De vez em quando a imprensa é ela própria o objecto da notícia. A Trust in News, empresa que detém órgãos de comunicação social como a Visão, Caras, Ativa, o Jornal de Letras Artes e Ideias e a revista História atravessa uma grave situação económica de que, aparentemente, dificilmente recuperará.
É um lugar-comum, mas uma
imprensa de qualidade é um dos alicerces da democracia e nunca como hoje se
tornou tão necessária.
É recorrente, não só em Portugal,
a discussão da questão da sobrevivência da imprensa e, naturalmente, da sua
independência face aos poderes, político e económico, designadamente. Sabemos
das tentativas recorrentes de controlo político da imprensa, como também
sabemos da eventual agenda implícita dos investimentos dos grupos e poderes
económicos na imprensa. São vários os exemplos recentes. Sabemos que a
sustentabilidade económica da imprensa é condição necessária, mas não
suficiente para a sua independência e por isso os tempos são difíceis.
Por outro lado, a evolução do
próprio mundo da imprensa, a evolução exponencial do universo do on-line, a
conjuntura económica inibidora de gastos das famílias em bens “não essenciais”
e, caso particular de Portugal, o baixo nível de hábitos de leitura e consumo
da imprensa escrita, produzem dificuldades de sobrevivência de títulos de
qualidade, chamados de referência, abrindo caminho à chamada imprensa tablóide
que, apesar das oscilações, se mantém relativamente saudável, o que se entende.
São também tablóides os tempos. A esta realidade soma-se a explosão das redes
sociais e o consumo de “notícias” através destes suportes diluídas em
manipulação e desinformação potenciadas pela IA. Acresce ainda a eventual falha
dos modelos de gestão das empresas detentoras.
Como leitor de jornais ou
revistas desde muito novo, é sempre com inquietação e tristeza que penso nestas
questões e vou assistindo ao abaixamento das tiragens e, finalmente, ao
desaparecimento.
Numa entrevista ao Público há já
algum tempo, um especialista, Tom Rosenstiel, afirmava que se o jornalismo
deixar de ser rentável e, como tal, correr o risco de desaparecimento, as
democracias poderão sofrer um "cataclismo cívico". Creio que a
cidadania de qualidade exige uma imprensa não só voltada para o imediatismo da
espuma dos dias e acredito que apesar das mudanças em tecnologia e das
incidências do mercado a que os jornalistas, a imprensa saberá adaptar-se.
Quero acreditar que a imprensa, jornais ou rádio com qualidade, são como os
dias, nunca acabam. Se forem jornais ou revistas, bons jornais, boas revistas, independentemente
do suporte têm de resistir.
No entanto, parecem-me
inquietante os potenciais efeitos que a precariedade e a fragilidade da
situação profissional de muitos jornalistas possam tornar a sua função ainda
mais vulnerável, trata-se da sobrevivência, às questões da qualidade e, como é
referido, a constrangimentos em matéria de ética e deontologia.
No mesmo sentido, a fragilidade
do jornalista enquanto profissional é também favorável à existência de pressões
de várias origens e com impacto potencial inquietante no papel que se espera
que a imprensa cumpra em sociedades abertas e democráticas.
Talvez, estes dados nos ajudem a
perceber aquilo que para quem acompanhe diariamente a imprensa portuguesa se
torna razoavelmente claro, a existência de agendas e critérios editoriais, uns
mais explícitos, outros mais dissimulados, mas evidentes, que constroem
narrativas em que o jornalista mal pago, com um lugar precário e pressionado é
apenas um peão executivo.
Não é de agora, mas este quadro
agrava a natureza da relação dos poderes, designadamente do poder político, com
a comunicação social que tem algumas particularidades interessantes.
Se estivermos atentos, reparamos
como todos se procuram servir da comunicação social para a defesa dos seus
interesses pessoais, partidários, institucionais, económicos, etc. Nada de
novo, sabemos o peso que a comunicação social tem nas sociedades actuais e nos
últimos tempos também temos tido sucessivos episódios ilustrativos dessas
nebulosas relações.
Nesta matéria, para além das
consequências óbvias destes comportamentos, parece-me particularmente irritante
a forma quase infantil, está um pouco na moda este tipo de infeliz comparação,
mas não resisto, como algumas figuras reagem ao ser abordadas pela imprensa
sobre assuntos sobre os quais, por várias razões, não lhes interessa discorrer.
Surgem então as afirmações patéticas, “não tenho nada a acrescentar”,
“desculpem, não comento”, “não estou aqui para falar dessas matérias,” “no
estrangeiro não comento questões nacionais”, etc., etc. Este pessoal desenvolve
assim uma espécie de surdez selectiva, só ouve o que lhe convém, de mutismo
selectivo, só fala do que lhe convém, de cognição selectiva, só conhece o que
lhe convém.
No entanto, são também estas as
figuras que directamente ou através de terceiros, lambem as botas às redacções
e aos jornalistas (quanto mais influentes melhor) e pedem, exigem, tempo de
antena quando tal serve os seus diferentes interesses. Por outro lado, é também
patético e preocupante assistir ao trânsito entre redacções e lugares de
assessoria e em gabinetes políticos numa promiscuidade que mina a solidez ética
da classe.
Parece-me ainda preocupante o
peso que na imprensa assumem os “comentadores”, ocupam mais espaço que as
notícias, vendem agendas, mascaram-se de jornalistas quando, na sua maioria,
mais não são que “papagaios” dos poderes ou dos aspirantes a poderes.
Para combater este pântano seria
necessária uma imprensa forte, não proletarizada e precária que pudesse cumprir
a sua imprescindível função.
A imprescindível sobrevivência da
imprensa, da boa imprensa, para além da qualidade e competência do seu próprio
trabalho, também se garante na escola, nos hábitos de leitura, na educação, na
cidadania.
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