quinta-feira, 28 de novembro de 2024

A NET, UM MUNDO DE OPORTUNIDADES, UM MUNDO DE ALÇAPÕES

 Foi divulgado o estudo “Comportamentos Aditivos aos 18 anos” resultante do estudo realizado pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências “Comportamentos Adictivos aos 18 anos – Inquérito aos jovens participantes no Dia da Defesa Nacional 2023”.

O inquérito envolve diferentes dimensões dos comportamentos de adição, mas  umas notas mais dirigidas à relação com os ecrãs.

Considerando a região de Lisboa 43,5% dos inquiridos começou a utilizar a net antes dos 10 anos sendo que mé dia nacional é de 41,7% e a maioria dos inquiridos começa entre 10 e 14 anos.

Quanto às actividades em que os jovens usam o tempo de ligação à net os dados evidenciam que é nas redes sociais, 43,1% gastam em média por dia duas a três horas, nos jogos de apostas, 63,9% utilizam-na em média uma hora por dia e em jogos, 45,6% referem uma hora do seu dia para jogar e 31,5% entre duas a três horas por dia.

Os dados devem ser reflectidos, mas do meu ponto de vista e apesar de conhecer riscos e comportamentos negativos, cyberbullying, por exemplo, julgo que devemos ter alguma serenidade e evitar discursos extremos.

Para as gerações mais novas não fica muito fácil imaginar um mundo sem a net. Quando por vezes converso com os meus alunos(as), já jovens e adultos, e lhes conto como era estudar sem net e sem computadores, as máquinas usadas eram as de escrever e de calcular, julgo que eles estarão, por assim dizer, a “ver” um filme de ficção científica ao contrário.

Como costumo afirmar, sou um utilizador conservador, sem conhecimento muito sólido, conto com o apoio de colegas e de gente mais nova como o meu filho, para as muitas dúvidas que vou sentindo. Aliás, já passei pela situação de não saber como realizar uma operação qualquer no telemóvel e o meu neto Simão, agora já com dez e um “nativo digital” como agora lhes chamam, me ter dito tranquilamente como proceder. A minha auto-estima aguentou-se sempre encostada ao meu perfil de utilizador, basicamente “ligo-me” para corresponder a alguma necessidade profissional, de conhecimento, de informação, de utilização de serviços, etc.

E não é raro que ainda me sinta “maravilhado” com as possibilidades abertas e que têm progredido enormemente, quer ao nível de equipamentos, de “software”, recursos, e que, certamente, ainda estaremos longe de esgotar como agora estamos a descobrir com a inteligência artificial.

A verdade é que se a net abriu um mundo inesgotável de oportunidades, também abriu um mundo de alçapões. Ligado desde sempre ao mundo dos mais novos, muitas vezes aqui tenho falado desses alçapões e como, apesar da vulgaridade e massificação da sua utilização, muitos pais me dizem desconhecê-los mesmo sendo eles próprios utilizadores regulares da net.

Em primeiro lugar sublinho que, como é evidente, não está em causa qualquer diabolização destas ferramentas, apenas um alerta para riscos e da necessidade de regulação da sua utilização pelos mais novos.

Como múltiplos estudos revelam aumentou exponencialmente o tempo que crianças, adolescentes e jovens, tal como muitos adultos, estão em frente do ecrã. Os confinamentos durante a pandemia fizeram subir exponencialmente esse tempo, a escola estava no ecrã. Naturalmente os riscos também aumentaram como o cyberbullying que já referi, chantagem e roubo, exposição a conteúdos inadequados às idades, pornografia infantil, etc.

Trata-se de mais um factor de pressão para a supervisão imprescindível, mas muito difícil dos mais novos na sua relação com a net.

 

É importante sublinhar que dados do Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação (ICILS) envolvendo 11 países e divulgados em 2020 sugerem que os alunos portugueses são os mais bem preparados para usar a internet de forma responsável. No entanto, os dados relativos aos riscos são, de facto, geradores de preocupação.

Recordo um trabalho da OCDE de 2018 "Curriculum Flexibility and Autonomy in Portugal – na OECD review” em que considerando dados de 2012 e 2015 (recolhidos no âmbito do PISA), oito em cada dez adolescentes portugueses afirmam "sentir-se mal" se não estiverem ligados à internet. Apenas os adolescentes franceses e suecos de entre os 31 países envolvidos evidenciam uma taxa superior.

Podemos considerar mais um sinal dos tempos as múltiplas referências ao tempo excessivo e dos riscos associados que que muitas crianças e adolescentes despendem com a ligação à net nas suas múltiplas possibilidades designadamente as redes sociais e os riscos associados. Os indicadores relativos ao cyberbullying, insisto e muitas vezes aqui tenho referido, são inquietantes.

Nesta perspectiva e tal como noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não funciona. É mais eficiente a promoção da utilização auto-regulada e informada. A net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas as suas potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É o nosso trabalho.

Sabemos que muitas crianças têm um ecrã como companhia durante o pouco tempo que a escola "a tempo inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente "filiação" em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre” do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente, ainda é passado à sombra de uma televisão.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, por estranho que pareça, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Aliás, as dificuldades sentidas por muitas famílias na ajuda aos filhos em tempo de ensino não presencial, mostrou isso mesmo, baixos níveis de literacia digital. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes minimizando os riscos existentes nos “alçapões da net”. Existem demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones” ou outros dispositivos funcionam como “babysitters”.

Por outro lado, a experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder eficácia com a idade.

Creio que o caminho terá de passar por autonomia, supervisão, diálogo e muita atenção aos sinais que crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas.

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