terça-feira, 30 de abril de 2024

O GPS

 O mundo anda estranho, parece que estamos a perder o rumo ou dito de outra forma a não encontrar o rumo. Em nome dos mais novos, do futuro, importa que tenhamos um rumo.

Como quase tudo, também começa na família a construção do GPS que nos permite encontrar o rumo e acompanhará, ou não, em toda a viagem. Quando as famílias cuidam dos miúdos de modo que sejam gente, eles aprendem a saber fazer e a entender a estrada, perceber as dificuldades que vão encontrar e integram também algumas ferramentas que os ajudarão a tentar ultrapassar e a lidar com essas dificuldades. O GPS é muito útil, contribui decisivamente para que os esforços e o empenho que os miúdos possam desenvolver e assumir os conduzam a bom porto.

É, pois, fundamental que as famílias possam cumprir bem essa tarefa de ajudar a que os miúdos possam sentir-se seguros com o seu GPS. Por vezes e em algumas circunstâncias, as famílias terão alguma necessidade de ajuda e apoio para que essa missão seja bem-sucedida.

Depois da família, cumpre à escola a responsabilidade de tornar o GPS dos miúdos e adolescentes mais eficaz e sofisticado, mais equipado e mais preparado para outras dificuldades, obstáculos e percursos. O projecto de vida que cada um desenvolverá vai certamente depender da qualidade do GPS com que se vai equipando.

De facto, nos dias que correm é imprescindível que todas a crianças, adolescentes e jovens possuam um GPS, Guia Para o Sucesso, que tenha qualidade e seja personalizado.

Sabemos que alguns se perderão, não conseguiremos evitá-lo, mas, ainda assim, temos a responsabilidade ética de tentar construir para todos um GPS que funcione.

Não podemos falhar.

segunda-feira, 29 de abril de 2024

TELEMÓVEIS E ESCOLA. MAIS UMA VEZ

 No âmbito da iniciativa Semana do Bem-estar Digital que inclui uma conferência internacional a 3 e 4 de Maio no Porto, o Público tem uma peça sobre a recorrente questão da utilização dos telemóveis pelos alunos nas escolas e da sua eventual proibição. Como se sabe está em curso uma petição que no sentido de proibir o uso de telemóveis no recreio por parte dos alunos do 5.º e 6.º ano que, ainda de acordo com o Público, já foi subscrita por mais de 22 000 pessoas.

Temo que esta matéria seja das que dificilmente gerará consensos até pela latitude de uma eventual proibição, designadamente no que respeita a idades e a definição dos espaços escolares ou actividades em que possa ser proibida a utilização, salas de aula, recreios ou na totalidade.

Há pouco coloquei aqui umas notas a propósito de uma notícia de que o Governo britânico se prepara para legislar sobre a utilização de telemóveis nas escolas. Várias escolas já definiram restrições e a legislação será diferenciada desde a não utilização na escola à restrição em sala de aula incluindo professores e os contactos dos pais.

Vários países têm tomado iniciativas neste sentido o que quase parece inevitável dada a forma como os telemóveis e as suas possibilidades evoluíram e rapidamente massificaram a sua utilização, desde os mais novos aos mais velhos, ainda que com níveis de competências e utilização diferenciadas.

Ainda me lembro de há alguns anos me interrogar se precisaria de um telemóvel e também me lembro de há algum tempo, numa conversa com pais, uma mãe me perguntar a que idade eu entendia que ela poderia dar um telemóvel à filha. Perguntei a idade, a gaiata tinha 5 anos, mas, disse mãe, já muitas colegas da sala tinham e a filha também queria este novo apêndice das nossas mãos.

Esta “sobreutilização” dos telemóveis, em todos os ambientes, incluindo casa e escola, os riscos de diferente natureza que são conhecidos e reconhecidos, têm vindo de forma cada vez mais insistente a colocar a questão de a minimizar ou mesmo proibir.

Por outro lado, também temos a percepção das potencialidades que estes dispositivos oferecem pelo que, sem surpresa, temos uma questão complexa e, como disse acima, de difícil consenso.

A UNESCO já divulgou algumas orientações no sentido da limitação da utilização dos telemóveis nas escolas. Noutros países, mas também em Portugal, vão surgindo escolas e agrupamentos que vedam a sua utilização no espaço escolar, incluindo intervalos e sabemos que o ME pediu ao Conselho de Escolas um parecer sobre esta questão que se não sei se já foi conhecido.

Estarão em causa variáveis como a idade dos alunos, os espaços de utilização ou proibição e as actividades em que poderão, ou não, ser permitida a utilização dos telemóveis.

Parece-me particularmente interessante que esta pertinente discussão ocorra em plena época de deslumbramento com a chamada “transição” digital que, tem como medida emblemática a realização universal das provas de aferição do 2º ano (basicamente crianças com 7 anos) em formato digital. Numa nota pessoal estou atento a este processo no qual está envolvido o meu neto pequeno que está no 2º ano.

Muitas vezes e desde há muito tempo tenho abordado estas questões nestes espaços, bem como na intervenção profissional, fundamentalmente com pais e nos contextos escolares a propósito dos impactos nas relações sociais e em fenómenos de cyberbullying.

No entanto, ainda que se possam compreender as razões que sustentam as proibições, o uso excessivo e desregulado, as decisões de proibição não parecem ser consensuais. Também não tenho a convicção de que uma estratégia de proibição, só por si, devolva crianças e adolescentes à interacção pessoal e a outros hábitos comportamentais mais interessantes embora, obviamente, seja imprescindível a regulação do seu uso o que não significará, necessariamente, uma “lei seca” para telemóveis.

Por outro lado, também não é rara a utilização de telemóveis associada a actividades de aprendizagem.

Do meu ponto de vista seria importante também colocar a questão a montante, a utilização que todos damos a estes dispositivos. Seria muito interessante e desejável que se discutisse a sério (incluindo crianças e jovens) nas comunidades educativas a regulação dos comportamentos e definição de regras e limites, sem “superpais”, sem “superfilhos” ou “superprofessores”. No entanto, esta discussão tem de ser acompanhada pela nossa, adultos, pais e/ou profissionais, regulação da sua utilização. Se olharmos para muitas famílias em “convívio” ou para muitos contextos profissionais em “reunião” verificaremos os ecrãs que muitos terão à sua frente e perceberemos o que está por fazer, comportamento gera comportamento.

Como já referi, também me parece que este movimento deve ser enquadrado na mudança que felizmente também parece estar a emergir refreando o deslumbramento pela “transição digital” que, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também volta a defender a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

A ver vamos com a coisa evoluirá por cá quando estamos submersos por um tsunami de transição digital e, claro, de inovação e capacitação.

domingo, 28 de abril de 2024

BEM-ESTAR E ESCOLA. OUTRA VEZ

 Na sequência da divulgação do Relatório Anual de Segurança Interna e dos dados referentes aos comportamentos delinquentes em contexto escolar que aqui ontem reflecti, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas chama atenção paras as dificuldades sentidas pelas escolas relativamente ao bem-estar, saúde mental e comportamento dos mais novos. Algumas notas.

O bem-estar e comportamento dos alunos não pode ser dissociado das variáveis de contexto e dos estilos de vida das nossas comunidades.

A partir da situação de confinamento em contextos familiares em que nem sempre os factores de protecção equilibravam os factores de risco, acentuaram-se mudanças no seu bem-estar e comportamentos e a emergência de quadros de risco que agora viajam na "mochila" que os alunos carregam para a escola.

Deste quadro resulta a necessidade e urgência de atenção à saúde mental de crianças e jovens ainda que habitualmente a saúde mental seja um parente pobre das políticas públicas de saúde.

Assim, é fundamental que as comunidades educativas tenham os recursos ou dispositivos de acesso a esses recursos que acomodem as situações de vulnerabilidade psicológica, mal-estar e comportamentos inadequados. As crianças e adolescentes com necessidades específicas estarão muito provavelmente em situação de risco acrescido.

Crianças e adolescentes são mais resistentes do que por vezes parecem, felizmente. No entanto, importa um ambiente sereno que tranquilize e apoie alunos, professores, pais e técnicos.

É preciso sublinhar que os professores e todos os que estão nas escolas precisam dessa tranquilidade, valorização e reconhecimento para que possam ter mais bem-estar e melhor ensinem, apoiem e aprendam.

Será bom não esquecer que, para além dos recursos, existem circunstâncias de risco para os quais se exigem políticas públicas adequadas.

