sábado, 30 de junho de 2012

A ESCOLA PODE CONTER CASTIGOS MAS NÃO PODE SER UM CASTIGO

No Calendário Escolar definido pelo MEC consta a possibilidade de que alunos do 4º ano em risco de insucesso prolonguem as suas aulas por três semanas, no que o MEC chama de “acompanhamento extraordinário”, ou seja, os alunos com aproveitamento acabam o trabalho e os “preguiçosos” e “calaceiros” ficam de castigo mais três semaninhas. Parece-me pouco, de pequeno é que se aprende a ter produtividade, a fazer pela vida, de modo que deveriam não ter férias e ir trabalhar prestando serviços à comunidade, é o que essa malandragem merecia.
A medida que certamente merecerá o aplauso de muitos, é populista, vende bem e é coerente com o ideário do Ministro Crato, quando os miúdos não funcionam, castigam-se, ou eles ou os pais. Também é verdade que não merecerá a concordância de alguns, é o meu caso.
Muitas vezes tenho afirmado que às dificuldades dos miúdos, para além da óbvia necessidade de trabalho, é fundamental o apoio, a alunos e a professores. Não basta mais trabalho, mais do mesmo, para que as coisas funcionem bem.
Assim, quando se detectam dificuldades nos miúdos deveriam ser mobilizados recursos de apoio quer a alunos quer a professores, podendo até implicar para o aluno trabalho acrescido mas, dentro do calendário de todos os outros, ou seja, ao longo do ano.
Esperar que o ano acabe, identificar situações de risco e castigar os alunos com mais três semanas de aula é, obviamente mais barato, os professores já não têm os outros alunos e ensinam os “calaceiros”, sendo, portanto, uma notável jogada de manha política, o Ministro Crato aprendeu depressa. Poupa recursos nos apoios educativos que deveriam ser prestados durante o ano e castiga os preguiçosos, algo sempre bem visto.
A escola pode conter castigos mas a escola não pode ser um castigo. Alguns acham que sim, para os filhos dos outros.

MEXAM-SE, PELA VOSSA SAÚDE

A propósito da tomada de posição de um grupo de professores universitários sobre a redução da carga horária atribuída à Educação Física, algumas notas retomadas de textos antigos.
Segundo o último Relatório Health Behaviour in School-aged Children da OMS e dos dados relativos a Portugal, é um dos países envolvidos no estudo, 39 da Europa e América do Norte, que apresenta mais excesso de peso entre a população mais jovem, 5º lugar aos 11 anos, 4º lugar aos 13 e 6º aos 15 anos.
Na verdade, a obesidade infantil afecta um número muito significativo de crianças e adolescentes, assenta fundamentalmente nos estilos de vida dos mais novos de que releva o sedentarismo excessivo e a péssima qualidade genérica ao nível dos hábitos alimentares. É de registar que as escolas têm vindo a fazer um esforço no sentido de aumentar a qualidade alimentar da oferta, o que não parece ser acompanhado pelas famílias, ilustrado pela desproporcionalidade do consumo de água e de refrigerantes no contexto familiar.
Creio ainda de sublinhar que estudos realizados em Portugal mostram que a obesidade infantil é já um problema de saúde pública, implicando, por exemplo, o disparar de casos de diabete tipo II em crianças. Há algum tempo relatei aqui no Atenta Inquietude a cena de um extremoso pai que, ao meu lado, proporcionava a uma criancinha com 8 ou 9 anos um pequeno-almoço composto de três salgados e uma lata de cola. Curiosamente, esse texto despertou algumas reacções vindas, creio, de algumas pessoas que entendem que qualquer discurso ou iniciativa no âmbito dos comportamentos configuram uma intromissão e desrespeito dos direitos individuais.
No entanto, insisto na necessidade de iniciativas e discursos que promovam comportamentos mais saudáveis sobretudo quando se trata de crianças que são obviamente mais vulneráveis e desinformadas.
Dados de há meses apresentados no XIV Congresso Português de Obesidade, referem, sem novidade pois vai ao encontro de outros resultados, que 22.6 % das crianças dos 10 aos 18 anos estão em situação de pré-obesidade e 7.8 % já são obesos.
Sabe-se também que em adultos e sem surpresa os números pioram, 50% dos homens e 30% das mulheres estarão em situação de pré-obesidade ou obesidade.
As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam.
Provavelmente, teremos algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais” mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema.
Além de que todos sabemos que o excesso de peso e os riscos associados não serão, para a esmagadora maioria das miúdos e graúdos nessa situação, uma escolha individual, é algo de que não gostam e sofrem, de diferentes formas, com isso.
Ser o MEC a desvalorizar a prática da Educação Física parece um mau sinal.

DESCRITOR: Compreender as metas curriculares

Num texto de ontem sobre as metas curriculares para o Ensino Básico, colocadas em discussão pelo MEC, sem ler os documentos, alertava para necessidade de que as metas curriculares fossem algo de orientador para o trabalho de alunos e professores, relembrei João dos Santos quando refere a importância, ainda que difícil, de trabalhar em educação de forma simples, e recordei que a anterior equipa do Ministério tinha definido para as seis áreas curriculares do 1º ciclo 225 metas de aprendizagem.
Ao ler os documentos agora disponíveis e centrando-me no 1º ciclo e nas áreas conhecidas, Português e Matemática, fiquei esmagado.
Em Português temos três domínios que no 1º ano se desdobram em 20 objectivos e 81 descritores, no 2º ano em 25 objectivos e 86 descritores, no 3º ano 29 objectivos e 104 descritores e no 4º ano em 31 objectivos e 109 descritores. Em síntese, para os quatro anos do 1º ciclo, em Português, temos 105 objectivos e 380 descritores.
No que respeita à Matemática são definidos 3 domínios que se desdobram como segue. No 1º ano, em 8 sub-domínios, 13 objectivos e 62 descritores, no 2º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 82 descritores, no 3º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 98 descritores e no 4º ano em 6 sub-domínios, 15 objectivos e 81 descritores o que em síntese corresponde a 72 objectivos e 323 descritores para Matemática do 1º ciclo.
Estas duas áreas do currículo, Português e Matemática, envolvem no total 177 objectivos e 703 descritores. Por anos, temos: no 1º ano 33 objectivos e 143 descritores; no 2º, 47 objectivos e 168 descritores; no 3º, 51 objectivos e 202 descritores e no 4º, 46 objectivos e 190 descritores. É obra, uff.
Como também referi, a lógica de elaboração das metas curriculares remete para uma lógica de ano de escolaridade e não de ciclo como prevê a Lei de Bases, ou seja os objectivos são definidos para o ciclo e não para o ano, aliás, os exames, tão caros ao MEC, acontecem exactamente no final de ciclo. Também afirmava, sem conhecer os textos, que estabelecer metas curriculares por ano de escolaridade induz o risco de uma leitura fechada, relembro que serão obrigatórias a partir de 2013/2014, pode levar a que o ensino se transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se, com a realização de exames todos os anos. Aliás, neste contexto é preocupante a afirmação dos autores das metas curriculares, lê-se no Público, de que estas estabelecem o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”. Por curiosidade, dois exemplos de descritores de de Português que deverão ser “formalmente ensinados”, “Apropriar-se de novos vocábulos: reconhecer o significado de um mínimo de 150 novas palavras, relativas a temas do quotidiano, áreas de interesse dos alunos e conhecimento do mundo (exemplos de áreas vocabulares: casa, família, escola, vestuário, profissões, festas, animais, jardim, cidade, campo)” ou “Ler pelo menos 45 de 60 pseudo-palavras (sequências de letras que não têm significado mas que poderiam ser palavras em português) monossilábicas, dissilábicas e trissilábicas (em 4 sessões de 15 pseudo-palavras cada)”.
Este cenário, aplicado a turmas do 1º ciclo, com 26 alunos (os agrupamentos e mega-agrupamentos assim o determinarão em muitos casos), algumas com alunos de diferentes anos de escolaridade, com ritmos e assimetrias nos seus percursos e competências, deixa-me uma imensidade de dúvidas sobre a aplicação das metas curriculares, tal como estão definidas, não esquecendo que ainda faltam as respeitantes às outras áreas do currículo.
Se por acaso algum ou alguns professores do 1º ciclo lerem estas notas, gostava de saber a sua apreciação ao que agora foi definido e está em discussão pública.
Apesar do MEC acenar com a referência aos modelos anglo-saxónicos como selo de qualidade, o que está longe de acontecer, devo confessar que estou apreensivo.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

