, na organização horária do trabalho que poderia, essa sim, ter impacto na disponibilidade dos pais. Não me parece impossível que em muitas profissões os tempos de trabalho pudessem ter outra distribuição permitindo mais tempo com os filhos e menos tempo destes na escola.
No entanto julgo de considerar outros aspectos. Costumo afirmar que os pais, exceptuando os mesmo negligentes, que ainda que podendo, menos frequentemente vão à escola ou nunca vão, se podem dividir em dois grupos, os pais que não alcançam a escola e os pais que a escola não alcança. Os primeiros são os que entendem consciente, ou inconscientemente, que a sua presença é irrelevante, não sabem discutir a escola, a escola é que sabe e decide sobre os filhos. Os outros, são os pais que o discurso produzido pela escola sobre os seus filhos os leva a afastarem-se progressivamente. A experiência mostra que quando as crianças são mais pequenas, pré-escolar 1º ciclo, o pais aparecem e começam afastar-se sobretudo a partir do 2º ciclo.
Neste quadro, creio que se o desejo de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos for mais do que uma retórica, o sistema, através dos modelos de funcionamento e recursos das escolas, deverá introduzir alguns ajustamentos. Redefinição do papel dos Directores de Turma, peças nucleares no sucesso educativo e muitas vezes entregues a tarefas quase administrativas, definição de dispositivos com professores motivados, existem muitos, que possam ir ao encontro dos pais que a escola não alcança. Existem tantas horas de professores adjudicadas a trabalho não docente que estas seriam certamente mais úteis. Mudança nas formas e suporte do contacto entre a escola e a família, ou seja, por exemplo, tipologia e conteúdos das reuniões de pais. Utilização concertada do papel das Associações de Pais como mediadores entre a escola e os pais que não vindo à escola, também não são dos que integram as Associações.
O espaço é curto mas creio que no actual quadro é possível ir um pouco mais longe na tentativa imprescindível de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos miúdos, questão em mudança, sempre, e que obriga a uma contínua reflexão sobre os papéis e os processos e formas de envolvimento.

PAI E FILHO, MAIS UM DIÁLOGO IMPROVÁVEL - a escola nova

Pai, a escola nova é bué grande.
Filipe, não é uma escola, é um Centro Escolar, por isso é grande.
Há lá muitos miúdos que não conheço e muitos professores e auxiliares.
Os miúdos são os teus colegas, é assim que deves dizer. Já não se chama auxiliar às pessoas que fazem esse trabalho, deves dizer assistente operacional, é assim o novo nome.
Pai, já viste, tantos livros para estudar.
Filipe, chamam-se manuais e cadernos de fichas. É por eles que se organizam e desenvolvem as actividades de aprendizagem.
Isso é o quê?
O trabalho que se faz na escola para aprender as coisas que é preciso aprender.
Pai, porque é que eu tenho de ir tão cedo para a escola e vir tão tarde?
Porque almoças lá e vais fazer muitas actividades como já te disse. Vais ter as actividades lectivas curriculares e as actividades de extensão curricular.
Isso é o quê?
É mais trabalho que deves realizar para aprenderes e seres bom aluno, são actividades muito importantes para cresceres.
Mas isso é muito tempo, ainda vou poder brincar?
Filipe, agora estás no Centro Escolar, não é para brincar é para trabalhar, muito e bem. Mas vais ter os intervalos e aí podes brincar com os teus colegas.
Pai, quando eras do meu tamanho, a tua escola era assim como a minha?
Claro que não Filipe, era até bem diferente, muito diferente mesmo.
Gostaste da tua escola?
Gostei, gostei muito de andar naquela escola.
Eu acho que também gostava mais da tua escola.