Contextos familiares vulneráveis são, por exemplo, uma ameaça ao bem-estar, saúde mental e comportamento adequado de crianças e adolescentes. No que respeita aos professores, as condições de carreira e avaliação, a instabilidade nos trajectos profissionais, a desvalorização sentida, a asfixia da carga burocrática, o clima de escola em algumas situações, são, entre outras razões, um forte contributo para um mal-estar que afecta muitos docentes.

Por todo este cenário é crítico que a recuperação e promoção de aprendizagem esteja associada a uma forte preocupação com o bem-estar de alunos e professores com os apoios e recursos necessários.

Importa ainda que recursos e medidas a desenvolver integrem as escolas no âmbito da sua autonomia e não “apareçam” traduzidos numa imensidade de projectos e iniciativas vindas “de fora” como, lamentavelmente, é frequente.

Como cantava o Zeca Afonso, “seja bem-vindo, quem vier por bem”, e como é evidente, registo todas as iniciativas, projectos, experiências de inovação, etc., que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas, mas já me falta convicção no impacto do modelo mais habitualmente seguido.

Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado.

Também com demasiada frequência muitos destes projectos morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos organizadores e proporcionam uma experiência que se deseja positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto.

Todavia, preciso de afirmar que muitos destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos mereceriam.

Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.

Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados e processos menos burocratizados, as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado, o que se verifica poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos.

Está em jogo o desenvolvimento escolar e pessoal de crianças, adolescentes e jovens, ou seja, do futuro.

sábado, 27 de abril de 2024

DELINQUÊNCIA EM CONTEXTOS ESCOLARES

 Retomo a versão preliminar do Relatório Anual de Segurança Interno relativo a 2023, agora para referir o preocupante aumento de ocorrências criminais em ambiente escolar que atinge os valores mais elevados dos últimos 16 anos.

Citando o Relatório através do Público, “Observou-se um aumento global de ocorrências em ambiente escolar (+12,4%) e de ocorrências de natureza criminal (+16,1%). As ocorrências em causa incluem o bullying, furtos, roubos e tráfico de estupefacientes de menor gravidade”

Foram registadas 2065 ofensas à integridade física, 1313 injúrias/ameaças e 943 furtos, 84 casos de posse ou uso de arma, 300 de vandalismo, 157 ofensas sexuais e 178 situações de consumo de droga.

Retomo algumas notas que há pouco aqui deixei sobre esta questão que sendo, talvez, mais um sinal dos tempos que vivemos é preocupante.

Uma primeira nota para registar que também noutros países se verifica um trajecto da mesma natureza. No final de Janeiro, o Expresso referia a problemática crescente de violência e delinquência entre jovens associada às novas tecnologias que se verifica em Espanha. Fala-se de novos padrões de delinquência e dimensões como bullying, violência sexual ou mal-estar psicológico são grandes áreas de preocupação.

Como também aqui escrevi, no início de Fevereiro o Instituto de Apoio à Criança propôs a criação de um Plano Nacional de Prevenção e Combate a Violência nas escolas.

De facto, trata-se de uma questão que merece séria reflexão e intervenção e recupero outros indicadores.

A UTAD realizou um trabalho relativo à violência escolar divulgado em 2023, desenvolvido entre 2018 e 2022 que envolveu 7139 alunos(as) dos 12 aos 18 anos, de 61 estabelecimentos do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e secundário do Continente e Açores.

Considerando alguns divulgados, 68% dos alunos (4837) revelaram ter sido vítima de algum comportamento de agressão. Num outro olhar, 64%, (4634) assume afirma já ter praticado alguma forma de violência para com um colega.

Deixem-me insistir em duas ou três questões que retomo de reflexões anteriores. Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Importa também acentuar que fora dos contextos escolares, o padrão relacional entre adultos, de todas as condições, exprime também com demasiada frequência violência e descontrolo de diferente natureza e efeito. O comportamento agressivo, verbal, físico, psicológico, etc., tornou-se quase, um novo normal em múltiplos contextos.

Sabemos também que a ideia de que a “família educa e a escola instrói” já não colhe e espera-se que a escola não forme “apenas” técnicos, mas cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas.

Um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Para além dos dados referidos são também preocupantes indicadores relativos à violência nas relações de namoro entre jovens, sendo que muitos a entendem como “normal”, tal como inquietam o volume de episódios de bullying, ou os consumos de álcool ou droga.

Parece-me importante que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" façam parte do trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar o que é também abordado pelo IAC. Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das políticas públicas. Como tenho referido, precisamos e devemos discutir sempre como fazer, com que recursos e objectivos e promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e da insegurança.

Esta é a grande responsabilidade das políticas públicas e os resultados mostram alguma falência que nos custa caro.

Não é possível que a leitura regular da imprensa escrita, sobretudo nos últimos tempos e no que respeita à educação tenha na terminologia de boa parte dos trabalhos publicados e sem qualquer ordenação de frequência ou preocupação, alunos desmotivados, agressões a professores, agressões a alunos, agressões a funcionários, “bullying”, violência escolar, humilhações, falta de autoridade dos professores, imagem social degradada dos professores, professores desmotivados, famílias incompetentes, pais negligentes, demissão familiar, indisciplina, recusa, contestação, insucesso, facilitismo, burocracia, currículos desajustados, insegurança, medo, receio, etc.

Intencionalmente não referi a onda de informação relativa à situação vivida pelos professores que, também, não pode ser dissociada de todo o universo da educação.

No entanto, apesar de reconhecer a gravidade de muitas situações insisto na necessidade de uma palavra de optimismo.

A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades bem conhecidas e nem sempre reconhecidas, do que ainda está por fazer e dos incidentes que se registam, o trabalho desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na maioria das situações e em termos globais, apesar dos incidentes que se registam e isso deve ser sublinhado. Na sua esmagadora maioria, professores, técnicos, funcionários e alunos, quase todos, fazem a sua parte.

Uma comunidade não pode conviver com o medo diário de deixar os seus filhos sair de casa para a escola, tal como não pode conviver com o mal-estar persistente dos profissionais. Mantendo um realismo lúcido, é preciso que se aborde e converse sobre o tudo da escola e não apenas sobre o mau da escola. A insistência exclusiva neste discurso terá um efeito devastador na confiança e expectativas de alunos, famílias e professores face ao presente e ao futuro.

Sim, não é tudo, mas os miúdos precisam de se sentir seguros.

Tal como os pais.

Tal como os professores.

Tal como os técnicos.

sexta-feira, 26 de abril de 2024

O SILÊNCIO DO CORO DOS ESCRAVOS (OUTRA VEZ)

 De acordo com os dados do Relatório Anual de Segurança Interna agora divulgado, a criminalidade associada à imigração ilegal e tráfico de pessoas foi a que mais cresceu em 2023, mais 68% e 29%, respectivamente.

De facto, têm sido recorrentes as referências a situações inaceitáveis de exploração e maus-tratos envolvendo muito frequentemente cidadãos estrangeiros.

É conhecida e muitas vezes objecto de intervenção e notícia a situação que se verifica no Alentejo, mas não só, e que tem vindo, por várias razões, a aumentar, de exploração brutal, condições de habitação degradantes, vitimização por redes organizadas de “tráfico” de mão-de-obra em que se encontram milhares de cidadãos estrangeiros. Nas primeiras levas surgiram muitos cidadãos oriundos de países de leste e mais recentemente de países asiáticos.

A escandalosa e irresponsável política (?!) em matéria de agricultura e ambiente estarão gradualmente a transformar o Alentejo, o Algarve também, num deserto, mas que neste momento alimenta quilómetros e quilómetros de culturas intensivas e depredadoras que para já exigem mão-de-obra não existente no país e a prazo condenarão os alentejanos a viver no deserto. Os responsáveis assobiam para o lado e, por vezes, parecem virgens ofendidas face a algo que toda gente conhecia.

Este cenário, o tráfico de pessoas e a exploração quase escravizante, tal como a fome, é das matérias que maior embaraço pode causar em sociedades actuais e deveria ser algo de improvável no séc. XXI em sociedades desenvolvidas. Parece algo “fora do tempo” e de impossível existência nos nossos países, estamos a falar da Europa. Mas existe e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais vulneráveis.

Este negócio, o tráfico e exploração de pessoas de todas as idades, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, às enormes assimetrias na distribuição da riqueza. Também por isso, são recorrentes as notícias de portugueses usados como escravos em explorações agrícolas espanholas ou redes de contratação de trabalhadores da construção civil para países do primeiro mundo europeu.