SONHO

Ele ouvia-os tranquilamente. Na posição em que estava não podia ver muito bem as caras mas algumas vozes até identificava.
Era um gajo porreiro, dizia o Silva para o Lopes que acrescentou, mesmo simpático. O João, pareceu-lhe pela voz, dizia, não percebeu a quem, colega como ele nunca tive.
E tão divertido que era, dizia a D. Júlia, ninguém ficava aborrecido ao pé dele. Era um exemplo de trabalhador disse alguém que ele não conhecia.
Uma senhora com ar inspectivo olhou para ele e comentou para uma outra que a acompanhava, era um homem novo e bem-parecido.
O Chefe, que também apareceu, contava para o Lopes e para a D. Júlia como eram animadas as conversas que tinha com ele, para além do serviço. Conseguiu ainda perceber a voz do Manel, o cunhado, com quem sempre discutia e se desentendia, a afirmar para alguém, éramos como irmãos.
Até o Francisco, um tipo que ele não via há anos, comentava os tempos de convívio que tinham passado juntos e de que ele, francamente, não se lembrava. Entretanto, devagarinho, as vozes foram ficando mais longe, imperceptíveis, e ele adormeceu.
Sonhou que ainda estava vivo.

O ESTADO SOCIAL ACAUTELADO

Na primeira página do DN lê-se que "Estado vai assumir dívidas de Duarte Lima e de Vítor Baía a BPN".
Na primeira página do CM encontra-se, "Fisco perdoa luvas dos submarinos".
Devo confessar que fiquei satisfeito com a leitura das duas peças jornalísticas. Contrariamente ao que algumas vozes maldicentes e alarmistas clamam em discursos apressados e catastrofistas, o Governo continua a preservar o Estado Social.
 De facto, apesar de vivermos numa época de contenção e de, porque não dizê-lo, de alguma austeridade, que as mesmas vozes entendem excessiva mas que, como muito bem sabem, é tão necessária para a equilibrar as contas, o Governo assume corajosamente a defesa dos desprotegidos e assume apoios de carácter social para com cidadãos em dificuldades na satisfação dos seus compromissos.
Bem haja caros governantes, por mais um exemplo de solidariedade e generosidade que tanta falta fazem nestes conturbados tempos.

METAS CURRICULARES. Algumas notas

O MEC vai colocar em discussão pública a anunciada revisão das metas curriculares. Não sendo um especialista em questões curriculares e não se conhecendo, eu não conheço, os conteúdos definido, algumas notas sobre esta matéria.
Em primeiro lugar, chamar atenção para algo que aprendi com o Mestre João dos Santos,  a quem tarda uma homenagem com significado nacional e citando de memória, em "educação o difícil é trabalhar de forma simples", é mais fácil complicar mas, obviamente, menos eficaz, menos produtivo e muito mais desgastante.
Vem esta nota a propósito do que já se conhece sobre a orientação do MEC. Consideremos as "metas de aprendizagem" fixadas pela anterior equipa do Ministério. Para as seis áreas do 1º ciclo foram definidas 225 metas de aprendizagem assim distribuídas, Língua Portuguesa - 117; Estudo do Meio - 32; Expressão e Educação Físico-motora - 3; Matemática - 37; Expressões Artísticas - 32 e Tecnologias de Informação e Comunicação - 4, o que dá o total, como disse, de 225 metas de aprendizagem. Por curiosidade, para o 2º ciclo foram definidas, considerando o Inglês e mais uma Língua Estrangeira, 207 metas de aprendizagem. A este quadro acrescia a definição de metas intermédias, no caso do 1º ciclo temos até ao 2º ano e até ao 4º ano, uma enormidade de metas.
Conforme noticia o Público, citando a Associação de Professores de Português o documento para esta disciplina tem 60 páginas. Não sou especialista em questões curriculares mas existe gente competente e de bom senso capaz de elaborar em tempo útil um currículo ajustado, actualizado e que vá ao encontro das aprendizagens e definindo de fora ágil e clara as competências e saberes essenciais para ciclo de escolaridade. Parece-me que também nesta matéria, conteúdos curriculares, seria bom não esquecer João dos Santos, desliguem o “complicómetro”, e lembrem-se que apesar de mais difíceis de conseguir, as coisas simples são as mais eficazes. Basta atentar na carga burocrática a que as escolas e os professores estão sujeitos e bem se percebe a necessidade de se simplificar.
O MEC refere, presumo como chancela de qualidade, que as metas curriculares colocadas em discussão radicam no modelo de standards e core standards seguido no Reino Unido e nos EUA. Os mais atentos a estas matérias sabem que a origem não garante, só por si, nenhum selo de qualidade dadas as características e problemas que os sistemas educativos quer do Reino Unido, quer dos EUA atravessam. Uma nota lateral para lamentar que o MEC não se tenha também inspirado no movimento actual dos EUA e do Reino Unido de contrariar as grandes escolas, e não prosseguir a sua política de mega-agrupamentos.
Uma última referência ainda para a lógica de elaboração das metas curriculares. Como bem sublinha a Associação dos Professores de Matemática e conforme a Lei de Bases ainda em vigor, o nosso sistema prevê uma lógica de ciclo no ensino básico e não uma lógica de ano de escolaridade. Quer isto dizer que os objectivos são definidos para o ciclo e não para o ano, aliás, os exames, tão caros ao MEC, acontecem exactamente no final de ciclo.
A tentação de estabelecer metas curriculares por ano de escolaridade, correndo o risco de uma leitura fechada, relembro que serão obrigatórias a partir de 2013/2014, pode levar a que o ensino se transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se, com a realização de exames todos os anos.
Para além da necessidade de uma mais consistente revisão curricular, parece-me clara a pertinência da definição de orientações em matéria de gestão curricular, mas um excesso de normalização pode fazer parte do problema e não um contributo para a solução.

NOTA BIOGRÁFICA

Nome: Um Número
Idade: 32
Habilitações Académicas: Licenciatura em Gestão Integrada de Contextos Profissionais; Pós-graduação em Promoção de Oportunidades
Morada: Casa dos pais
Profissão: Procurador de emprego
Experiência profissional: Funcionário de Call-center; Empregado de Balcão em grandes superfícies comerciais
Competências adquiridas: Elaboração diversificada de currículos; Ocupação criativa dos  tempos de espera em filas do Centro de Emprego; Preparação de entrevistas de emprego; Técnicas de sobrevivência e adaptação
Projecto a curto prazo: Encontrar alguma forma de subsistência que não a generosidade familiar.
Projecto a médio prazo: Um trabalho na área de qualificação
Projecto a longo prazo: Uma vida decente
Projecto quase perdido: Esperança

