terça-feira, 26 de novembro de 2024

DA DELINQUÊNCIA JUVENIL

 No Público está uma entrevista interessante com Maria João Leote de Carvalho da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova sobre o universo preocupante da delinquência juvenil que está a aumentar no número de situações e na complexidade. Mais um sinal dos tempos que atravessamos.

A delinquência juvenil é, de facto, uma área complexa e e com uma insuficiente capacidade de resposta aos múltiplos episódios quer á sua prevenção.

Já em Maio, a Ministra da Justiça referiu ontem na Assembleia da República a existência de lista de espera para o cumprimento de medidas de internamento em Centros Educativos existência de lista de espera para o cumprimento de medidas de internamento em Centros Educativos de jovens, com idades entre os 12 e os 16 anos, que cometeram actos que a lei qualifica como crimes. Considerando a idade ficam sujeitos à lei tutelar educativa com o objectivo de reeducação e inserção na comunidade. Para além da insuficiência dos equipamentos verifica-se uma significativa falta de recursos humanos, designadamente, técnicos de reinserção social. Entretanto, os jovens mantêm-se instituições de acolhimento ou nas famílias com o risco acrescido da reincidência.

Considerando Relatório Anual de Segurança Interna Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) relativo a 2023, a violência entre grupos de jovens aumentou 14,6% em 2023, num total de 6 756 ocorrências, o valor mais elevado desde 2014. Também a delinquência juvenil, crimes praticados por jovens entre os 12 e os 16 anos, registou um crescimento de 8,7%, e 1 833 ocorrências, o valor mais alto desde 2017.

Parece clara a importância dos Centros Educativos e da urgência dos equipamentos e dos recursos humanos que lhes permitam cumprir a função.

Já durante 2023, num relatório da Comissão de Acompanhamento e Avaliação dos Centros Educativos é evidenciada a situação crítica dos centros desde problemas de instalações à escassez de técnicos de reinserção social, mal pagos e sem perspectivas de carreira. Acontece ainda que nem sempre as decisões dos tribunais são cumpridas.

Este cenário compromete de forma séria o cumprimento dos objectivos da Lei Tutelar Educativa que se podem traduzir na construção de um projecto de reinserção social bem-sucedido para cada um destes jovens.

Como já tenho escrito, a prevenção é, naturalmente, a questão crítica. Neste sentido, um sistema público de educação com qualidade, com recursos diversificados e competentes e autonomia das escolas, é a melhor ferramenta de promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através de uma educação global que se minimiza o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis e a emergência de comportamentos mais disruptivos por ausência de projecto de vida. Este continua a ser o nosso caderno de encargos.

Depois de iniciado um trajecto de delinquência importa que registar que em 2018, um relatório da Direcção de Serviços de Justiça Juvenil envolvendo os Centros Educativos e das equipas de Reinserção Social referia que decorridos dois anos do cumprimento de uma medida tutelar de internamento 31% dos jovens voltam a ser condenados. Se considerarmos a reincidência num período mais alargado a taxa é ainda maior apesar de alguma melhoria mais recente.

Uma das questões referidas como associadas a este valor prende-se com a necessidade de garantir a resposta adequada por parte dos Centros Educativos e do apoio e suporte após a saída da instituição. O relatório evidenciava como dificilmente estas necessidades são cumpridas e, provavelmente, assim continuará.

Múltiplos estudos sublinham a importância da prevenção e da integração comunitária como eixos centrais na resposta a este problema sério das sociedades actuais. As casas de autonomia, uma intenção conhecida em 2013 e na lei desde 2015, visam justamente apoiar este processo e saída dos centros e de promoção de uma reinserção social bem-sucedida. No entanto, apenas em 2019 e de forma pouco expressiva arrancou o processo de instalação das primeiras casas de autonomia.

Sabemos que a educação, prevenção e programas comunitários de reabilitação e integração têm custos, no entanto, importa ponderar entre o que custa prevenir e cuidar e os custos posteriores do mal-estar e da pré-delinquência ou da delinquência continuada e da insegurança. Será o que espera das políticas públicas nestas matérias.

Parece ser cada vez mais consensual que mobilizar quase que exclusivamente dispositivos de punição, designadamente o internamento enquanto menor e a prisão para os mais velhos, parece insuficiente para travar este problema e, sobretudo, inflectir as trajectórias de marginalização de muitos dos adolescentes e jovens envolvidos em episódios de delinquência.

No entanto, a discussão sobre estas matérias é inquinada por discursos e posições frequentemente de natureza demagógica e populista alimentados por narrativas sobre a insegurança e delinquência percebida, alimentadora de teses securitárias.

Apesar de, repito, a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade instalada, é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.

É em todo este caldo de cultura que em muitos contextos familiares vulneráveis nascem e se desenvolvem as sementes de mal-estar que geram os episódios que regularmente nos assustam e inquietam e com consequências sérias.

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