No Público está uma entrevista interessante com Maria João Leote de Carvalho da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova sobre o universo preocupante da delinquência juvenil que está a aumentar no número de situações e na complexidade. Mais um sinal dos tempos que atravessamos.
A delinquência juvenil é, de
facto, uma área complexa e e com uma insuficiente capacidade de resposta aos
múltiplos episódios quer á sua prevenção.
Já em Maio, a Ministra da Justiça
referiu ontem na Assembleia da República a existência de lista de espera para o
cumprimento de medidas de internamento em Centros Educativos existência de
lista de espera para o cumprimento de medidas de internamento em Centros Educativos
de jovens, com idades entre os 12 e os 16 anos, que cometeram actos que a lei
qualifica como crimes. Considerando a idade ficam sujeitos à lei tutelar
educativa com o objectivo de reeducação e inserção na comunidade. Para além da
insuficiência dos equipamentos verifica-se uma significativa falta de recursos
humanos, designadamente, técnicos de reinserção social. Entretanto, os jovens
mantêm-se instituições de acolhimento ou nas famílias com o risco acrescido da
reincidência.
Considerando Relatório Anual de
Segurança Interna Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) relativo a 2023,
a violência entre grupos de jovens aumentou 14,6% em 2023, num total de 6 756
ocorrências, o valor mais elevado desde 2014. Também a delinquência juvenil,
crimes praticados por jovens entre os 12 e os 16 anos, registou um crescimento
de 8,7%, e 1 833 ocorrências, o valor mais alto desde 2017.
Parece clara a importância dos
Centros Educativos e da urgência dos equipamentos e dos recursos humanos que
lhes permitam cumprir a função.
Já durante 2023, num relatório da
Comissão de Acompanhamento e Avaliação dos Centros Educativos é evidenciada a
situação crítica dos centros desde problemas de instalações à escassez de
técnicos de reinserção social, mal pagos e sem perspectivas de carreira.
Acontece ainda que nem sempre as decisões dos tribunais são cumpridas.
Este cenário compromete de forma
séria o cumprimento dos objectivos da Lei Tutelar Educativa que se podem
traduzir na construção de um projecto de reinserção social bem-sucedido para
cada um destes jovens.
Como já tenho escrito, a
prevenção é, naturalmente, a questão crítica. Neste sentido, um sistema público
de educação com qualidade, com recursos diversificados e competentes e
autonomia das escolas, é a melhor ferramenta de promoção de igualdade de oportunidades,
de equidade e de inclusão. É através de uma educação global que se minimiza o
impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis e a
emergência de comportamentos mais disruptivos por ausência de projecto de vida.
Este continua a ser o nosso caderno de encargos.
Depois de iniciado um trajecto de
delinquência importa que registar que em 2018, um relatório da Direcção de
Serviços de Justiça Juvenil envolvendo os Centros Educativos e das equipas de
Reinserção Social referia que decorridos dois anos do cumprimento de uma medida
tutelar de internamento 31% dos jovens voltam a ser condenados. Se
considerarmos a reincidência num período mais alargado a taxa é ainda maior
apesar de alguma melhoria mais recente.
Uma das questões referidas como
associadas a este valor prende-se com a necessidade de garantir a resposta
adequada por parte dos Centros Educativos e do apoio e suporte após a saída da
instituição. O relatório evidenciava como dificilmente estas necessidades são
cumpridas e, provavelmente, assim continuará.
Múltiplos estudos sublinham a
importância da prevenção e da integração comunitária como eixos centrais na
resposta a este problema sério das sociedades actuais. As casas de autonomia,
uma intenção conhecida em 2013 e na lei desde 2015, visam justamente apoiar
este processo e saída dos centros e de promoção de uma reinserção social
bem-sucedida. No entanto, apenas em 2019 e de forma pouco expressiva arrancou o
processo de instalação das primeiras casas de autonomia.
Sabemos que a educação, prevenção
e programas comunitários de reabilitação e integração têm custos, no entanto,
importa ponderar entre o que custa prevenir e cuidar e os custos posteriores do
mal-estar e da pré-delinquência ou da delinquência continuada e da insegurança.
Será o que espera das políticas públicas nestas matérias.
Parece ser cada vez mais
consensual que mobilizar quase que exclusivamente dispositivos de punição,
designadamente o internamento enquanto menor e a prisão para os mais velhos,
parece insuficiente para travar este problema e, sobretudo, inflectir as trajectórias
de marginalização de muitos dos adolescentes e jovens envolvidos em episódios
de delinquência.
No entanto, a discussão sobre
estas matérias é inquinada por discursos e posições frequentemente de natureza
demagógica e populista alimentados por narrativas sobre a insegurança e
delinquência percebida, alimentadora de teses securitárias.
Apesar de, repito, a punição e a
detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade
instalada, é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.
É em todo este caldo de cultura
que em muitos contextos familiares vulneráveis nascem e se desenvolvem as
sementes de mal-estar que geram os episódios que regularmente nos assustam e
inquietam e com consequências sérias.
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