quinta-feira, 28 de junho de 2012

AS MINORIAS SÓ ATRAPALHAM

No Público de hoje relata-se mais um caso de um indivíduo homossexual, estudante de medicina,  que por assumir essa condição foi impedido de ser dador de sangue.
Nada de novo, em 2010 foi também relatada a situação de alguém que apesar dos exames atestarem a possibilidade de doar sangue, ao assumir a orientação homossexual ficou também impedido de o fazer.
A lei mantém-se com a ambígua, por assim dizer, justificação de no inquérito prévio se tentar perceber a existência de comportamentos de risco. Para além da ineficácia e discriminação o mais hipócrita é que se alguém não declarar ser homossexual pode, estando nas condições físicas exigidas, ser dador de sangue. Qualquer cidadão, independentemente da orientação sexual, pode assumir comportamentos de risco e omiti-los.
Sabemos todos como as discussões em torno das questões da orientação sexual e das implicações sociais são crispadas pela contaminação que sofrem advinda do quadro de valores dominantes ou dos intervenientes, veja-se as questões sobre o casamento gay ou a adopção de crianças por casais de homossexuais. No entanto, apesar da enorme latitude de discursos que se produzem neste universo, parece no mínimo estranha e indefensável uma atitude deste tipo inscrita nos procedimentos do Ministério da Saúde.
Este episódio remete-me para um acontecimento que alguns recordarão, no início de 2011 dois serviços do Ministério da Educação recusaram apoiar a distribuição pelas escolas de material produzido no âmbito do Programa Inclusão apoiado e financiado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. Estes materiais destinavam-se a apoiar uma campanha de combate a atitudes e comportamentos discriminatórios relativamente à orientação sexual.
A justificação, para que a Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular e o Núcleo de Educação para a Saúde, Acção Social e Apoios Educativos recusasse o apoio a uma iniciativa que conta com o apoio de outra estrutura pública, foi o "cariz ideológico" das matérias.
Esta questão dos valores traduz-se num estudo, creio que de 2009, do Instituto de Ciências Sociais da Univ. de Lisboa revelando que 70% dos inquiridos considerava “erradas” as relações homossexuais. Mesmo entre os mais novos a reprovação nunca desceu abaixo de 53%. Como referência, em França 80% dos jovens inquiridos sobre a mesma questão aceitam essas relações.
As questões que afectam as minorias, muitas vezes acomodadas em diferenças ideológicas, seja isso o que for, remetem sobretudo para matéria de direitos e de natureza civilizacional. 

O FECHAMENTO

Fecham-se maternidades pois existem demasiadas salas de parto sem qualidade e há que ser bem acolhido quando se chega ao mundo.
Fecham-se escolas pois parece que temos alunos a menos, professores a mais e há que racionalizar uma vez que, como bem sabemos, tudo o que nos rodeia é racionalmente organizado.
Fecham-se os miúdos na “escola a tempo inteiro”, irão intoxicar-se até ficarem “agarrados”.
Fecham-se os adolescentes dentro de um ecrã pois assim não andam com “más companhias”.
Fecham-se cursos pois parecem não ter saídas profissionais e só se “deve estudar o que faz falta”.
Fecham-se empresas pois falta a produtividade e qualificação que, como se sabe, abundam nos explorados dos “mercados emergentes”.
Fecham-se urgências e serviços de saúde pois, se andarmos um bocadinho mais, ficaremos um bocadinho melhores.
Fecham-se aldeias pois há que promover desenvolvimento sustentado e com economia de custos.
Fecham-se tribunais em nome de uma justiça que de tão injusta envergonha.
Fecham-se os espaços habitacionais urbanos abertos pois os condomínios fechados promovem qualidade de vida.
Fecham-se as pequenas queijarias e outras actividades do mesmo tipo pois temos que proteger a saúde do consumidor e, por isso, só comemos uma comida que é tão boa que nem o bicho lhe pega, como dizemos no Alentejo.
Fecha-se o pequeno comércio pois o que nós precisamos é de comprar tudo no mesmo local e encostado ao carro, e não de ouvir “Bom dia, tá bom Sr. Zé e a família? Então o nosso Benfica lá ganhou!”
Fecham-se os velhos nos lares pois sempre ficam ajuntadamente sós.
Fecham-se os olhos ao sofrimento dos outros. O outro ganhou uma estranha transparência, não o vemos e também… “já me chega a minha vida”.
Fecha-se a boca em vez de dizer pois… “adianta alguma coisa?
Fecha-se a cabeça ao pensamento pois “Deus por escárnio deu-me a inteligência” algo que só serve para nos incomodar.
Finalmente, alguém nos fecha numa memória. Esperamos.

CHUMBOS NO SECUNDÁRIO. E AGORA?

O MEC revelou dados relativos à finalização do ensino secundário no ano lectivo 2010/2011. Relativamente a 2009, o insucesso subiu quer nos cursos científico-humanísticos, os que geralmente são escolhidos por quem quer aceder ao ensino superior, quer nos cursos profissionais que ainda são escolhidos sobretudo por alunos com mais baixo rendimento escolar. No 12º desceu de 66.8% para 63.2% o número de alunos que o concluíram e nos cursos profissionais de 75.7% para 70.2%. No Público refere-se que a maior dificuldade dos exames de Matemática explicarão o aumento do insucesso, explicação que não me convence, não porque não possa acontecer, mas porque a dificuldade dos exames passou a ser um instrumento de gestão política retirando-lhe credibilidade como ferramenta de análise e defesa da qualidade.
Na verdade, o que me parece mesmo preocupante é o que estes resultados podem significar e implicar em termos de futuro para estes jovens.
Considerando dados da União Europeia relativamente ao abandono escolar, sendo certo que em Portugal diminuiu a taxa de abandono, temos que em 2009 a média da UE a 27 era de 14.4 % e em Portugal 31.2 %. Segundo o INE, em 2010 o abandono continuou a cair mas é ainda de 28,7 %, ou seja, o dobro da média em europeia. Tal indicador vem mostrar o que sempre afirmo, não somos um país de “doutores”, ideia falsa vendida até à exaustão por uma opinião publicada ignorante e apoiada em alguma comunicação social mais negligente.
Como muito frequentemente afirmo, o abandono escolar será a primeira etapa da exclusão social. Nesta perspectiva, o combate ao abandono deve, tem de, ser um eixo central na política educativa. A eficácia nesta tentativa de baixar os níveis de abandono passa necessariamente pela diversificação dos percursos de educação e formação, o que habitualmente se designa por oferta educativa.
Deve sublinhar-se que têm sido realizados progressos bastante significativos na diversificação desta oferta embora, muitas vezes, as alternativas disponibilizadas sejam percebidas pelos alunos e pelas famílias como “formação de segunda”. Algumas escolas têm práticas que alimentam esta percepção, na medida em que canalizam preferencialmente os “maus alunos” para formação “alternativa” e com níveis de insucesso elevados.
Na verdade, o que é absolutamente central é que os jovens ao sair do sistema se encontrem equipados com qualificação profissional, quer ao nível do ensino secundário, quer ao nível do ensino superior, que com o trabalho no âmbito do ensino politécnico tem condições para processos de qualificação mais curtos e mais diversificados.
Neste contexto, parece essencial que sejam acauteladas as iniciativas que combatam o abandono desde que, evidentemente, a sua avaliação revele a qualidade necessária e não mais uma fonte de desperdício ou um programa inócuo para cumprir estatísticas.
Segundo dados do INE de há meses, 314 000 jovens não estudam nem trabalham, a designada situação “nem nem”. Estes números, atendendo à dimensão do país são absolutamente dramáticos. Temo que uma boa parte dos jovens com insucesso na finalização do secundário possam engrossar esta imensa minoria, hipotecando o futuro.

O ATESTADOZINHO

Segundo o Relatório da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde relativo a 2011, existem "fortes indícios" de que, quer em estruturas do SNS, quer em estruturas clínicas convencionadas, sejam produzidos atestados médicos "sem evidência de acto/contacto clínico, omissão que pode, eventualmente, sugerir a emissão de atestados de complacência”.
Com alguma regularidade surgem na imprensa referências a esta prática, tão nossa, tão familiar, o recurso ao "atestadozinho" que certifique incapacidade temporária para trabalhar.
Creio que todos temos uma percepção clara de que a utilização da baixa é apenas mais um dos muitos "esquemas" em que vivemos mergulhados. A baixa permite o biscate que compõe orçamentos familiares, liberta uns diazinhos de descanso, etc., e, é bom que se diga, trata-se de um fenómeno que atravessa várias estratos sociais.
Há alguns meses noticiava-se a existências de milhares de casos de baixa médica que não resistiram a uma acção de fiscalização, trata-se da cultura instalada e da relação ética com o trabalho, trata-se do "porreirismo" e, finalmente, da impunidade e bonomia laxista com que tudo isto é encarado.
Por outro lado, apesar da dificuldade dos clínicos na avaliação de sintomas eventualmente impeditivos de trabalho, também todos conhecemos casos, muitos casos, de baixa consciência deontológica, para ser simpático, de médicos que de forma leviana assinam baixas médicas com a maior das facilidades. Em muitos locais se conhecem uns "doutores" a quem recorrer para arranjar um "atestadozinho".
No final do ano passado a Ordem dos Médicos anunciou a intenção de apresentar uma proposta ao Ministério da Saúde no sentido de dispensar a exigência de atestado médico impeditivo de trabalho em algumas circunstâncias clínicas, como casos de gripe ou enxaquecas. A proposta radicava, de forma sintética em duas ordens de razões, a sobrecarga dos serviços com estes pedidos e a dificuldade que em alguns quadros clínicos o próprio médico terá em atestar a impossibilidade de trabalho. Assim, a proposta da Ordem remete para responsabilidade do cidadão ou seja, para sua consciência ética e deontológica, bem como dos próprios clínicos. É aqui que, do meu ponto de vista reside a questão.
 Eu ainda gostava de viver num tempo em que a proposta da Ordem dos Médicos no sentido do cidadão avaliar as suas próprias condições para trabalhar, fosse a regra e aceite sem desconfiança. No entanto, como sempre afirmo, a realidade não é a projecção dos meus desejos.