domingo, 12 de setembro de 2010

ENSINO SUPERIOR - a rede, as vagas, as necessidades

A divulgação dos resultados da primeira fase do processo de candidatura ao ensino superior recoloca na agenda algumas questões sobre este universo. O ensino superior em Portugal é, como muitíssimas outras áreas, vítima de equívocos e de decisões políticas nem sempre claras. Uma das grandes dificuldades que enfrenta prende-se com a demissão durante muito tempo de uma função reguladora da tutela que, sem ferir a autonomia universitária, deveria minimizar o completo enviesamento da oferta, pública e privada, que se verifica. Um país com a nossa dimensão são suporta tantos estabelecimentos de ensino superior, públicos ou privados, sobretudo, se atentarmos na qualidade. As regiões e autarquias reclamam ensino superior com a maior das ligeirezas.
Nesta matéria, a qualidade, espera-se que o processo em curso de Avaliação e Acreditação se revele um forte incentivo. Foi há tempos divulgado pela Agência para a Avaliação e Acreditação do Ensino Superior que face aos pedidos de acreditação entregues na primeira fase, se pode afirmar que dos cerca de 4900 cursos actualmente existentes, 640 deixarão de existir antes de qualquer avaliação.
É um bom sinal, já aqui tenho dito e é conhecido, temos uma oferta de ensino superior, universitário, politécnico e subsistema privado, completamente distorcida, cuja responsabilidade é, como disse, da tutela que se demitiu durante décadas da sua função reguladora escudando-se na autonomia universitária, designadamente no sistema público. A título de exemplo e de acordo com as pessoas conhecedoras do meio, o número de vagas disponibilizado na área do Direito é francamente excedentário face à actual capacidade de absorção do mercado, não se entendendo muito bem a disponibilização de milhares de vagas para estes cursos.
Espera-se que o processo de avaliação e acreditação em desenvolvimento, seja eficaz e não desenvolvido de uma forma cega. Existem cursos que apesar de alguma menor empregabilidade se inscrevem em áreas científicas de que não podemos prescindir com o fundamento exclusivo no mercado de emprego. Podemos dar como exemplo formações na área da filosofia ou nichos de investigação que são imprescindíveis num tecido universitário moderno. Será também importante que o processo permita desenvolver e incentive modelos de cooperação, universitário e politécnico, público e privado, que potencie sinergias, investimentos e massa crítica.
O enviesamento da oferta de que acima falava, alimenta a formação em áreas menos necessárias e não promove a formação em áreas carenciadas. Tal facto, conjugado com o baixo nível de desenvolvimento do país e com uma opinião publicada pouco cuidadosa na informação, leva a que se tenha instalado o equívoco dos licenciados a mais e destinados ao desemprego, quando continuamos a ser um dos países da UE com menos licenciados, já o disse aqui muitas vezes.
Neste quadro, a questão das vagas, mais ou menos e em que áreas, é apenas a consequência da rede de oferta e é nesta área que deve centrar-se o esforço de racionalidade, rigor e qualidade.

sábado, 11 de setembro de 2010

ROTINAS

Felizmente que a coisa acalmou, sobretudo no que respeita à vida dos mais pequenos. Há alguns anos começou a emergir um discurso crítico sobre as rotinas e a sua função. Eram então frequentes as afirmações que combatiam a sua instalação e por oposição à importância da criatividade, da inovação, da não repetição sistemática de comportamentos ou procedimentos, etc. No fundo, traduzindo o enorme equívoco de entender que as essenciais dimensões da criatividade e inovação, por exemplo, seriam incompatíveis com a instalação de rotinas, elas próprias também essenciais ao desenvolvimento e funcionamento das crianças devido, fundamentalmente, à sua função reguladora e organizativa. O resultado em muitas circunstâncias e contextos educativos, familiares ou mais formais era, é, um funcionamento desregulado, desorganizado e sem regras.
Entre os adultos o equívoco está ainda presente de forma mais nítida. Ouve-se com alguma frequência a afirmação de se ser contra as rotinas como forma de emancipação intelectual e social.
Tal como nos miúdos, as rotinas cumprem funções fundamentais na nossa organização e funcionamento. A sua existência organiza-nos e, curiosamente, até acontece com frequência que é sua existência que nos permite “libertar” disponibilidade para outras direcções. Como é óbvio, nada desta conversa contraria a importância que na nossa vida tem o lado do imprevisto, da mudança, da criatividade ou da quebra das rotinas. Também não tem a ver com a defesa de um funcionamento obsessivamente estruturado, que corre o sério risco de se desorganizar quando algum pormenor de rotina se altera.
Uma nota final. Este texto ocorreu-me porque ao chegar ao Meu Alentejo para o fim-de-semana, percebi que na mala do portátil não estava o dispositivo da banda larga. Lá se foram parte das rotinas, leitura e respostas de mail, pessoal e profissional, leitura da imprensa on-line, conversa via net com família e amigos espalhados, alguma pesquisa de trabalho e, claro, vir ao Atenta Inquietude. Alguma coisa parecia estar a faltar. Não sei se é bom ou mau, eu preferia não me ter esquecido.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A HISTÓRIA DO PÉ LEVE

