quinta-feira, 2 de outubro de 2014

FILHOS QUE MALTRATAM PAIS. Problemas novos, abordagens novas

Na imprensa de ontem e hoje foi divulgado um análise preocupante realizada pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, Crimes de violência doméstica: filhos que agridem os pais 2004-2012. No período considerado, 3988 pais pediram apoio à Associação por agressão dos filhos  sendo que a maioria não apresentou queixa formal. A Associação estima um total de 9000 crimes desta natureza realizados neste intervalo de tempo.
O número de situações tem vindo a aumentar e envolvem sobretudo pais idosos, 40.3%, dos quais 81.5% mulheres, a maioria das formas de agressão, 60%, é física ou psíquica e é da responsabilidade de filhos adultos embora existam agressores menores, 5.7%.
Este universo pouco conhecido é um sinal muito significativo de problemas emergentes para os quais temos que encontrar abordagens diferentes, não podemos mobilizar só soluções "velhas" para problemas "novos". Algumas notas.
Creio que uma das alterações mais significativas que se tem verificado no nosso quadro de valores nas últimas décadas é o que podemos chamar de mudanças na percepção social dos traços de autoridade.
Os pais, à semelhança de outros grupos sociais ou profissionais, idosos, professores, profissionais da saúde, médicos, polícias, etc. tinham, decorrente do seu papel social e da forma como eram percepcionados pela generalidade dos cidadãos, uma autoridade que era reconhecida e inibia comportamentos de que outros grupos podiam ser alvo. Hoje em dia a situação é um pouco diferente, ser pai, ser professor, ser idoso, ser médico, só por si não deixam ninguém imune a actos de agressividade. São, aliás recorrentes e crescentes, também, casos de agressão a professores. a médicos ou a polícias, por exemplo.
Dito de outra maneira, o papel ou a função, só por si, já não são fonte de autoridade, não estou a falar de "medo" ou do "respeitinho", estou a falar de autoregulação nos comportamentos que lhes são dirigidos.
Esta mudança coloca problemas novos nas relações interpessoais para os quais temos que procurar novas abordagens.
Como a APAV refere no seu estudo muitos pais não apresentam queixa  porque não integram facilmente nos seus modelos fazer queixa dos filhos à polícia quando em muitos casos ainda se verifica situações de dependência que os tornam mais vulneráveis. Sem queixa ou mesmo sem conhecimento das situações é mais difícil intervir e punir.
Teremos, para além desta abordagem mais clássica, por assim dizer, julgar e punir, encontrar formas de, por um lado reconstruir a autoridade nestes grupos e, por outro lado, intervir na construção pessoal e social dos indivíduos.
Esta intervenção, que não é rápida mas é fundamental, assenta, evidentemente, na educação, pela educação é que vamos, usando um enunciado de Sebastião da Gama.
No entanto, também por estas questões, temo que o rumo da educação não seja o mais favorável. Parece estar em forte desenvolvimento, não só em Portugal mas também Portugal, uma visão da educação que privilegia as competências instrumentais, os saberes e subvaloriza aspectos essenciais da educação, a construção pessoal e social dos indivíduos, justamente a base para que possam usar as competências e os saberes mais instrumentais de forma adequada socialmente. Estas áreas são reduzidas ou eliminadas dos currículos e mesmo na formação de professores tende a privilegiar-se o "ensino" de saberes minimizando a "educação". Utilizando uma terminologia em inglês, estamos a passar de uma perspectiva de "education" para uma visão de "learnification".
Neste quadro, a formação de valores, de cidadãos autoregulados e com a percepção adequada das relações sociais em tempos que os estilos de vida também promovem mudanças nos contextos familiares não será uma tarefa fácil.

Dada a minha condição de avô sinto-me obrigado a manter algum optimismo, talvez consigamos ir encontrando algumas soluções novas para estes problemas novos.

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