A MINHA BOLA DE CAUTCHU

A decepção de, como se diz em futebolês, termos "morrido na praia" e o gosto enorme por essa coisa mágica que se chama futebol, deixaram-me, entre a reparação e a nostalgia, a olhar para dentro.
Com uma ponta de saudade comecei a lembrar-me, não sei dizer porquê, dos meus tempos de escola primária e da minha grande paixão dessa época, a bola de futebol.
Não era fácil para a maioria de nós termos bolas de futebol a sério, na maioria das vezes jogávamos com a velha bola de trapos. A partir de certa altura começaram a aparecer uns cromos que vinham nuns rebuçados, intragáveis de tanto doce, que a D. Maria vendia no seu lugar, a lojinha onde comprávamos quase tudo, ainda não se tinham inventado as grande superfícies comerciais.  No fundo da lata dos rebuçados dos cromos, estava sempre colado um, que seria o último rebuçado a ser vendido e que dava direito a uma bola de futebol feita em cautchu, algo de inovador e inacessível à compra directa pela maioria de nós.
Quando a vigilância apertada sobre a venda de rebuçados pela D. Maria do Lugar sugeria que se estava perto do fim da lata, pegávamos nas economias que íamos fazendo com a venda no ferro-velho de algum cobre e latão que juntávamos e íamos em grupo “arrematar” a lata, isto é comprar todos os rebuçados que ainda estavam na lata e aceder, assim, à bola de cautchu.
A bola ficava cada dia em casa de um de nós. Quando chegava a minha vez ela dormia ao lado da minha almofada. E eu sonhava a noite toda com a “minha” bola de cautchu. Foram uns tempos tão bonitos.
Marquei golos fantásticos nos melhores campos do mundo. Até cheguei a jogar no campo do Real Madrid, onde marquei um golo depois de fintar a equipa adversária quase toda. Lembro-me tão bem, o Puskas abraça-me e diz-me “boa miúdo”. E aquela gente toda a aplaudir. Nestes sonhos que a minha bola de cautchu me proporcionava só não gostava da forma como quase sempre acabavam, a voz do meu pai a avisar-me, à saída para o trabalho, para me levantar para ir para a escola, com a minha bola de cautchu debaixo do braço, é claro, Ninguém entrava na escola tão bem acompanhado como eu.
Já estou melhor, amanhã é outro dia, mais um, antes do próximo, de um tempo que queremos ver passado depressa.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

A ÉTICA EM SERVIÇOS MÍNIMOS

O episódio que envolve o Deputado Ricardo Rodrigues poderia ser um "fait-divers" se não fosse um bom exemplo dos padrões éticos que informam boa parte dos comportamentos e discursos das nossas elites, considerando à cabeça a elite política.
Como é sabido, durante uma entrevista realizada por jornalistas da Sábado, o Deputado Rodrigues sentiu-se mal tratado e roubou, isso mesmo, roubou os gravadores. Como sabem é normal, a comunicação social faz-nos umas perguntas, não gostamos e pumba ... roubamos-lhe o material de gravação, não há mais perguntas e respostas para ninguém. Teve sorte o Deputado Rodrigues, se a entrevista fosse para uma estação televisiva, lá teria ele de carregar câmaras, luzes, micros, enfim, uma trabalheira.
A justificação do Deputado Rodrigues para o roubo, defender o seu bom nome, é patética.
Entretanto, já depois deste episódio e sem estranheza, estamos em Portugal, o Deputado Rodrigues foi nomeado para o Conselho Geral do Centro de Estudos Judiciários, e integra, actualmente, a Comissão Parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, na condição de suplente. Devo confessar que estas funções me parecem notavelmente adequadas e certamente configuram um prémio de carreira.
Bom, o caso chegou a Tribunal e o Deputado Rodrigues, foi condenado, a sério, foi condenado a uma multa. É claro que vai recorrer e, portanto, não se sabe como a coisa acaba.
Notícias de hoje dão conta da suspensão, a seu pedido, das funções de vice-presidente do grupo parlamentar do PS, das funções no CEJ e do lugar de suplente no Conselho Superior de Informações, até trânsito em julgado da sentença agora conhecida.
Depois da escandalosa exibição da ERC no caso entre o Ministro Relvas e o Público em que a ética desceu ao gau zero, o Deputado Rodrigues, consegue, para já, veremos os desenvolvimentos, assegurar os serviços mínimos em termos éticos.
Várias vezes aqui tenho referido os danos devastadores que causam à saúde da nossa vida cívica e política os comportamentos de muitos representantes da nossa classe política. Nem todos esses comportamentos podem ser considerados ilegais, mas muitos são certamente imorais e verdadeiros atentados à ética.
Acontece que, mesmo quando os comportamentos configuram ilicitude, as condenações são raras e um manto de suave esbatimento desce sobre os envolvidos que, frequentemente, são premiados com novas colocações de que a partidocracia se alimenta e alimenta.
No plano ético o despudor está de tal modo instalado que muita gente assume com a maior desfaçatez discursos e comportamentos que verdadeiramente nos insultam, aparecendo depois com desculpas absolutamente patéticas, escudados em armadilhas legais, quando não com extrema arrogância defendendo a impossível bondade dos seus actos.
Esperemos pelo próximo capítulo.

O SONHO OU O PRAGMATISMO

Hoje alguém trouxe para a conversa uma questão que certamente se colocará a muitos jovens nas próximas semanas, que curso escolher e com que critério, em caso de dúvidas. Os jovens deverão seguir a sua motivação e interesse, ou a escolha deve obedecer ao que se conhece do mercado de trabalho, isto é, nível de empregabilidade e saída profissional?
Para muitos de nós, provavelmente, a resposta será fácil, seja num sentido ou no outro. Alguns dirão que cada jovem deve, obviamente, seguir o seu desejo, o seu gosto, só assim se realizará. Ideia romântica e sem noção da realidade que corre o sério risco de desembocar no desemprego, dirão outros para os quais a escolha deve ser racional, pragmática, realista, o jovem deve procurar uma formação que lhe garanta, tanto quanto possível, saída profissional e para isso deve "estudar" o mercado e assim proceder à escolha. Os primeiros acharão que este entendimento pode levar a um risco de frustração e desencanto que podem instalar-se em quem "faz o que não gosta".
Na verdade não será fácil a escolha para muitos jovens a que acresce, frequentemente, a pressão familiar ou de outras pessoas para a "escolha acertada".
Algumas notas que muitas vezes partilho com jovens e pais sobre estas questões. Em primeiro lugar registar que é fundamental buscar formação, sem ela tudo será mais difícil.
Dito isto, sou dos que entendem que cada um de nós deve poder escrever, tanto quanto as circunstâncias o permitirem, a sua narrativa, cumprir o seu sonho. Por outro lado, a vida também nos ensina que é preciso estar atento aos contextos e às condições que os influenciam, sabendo ainda a volatilidade e rapidez com que hoje em dia a vida acontece.
Nesta perspectiva, parece-me importante que um jovem, sabendo o que a sua escolha representa, ou pode representar, nas actuais, sublinho actuais, condições do mercado de trabalho, faça a sua escolha assente na sua motivação ou no projecto de vida que gostava de viver.
Finalmente, do meu ponto de vista, boa parte da questão da empregabilidade, mesmo em situações de maior constrangimento, relativiza-se à competência, este é o ponto fulcral.
Na verdade, o que frequentemente me inquieta é a ligeireza com que algumas pessoas parecem encarar a sua formação superior, assumindo logo aqui uma atitude pouco "profissional", cumprem-se os serviços mínimos e depois logo se vê. Mesmo em áreas de mais baixa empregabilidade, ou assim entendida, continuo a acreditar que, apesar dos maus exemplos que todos conhecemos, a competência e a qualidade da formação e preparação para o desempenho profissional, são a melhor ferramenta para entrar nesse "longínquo" mercado de trabalho.
Dito de outra maneira, maus profissionais terão sempre mais dificuldades, esteja o mercado mais aberto ou mais fechado.