Acho que nunca vos contei a história do Pé Leve. Foi um companheiro de escola de há muitos anos, no tempo em que a escola se chamava primária e que só era obrigatório andar por lá quatro anos. O Pé Leve ganhou esse nome, que me fez esquecer o verdadeiro, por uma particularidade, não parava um minuto. Era o miúdo mais agitado que conhecíamos, sempre em movimento e com uma energia que parecia não ter fim.
Dava ideia, por vezes, que partia antes de chegar. Mudava de actividade, brincadeira ou conversa, sem cessar exasperando-nos. No entanto, não nos conseguíamos aborrecer com o Pé Leve, era pequeno, quase sempre a rir, parecia impossível que alguém se zangasse com ele.
Mas havia. A nossa professora, a D. Conceição, senhora à beira da reforma e com a paciência também já a pedir descanso, não aguentava o andamento, por assim dizer, do Pé Leve. Perguntava-lhe centenas de vezes porque não assentava ele, a seguir zangava-se, ralhava mesmo a sério e, aqui para nós, às vezes puxava mesmo pela régua e as mãos do Pé Leve ganhavam uma cor diferente. Os olhos ficavam com água mas na boca continuava um sorriso. Nada fazia alterar o comportamento do Pé Leve. Não se esqueçam que ainda não tinham inventado a hiperactividade.
Como a escola naquele tempo era curta e poucos de nós continuávamos a estudar, eu e alguns outros perdemos o rasto ao Pé Leve.
Há algum tempo, estávamos dois ou três desse tempo à conversa e alguém informou que tinha sabido que o Pé Leve tinha terminado a sua viagem.
Ninguém disse nada por algum tempo, mas acho que todos pensámos que só assim o Pé Leve poderia assentar. É a vida dos Pé Leves, de alguns.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

TENS QUE TRABALHAR MAIS

O Público continua a prestar o que poderíamos chamar de serviço público divulgando alguns dados de natureza mais específica do último relatório da OCDE, "Education at a glance", http://www.oecd.org/edu/eag2010. Na edição de hoje é abordado um aspecto ao qual me tenho referido com frequência e que, por vezes, me parece desadequadamente considerado, o tempo de trabalho dos alunos. De facto, a propósito dos resultados escolares insuficientes, alguns discursos sugerem repetidamente que os alunos portugueses trabalham pouco.
Os dados agora divulgados vêm justamente mostrar que os nossos miúdos no ensino básico têm um número de horas de aulas obrigatórias superior, repito superior, à média da OCDE. Como os dados apenas contemplam aulas obrigatórias, não consideram o tempo que os alunos, sobretudo no 1º e 2º ciclos podem ainda estar envolvidos em Actividades de Extensão Curricular o que, de acordo com os normativos em vigor, possibilita que os alunos estejam na escola até 55 horas semanais, algo de absolutamente extraordinário. Um outro dado muito importante e a merecer grande atenção relativamente aos tempos de trabalho é o facto de o tempo lectivo destinado aos conhecimentos em língua materna, educação matemática e educação científica ser inferior ao que se passa noutros sistemas educativos.
Este quadro, sublinha o entendimento e a defesa de algo que de há muito defendemos. Uma das questões centrais e urgentes no nosso sistema educativo é a revisão e reorganização dos conteúdos curriculares.
Quando nos confrontamos com resultados não satisfatórios é sempre fácil e tentador atribuir a causa a falta de trabalho de alunos e professores. A questão não é mais trabalho, é melhor trabalho e para isso, insisto, torna-se fundamental proceder a um ajustamento sério e substantivo na organização e nos conteúdos curriculares. Sem essa mudança dificilmente conseguiremos alterações significativas apesar do esforços de alunos e professores.