Estes tempos são marcados por competição, diminuição de direitos e apoios sociais, pressão sobre a produtividade. Tudo isto é submetido a um deus mercado que não tem alma, não tem ética, é amoral e pode alimentar, sem particulares sobressaltos, algumas formas de escravatura mais "leves" ou, sobretudo em casos de particular fragilidade dos envolvidos, bastante pesadas.

As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem a sua própria pessoa e o mercado aproveita tudo. Por isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.

O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e negligência, quando não cumplicidade, que frequentemente cai sobre este drama tornando transparentes as situações de exploração ou escravatura, não se vêem, não se querem ver.

Neste universo não conseguimos ouvir o coro dos escravos, não têm voz.

quinta-feira, 25 de abril de 2024

DO 25 DE ABRIL. A ESCOLA

 Não pode deixar de ser, é dia 25 de Abril. É o dia em que toda a gente, quase, fala daquele 25 de Abril, o de 74. Mais do que nunca importa recordar os valores inspiradores do 25 de Abril. Muito do que considerámos adquirido está de novo em causa e assombra-nos os dias.

Quase sem nos darmos conta os anos passam, já lá vão 50 anos. Actualmente, boa parte da população portuguesa não viveu o 25 de Abril de 1974, nem o 24 de Abril com tudo o que continha. Talvez por isso e sem esquecer tudo o que aconteceu nestes 50 anos de bom e de menos bom, valha a pena olhar um pouco para o 24 de Abril de 74 e que sustentou o desencadear da mudança e pode sustentar o caminho para o futuro.

É verdade que a história tende a ser uma espécie de adereço, tal como a generalidade das ciências sociais e não uma potente ferramenta de desenvolvimento das comunidades. Estamos num tempo em que à história se dá pouca atenção e o futuro é percebido como muito longe, vive-se a urgência do hoje. No entanto, perceber e conhecer o que foi a estrada que percorremos é fundamental para viver e conhecer o presente e querer construir um futuro com uma visão escolhida por nós.

É verdade que temos vivido tempos difíceis, mas também é verdade que não é sequer possível comparar o país de hoje com o país de 1973. Já passaram 50 anos, para refrescar algumas memórias ou contar alguma história aos mais novos, deixem que vos fale um pouco da escola do meu tempo, o tempo dos anos cinquenta e sessenta.

Escolho voltar a falar da escola porque é um universo que conheço um pouco melhor, mas poderia fazer o mesmo exercício em muitas outras áreas de funcionamento da nossa sociedade. Não me esqueço, antes pelo contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o resto, também tem atravessado, atravessa e provavelmente sempre viverá dificuldades e problemas sérios, mas só a falta de memória, uma qualquer agenda ou o desconhecimento sustentam o “antigamente era melhor” e inquietam-me discursos que emergem defendendo “aquela” escola, “aquela” educação, a de “antigamente”. Já não é a primeira vez que falo disto e não será certamente a última. Vejamos, pois, um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já se vê.

A escola que havia lá para trás no tempo não era grande, nem pequena, era triste. A maioria das pessoas que por lá andavam era, naturalmente, triste. É claro que nós miúdos também nos divertíamos e ríamos, os miúdos são resilientes e … são miúdos.

As pessoas que mandavam na escola estabeleciam o que toda a gente tinha de aprender, fazer, dizer e pensar. Quem pensasse, dissesse ou fizesse diferente podia até sofrer algum castigo, mesmo os professores, não eram só os alunos. Não se podia inventar histórias, as pessoas contavam só histórias já inventadas. Às vezes, os miúdos e os professores, às escondidas, inventavam histórias novas.

Eu andei nesta escola lá para trás no tempo.

E na escola do meu tempo nem todos lá entravam e muitos dos que o conseguiam saíam ao fim de pouco tempo, ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava, outros completavam a quarta classe, a escolaridade obrigatória naquela altura. Chegava.

Alguns outros, nem se entendia que deveriam estar na escola, eram pessoas com deficiência, ainda não sabíamos falar de necessidades educativas especiais nem de inclusão, que iriam fazer para a escola.

E na escola do meu tempo os rapazes estavam separados das raparigas.

E na escola do meu tempo havia um só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.

E na escola do meu tempo levavam-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.

E na escola do meu tempo ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que fosse.

E na escola do meu tempo eu era “obrigado” a ter catequese, religiosa e política.

E na escola do meu tempo aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e dos filhos.

E na escola do meu tempo não aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o campo”. Quanto menos estudassem, menos perguntas e dúvidas teriam.

E na escola do meu tempo não se falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal cinzento e pequenino.

Na escola do meu tempo eu era avisado em casa para não falar de certas coisas na escola, era perigoso.

Quem mandava no país achava que muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas. Ao meu pai perguntaram porque me tinha posto a estudar depois da quarta classe, não era frequente naquele meio, para ser serralheiro como ele não precisava de estudar mais.

Sim, eu sei, não precisam de me dizer que a escola deste tempo tem muitas coisas, embora com outras vestes e discursos, que nos recordam a escola do meu tempo. Nem tudo está bem, longe disso e algumas questões não mudaram na substância, apenas se actualizaram. No entanto, o caminho é melhorar a escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.

Eu andei naquela escola lá para trás no tempo.

Por isso, quando falam da escola hoje, penso, nunca mais voltarei a andar naquela escola. E não quero que os meus netos e os outros miúdos andem numa escola como aquela, a minha escola, lá para trás no tempo.

Também por isso hoje falamos do 25 de Abril de 1974 e do que os tempos nos trouxeram.

25 de Abril sempre.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

O "DRESS CODE" NA ESCOLA

 O universo da educação é por natureza um universo em permanente agitação que, se por um lado pode ser sinal de vitalidade, por outro introduz ruído que tem efeito nas comunidades educativas.

A direcção da Escola Secundária Pedro Nunes decidiu divulgar um “dress code” solicitando aos alunos(as) a utilização de “vestuário adequado” o que significa não utilizar “calções curtos, decotes excessivos e calçado de praia”. O seu não cumprimento pode impedir a realização de exames.

Como aconteceu noutras escolas em que existiram iniciativas semelhantes a decisão gera controvérsia quer em pais, quer noutros elementos da comunidade educativa estando em dúvida o seu enquadramento legal.

Sem desvalorizar a questão, mas pensando nas problemáticas actuais nas comunidades educativas, lembrei-me de Almada Negreiros em a Cena do Ódio “e qu'inda foste inventar submarinos, p'ra te chateares também por debaixo d'água”.

Na verdade, creio que precisamos de alguma serenidade. Os miúdos nesta fase, pré-adolescência e adolescência, estão a construir uma identidade, a sua. Tal “trabalho” passa, em todas as épocas (lembremo-nos da recusa da gravata nos anos 50, das mini-saias dos anos 60, dos cabelos às cores dos anos 80, dos piercings a seguir, etc.), pela tentação de andar nos limites do instituído, linguagem, vestuário, “aspecto visual”, música, consumos, etc. Este tipo de funcionamento, quase sempre transitório, presente, de forma mais ou menos evidente, na generalidade dos adolescentes levanta algumas inquietações aos adultos que, à falta de melhor solução, têm a tentação de proibir, o que se compreende. Também me lembro de me terem proibido socas, a camisa por fora das calças e cabelo comprido. Mas só proibir é tapar o Sol com a peneira. Claro que muitos pais ficam contentes com o facto de a escola proibir algo que eles gostavam de proibir, mas que não se sentem capazes, assim a escola compra, por eles, a “briga” com os filhos.

Por outro lado, é fundamental para os próprios adolescentes que percebam claramente que “não vale tudo” ao abrigo de discursos como, são direitos individuais, veste-se, fala-se e faz-se o que se quer, é um caso de liberdades individuais, considero este argumentário uma espécie de delinquência educativa. A vida em sociedade e o respeito por regras sociais obriga a que ninguém de nós possa fazer sempre o que quer, quando quer, onde quer, da forma que quer, etc. Construir de forma sensata estas balizas reguladoras é uma tarefa indispensável ao desenvolvimento e à formação.

O que quero simplesmente dizer é que, muito para lá das proibições, ou em vez das proibições, trata-se de construir valores, capacidade de auto-regulação dos comportamentos por parte dos jovens, de construção conjunta dos necessários códigos de conduta e de sermos capazes de discriminar o essencial do acessório.