terça-feira, 26 de junho de 2012

PELA NOSSA SAÚDE

Foi hoje divulgado o Relatório Anual sobre o Acesso aos Cuidados de Saúde. Do relatório releva algo que muitos de nós já experimentámos, o incumprimento dos tempos de espera por consultas e cirurgias.
De 2010 para 2011, mais hospitais deixaram de conseguir cumprir os tempos de espera previstos na lei. Na prática isto quer dizer que em mais hospitais a espera por consultas muito prioritárias, prioritárias e normais, bem como as cirurgias urgentes e programadas se fizeram em prazos acima do que está estabelecido.
O Ministro da Saúde tem afirmado que nos hospitais portugueses existem 1000 especialistas em excesso, o que parece estranho face ao aumento dos tempos de espera pelas consultas e cirurgias.
Muitos especialistas do universo da saúde têm vindo a alertar para os constrangimentos que se começam a verificar no acesso aos cuidados de saúde para boa parte da população. O Director da Escola Nacional de Saúde Pública já se referiu ao enorme risco, para algumas pessoas será mais do que um risco, será uma certeza, de situações de ausência de consulta ou tratamento por falta de condições financeiras, quer no que respeita aos serviços, quer por dificuldades das próprias pessoas.
Por outro lado, quando tanto se fala no estado social, nos limites desse estado, a privatização de serviços, por exemplo na saúde, é fundamental perceber e entender que a comunidade tem sempre a responsabilidade ética de garantir a acessibilidade de toda a gente aos cuidados básicos de saúde. Os tempos que atravessamos criando obstáculos ao acesso aos serviços de saúde são ameaçadores. Como afirma Michael Marmot, que recentemente esteve em Portugal, todas as políticas podem, ou devem, ser avaliadas pelos seus impactos na saúde.
Talvez a ideia do "custe o que custar" seja de repensar, pela nossa saúde. Seria desejável que o Ministério da Saúde e as políticas de saúde não fossem prejudiciais para a nossa ... saúde.

PROFESSORES A MAIS. Será?

A notícia do Público sobre o abandono de 23 000 professores do quadro nos últimos três anos e o acréscimo de quase 20 000 docentes contratados, sugere um caminho de precarização que não parece desejável e eficaz.
A questão do número de professores necessário ao funcionamento do sistema é uma matéria bastante complexa.
Existem muitos professores deslocados de funções docentes, boa parte em funções técnicas e administrativas que em muitos casos seriam dispensáveis pois fazem parte de estruturas do Ministério pesadas, burocráticas e ineficazes que, aliás, o ministro Nuno Crato achou que deveriam implodir. Para já, o risco de implosão ameaça mais a escola pública que o Ministério, a ver vamos.
Por outro lado, os modelos de organização e funcionamento das escolas com uma série infindável de estruturas intermédias e com um excesso insuportável de burocratização retira muitas horas docentes ao trabalho dos professores que estão nas escolas.
Importa também não esquecer o enviesamento que por demissão da tutela se tem verificado na oferta relativa à formação de professores produzindo assimetrias donde decorrem a falta ou o excesso de recursos em diferentes áreas. Registe-se que este ano as instituições de ensino superior receberam orientação para diminuir a oferta na formação de docentes.
O processo em muitos casos justificado de encerramento de escolas, do 1º ciclo, e de criação dos insustentáveis mega-agrupamentos tem também contribuído para fazer decrescer os professores em funções pois, na maioria das vezes, verifica-se um aumento de alunos por turma, agora estabelecido legalmente que, obviamente, não servirá a qualidade e dispensará professores.
Finalmente e sem pretender ser exaustivo, também é de considerar a própria oscilação da demografia escolar, para além da pressão brutal para a redução de custos com as consequências a que vamos assistindo.
Este quadro promove, naturalmente, um problema de absorção de muitos docentes, já no sistema e que correm o risco de passar a horários zero, bem como na estabilização dos que se mantêm contatados por anos por conta das eternas necessidades transitórias ou ainda na entrada de novos docentes.
O Ministro referiu há tempos referiu na AR o previsível aumento de professores sem trabalho que ainda não seria possível quantificar.
Face a este quadro, julgo que faria sentido que os recursos que já estão no sistema, pelo menos esses e incluindo os contratados com muitos anos de experiência, fossem aproveitados em trabalho de parceria pedagógica, que se permitisse a existência em escolas mais problemáticas de menos alunos por turma ou ainda que se utilizassem em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades.
Os estudos e as boas práticas mostram que a presença de dois professores na sala de aula são um excelente contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos.
Sendo exactamente estes os dois problemas que afectam os nossos alunos, talvez o investimento resultante da presença de dois docentes ou de mais apoios aos alunos, compense os custos posteriores com o insucesso, as medidas remediativas ou, no fim da linha, a exclusão, com todas as consequências conhecidas.
É só fazer contas. E nisso o Ministro Nuno Crato é especialista.

A INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. De novo e sempre

Na imprensa de hoje é referido o Relatório do Observatório de Mulheres Assassinadas relativo a 2011. Registaram-se 27 mortes em contextos de violência doméstica, um número menor que o de 2010, 43 casos, e contabilizam-se 4 queixas de violência doméstica por hora apresentadas às autoridades. Segundo o último Relatório Anual de Segurança Interna, verificou-se um decréscimo de participações de casos de violência doméstica embora na UMAR, União das Mulheres Alternativa e Resposta, os pedidos de apoio tenham subido 20%. Parece acentuar-se a desconfiança face ao sistema de justiça, apenas 10 a 15 % recorrem ao apoio e muitas pessoas afirmam que queixas anteriores foram inconsequentes. Do total de inquéritos instaurados apenas 20% chegam a julgamento que, com frequência, terminam com condenações. Quando se verificam condenações a maioria é a pena suspensa, veja-se que de 58 sentenças em processos-crime por violência doméstica relatadas à DGAI no primeiro trimestre de 2011, 52 por cento foram absolvições e 48 por cento condenações. Das condenações, apenas 6% merecem pena de prisão efectiva.
No entanto, de acordo ainda com o Relatório da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima sobre 2011, o número de casos reportados de violência doméstica continua aumentar sendo ainda de registar um aumento muito significativo mais de 50% de denúncias realizadas por homens.
Por diferentes ordens de razões e embora a realidade se vá modificando lentamente, veja-se o aumento de denúncias por parte dos homens, parece assumir-se ainda uma espécie de fatalidade face à tolerância do crime de violência doméstica dirigida às mulheres, mas não só, provavelmente. Esta tolerância relativiza-se à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece ainda com alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”.
O quadro é dramático mas não surpreende. Um dos mais devastadores efeitos da situação da nossa justiça é a instalação de um sentimento de impunidade generalizado com consequências incalculáveis. Este é o tipo de mensagem que a justiça não pode passar. No entanto, segundo o Observatório das Mulheres Assassinadas, pode constatar-se alguma maior celeridade e preocupação do sistema de justiça com estes casos, embora tal observação não possa ser estendida ao universo global da violência doméstica.
Este sentimento de impunidade está instalado em todas as áreas da criminalidade, não apenas nas situações de violência doméstica. Atente-se em quantos casos de corrupção acabam em condenações a prisão efectiva. Atente-se no tempo e nos expedientes que os processos sofrem, acabando muitas vezes em prescrições ou em penas ridículas. Atente-se nos efeitos de algumas alterações do código penal que permitem que um indivíduo comprovadamente autor de um crime susceptível de pena de prisão, possa ser imediatamente solto e aguardar, se aguardar, o julgamento que demorará um tempo infindo enquanto se mantém em actividade.
Atente-se no comportamento despudorado de muitas das nossas lideranças políticas e partidárias com comportamentos de compadrio, tráfico de influências, distribuição de lugares pelas clientelas, etc.
De facto, tragicamente, temos que concluir que não é estranho o número muito baixo de detidos e condenados por violência doméstica face ao volume de situações que na realidade ocorrem.

