Retomo a referência ao Dia de São Valentim que, para além de tudo o que se desenvolve em torno do romantismo do namoro e da menos romântica dimensão de negócio, tem um inquietante lado B das relações de namoro, a violência nas suas diferentes formas.
Em 2023 a PSP e a GNR receberam,
em média oito queixas diárias relativas a violência em situações de namoro.
Foram recebidas 2860 queixas, 1497 à GNR e 1363 à PSP.
Importa ainda sublinhar que boa
parte dos episódios não são objecto de denúncia pelo que os números serão a
ponta do icebergue. Ambas forças desencadearão, mais uma vez, acções de
sensibilização junto da população mais jovem.
No estudo Estudo Nacional sobre
Violência no Namoro 2024 hoje apresentado e realizado UMAR - União de Mulheres
Alternativa e Resposta e financiado pela Comissão para a Cidadania e Igualdade
de Género envolvendo 6152 jovens entre o 7.º e o 12.º considerando duas
dimensões tem duas dimensões, legitimação e prevalência dos indicadores de violência
apresenta dados inquietantes e em linha com os do ano anterior.
É significativo que 68,1%inda
assim, nota-se um ligeiro aumento na percentagem de jovens que legitimam pelo
menos um tipo de violência, sendo que controlo (54,6%) e violência psicológica
(33,5%) são os mais referidos sendo ainda que 27,9% dos jovens consideram
normal ser insultado numa discussão.
No que respeita a tipos de
violência a que foram sujeitos 63% dos jovens referem a que já estiveram numa
relação em que passaram pelo menos por um tipo de violência.
onde experienciaram pelo menos um
tipo de violência.
Assim, 43% refere a proibição de estar
ou falar com alguma pessoa, 39,9% viveram pelo menos uma forma de violência
psicológica, 20,4% de perseguição, e 18,4% de alguma forma de violência sexual,
nomeadamente serem obrigados a beijar, e 11% sofreram violência física.
São indicadores suficientes para
que nos sintamos apreensivos, são jovens que nos dizem isto.
O que torna a situação ainda mais
complexa é a manutenção sem grandes alterações destes indicadores ao longo dos
anos, incluindo trabalhos com estudantes do ensino superior, o que talvez ajude
a perceber como a violência doméstica parece indomesticável.
Os dados convergem no indiciar do
que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais. Acresce qu,e
como referi, boa parte das situações de abuso não são objecto de queixa.
Este conjunto de dados é
preocupante, gostar não é compatível com maltratar, mas creio que não é
surpreendente, lamentavelmente. Os dados sobre violência doméstica em adultos
que permanece indomesticável deixam perceber a existência de um trajecto pessoal
anterior que suporta os dados muitos trabalhos sobre violência no namoro e que
se mantêm inquietantes. Aliás, nos últimos anos a maioria das queixas de
violência doméstica registadas pela APAV foram de mulheres jovens embora seja
um drama presente em todas as idades.
Os sistemas de valores pessoais
alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e
obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época. De facto, e
reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é criticamente relevante a percentagem
de jovens, incluindo estudantes universitários, que afirmam um entendimento de
normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente significam
relações de abuso e maus-tratos.
Como todos os comportamentos
fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e
convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais,
mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância,
torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e
educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de
comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites
numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes
de protecção e apoio a eventuais vítimas.
Só uma aposta muito forte na
educação, escolar e familiar, pode promover mudanças sustentadas nesta matéria.
É uma aposta que urge e tão importante e sublinha a necessidade óbvia de
matérias desta natureza serem objecto de abordagem na educação escolar sendo
que não terão de o ser de uma forma “disciplinarizada”. Não me parece que haja
outro caminho.
Entretanto e enquanto não muda,
"só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?". Não,
não se pode acreditar.
Retomo como iniciei. Apesar da
natureza e gravidade fora do comum dos dias que vivemos e para os quais não
estávamos preparados, talvez seja de não esquecer questões como estas que
devastam o quotidiano de muita gente.
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