Não é a dimensão dos calções ou a calça descaída que determinam os problemas ou comportamentos que possam verificar-se.

terça-feira, 23 de abril de 2024

MANUAL DO ALPINISTA

 A divulgação dos candidatos às eleições europeias fez-me recordar a personagem de uma história que já aqui contei.

Era uma vez um homem chamado Alpinista. Nasceu numa terra pequena onde muita gente gostava de praticar a subida, na vida, é claro. Uns conseguiam subir alguma coisa, outros nem tanto, mas tinham pena.

O Alpinista, foi um rapaz discreto sem de início revelar algumas especiais capacidades ou dotes que o habilitassem ao sucesso, subir na vida. No entanto, tinha alguma capacidade discursiva, era perspicaz e assertivo, conseguia perceber sem grande dificuldade o caminho a seguir e fazia-o de forma convicta.

Durante a adolescência e olhando para o que se passava naquela terra, quase tudo o que fossem lugares de algum relevo eram ocupados de acordo com o aparelho partidário do partido que ocupasse o poder naquela altura e verificando que também existiam outros lugares com uma exigência de mérito a que ele não acederia, decidiu-se pela via partidária.

Analisou a oferta e optou pelo partido que lhe pareceu com maior probabilidade de ocupar o poder durante mais tempo inscrevendo-se na juventude partidária. Diligentemente o Alpinista cumpria as tarefas que lhe eram cometidas e com a sua capacidade discursiva foi subindo na hierarquia, tendo chegado a um patamar que lhe garantiu um lugar nas listas de deputados em representação da juventude. Entretanto inscreveu-se numa daquelas instituições de ensino em que a exigência para certos cursos e para figuras de algum relevo público não é muito grande, mas que, para compensar, as notas são mais altas e passou a Dr. Alpinista.

O bom desempenho no aparelho do partido e a fidelidade canina no Parlamento, levaram-no a uma irrelevante Secretaria de Estado durante alguns mandatos. Como é natural e imprescindível tornou-se comentador televisivo onde o seu conhecimento sobre tudologia ampliou a sua fama.

A sua acção, socialmente insignificante, mas partidariamente relevante valeu-lhe, à saída do Governo, um lugar na administração de uma empresa de capitais públicos de uma área que ignorava por completo.

Alguns, poucos, anos depois o Alpinista reformou-se, retirando-se para uma das propriedades que faziam parte do património que, entretanto, tinha adquirido e dedicou-se à escrita.

O livro que produziu, autobiográfico, rapidamente se transformou num enorme sucesso, tem por título, “O Manual do Alpinista”.

domingo, 21 de abril de 2024

A LER

 Como sempre, merece leitura e reflexão a entrevista a Gert Biesta no DN. É alguém que, do meu ponto de vista, analisa e pensa a educação e a escola de uma forma muito interessante e inspiradora.

Recordo sempre uma afirmação de Gert Biesta que recorrentemente cito e não deve ser esquecida, a história da inclusão é a história da democracia.

sábado, 20 de abril de 2024

FOI BONITA A FESTA PÁ

 Ontem, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril a minha escola, o ISPA – Instituto Universitário, organizou um encontro com a participação de docentes, alunos e ex-alunos e com extraordinária actuação do Coro dos Anjos.

Tive a generosidade de um convite para uma intervenção recordando que estava no primeiro ano do curso em 1973/1974, os anos não perdoam.

Na troca de ideias sublinhei a gratidão que sinto e o impacto pessoal que teve o 25 de Abril, aquele 25 de Abril.

Na altura, o ISPA era a única escola para formação em psicologia, mas ainda sem o curso reconhecido pelo ME. Esta situação implicava que enquanto aluno não poderia pedir adiamento no cumprimento do serviço militar.

Ainda assim e dado que não tinha meios nem vontade de ir para fora, arrisquei mas com a decisão tomada de que estava fora de questão combater na guerra colonial.

O reconhecimento do curso pelo ME e as consequências do 25 de Abril possibilitaram a finalização do curso e nem sequer ter acabado por cumprir serviço militar obrigatório que agora algumas vozes parecem querer ressuscitar.

Sublinhei ainda que os acontecimentos de 1974 e a ligação já como docente possibilitaram uma das mais extraordinárias experiências na minha vida, o encontro com uma figura absolutamente notável, o artista moçambicano Malangatana. A certa altura ligou-se ao ISPA e acabei por ter o privilégio de, para além dos contactos em Lisboa, ter passado algum tempo com ele em Maputo e, sobretudo, num centro que criou em Matalana, zona do seu nascimento. Foram tempos notáveis, trabalho com professores das escolas da zona que se deslocavam quilómetros a pé para participar em conversas comigo e com o Velho, como eu chamava ao Mestre Malangatana, reuniões com os mais velhos a quem Malangatana não queria deixar de pedir conselhos sobre os passos a dar, horas e horas a passear durante a noite pelas ruas de Maputo a ouvir a extraordinária história de vida de um homem que era apanha-bolas no clube de ténis e se tornou um artista e uma figura notável e inesquecível.

Serões passados depois da janta no Piri-Piri com o Velho a desenhar no inseparável bloco depois de salpicado com umas gotas do seu inseparável gin e a conversarmos sobre o tanto que estava por fazer para criar um futuro melhor para as crianças moçambicanas.

Já contei aqui no blogue algumas das histórias vividas com o Malangatana, mas é impossível contar tudo o que ficou comigo nesta experiência.

Como disse, só o 25 de Abril de 1974 permitiu que ela acontecesse, sem guerra e com uma relação com uma figura inigualável que continua comigo. Obrigado Velho.

Gostei muito de ouvir os testemunhos de alunos e de ex-alunos que, quero acreditar, serão capazes de manter e lutar por algo que parece estar outra vez sob ameaça, a democracia, a tolerância, a promoção do bem-estar de todos, a inclusão e direitos, etc.

Finalmente, uma nota para actuação do Coro dos Anjos. Recorrendo ao cancioneiro português e a temas próprios foi notável o que ouvimos por um grupo comprometido com o seu tempo e com as pessoas.

Deve ser da idade, mas 50 anos depois eu e a minha mulher ainda nos emocionámos com a Grândola Vila Morena cantada por toda a gente.

Foi bonita a festa pá.


  

sexta-feira, 19 de abril de 2024

O MIÚDO BLINDADO

 Um destes dias estava a Professora Manuela na sala de professores à espera de mais uma das imensas reuniões que ocupam o tempo dos docentes, as mais das vezes sem utilidade de maior, quando apareceu o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, para o chá habitual.

Como não podia deixar de ser, trabalho de professor é assim, a conversa deslizou para os gaiatos, em particular para o Márcio que andava a inquietar a Professora Manuela porque o sentia menos bem, desatento, desinteressado, com reacções que não eram muito frequentes, a deixar as tarefas por acabar e sem muita preocupação com a qualidade. Para além disso, e era a maior inquietação da Professora é que, quando tenta falar com o Márcio, com quem até acreditava ter uma reacção tranquila, ele mostra-se nada disponível, diz que está tudo bem, fecha-se como se estivesse numa concha.

O Professor Velho, acenando a cabeça sublinhou, "é talvez um miúdo blindado, agora tem estado em moda falar de blindados".

Que queres dizer com isso, Velho?

Algumas vezes, alguns miúdos, por razões que nem sempre são muito nítidas mergulham num mal-estar que os empurra para a construção de uma espécie de concha, blindagem como eu lhe chamei, no sentido de ficar, ou de sentir, ou mesmo de parecer que estão bem e mascarar o seu desassossego que poderá vir de dentro, de fora, ou de dentro e de fora.

Mas Velho, sendo assim, e estando o Márcio blindado como tu dizes, como posso perceber o que o inquieta e tentar ajudar.

Baixinho e sem pressionar tenta perceber que sonhos sonha o Márcio. Como sabes, não é possível fechar os sonhos numa concha e talvez consigas perceber o que carregam os sonhos do Márcio. Se conseguires, vais ser capaz de o ajudar e tenho quase a certeza que ele quer e precisa dessa ajuda. A que chega dos professores e dos outros adultos atentos aos sonhos dos miúdos.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

DA VALORIZAÇÃO DA CARREIRA DOCENTE

 Iniciam-se hoje as reuniões entre o MECI e as estruturas representativas dos professores. Em discussão estarão, naturalmente, múltiplas questões, mas a recuperação do tempo de serviço e a valorização da carreira docente são centrais.

