Foi divulgado o estudo “Comportamentos Aditivos aos 18 anos” resultante do estudo realizado pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências “Comportamentos Adictivos aos 18 anos – Inquérito aos jovens participantes no Dia da Defesa Nacional 2023”.
O inquérito envolve diferentes
dimensões dos comportamentos de adição, mas umas notas mais dirigidas à relação com os
ecrãs.
Considerando a região de Lisboa
43,5% dos inquiridos começou a utilizar a net antes dos 10 anos sendo que mé
dia nacional é de 41,7% e a maioria dos inquiridos começa entre 10 e 14 anos.
Quanto às actividades em que os jovens
usam o tempo de ligação à net os dados evidenciam que é nas redes sociais, 43,1%
gastam em média por dia duas a três horas, nos jogos de apostas, 63,9%
utilizam-na em média uma hora por dia e em jogos, 45,6% referem uma hora do seu
dia para jogar e 31,5% entre duas a três horas por dia.
Os dados devem ser reflectidos,
mas do meu ponto de vista e apesar de conhecer riscos e comportamentos
negativos, cyberbullying, por exemplo, julgo que devemos ter alguma serenidade
e evitar discursos extremos.
Para as gerações mais novas não
fica muito fácil imaginar um mundo sem a net. Quando por vezes converso com os
meus alunos(as), já jovens e adultos, e lhes conto como era estudar sem net e
sem computadores, as máquinas usadas eram as de escrever e de calcular, julgo
que eles estarão, por assim dizer, a “ver” um filme de ficção científica ao
contrário.
Como costumo afirmar, sou um
utilizador conservador, sem conhecimento muito sólido, conto com o apoio de
colegas e de gente mais nova como o meu filho, para as muitas dúvidas que vou
sentindo. Aliás, já passei pela situação de não saber como realizar uma
operação qualquer no telemóvel e o meu neto Simão, agora já com dez e um
“nativo digital” como agora lhes chamam, me ter dito tranquilamente como
proceder. A minha auto-estima aguentou-se sempre encostada ao meu perfil de
utilizador, basicamente “ligo-me” para corresponder a alguma necessidade
profissional, de conhecimento, de informação, de utilização de serviços, etc.
E não é raro que ainda me sinta
“maravilhado” com as possibilidades abertas e que têm progredido enormemente,
quer ao nível de equipamentos, de “software”, recursos, e que, certamente,
ainda estaremos longe de esgotar como agora estamos a descobrir com a
inteligência artificial.
A verdade é que se a net abriu um
mundo inesgotável de oportunidades, também abriu um mundo de alçapões. Ligado
desde sempre ao mundo dos mais novos, muitas vezes aqui tenho falado desses
alçapões e como, apesar da vulgaridade e massificação da sua utilização, muitos
pais me dizem desconhecê-los mesmo sendo eles próprios utilizadores regulares
da net.
Em primeiro lugar sublinho que,
como é evidente, não está em causa qualquer diabolização destas ferramentas,
apenas um alerta para riscos e da necessidade de regulação da sua utilização
pelos mais novos.
Como múltiplos estudos revelam
aumentou exponencialmente o tempo que crianças, adolescentes e jovens, tal como
muitos adultos, estão em frente do ecrã. Os confinamentos durante a pandemia
fizeram subir exponencialmente esse tempo, a escola estava no ecrã.
Naturalmente os riscos também aumentaram como o cyberbullying que já referi,
chantagem e roubo, exposição a conteúdos inadequados às idades, pornografia
infantil, etc.
Trata-se de mais um factor de
pressão para a supervisão imprescindível, mas muito difícil dos mais novos na
sua relação com a net.
É importante sublinhar que dados
do Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação (ICILS)
envolvendo 11 países e divulgados em 2020 sugerem que os alunos portugueses são
os mais bem preparados para usar a internet de forma responsável. No entanto,
os dados relativos aos riscos são, de facto, geradores de preocupação.
Recordo um trabalho da OCDE de
2018 "Curriculum Flexibility and Autonomy in Portugal – na OECD review” em
que considerando dados de 2012 e 2015 (recolhidos no âmbito do PISA), oito em
cada dez adolescentes portugueses afirmam "sentir-se mal" se não
estiverem ligados à internet. Apenas os adolescentes franceses e suecos de
entre os 31 países envolvidos evidenciam uma taxa superior.
Podemos considerar mais um sinal
dos tempos as múltiplas referências ao tempo excessivo e dos riscos associados
que que muitas crianças e adolescentes despendem com a ligação à net nas suas
múltiplas possibilidades designadamente as redes sociais e os riscos
associados. Os indicadores relativos ao cyberbullying, insisto e muitas vezes
aqui tenho referido, são inquietantes.
Nesta perspectiva e tal como
noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não
funciona. É mais eficiente a promoção da utilização auto-regulada e informada.
A net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas
as suas potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os
que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É
o nosso trabalho.
Sabemos que muitas crianças têm
um ecrã como companhia durante o pouco tempo que a escola "a tempo
inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias
lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente "filiação"
em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre”
do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente,
ainda é passado à sombra de uma televisão.
Estas matérias, a presença das
novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, por estranho
que pareça, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Aliás, as
dificuldades sentidas por muitas famílias na ajuda aos filhos em tempo de ensino
não presencial, mostrou isso mesmo, baixos níveis de literacia digital.
Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre
a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e
útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e
adolescentes minimizando os riscos existentes nos “alçapões da net”. Existem
demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones” ou outros
dispositivos funcionam como “babysitters”.
Por outro lado, a experiência
mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou
orientação nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a
perder eficácia com a idade.
Creio que o caminho terá de
passar por autonomia, supervisão, diálogo e muita atenção aos sinais que
crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas.
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