UM CALOR ASSIM

Estes dias muito quentes, lembram-me como um Sol assim poderia ajudar alguns miúdos que, tal como as suas vidas, se transformaram num bloco de gelo.
De como nesses miúdos, quais icebergs, a sua parte mais visível é a agitação, a inquietação, a violência e uma desesperança que leva a lugar nenhum ou, às vezes, a lugares donde se não volta.
Provavelmente, esta agitação, a adrenalina dos limites, transformar o mal sentir no mal fazer é a busca de um calor, o movimento aquece,  onde se queimem e exorcizem as bruxas,  as fadas más que, por negligência, incompetência, destino ou má-sorte, lhes  tecem uma vida, sem vida, de sentido único. Sem sentido.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

AUSTERIDADE NA AUSTERIDADE. Por favor

De forma curiosa, nas referências do discurso político à "austeridade" tem vindo a notar-se uma inflexão interessante, centram-se agora na hipótese de termos mais "austeridade", ou não.
O Presidente da República, na austera gestão das suas intervenções, afirmou que não é possível impor mais austeridade, enquanto o Primeiro-ministro afirma hoje no Parlamento que pode ser necessária mais austeridade. Nada de estranho, "custe o que custar", tem que cumprir os objectivos do negócio com a troika e os objectivos da sua própria política "over troika", como tal, não pode assegurar que não seja necessária mais "austeridade", sendo ainda de esperar o aumento do desemprego, por exemplo.
Para além desta discussão, mais ou menos austeridade, o que nos preocupa seriamente são as condições de vida que muita gente está já a enfrentar, estamos a falar de pessoas, não de políticas, ou melhor estamos a falar do efeito das políticas na vida das pessoas.
Parece de relembrar que um estudo recente da insuspeita, nesta matéria, Comissão Europeia que analisou a distribuição dos efeitos dos programas de austeridade os países que experimentam maiores dificuldades, Portugal, Grécia, Espanha, Irlanda, Estónia e Reino Unido, conclui que Portugal "é o único país com uma distribuição claramente regressiva", traduzindo, os pobres estão a pagar mais do que os ricos quando se aplica a austeridade. Pode ainda ler-se que nos escalões mais pobres, o orçamento de uma família com crianças sofreu um corte de 9%, ao passo que uma família rica nas mesmas condições perdeu 3% do rendimento disponível.
Portugal é ainda de acordo com o estudo o único país analisado em que "a percentagem do corte (devido às medidas de austeridade) é maior nos dois escalões mais pobres da sociedade do que nos restantes". A Grécia, que tem tido repetidos pacotes de austeridade, apresenta uma maior equidade nos sacrifícios implementados.
Este dado parece-me extremamente relevante nesta discussão sobre a eventual necessidade de mais "austeridade" e mostra, de acordo com a percepção comum, que não existe equidade na repartição dos sacrifícios.
Para além de contrariar o discurso oficial de que existe justiça social nas medidas de austeridade, o que é verdadeiramente insustentável é de que as políticas assumidas, por escolha de quem decide, estão a aumentar as assimetrias sociais, a produzir mais exclusão e pobreza. Mais preocupante a insensibilidade da persistência neste caminho.
Eu sei, sabemos todos, que a questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de dois milhões de portugueses conhecem, um milhão de desempregados, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra.
 O abismo está mais perto, não está mais longe, como Passos Coelho sustenta. A realidade não é a projecção dos seus desejos, dramaticamente.

O CONVITE NÃO CHEGOU

Para aliviar das agruras da crise e das sucessivas e inquietantes notícias do nosso quotidiano é bom ler algo de verdadeiramente estimulante. O Dr. Luís Filipe Menezes não foi convidado para cumprimentar o Presidente da República que esteve no Porto a assistir aos festejos do S. João. É lamentável, inaceitável e ele ficou zangado.
Provavelmente por “um problema dos CTT no protocolo de estado” o Dr. Menezes não foi convidado. Nem como Presidente de Câmara, nem como membro da Junta Metropolitana, nem como Conselheiro de Estado, o único a norte de Coimbra, note-se bem, nem como homem do norte, nem como pai, nem como marido e companheiro, nem como ex-líder do PSD, nem como morador, nem como … sei lá, não foi convidado. Não se faz. Aguarda-se ansiosamente a justificação da Câmara do Porto que possa esclarecer este inquietante episódio.
Imagino o Dr. Menezes com o seu ar de Calimero clarividente, com uma lágrima a aflorar o olhar, qual menino do retrato das feiras, absolutamente devastado pela ausência do convite. Não se faz, a um conselheiro de estado, o único que existe a norte de Coimbra.
Não imagino como pode ser a imagem do Dr. Menezes ressarcida de tal desfeita. Não se admite um tratamento desta natureza a um conselheiro de estado, o único que existe a norte de Coimbra.
De vez em quando sabe bem ler uma notícia sobre o País Feliz, o Portugal dos Pequeninos.

ESTAMOS A CUMPRIR E O CAMINHO SÓ PODE SER ESTE

Do discurso do Primeiro-ministro, depois da reunião de balanço do primeiro ano de governo, relevam duas ideias centrais, "estamos a cumprir os objectivos" e o "caminho não pode ser outro".
Nas últimas semanas têm-se multiplicado intervenções de responsáveis ministeriais passando a ideia de que o pior está ultrapassado, estamos a dar a volta, etc. Recordemos as afirmações sobre o bom andamento do país, comprovado pela avaliação positiva da troika. O Primeiro-ministro informou que se vislumbram sinais de mudança e que "os portugueses já não estão à beira do abismo". A questão é que a generalidade das pessoas não parece tão optimista. Aliás, os diferentes indicadores disponíveis sobre percepção sobre a qualidade de vida dos portugueses estão longe de ser compatíveis com a "avaliação muito positiva" da realidade do país, embora eu saiba que se trata de uma questão de perspectiva, a agenda da troika e de boa parte das políticas em curso visam os mercados e não as pessoas. As declarações sobre os "bons resultados" são no mínimo estranhas quando as previsões do próprio Governo para o maior flagelo das dificuldades, o desemprego, ainda são de aumento para o próximo ano.
É evidente que se espera das lideranças um discurso mobilizador e que promova confiança, mas esse discurso tem que se manter dentro dos níveis de realismo que lhe dá consistência e credibilidade.
Em diferentes ocasiões tenho referido no Atenta Inquietude a importância do que tenho designado exactamente por uma dimensão psicológica da crise, a confiança, ou, mais claramente, a falta de confiança. Esta importância verifica-se em termos individuais, quando nos sentimos confiantes, sentimo-nos mais capazes, verifica-se em termos de grupo, a título de exemplo, uma equipa de futebol confiante será seguramente mais eficaz, verifica-se de forma genérica em qualquer instituição e, finalmente, poderemos também dizer que sociedades mais confiantes sentir-se-ão mais capazes de enfrentar dificuldades.
Assim sendo, parece importante que as lideranças, entre todas as suas competências e acções, sejam capazes e competentes no sentido de transmitir confiança. Acontece que as nossas lideranças, em matéria tão importante, subordinam, como sempre, as suas acções aos interesses imediatos, sobretudo partidários, ou seja, basicamente, quem governa faz discursos excessivamente optimistas, que muitas vezes parecem negar a realidade, pintando-a de rosa e quem está na oposição produz discursos e visões catastrofistas. Qualquer destes discursos dão um péssimo contributo à confiança realista e informada que precisamos de sentir face a dificuldades e a desafios complexos.
Nos últimos tempos, em que se têm acentuado as consequências dramáticas da crise a nível do emprego e da diminuição dos apoios sociais por exemplo, seria ainda mais necessário um discurso que contribuísse para identificar um rumo e promovesse e envolvesse os cidadãos na convicção e confiança de que seremos certamente capazes de ultrapassar, ainda que com momentos dolorosos, os tempos que vivemos.
O problema é que muita desta gente e dos seus discursos e comportamentos são parte do problema, dificilmente serão parte da solução como temos vindo a constatar.
Depois de vários anos de desemprego, dezenas de entrevistas e currículos enviados, uma idade "proibida" no mercado de trabalho, a dignidade de rastos, uma família afectada, parece difícil aceitar que "o caminho não pode ser outro", ou que "estamos a cumprir os objectivos". Os objectivos de quem? O caminho para onde? Tudo o que é estabelecido por uns burocratas sem alma nem ética em nome dos mercados, cujos interesses devem acautelados para que não fiquem nervosos.