O Ministro afirmou ontem na Universidade do Minho que a valorização da carreira é a solução para combater o problema da falta de professores no país e que está a ser preparado um plano de emergência para o imediato a pensar já no próximo ano lectivo.

Como tantas vezes aqui tenho abordado e recuperando notas já escritas, os problemas que envolvem a classe docente e as suas consequências a curto e médio prazo, sendo conhecidos de há muito, são agora claramente reconhecidos apesar de algumas tentativas de torcer a realidade. Nos últimos anos têm sido recorrentes as referências, relatórios e estudos evidenciando a preocupante falta de professores, o envelhecimento da classe, os níveis de cansaço e de exaustão emocional, a baixa atracção dos mais jovens pela profissão associada a modelos de carreira, contratação e valorização pouco motivadores e justos. Os professores passam por dispositivos de avaliação pouco transparentes e competentes que desmotivam, causam mal-estar e climas institucionais pouco amigáveis, para ser simpático na adjectivação.

Por outro lado, parece ter-se desenhado um caminho que transformará técnicos em professores, num processo questionável e preocupante de “desprofissionalização”. No entanto, também é de registar que de uma forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.

Este quadro, de um mal-estar reconhecido, não pode deixar de ter impacto. Como muitas vezes afirmo, crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional, constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo (quase) passa pela escola e pela educação. Entre nós, este entendimento ainda me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos professores.

Raramente a profissão professor tem estado tanto em foco como nos últimos anos bem como a necessidade de defender a qualidade da escola pública. Os tempos que vivemos sublinham uma questão e outra de forma crítica.

Múltiplas acções e decisões políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os portugueses mais confiam.

A atenção que tem estado centrada nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons Professores.

Ser professor no ensino básico e secundário por razões conhecidas e por vezes esquecidas, é hoje uma tarefa de extrema dificuldade e exigência que social e politicamente justifica um reconhecimento e valorização frequentemente negligenciados. Acresce que é uma tarefa desempenhada por uma classe extremamente envelhecida e cansada como tem sido amplamente estudado e divulgado.

Por um momento, pensemos no que é ser professor em algumas escolas que décadas de incompetência na gestão urbanística, nas políticas sociais e consequente guetização social produziram.

Pensemos ainda na forma como milhares de professores cumprem a sua carreira, muitos deles sem a possibilidade de desenharem projectos de vida para si quando são os principais responsáveis por lançar projectos de vida para os miúdos com quem trabalham. Aliás, nos últimos anos, milhares de professores, de bons professores e professores necessários, foram constrangidos à reforma e muitos ao desemprego por uma política de contabilidade inimiga da educação pública e da qualidade.

Pensemos em como os professores são injustiçados nas apreciações de muita gente que no minuto a seguir a dizer uma qualquer ignorante barbaridade, vai numa espécie de exercício sadomasoquista entregar os filhos nas mãos daqueles que destrata, depreendendo-se assim que, ou quer mal aos filhos ou desconhece os professores e os seus problemas.

Pensemos como é imprescindível que a educação e os problemas dos professores não sejam objecto de luta política baixa e desrespeitadora dos interesses dos miúdos, mesmo por parte dos que se assumem como seus representantes.

Pensemos que a forma como os miúdos, pequenos e maiores, vêem e se relacionam com os professores está directamente ligada à forma como os adultos os vêem e os discursos que fazem.

Pensemos finalmente nos professores que nos ajudaram a chegar ao que hoje cada um de nós é, aqueles que carregamos bem guardadinhos na memória, pelas coisas boas, mas também pelas más, tudo contribuiu para sermos o que somos.

A valorização social e profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e reconhecimento passam também pela necessidade de modelos de carreira e de avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam competência, empenho e atracção pela profissão.

Gostava ainda de recordar outra vez uma ideia do enorme João dos Santos, “O Professor João, foi meu professor porque foi meu amigo” e uma convicção pessoal que a idade cada vez mais cimenta, qualquer professor ou educador, tanto ou mais do que aquilo que sabe, ensina aquilo que é. É da relação que tudo nasce numa sala de aula, qualquer que seja a configuração.

A verdade é que de todos os professores que connosco se cruzaram, os que mais nos marcaram positivamente foi sobretudo pelo que eram e menos pelo que nos ensinaram, por mais importante que seja.

Estamos a entrar num novo ciclo e importa que traga mudanças nas políticas educativas, e não só. Este caminho está a esgotar-se e o futuro está comprometido. Não vale a pena negar a realidade.

Deixem lá ver o que acontece.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

CATAVENTOS

 De há muito que naquela terra onde acontecem coisas surgem frequentemente cataventos na paisagem.

São figuras que se orientam face ao vento, a qualquer vento que lhes traga algo. Não importa a natureza do vento, importa o que possa trazer, um lugarzinho, visibilidade, qualquer coisa que alimente o umbigo.

Normalmente, são figuras menores que se julgam maiores e que (se) vendem (por) qualquer produto que os faça sentir iluminados, desconhecem ética e valores.

Hão-de ser sempre gente pequena no seu pequeno mundo de enganos.

Não sei porque me lembrei de escrever isto hoje.

terça-feira, 16 de abril de 2024

DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO

Lê-se no JN que segundo dados da Fenprof existirão cerca de 32500 alunos sem aulas a todas as disciplinas por falta de docentes. Este número corresponde a 419 horários por preencher em oferta de escola e é o dobro do número verificado no ano anterior por esta altura.

Este cenário negro e penalizante para muitos alunos está obviamente associado a várias legislaturas em que se desenvolveram políticas públicas de educação no sentido errado, a narrativa insustentável sobre os professores a mais, a desvalorização das carreiras tornando-as pouco atractivas para novos professores e produzindo cansaço e desânimo para muitos dos que estão enquanto não chega a reforma, a asfixiante carga burocrática de docentes e escolas, etc.

É verdade que a falta de docentes é também um problema de outros sistemas educativos e não tem resolução imediata.

No entanto, talvez seja de recordar o recente relatório da ONU, “United Nations Secretary-General’s High-Level Panel on the Teaching Profession: Recommendations and summary of deliberations”, produzido por iniciativa de António Guterres.

Talvez pudesse inspirar as políticas públicas de educação para os próximos anos agora que se está a iniciar um ciclo governativo.

Será de considerar a necessidade de investimento sério em educação, 6% do Produto Interno Bruto o que está definido pela UNESCO como meta para 2030, a valorização profissional dos professores combatendo o risco de “deskilling” ou desprofissionalização através de mudanças nas exigências da habilitação para a docência, valorização salarial que recupere a atractividade pela carreira e definição de dispositivos de apoio ao exercício profissional em contextos mais exigentes. Importa ainda que se definam carreiras profissionais de forma estável e valorizadas.

As medidas mais recentes nestas matérias, designadamente no que se refere à formação exigida, e a ausência de propostas sólidas e concretas nas dimensões referidas no texto da ONU não serão um bom augúrio.

domingo, 14 de abril de 2024

PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E ESCOLA

 É uma coincidência curiosa, o novo Referencial para a Intervenção dos Psicólogos em Contexto Escolar foi aprovado em 15 de Março pelo anterior ME e hoje ficamos informados que centenas de psicólogos a intervir em contextos escolares (mas não só na área da educação) contratados ao abrigo de projectos comunitários que terminam em Junho não existindo ainda indícios de abertura de processos de vinculação.

O Referencial é um documento importante como regulador da e orientador da intervenção, mas é necessário que … existam psicólogos que efectivamente integrem as equipas de escolas e agrupamentos. Como é óbvio existem, a situação ´de muitos é precária e o seu efectivo ainda está longe de corresponder às necessidades.

Para os profissionais parece claro que num quadro de orientações estabelecidas, do estado da arte em matéria de psicologia da educação e de contextos de intervenção carregados de constrangimentos, o empenhamento e a competência dos profissionais pode dar um contributo sólido para a qualidade dos processos educativos de todos os alunos. Para além do trabalho com alunos é crítica a colaboração e intervenção com professores, funcionários, direcções e pais e encarregados de educação, para além de outras respostas na comunidade dirigidas à população em idade escolar.

No entanto, desde 1991, a presença dos psicólogos em contextos educativos tem vivido entre as declarações dos vários actores, incluindo a tutela, sobre a sua necessidade e importância e a lentidão, insuficiência e precariedade no sentido da sua concretização.