OS CANTOS DOS MIÚDOS

Um dia destes, final de férias, sentado no meu canto dei por mim a pensar como os cantos estão presentes na vida dos miúdos, umas vezes pela positiva, outras nem por isso e algumas mesmo pelas piores razões. A ver se vos consigo falar desta ideia esquisita.
Com os estilos de vida e valores presentes nas comunidades actuais temos muitas crianças e adolescentes que vivem ao canto, muitas delas num canto onde cabe pouco mais que um ecrã, no qual também aparecem outros como eles, fechados num qualquer canto de outra qualquer família. No entanto, na quase totalidade das famílias, os miúdos não vivem ao canto, ocupam um lugar bem ao centro. Ainda bem, pelas famílias e, naturalmente, por eles.
Muitos de nós, sobretudo nas gerações mais novas, passaram pelo jardim de infância, cujas salas as senhoras educadoras estruturam por cantinhos que, por sua vez, nos organizam nas primeiras tarefas, o cantinho dos brinquedos, cantinho dos livros, o cantinho das pinturas, etc., dando uma primeira visão de um mundo aos cantinhos, organizado e à nossa espera.
Uns anos mais tarde, muitas crianças e adolescentes andam nos cantos das nossas escolas, como figuras transparentes que quase nem notamos, a menos que os comportamentos desajustados os tirem dessa invisibilidade.
Felizmente, a maioria dos miúdos passa por situações de bem estar e vive com a tranquilidade própria de quem conhece os cantos à casa, como diz o povo. Neste caso é um canto, é um encanto.
Finalmente, o espaço é curto, a referência para aquelas crianças que ainda antes de nascer e ao longo de toda a sua vida, às vezes curta, vão compondo um canto triste.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

SERENIDADE, PRECISA-SE

Inicia-se hoje o ano lectivo. Bem, pode ser hoje ou não, porque está definido um intervalo de cinco dias, que não entendo muito bem, em que as escolas podem iniciar as actividades.
Mais uma vez, lamentavelmente, vamos começar a lida sem que se vislumbre a presença de uma condição essencial a que as coisas corram bem, serenidade. De facto, não parece difícil antecipar a dispensável turbulência a que nos habituamos mas a que não nos adaptamos.
O Publico apresenta algumas destas previsíveis fontes de turbulência, retomando a mesma linha de abordagem e sem hierarquizar por importância potencial, vejamos alguns factores que nos fazem temer pela falta de serenidade.
Considerando os antecedentes, é previsível que a educação continue a ocupar um lugar privilegiado da luta político partidária subordinando discursos e análises dos problemas a agendas outras que não só a qualidade do trabalho de alunos e professores.
A reorganização apressada e em alguns casos incompreensível da rede escolar, com o fecho de escolas ainda por terminar, persistindo diferendos com algumas câmaras que implicam ameaças de retaliação e eventuais problemas com transportes, são aspectos que sobrarão, claro, para miúdos, professores e famílias. A criação de mega-aprupamentos com implicações na gestão, articulação e culturas institucionais e o gigantismo das comunidades educativas terá certamente consequências na qualidade do trabalho a desenvolver.
A maioria das escolas vai iniciar o ano sem que os seus Regulamentos Internos estejam adaptados às disposições do novo Estatuto do Aluno criando algumas dificuldades de natureza processual.
As anunciadas metas de aprendizagem irão ser conhecidas, se forem, com o ano a decorrer e, na mesma área, a imprescindível revisão curricular, designadamente no insustentável 3º ciclo, anunciada, começada, suspensa, adiada e sempre falada e desejada anda nesta indefinição caótica.
Os processos previstos no modelo de avaliação de professores trarão um acréscimo de trabalho para as escolas com impactos neste momento não antecipáveis mas certamente onerosos de tempo e esforço e ruído.
A colocação tardia de professores e mesmo de alunos também não é propriamente um facilitador de um bom início do ano lectivo.
Gostava muito de estar enganado e assumir um discurso optimista como o assumido pela Ministra da Educação, mas não vejo muito por onde possa sustentar esse optimismo.
Como sempre, confio, sobretudo, na resiliência dos miúdos e dos bons professores, a grande maioria, para que, mesmo sem a serenidade necessária, a coisa possa correr bem.
Bom trabalho.

