A propósito de uma peça interessante, “Os pais, os filhos e o desporto” de José Manuel Meirim no Público uma notas que não se circunscrevem apenas ao conteúdo da peça.
É com demasiada frequência que se
conhecem episódios de violência no âmbito da prática desportiva envolvendo os
escalões mais novos, designadamente no futebol, uma paixão que me acompanha
desde miúdo e que me incomoda ver assim maltratado.
Parece claro que os sucessivos
incidentes não serão alheios ao clima explosivo que se tem vindo a instalar,
aliás, com a prestimosa e esforçada colaboração de dirigentes e “comentadores”,
promovendo o risco cada vez maior de violência e agressão e acabando
definitivamente com a velha fórmula do desporto como escola de virtudes.
Torna-se cada vez mais difícil sustentar que assim é, embora continue, obviamente,
a acreditar que assim pode ser.
Por outro lado, é apenas uma
questão de escala, trata-se de mais um retrato de como feias estão as relações
entre as pessoas, comunidades ou países.
Na verdade, a forma negativa como
alguns pais se comportam quando assistem à prática desportiva dos filhos seja
em treino, seja em competição. Assisti a episódios deploráveis. Estamos a falar
de desporto e praticado por crianças ou jovens. Lamentavelmente, será o espelho
de um quadro de valores instalado.
No entanto e sendo isto verdade,
é importante também dizer que ainda hoje é o empenho e o voluntarismo de muitos
pais que permitem que muitas crianças pratiquem algum desporto em clubes e
estruturas muito pequenas e com meios e recursos insuficientes.
Ainda sobre a forma como alguns
pais se relacionam com os filhos a propósito da prática desportiva deixo uma
cena a que também assisti e que também aqui divulguei que parece elucidativa de
uma atitude muito generalizada, infelizmente.
Actores secundários - A mãe que
entre chamadas no telemóvel grita incentivos para o filho
Cenário - uma zona relvada com
dois pinos colocados de forma a simular uma baliza.
Assistentes discretos - o escriba
Guião - O pai ensina o filho a
dar pontapés numa bola de futebol em direcção à baliza dos pinos
Cena e diálogo (reconstruído a
partir de excertos ouvidos pelo escriba)
O pai apontando para uma zona do
pé do miúdo que tem botas de futebol calçadas - Já te disse que é com esta
parte do pé que tens de acertar na bola, vê se tomas atenção.
O miúdo em silêncio faz mais uma
tentativa que não sai muito bem, não acerta na baliza.
O pai - Assim não vale a pena,
não fazes como te digo, tens que estar concentrado, (aqui lembrei-me do
Futre, um homem concentradíssimo e, certamente por isso, um grande jogador).
O filho - Mas eu dei com esta
parte.
O pai - És parvo, se tivesses
dado com essa parte a bola tinha ido para a baliza. Faz outra vez.
O miúdo com um ar completamente
sofredor executa o que em futebolês se chama o gesto técnico e a bola
teimosamente voltou a não sair na direcção desejada.
O pai - Pareces burro, se
queres ser jogador de futebol, tens que te aplicar, (será que o miúdo quer
mesmo ou será o pai que quer viver um sonho que foi dele e que agora cobra no
filho?).
O miúdo, desesperado, sentou-se
no chão com ar de quem espera o fim do jogo.
O pai, irritado, mandou a bola
para longe com um forte pontapé.
O escriba pensou que se o árbitro
tivesse visto, o pai merecia um cartão vermelho por comportamento incorrecto.
É isto.
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