É recorrente a afirmação por parte de sucessivas equipas do ME da prioridade em promover o alargamento do número de técnicos e a estabilidade da sua presença nas comunidades educativa mas é algo que, como se percebe, tarda em concretizar-se e insisto em notas já por aqui escritas e marcadas pelo óbvio envolvimento pessoal, tenho formação em psicologia da educação.

No entanto, para além da precariedade, o número de psicólogos a desempenhar funções no sistema educativo público está ainda longe do rácio aconselhado para um trabalho mais eficiente.

Temos situações em que existe um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo com mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa espécie de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de resposta que não serve adequadamente os destinatários, a comunidade educativa, como também, evidentemente, compromete os próprios profissionais.

Temos também inúmeras escolas onde os psicólogos não passam ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a duração de meia hora semanal uma situação inaceitável e que é um atentado científico e profissional e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o técnico independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado. No entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um técnico de psicologia.

O quadro orientador da intervenção dos psicólogos nos contextos escolares é um documento positivo, mas corre o risco ser inaplicável em muitas situações face ao alargado espectro de funções e actividades previstas associado ao universo de destinatários.

Neste cenário, a intervenção dos profissionais, apesar do esforço e competência, tem um potencial de impacto aquém do desejável e necessário. Áreas de intervenção como dificuldades ou problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com professores e pais, trabalho ao nível da prevenção de problemas, etc., exigem recursos e tempo que não estão habitualmente disponíveis.

Acresce que o recurso ao modelo de “outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos.

Como é que se pode esperar que alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola?

Das duas uma, ou se entende que os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades de alunos, professores e pais em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas providenciando contributos específicos para os processos educativos e, portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente necessária ao sucesso da sua intervenção, ou então, é uma outra visão, os psicólogos não servem para coisa alguma, só atrapalham e, portanto, não são necessários.

A situação existente parece-me, no mínimo, um enorme equívoco que além de correr sérios riscos de eficácia e ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.

Estando no fim da carreira profissional ainda aguardo que a importância e prioridade sempre atribuídas ao trabalho dos psicólogos em contextos educativos se concretizem de forma suficiente e estável.

sábado, 13 de abril de 2024

UMA CASA, UM ABRIGO

No Observador encontra-se um trabalho sobre um projecto, “Casas Primeiro”, desenvolvido pela Associação para o Estudo e Integração Psicossocial (AEIPS), instituição particular de solidariedade social  que desenvolve programas e presta serviços de apoio a pessoas com doença mental, nas áreas da habitação, educação e emprego.

O projecto tem o envolvimento de diversas entidades, incluindo a Câmara de Lisboa e apoia fundamentalmente pessoas sem abrigo e com doença mental. A estratégia de apoio tem como primeiro passo assegurar uma casa, daí a designação. 

Seria desejável que mais iniciativas desta natureza se desenvolvessem, uma casa, um abrigo, é um bem de primeira necessidade e um passo para um projecto de vida mais positivo.

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sexta-feira, 12 de abril de 2024

OS ERRANTES

 Nas escolas, em todas as escolas, existe um grupo de miúdos, sobretudo na fase da adolescência, a que podemos chamar de Errantes. Não são, naturalmente, os miúdos que erram no que fazem, são aqueles miúdos que erram pela vida e pela escola numa espécie de deriva sem destino sonhado e, muito menos, com destino desejado.

Em particular no terceiro período, ou segundo semestre, parece relativamente fácil identificar os errantes, quase sempre não têm boas notas, embora alguns, poucos, as consigam, quase sempre nos mostram o seu Errante estado com comportamentos que nos incomodam e embaraçam, de que muitos deles também não gostam, mas que fazem questão de assumir, numa tentativa, perante si próprios, de esconder a condição de Errante e de ganharem uma identidade.

Existem também alguns Errantes que parecem transparentes, transparecem tristeza, mal damos por eles de tão invisíveis.

Estes Errantes estragam as estatísticas do sucesso e da qualidade, contribuem para as estatísticas dos problemas e do abandono e, por isso, não são desejados, sobretudo nas escolas muito boas, que não gostam de Errantes, preferem os Destinados, ou seja, os miúdos que já no presente carregam o destino que lhes sonharam e que eles assumem, desejando ou não.

Os Errantes que agora estão na escola, tal como aconteceu com a maioria dos Errantes que já por lá andaram, serão os Errantes da vida, seja lá o que for a vida que os espera, porque eles não esperam a vida. Imaginam apenas o amanhã, que ainda assim e como se costuma dizer, já é longe demais. E esse amanhã imaginado é rigorosamente igual ao hoje vivido.

Se nos abeirarmos dos Errantes, o que nem sempre conseguimos, sabemos, podemos ou queremos, fazer talvez possamos perceber como é difícil a história dos Errantes.

Ninguém gosta de andar perdido.

quinta-feira, 11 de abril de 2024

UMA NO CRAVO ...

 A história tem demonstrado que, de uma forma geral, os programas de Governo são instrumentos de natureza mais indicativa que imperativa. Assim, mais do que olhar para o enunciado no programa parece mais útil reflectir sobre as medidas decididas.

O ME, perdão o MECI, decidiu que as provas finais do 9º ano serão realizadas em papel e as provas de aferição do 2.º, 5.º e 8.º mantêm o formato digital.

A decisão no que respeita às provas finais parece-me adequada face aos riscos de potencial desigualdade entre alunos e de eficiência dos recursos das escolas.

Por outro lado, esses mesmo riscos, desigualdade entre alunos, dificuldades com equipamentos, insuficiência dos recursos e infra-estruturas, ameaçam a realização das provas de aferição que se mantêm.

Para além da decisão constituir um, mais um, atestado de menor importância para as provas de aferição que já são percebidas de forma desvalorizada, contraria o que parece ser um caminho de prudência e recuo na chamada transição digital em curso em muitos sistemas educativos.

Tem sido produzida evidência e conhecem-se medidas de política educativa que revelam a necessidade de equilíbrio e prudência na utilização dos recursos digitais, designadamente nos primeiros anos de escolaridade.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

DO ABANDONO ESCOLAR

 Foi divulgado o Relatório do Tribunal de Contas, “Recomendações da Auditoria, “Abandono Escolar Precoce”. O TdC considera que o Governo, Ministério da Educação, não cumpriu as recomendações relativas ao abandono escolar já expressas no Relatório de 2022. Não estranho a conclusão como também não estranho a resposta do ME refutando as questões levantadas pelo TdC. Algumas notas no sentido em que já aqui tenho abordado a questão do abandono escolar que, inevitavelmente, deverá constar do caderno de encargos do novo Governo.

De acordo com dados do INE, o abandono escolar em 2023 foi de 8%. Considera-se abandono escolar a situação de jovens que não terminaram o secundário nem frequentam qualquer actividade de educação ou formação.

Em 2021 e 2022 registaram-se 6,7% e 6,5% valores que o ME considera atípicos pelo que compara com 2020 cuja taxa 8,9% ficou abaixo da média da UE que tem como objectivo para 2030 uma taxa de abando escolar precoce de 9%.

Recordo que no final de 2021 a Direcção-Geral de Estatística da Educação divulgou que estava a desenvolver uma ferramenta com o objectivo de avaliar e construir uma informação mais robusta sobre o abandono escolar. Em linha com o que já é feito noutros países pretende-se construir informação que permita o acompanhamento próximo do aluno e das escolas, identificando perfis de risco ou preditores de abandono que possibilitarão o desenvolvimento de intervenções oportunas prevenido e combatendo o abandono escolar.

Acresce a óbvia necessidade de que o abaixamento da taxa de abandono escolar signifique conhecimentos e competências adquiridas pelos alunos.

Como já aqui tenho abordado, existe forte incoerência nos resultados da avaliação interna, percursos de sucesso, e os dados das avaliações externas, provas de aferição, exames ou estudos comparativos internacionais.

No mesmo sentido, importa ainda recuperar que também em 2020 o Tribunal de Contas afirmava que no sistema educativo nacional não existem indicadores ajustados, a imprescindível avaliação externa, que permita conhecer "os reais números do Abandono em Portugal, frustrando quer a implementação eficiente das medidas preventivas e de recuperação dos alunos em Abandono ou em risco de Abandono, quer o direccionamento adequado do financiamento".

