De vez em quando a imprensa é ela própria o objecto da notícia. Em mais de 40 órgãos de comunicação social cumpre-se hoje um dia de greve. As razões prendem-se com a situação profissional dos jornalistas e as dificuldades atravessadas por várias entidades como a Global Media Group que detém, entre outros o Jornal de Notícias (JN), o DN, a TSF, o Jogo ou o Dinheiro Vivo. Existem riscos de encerramento e a situação é preocupante
É um lugar-comum, mas uma
imprensa de qualidade é um dos alicerces da democracia e nunca como hoje se
tornou tão necessária.
É recorrente, não só em Portugal,
a discussão da questão da sobrevivência da imprensa e, naturalmente, da sua
independência face aos poderes, político e económico, designadamente. Sabemos
das tentativas recorrentes de controlo político da imprensa, como também
sabemos da eventual agenda implícita dos investimentos dos grupos e poderes
económicos na imprensa. São vários os exemplos recentes. Sabemos que a
sustentabilidade económica da imprensa é condição necessária, mas não
suficiente para a sua independência e por isso os tempos são difíceis.
Por outro lado, a evolução do
próprio mundo da imprensa, a evolução exponencial do universo do on-line, a
conjuntura económica inibidora de gastos das famílias em bens “não essenciais”
e, caso particular de Portugal, o baixo nível de hábitos de leitura e consumo
da imprensa escrita, produzem dificuldades de sobrevivência de títulos de
qualidade, chamados de referência, abrindo caminho à chamada imprensa tablóide
que, apesar das oscilações, se mantém relativamente saudável, o que se entende.
São também tablóides os tempos. A esta realidade soma-se a explosão das redes
sociais e o consumo de “notícias” através destes suportes.
Como leitor de jornais desde
muito novo, é sempre com inquietação e tristeza que penso nestas questões e vou
assistindo ao abaixamento das tiragens e, finalmente, ao desaparecimento.
Numa entrevista ao Público há já
algum tempo, um especialista, Tom Rosenstiel, afirmava que se o jornalismo
deixar de ser rentável e, como tal, correr o risco de desaparecimento, as
democracias poderão sofrer um "cataclismo cívico". Creio que a
cidadania de qualidade exige uma imprensa não só voltada para o imediatismo da
espuma dos dias e acredito que apesar das mudanças em tecnologia e das
incidências do mercado a que os jornalistas, a imprensa saberá adaptar-se.
Quero acreditar que a imprensa, jornais ou rádio com qualidade, são como os
dias, nunca acabam. Se forem jornais, bons jornais, independentemente do
suporte têm de resistir.
No entanto, parecem-me inquietante
os potenciais efeitos que a precariedade e a fragilidade da situação profissional
de muitos jornalistas possam tornar a sua função ainda mais vulnerável,
trata-se da sobrevivência, às questões da qualidade e, como é referido, a
constrangimentos em matéria de ética e deontologia.
No mesmo sentido, a fragilidade
do jornalista enquanto profissional é também favorável à existência de pressões
de várias origens e com impacto potencial inquietante no papel que se espera
que a imprensa cumpra em sociedades abertas e democráticas.
Talvez, estes dados nos ajudem a
perceber aquilo que para quem acompanhe diariamente a imprensa portuguesa se
torna razoavelmente claro, a existência de agendas e critérios editoriais, uns
mais explícitos, outros mais dissimulados, mas evidentes, que constroem
narrativas em que o jornalista mal pago, com um lugar precário e pressionado é
apenas um peão executivo.
Não é de agora, mas este quadro
agrava a natureza da relação dos poderes, designadamente do poder político, com
a comunicação social que tem algumas particularidades interessantes.
Se estivermos atentos, reparamos
como todos se procuram servir da comunicação social para a defesa dos seus
interesses pessoais, partidários, institucionais, económicos, etc. Nada de
novo, sabemos o peso que a comunicação social tem nas sociedades actuais e nos
últimos tempos também temos tido sucessivos episódios ilustrativos dessas
nebulosas relações.
Nesta matéria, para além das
consequências óbvias destes comportamentos, parece-me particularmente irritante
a forma quase infantil, está um pouco na moda este tipo de infeliz comparação,
mas não resisto, como algumas figuras reagem ao ser abordadas pela imprensa
sobre assuntos sobre os quais, por várias razões, não lhes interessa discorrer.
Surgem então as afirmações patéticas, “não tenho nada a acrescentar”,
“desculpem, não comento”, “não estou aqui para falar dessas matérias,” “no
estrangeiro não comento questões nacionais”, etc., etc. Este pessoal desenvolve
assim uma espécie de surdez selectiva, só ouve o que lhe convém, de mutismo
selectivo, só fala do que lhe convém, de cognição selectiva, só conhece o que
lhe convém.
No entanto, são também estas as
figuras que directamente ou através de terceiros, lambem as botas às redacções
e aos jornalistas (quanto mais influentes melhor) e pedem, exigem, tempo de
antena quando tal serve os seus diferentes interesses. Por outro lado, é também
patético e preocupante assistir ao trânsito entre redacções e lugares de
assessoria e em gabinetes políticos numa promiscuidade que mina a solidez ética
da classe.
Parece-me ainda preocupante o
peso que na imprensa assumem os “comentadores”, ocupam mais espaço que as notícias,
vendem agendas, mascaram-se de jornalistas quando, na sua maioria, mais não são
que “papagaios” dos poderes ou dos aspirantes a poderes.
Para combater este pântano seria
necessária uma imprensa forte, não proletarizada e precária que pudesse cumprir
a sua imprescindível função.
A imprescindível sobrevivência da
imprensa, da boa imprensa, para além da qualidade e competência do seu próprio
trabalho, também se garante na escola, nos hábitos de leitura, na educação, na
cidadania.
Sem comentários:
Enviar um comentário