O FUTEBOL FAZ MILAGRES

O Tiago, um miúdo a frequentar o 3º ano, mostrava uma forma de funcionar que deixava a sua professora um pouco perplexa e sem saber muito bem como lidar com ele.
O Tiago tinha capacidades, aprendia com facilidade, era muito bom a conversar e a argumentar, mostrava os seus conhecimentos escolares desde que fosse a falar, mas escrever não era com ele. Sabia realizar o que tinha para fazer. No entanto, demorava “horas” para produzir qualquer coisa e mesmo passar algo do quadro era uma tarefa permanentemente inacabada.
A professora, mulher atenta e que tinha aprendido a ler os miúdos para melhor os poder ajudar, preocupou-se ainda mais com o Tiago e descobriu, leu, a sua paixão mais que todas, o futebol, actividade na qual tinha, veio a saber-se, um bom desempenho.
Na escola, ao intervalo, um grupo de alunos do 4º ano juntava-se todos os dias para jogar renhidas partidas de futebol. A professora do Tiago falou com esses miúdos e sugeriu-lhes a participação do Tiago nos jogos. Os futebolistas mais velhos aceitaram a proposta.
Assim, a Professora explicou ao Tiago que iria jogar futebol todos os dias com os colegas do 4º ano se … claro, terminasse todas as tarefas que deveria realizar.
O Tiago nem pestanejou, só abriu os olhos e se riu.
Passou a ser o primeiro a acabar os trabalhos e, registe-se, bem realizados.
É verdade, o futebol faz milagres. Os professores atentos também.

domingo, 24 de junho de 2012

ALUNOS "ENTREGADOS" OU INTEGRADOS?

Pode ler-se no Público um trabalho interessante sobre o que aqui costumo designar por "os problemas especiais dos miúdos especiais" e que, naturalmente, envolvem as suas famílias e professores.
O alargamento da escolaridade obrigatória para os doze anos, para além de muitas outras complexas implicações, leva a que os alunos com necessidades educativas especiais com a condição de défice cognitivo passem a frequentar as escolas do ensino secundário.
Em princípio, este movimento é desejável, estes alunos acompanham assim os seus colegas de idades próximas, mas exige, como é óbvio, os ajustamentos necessários nos contextos educativos que os vão receber, no caso, as escolas secundárias que, na sua maioria, antecipam com alguma ansiedade e preocupação o próximo ano lectivo.
Considerando apenas o universo do ensino básico a situação já é bastante difícil.
No Relatório da Inspecção-Geral da Educação sobre a área designada como Ensino Especial e centrado no ano 2010/2011, afirma-se que se verifica falta de formação específica para a resposta às necessidades dos miúdos com necessidades especiais, falta de técnicos, designadamente psicólogos e indefinição ou ausência de estratégias relativas à educação deste grupo de alunos.
As crianças com necessidades educativas especiais, as suas famílias e os professores e técnicos, especializados ou do ensino regular sabem, sobretudo sentem, um conjunto enorme de dificuldades para, no fundo, garantir não mais do que algo básico e garantido constitucionalmente, o direito à educação e tanto quanto possível, junto das crianças da mesma faixa etária. É assim que as comunidades estão organizadas, não representa nada de extraordinário e muito menos um privilégio.
Com base num incompetente normativo que carece de urgente revisão, o lamentável Decreto-Lei 3/2008, temos milhares de crianças com necessidades de apoio educativo e que estão abandonadas e "entregadas" em vez de integradas, pese o empenho de muitos profissionais dedicados. Este cenário acontece muito por força do que o Relatório da IGE aponta, falta de formação, de recursos e de estratégias concertadas e consistentes de acolhimento das diferenças dos miúdos diferentes, mais diferentes.
Esta legislação e as orientações estabelecidas pelo MEC inibem, em muitas circunstâncias, a prestação de apoios a crianças que deles necessitam, quer por via da gestão de recursos impondo taxas de prevalência de problemas fixadas administrativamente e sem qualquer correspondência com a realidade quer pelos modelos de organização de respostas que impõe.
Sei ainda que a prestação de serviços educativos, na área da psicologia por exemplo, em "outsourcing" é um serviço assente num enorme equívoco e apesar dos esforços e empenho dos profissionais envolvidos de eficácia comprometida.
É neste quadro que esta problemática desliza para o ensino secundário. Questionada sobre as dificuldade das escolas, a responsável do MEC por esta matéria, admite com lucidez que as escolas possam não estar preparadas e afirma "quando um pai e uma mãe têm um filho deficiente, também não estão e reagem". Notável e perto do desrespeito pelos pais de milhares de miúdos e adolescentes com problemas severos. Os pais que recebem a notícia da deficiência de um filho reagem, mas o MEC responde por um serviço público de educação, direito constitucionalmente assegurado. O MEC não tem que "reagir", tem que assegurar a qualidade dos recursos e das respostas educativas. Para isso deve "pro-agir", as medidas de política educativa devem ser estudadas, antecipado o seu impacto para atempadamente se garantir, tanto quanto possível, o bom andamento dos processos educativos. Como disse acima, muitos destes miúdos correrão o risco de ficarem "entregados" em vez de "integrados". É mau.
Na verdade, os alunos, as suas famílias e os professores não estranharão, é grande o mundo de dificuldades que encontram todos os dias, apenas se irá estender ao ensino secundário. Mas algum respeito, solidariedade e bom senso, para além de competência, seriam bem recebidos.