Na realidade, o abaixamento do abandono escolar precoce é fundamental e, sendo importante que os alunos não abandonem, é necessário assegurar que a sua continuidade tenha sucesso. Aliás, à semelhança do que tem sido o caminho da designada educação inclusiva, não basta que tenhamos os alunos com necessidades especiais “entregados” nas escolas regulares para que possamos falar de educação inclusiva.

Temos indicadores que mostram que muitos alunos, estando “ligados” à máquina educativa, ainda lutam, por razões diversas, por uma trajectória bem-sucedida e importa que cumprir a escolaridade signifique mesmo carreiras escolares promotoras de competências e capacidades como escrevi acima.

Só assim se promove a construção de projectos de vida viáveis, que proporcionem realização pessoal e base do desenvolvimento das comunidades.

Neste caminho é fundamental que a qualidade dos processos educativos e que a existência de dispositivos de apoio competentes e suficientes às dificuldades de alunos e professores na generalidade das comunidades educativas seja uma opção clara pois é uma ferramenta imprescindível à minimização do abandono e insucesso.

Por outro lado, importa não perder de vista a população que abandona e a que está em alto risco de que tal aconteça. Neste sentido é fundamental que a oferta de trajectos diferenciados de formação e qualificação ou iniciativas em desenvolvimento como o programa Qualifica, sucessor do Novas Oportunidades ou os anunciados no âmbito do ensino superior, tenham os meios necessários e se resista à tentação do trabalho para a “estatística”, confundindo certificar com qualificar.

Apesar dos indicadores de progresso é necessário insistir, merecemos e precisamos de mais e melhor sucesso e qualificação e menos abandono e exclusão.

terça-feira, 9 de abril de 2024

PROJECTO DE VIDA, A ESPERANÇA ADIADA

 Dados hoje divulgados de um estudo realizado por uma equipa do SINCLab. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, mostram que 65,6% dos jovens até aos 30 anos que trabalham recebem menos de 1000€ de salário sendo que as mulheres recebem menos 26%. Acresce que 24% do total não têm trabalho a tempo inteiro.

No que respeita à habitação, 87,7% dos inquiridos vive com a família. Recordo os dados do Eurostat de 2022, segundo os quais a idade média da saída de casa dos pais em Portugal está em 29,7. Em 2021 tinha a idade média mais alta da EU, 33,6 anos. A média europeia de 2022 é 26,4. Para comparação as idades médias mais baixas registam-se na Suécia, 21,4, e na Finlândia, 21,3.

Parece claro que os jovens portugueses continuam a experimentar dificuldades em construir projectos de vida autónomos e positivos. Num tempo em que tudo parece ser para hoje, boa parte dos jovens sentirá procurar um projecto de vida percebido para uma amanhã longínquo.

Estão identificadas dimensões contributivas para esta situação como a dificuldade em aceder a trabalho digno, a precariedade laboral, os custos elevados da educação e qualificação e os também elevados custos no acesso, renda ou compra, de habitação que como se sabe se acentuou dramaticamente nos últimos tempos.

Este cenário ajuda a perceber algumas das mais fortes razões pelas quais os jovens em Portugal abandonam a casa dos pais cada vez mais tarde e adiam projectos de vida que incluam paternidade e maternidade. Para além das questões de natureza cultural e de valores que importa considerar, bem como as políticas de família nos países do norte da Europa, as actuais circunstâncias de vida dos jovens e as implicações da conjuntura económica sustentam este cenário que provavelmente demorará a ser revertido.

Temos ainda um número muito significativo de jovens entre os 20 e os 34 anos que não estudam, nem trabalham, nem estão em formação, a geração “nem, nem" ou, na terminologia em inglês os jovens NEET (Not in Education, Employment or Training). Acresce que uma parte significativa não está inscrita nos Centros de Emprego.

Parece importante assinalar que esta situação afecta sobretudo os jovens com menos qualificações o que também não é novo. A exclusão escolar é quase sempre a primeira etapa da exclusão social.

A estes indicadores, já a merecer preocupação, deve juntar-se os dados sobre precariedade, abuso do recurso a estágios e outras modalidades de aproveitamento de mão-de-obra barata e a prática de vencimentos que mais parecem subsídios de sobrevivência mesmo para jovens altamente qualificados.

Esta situação complexa e de difícil ultrapassagem tem obviamente sérias repercussões nos projectos de vida das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras, contar-se-ão o retardar da saída de casa dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por sua vez se repercutem no Inverno demográfico que atravessamos e que é uma forte preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais. As gerações mais novas que experimentam enormes dificuldades na entrada sustentada na vida activa, vão também, muito provavelmente, conhecer sérias dificuldades no fim da sua carreira profissional.

No entanto, um efeito potencial, mas menos tangível desta precariedade no emprego e na construção de um projecto de vida autónomo e sustentado, é a promoção de uma dimensão psicológica de precariedade face à própria vida no sentido global e que, com alguma frequência, os discursos das lideranças políticas acentuam. Dito de outra maneira, pode instalar-se, está a instalar-se nos jovens, uma desesperança que desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não vislumbra saída mobilizadora e que recompense.

O aconchego da casa dos pais pode ser a escapatória para a sobrevivência, mas potenciar o risco da desistência o que certamente poderá ter implicações sérias.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

O TERCEIRO PERÍODO

 Estamos num tempo de alguma expectativa face ao que no imediato e a prazo serão as políticas públicas de educação que, provavelmente começarão a ser conhecidas as políticas públicas de educação. Confesso que face ao programa e entendimentos já divulgados publicamente pelos elementos da equipa do ME, a expectativa é baixa e tenho algumas inquietações que não gostava de ver confirmadas.

Entretanto, cumprindo os tempos que creio ainda serem os da esmagadora maioria das escolas, inicia-se hoje o terceiro período escolar.

Para muitos alunos será o período da decisão, das decisões. Uma boa parte dos alunos estará já "arrumada", ou porque convivem com um "chumbo" anunciado ou porque terão perspectivas de sucesso, com excelência ou com suficiência. Para quase todos os outros o terceiro período é o da recuperação, a última tentativa para "salvar" o ano. Alguns destes alunos ainda poderão ser incorporados no “contingente” da avaliação simpática, por vezes forçada, que compõe as estatísticas que alimentam os percursos de sucesso.

Também existe um grupo significativo de alunos dos quais se espera que recuperem o rendimento escolar de forma a salvar o ano, pelo que crescerá exponencialmente o recurso à velha "explicação", um importante nicho de mercado para professores, ex-professores, candidatos a professores ou simples curiosos que se dedicam à lucrativa arte. Aliás, ainda durante as férias de Páscoa muitas crianças e adolescentes terão passado já algum tempo nos centros de explicações. É preciso ir adiantando para garantir a "recuperação", a nota que permita “passar” ou dê acesso ao curso escolhido, pelo aluno ou pela família.

É também um período de promessas, "se passares, nós oferecemos-te ...", "se tiveres notas para entrar, terás ...". Chamam-se incentivos e providenciam, esperam os pais, uma ajuda extra à motivação para este terceiro período.

Para alguns alunos este terceiro período vai anteceder, espera-se uma mudança, de ciclo, de escola ou a por muitos desejada passagem para o ensino superior, esperemos que não desistam de estudar.

No final do ano uma parte dos alunos ainda vai realizar algumas provas ou exames. No 2.º, 5.º e 8.º ano teremos provas de aferição (que, de facto, não são de aferição) desmaterializadas, decisão que levanta sérias dúvidas sobretudo no 1º ciclo por razões que já aqui referi. Talvez fosse de apostar mais na desburocratização e na “desgrelhação” dos processos que realização de provas em suporte digital. No 9º e 12º teremos os exames com as mudanças já verificadas no ano anterior.

No entanto, para outros alunos, o terceiro período vai deixá-los mais perto do insucesso, da desmotivação, do abandono revoltado ou resignado. Eles terão falhado, mas não terão sido só eles, nós também.

Existe ainda um grupo de alunos que, à luz de um novo paradigma e de uma onda de inovação, vive dentro de espaços curriculares ou físicos que os podem “guetizar” e de quem também não se espera muito, são “adicionais”, são “selectivos”, são “redutores”, são outra qualquer designação muitas vezes começada em “dis”, que procuram sobreviver a ambientes que nem sempre são muito amigáveis e inclusivos apesar de algumas boas práticas que se saúdam e registam.

Na verdade, os próximos meses vão ser pesados, exigentes, apesar de haver quem entenda como fáceis os trabalhos dos alunos … ou dos professores.