O PRIMEIRO DIA

Começa hoje o ano lectivo embora nem todas escolas iniciem as actividades. Apesar da maioria das crianças ao entrar para o primeiro ano de escolaridade já ter passado, felizmente, pela educação pré-escolar, a entrada na escola, ou melhor, o processo de entrada, continua a ser uma experiência fundamental para o lançamento de um percurso com sucesso.
Em muitíssimas circunstâncias da nossa vida quando alguma coisa não correu bem é possível recomeçar e tentar de novo com a expectativa de se ser melhor sucedido. Todos nós experimentámos episódios deste tipo.
O processo de entrada na escola é dos poucos que quando corre mal já não é possível voltar atrás e entrar de novo com a esperança de que a coisa vá correr melhor.
Torna-se, pois, essencial que este processo de entrada na escola seja pensado e orientado, que crie as rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais indispensáveis à aprendizagem bem sucedida.
É fundamental não esquecer que os miúdos à entrada na escola não estão todos nas mesmas condições pelas mais variadas razões, ambiente e experiências familiares, percurso anterior, características individuais, etc. o que exige desde o início uma atenção diferenciada que combata a cultura de que devem ser todos tratados da mesma maneira que alguma opinião publicada e ignorante defende.
Antes de, com voluntarismo e empenho, se tentar ensinar aos miúdos as coisas da escola é preciso, como sempre afirmo, dar tempo, oportunidade e espaço para que os miúdos aprendam a escola. Depois de aprenderem a escola estarão mais disponíveis para aprender então as coisas da escola.
Compete-nos a nós que chegámos à vida mais cedo, tentar que este primeiro dia da vida dos miúdos seja o primeiro dos muitos dias bem sucedidos que terão pela frente.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

UM TELEGRAMA DA OCDE

O Relatório anual da OCDE, "Education at a glance", (http://www.oecd.org/edu/eag2010), hoje divulgado e cuja análise aqui não cabe, permite um telegrama sobre a nossa educação evocando três equívocos que muita opinião publicada teima em alimentar.
Equívoco 1 - Portugal é dos países que mais gasta em educação. Não é verdade, os investimentos em educação estão abaixo da média dos países da OCDE.
Equívoco 2 - Não adianta adquirir formação de nível superior, o destino é o desemprego. Não é verdade. Portugal é um dos países em que a formação de nível superior mais impacto tem no estatuto salarial e na qualidade do trabalho.
Equívoco 3 - Toda a gente tira cursos, somos um país de doutores. Não é verdade, Portugal é um dos quatro países em que mais de dois terços da população com idade entre 25 e 64 anos não completaram o ensino secundário.
De uma vez por todas, era importante que imperasse a seriedade e o rigor em vez da demagogia populista e ignorante sobre estas questões.
Uma última nota para registar positivamente o salto na cobertura em matéria de educação pré-escolar.

A RECORRENTE PREOCUPAÇÃO DA QUALIDADE

Durante demasiado tempo o sistema educativo português caracterizou-se por uma estreita via escolar, ou seja, entendeu-se que todos os alunos deveriam e poderiam seguir exactamente o mesmo trajecto. Obviamente, começou a verificar-se a consequência da utopia ingénua deste entendimento, taxas altíssimas de abandono e insucesso. Assiste-se então à proliferação avulsa de alternativas de educação de natureza extremamente variada, em que se incluía o ensino recorrente nocturno. Se alguém quiser explicar a um estrangeiro como se organiza o sistema educativo português, designadamente, na oferta para alunos dos 12 anos em diante, tem pela frente uma tarefa muito complicada tal a multiplicidade de cursos, opções, designações, etc. A esta multiplicidade na oferta não correspondeu um aumento significativo de níveis de sucesso que se verificou sobretudo ao nível do ensino secundário nos últimos anos.
Entretanto, a ideia meritória do reconhecimento certificado de competências profissionais adquirida ao longo de anos começou a ser contaminado por uma azáfama de certificação escolar através do Programa Nova Oportunidades. A pressa de mostrar certificação escolar e melhorar estatísticas não é compatível com processos de qualificação competentes.
Este quadro exige, portanto, em primeiro lugar que se racionalize a oferta, em torno de três eixos fundamentais e que devem ter comunicação entre si, uma via mais académica conduzindo ao prolongamento de estudos até ao superior, uma via mais curta de natureza profissionalizante com diversificação de cursos e com a possibilidade de retomar a via mais académica e, terceiro eixo, uma oferta em horário pós-laboral destinada a cidadãos que queiram retomar estudos entretanto abandonados. Assim, extinguir o ensino recorrente, como hoje o Público divulga, pode representar um passo nesse esforço de racionalização da oferta.
Por outro lado, parece-me fundamental, já o tenho afirmado repetidamente, que a oferta educativa tenha qualidade e rigor, ou seja, não basta conseguir que os alunos inscritos obtenham um diploma numa qualquer cerimónia, mas que acedam, de facto, a qualificações de natureza escola ou profissional que lhes possibilite a presença no mercado de trabalho com qualidade e competitividade.