Boa sorte e bom trabalho, para alunos, professores e pais.

domingo, 7 de abril de 2024

ECRÃS NA VIDA DAS CRIANÇAS

 Na SIC Notícias encontra-se uma peça, “Agarrados ao ecrã”, sobre a relação dos mais novos com os ecrãs que merece atenção e divulgação. Realizado por investigadores da Universidade de Aveiro mostra que o tempo excessivo que crianças de 4 e 5 anos podem passar em frente a um ecrã tem um impacto negativo no desenvolvimento da linguagem. Ainda assim, importa sublinhar que não devemos diabolizar os recursos digitais, mas sim, promover uma utilização adequada.

Muitas vezes aqui tenho abordado esta questão assim como, frequentemente, é tema de conversas com pais e educadores. Retomo algumas notas.

Em Agosto de 2023 foi publicado pela revista JAMA Pediatrics um trabalho, “Screen Time at Age 1 Year and Communication and Problem-Solving Developmental Delay at 2 and 4 Years”, em que se analisa a relação entre o tempo de exposição a ecrãs com riscos no seu desenvolvimento. Estar um tempo superior a duas horas em frente aos diversos tipos de ecrãs pode potenciar o risco de atraso no desenvolvimento nos anos seguintes.

A investigação envolveu 7097 crianças e concluiu que quanto maior for o tempo de exposição maior a probabilidade de compromissos no desenvolvimento, designadamente nas comunicação e resolução de problemas embora se reflicta noutras áreas e aumente com maior exposição.

O trabalho parece ser suficientemente robusto para que consideremos esta questão que tem estado na agenda e aumentou exponencialmente com os períodos de confinamento e para muitas crianças o ecrã é algo omnipresente no seu dia-a-dia.

Recordo ainda um trabalho divulgado em 2020 e que aqui comentei “Social inequalities in traditional and emerging screen devices among Portuguese children: a cross-sectional study” publicado em BMC Public Health e realizado por uma equipa do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da Universidade de Coimbra que também mostra dados que devem ser levados em conta.

O trabalho envolveu 8.430 crianças entre os três e os dez anos e sugere que até aos cinco anos as crianças passam por dia e em média 154 minutos em frente a um ecrã considerando os diferentes dispositivos disponíveis. Nas crianças mais velhas o tempo de exposição é superior, 201 minutos em média. Independentemente de outras variáveis como género, idade ou dispositivo utilizado, o tempo de exposição é sempre maior em famílias de menor estatuto académico e económico.

Recordo que em 2023 a agência francesa de saúde pública lançou um novo alerta a partir de estudos realizados relativos à exposição excessiva das crianças aos ecrãs, sobretudo nas crianças até aos três anos.

Sublinhe-se também que a OMS, tal como a Associação Americana de Pediatria, indicam extrema prudência para crianças até aos dois e anos e aconselham a que tempo de exposição ao ecrã não exceda uma hora diária até aos cinco anos e duas horas depois dos seis anos.

Uma pequena nota para referir que estando numa conversa com pais a propósito destas questões, referi estas orientações da OMS. Um pai pede a palavra para me dizer, “isso são opiniões”. Felizmente, para comentar tive a ajuda de alguns pais. É que já não tenho muita paciência.

Estão também identificados os riscos da sobreexposição, sedentarismo e obesidade, falta de qualidade e tempo de sono ou alterações no desenvolvimento, por exemplo na linguagem como mostra o estudo que justificou estas notas. A evidência também sugere que os riscos aumentam quando, como é frequente, a presença excessiva em frente de um ecrã está associada a um menor nível de interacção com adultos, designadamente com os pais.

Como tantas vezes já tenho referido, o ecrã, qualquer ecrã, é hoje a “baby-sitter” de muitíssimas das nossas crianças e adolescentes que neles, ecrãs, passam um tempo enorme “fechados”. Por vezes, sobretudo em adolescentes e jovens, "acompanhados" de outros tão sós quanto eles.

Acontece também que, como referido acima, durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou "smartphone". Desculpem insistir nestas questões, mas, como é óbvio, esta situação não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.

Comer é necessário e faz bem às crianças, mas comer excessivamente e produtos de má qualidade, provocam sérios problemas de saúde. Que se eduque o consumo, sem se diabolizar ou exaltar o produto.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, alguns deles com níveis baixos de alfabetização informática, sobretudo no que respeita aos riscos, como constato em muitas conversas que mantenho com grupos de pais.

Considerando as implicações sérias na vida diária e que só estratégias proibicionistas não são muito eficazes, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

sábado, 6 de abril de 2024

DEIXEM LÁ VER

 O novo Governo já tomou posse e na próxima semana conhecer-se-á o programa que, provavelmente, será viabilizado.

Umas notas relativas à educação. Como tem sido anunciado e seria previsível, o Ministério de Educação começará a negociação que desencadeie a reposição progressiva das perdas na carreira docente. Esta será a parte mais fácil e o tão referido excedente que talvez não seja assim tão excedente, permitirá acomodar a medida.

Apesar de se conhecerem os programas eleitorais, sabemos que … são apenas programas eleitorais, pelo que há que aguardar a divulgação e eventual aprovação do programa do governo.

Em matéria de políticas públicas de educação existem, como sempre, algumas dimensões cuja gestão e desenvolvimento é imperativo conhecer.

Sem hierarquizar ou esgotar vejamos alguns aspectos.

Qua ajustamentos podemos esperar nos modelos de formação, contratação, avaliação e carreira dos professores, bem como da sua valorização e capacidade de atracção.

Como evoluirá, ou não, a autonomia e o modelo de governança de escolas e agrupamentos.

O que poderemos esperar em matéria de municipalização da educação e o que acontecerá na área da transição digital que a transforme em ferramentas e não em problemas e excessos inúteis ou até com efeitos negativos.

Como será definida a imprescindível avaliação externa, provas de aferição, exames, em que anos com que contornos se realizarão ou não.

Que medidas ou orientações teremos, ou não, para minimizar a asfixiante carga de burocracia com que professores e escolas têm de lidar.

Que recursos e dispositivos poderão mobilizar as escolas no sentido de responder à diversidade de populações e alunos e às inúmeras situações de desigualdade de forma a promover sucesso e não a “fabricar” sucesso que não significa aprendizagem como a disparidade entre avaliação externa e interna frequentemente sugere.

Esta abordagem não é exaustiva e teremos de aguardar pelo programa do Governo e, sobretudo, pela sua operacionalização.

Como dizemos no Alentejo, deixem lá ver.

sexta-feira, 5 de abril de 2024

OS DIAS MÁGICOS

Os dias, todos os dias, nos mostram algo, nos dão algo ou nos tiram algo. O dia 5 de Abril assim é e, desculpar-me-ão, cá estou de novo a recordar a perplexidade e o gozo da última grande descoberta nesta minha viagem que já vai longa, a avozice. É sempre assim a cada 5 de Abril ou 4 de Julho e sempre assim será enquanto não chegar o dia que nos tira tudo.

Cumprem-se hoje oito anos desde que entrei pela segunda vez no mundo encantado, no mundo mágico da avozice, nasceu o Tomás. O tempo voa e o tempo dos velhos parece que voa mais depressa.

Esta mudança de geração tem sido uma bênção em cada dia que passa e contribui decisivamente para cumprir a narrativa de um Homem de sorte, eu.

Felizmente, as circunstâncias têm mantido os netos por perto. Às vezes, quando brincam ou quando dormem, fico assim a olhar para eles, para os meus netos, o grande neto Grande, o Simão, que nasceu há dez anos e o grande neto Pequeno, o Tomás, agora com oito e fico a imaginar que viagens irão fazer. Nessas alturas sinto-me assim …  desculpem o atrevimento... um anjo da guarda.

Na verdade, que mais deve ser um pai ou um avô que não um anjo da guarda.

Às vezes, não sabemos, não percebemos, não queremos ou não podemos.

Mas é bonito, muito bonito.

A magia da avozice recorda-me sempre, já aqui o contei, a fala de um Velho de Cabo Verde, amigo do meu amigo Amílcar, que dizia a propósito do quanto gozava a sua condição de avô, "Se soubesse que ter netos era assim, tinha tido os netos antes dos filhos".

Acho engraçada a ideia e elucidativa deste mundo mágico, ser avô.

No entanto, a ordem das coisas é a ordem das coisas, cresce um filho até ser Gente, vão crescer os netos até serem Gente.

E eu espero estar por perto mais algum tempo.