UM ANO DE POLÍTICA EDUCATIVA

O Público solicitou-me uma reflexão sobre um ano de política educativa em 500 caracteres, um sério desafio. Para se compreender melhor a dificuldade, este parágrafo custa 186 caracteres.
Aqui, apesar do espaço continuar a ser pouco, aproveito o balanço e deixo umas notas, pensadas a partir do que me parece ser, ou não, um contributo para melhorar a qualidade e os resultados do trabalho de alunos, professores, funcionários, técnicos e direcções, para além de outros actores como os pais.
Do meu ponto de vista, o MEC promoveu alterações em áreas que delas careciam mas as alterações, muitas delas, não foram no sentido que me parece o mais desejável ou seja, fazer as coisas certas nem sempre significa fazer certas as coisas. Sem preocupação de ordenar ou ser exaustivo, aqui ficam algumas notas de reflexão.
A necessária reordenação da rede escolar não justifica a opção e insistência na constituição de mega-agrupamentos, cujos riscos e ineficácia, existe evidência e  experiências de outros países, não permitem sustentar. Neste âmbito, incluo o aumento do número de alunos por turma que com os agrupamentos será quase sempre atingido e que, em boa parte dos territórios educativos, está longe ser um contributo para a qualidade. Parece subjazer a estas medidas a economia de recursos humanos que ameaçará a situação profissional de milhares de professores.
A necessária e urgente reforma curricular ficou aquém do desejável, promoveu e alimentou uma ordenação de estatuto entre as disciplinas que não é útil e, designadamente, o 3º ciclo, continua a necessitar de reorganização na organização e extensão do currículo. Também continuo a pensar que seria adequada a reorganização dos 1º e 2º ciclos, criando um 1º ciclo de seis anos.
Numa área que me é particularmente próxima, os miúdos com necessidades especiais, o cenário descrito pela Inspecção-Geral da Educação no relatório sobre 2010/2011, falta de formação específica para a resposta às problemas dos miúdos com necessidades especiais, falta de técnicos, designadamente psicólogos, e indefinição ou ausência de estratégias relativas à educação deste grupo de alunos, não se alterou, deixando muitos alunos sem resposta adequada e muitos professores de ensino regular sem qualquer tipo de apoio às dificuldades de alguns dos seus alunos.
E, naturalmente, temos os exames. É evidente que a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens é imprescindível mas, mais uma vez, a evidência e a experiência de outros países não sustentam que a instituição de exames, muitos exames, logo no 4º ano, algo de inédito no espaço europeu, contribua, só por si, para melhorar a qualidade que está mais dependente da mobilização oportuna, eficaz e suficiente de dispositivos de apoio a alunos, professores e famílias do que de exames, muitos exames.
Uma referência ainda ao novo Estatuto do Aluno e Ética Escolar que, assente num ambíguo e pouco claro reforço da autoridade dos professores, não permitindo, no entanto, perceber com isso acontecerá. Uma medida emblemática, multas e suspensão de apoios a pais de alunos com absentismo ou indisciplina parecem, obviamente, incapazes de alterar substantivamente o cenário complicado que atravessamos em matéria de comportamentos escolares.
Duas notas finais sobre a intenção do MEC, já operacionalizada de promover alguma regulação na oferta formativa do ensino superior, os constrangimentos nos apoios a estudantes do ensino superior e um novo modelo de organização e autonomia das escolas que, introduzindo algumas mudanças positivas, está longe de definir um quadro de verdadeira autonomia no funcionamento de cada escola e agrupamento.
Como comecei no telegrama de reflexão que enviei para o Público, o primeiro ano de PEC - Política Educativa em Curso, deixa-me um travo de desencanto e inquietação.

sábado, 23 de junho de 2012

SENTADOS E CALADOS DURANTE OS 90 MINUTOS

Não sei se será a última vez, provavelmente não, que aqui coloco umas notas sobre a questão dos exames nacionais obrigatórios.
Antes de mais, e de novo, entendo que os dispositivos de avaliação são uma parte fundamental, imprescindível e integrada da e na aprendizagem, mas não O fim das aprendizagens. Também entendo, como muita outra gente que a imprescindível melhoria dos resultados escolares não depende exclusivamente dos exames e da retenção dos alunos. A retenção, só por si, não promove o sucesso, pelo contrário, alimenta-o, é caríssima, está na base do abandono escolar, etc. os estudos nacionais e internacionais mostram isso.
A minha discussão desta matéria assenta, fundamentalmente, no entendimento do MEC de que o combate ao abandono e ao insucesso assenta, sobretudo nos exames, mais exames. O  Documento de Trabalho, de balanço e estratégico, divulgado pelo MEC a 15 deste mês é muito claro nessa afirmação.
Hoje, com alguma surpresa, confesso, li a entrevista de Paulo Guinote ao Expresso sobre esta questão e vejo, no contexto da defesa do aumento do número de exames, o argumento de que "deve ser a única altura do ano em que estão sentados e calados durante os 90 minutos numa sala. Quanto mais não seja por isso, é para eles uma experiência interessante de autodisciplina, que não acontece na maioria das aulas".
Não acredito que Paulo Guinote, professor de Português, bom professor certamente, entenda que na maioria das suas aulas os alunos devem estar "sentados e calados" 90 minutos e que isto seja um argumento para sustentar os exames, o que leio e conheço de Paulo Guinote, não me deixam entender o argumento. Achei ainda curioso que, em resposta à questão sobre o facto de Portugal ser o único país da Europa, para além da Áustria, com exames obrigatórios e com peso no percurso do aluno ao 4º ano de escolaridade e recordando, por exemplo, a Finlândia não os tem e não apresenta os níveis de abandono e insucesso que nós temos, Paulo Guinote, afirma, "se calhar quando tinham, também faziam exames". Se calhar?! Talvez, se calhar, tenham entendido que combater o insucesso e o abandono não tem que assentar em exames nacionais ao fim de quatro anos de escolaridade.
Ainda uma última nota sobre a posição dos miúdos face aos exames, o nervosismo e ansiedade. Aqui concordo com Paulo Guinote, a eventual ansiedade é criada pelos discursos dos adultos, os miúdos, na sua esmagadora maioria lidam com alguma tranquilidade com os exames, esta não é uma questão. Neste sentido, também não colhe a afirmação da Secretária de Estado do Ensino Básico de que é importante que os meninos se habituem a realizar provas de conhecimentos e daí a bondade dos exames, argumento também interessante. Também concordo com  entendimento de Paulo Guinote sobre a contínua utilização dos exames como "instrumento político", como, aliás, com quase todas as matérias em educação. Nisto radica boa parte dos problemas do nosso sistema educativo.
Insisto no meu ponto, a qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, naturalmente, mas também com a definição de currículos adequados e de vias diferenciadas de percurso educativo para os alunos, sempre com a finalidade de promover qualificação profissional, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de organização e funcionamento das escolas, não com mega-agrupamentos e aumento do número de alunos por turma, por exemplo, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
Se calhar, é isto que falta.

SENTES-TE BEM? Outro diálogo improvável

A propósito de um trabalho de hoje do Público sobre a relação entre o ambiente educativo familiar e a situação de crise que vivemos, deixo um pequeno texto que há algum tempo aqui tinha colocado.

Francisco, não saias ainda, deixa-me falar contigo só dois minutos. Nas últimas aulas tenho achado que não andas muito bem, distraído, sempre com ar aborrecido. Sentes-te bem?
Setora, o meu pai sente-se muito preocupado porque diz que na empresa onde ele trabalha dizem que vão despedir mais gente e ele sente-se com medo. A minha mãe sente-se muito mal porque está desempregada e as coisas ainda podem ficar pior se o meu pai também ficar desempregado. O meu pai e a minha mãe, embora não falem disso ao pé da gente, sentem-se bastante aflitos porque o dinheiro já não chega para tudo e sentem-se com medo que, como eu a minha irmã andamos a estudar, as coisas fiquem tão difíceis que a gente fique mal. Como eu estava a dizer, eles fingem que está tudo bem, mas a gente sente que não. No outro dia quando cheguei ao pé deles estavam a falar em ter que pedir ajuda, não percebi a quem porque eles mudaram a conversa e o meu pai começou a inventar histórias. Tirando isto Setora, eu sinto-me muito bem, até mesmo bué da bem.
Nem sei o que te dizer Francisco.
Pois é Setora, parece que ninguém sabe.

A HISTÓRIA DO SEM MEDO

Era uma vez um homem, chamava-se Sem Medo. Afirmava a quem o queria ouvir que nada temia e ninguém lhe metia medo. Já não era muito novo e adorava contar as suas aventuras. As pessoas que o conheciam gostavam de as ouvir. Pareciam histórias inventadas, eram bonitas e o Sem Medo tinha jeito para contar as peripécias que lhe tinham acontecido ao longo de muitas vidas.
É claro que todas as narrativas descreviam situações em que o Sem Medo demonstrava a sua coragem e ausência de temores de qualquer espécie. O Sem Medo, se lhe dessem oportunidade, passava horas contando as suas destemidas aventuras que pareciam intermináveis, havia sempre mais uma que prendia a atenção de quem estivesse com ele.
Um dia, um dos seus sobrinhos, depois de ouvir durante uma tarde uma boa quantidade de histórias, perguntou-lhe, “Tio Sem Medo, para te ter acontecido tanta coisa, já deves ser muito velho, quantos anos tens?”
O Sem Medo, pela primeira vez em muitos anos, sentiu a voz a tremer e um arrepio de medo que o assustou. Tinha um medo enorme do Tempo, pouco, que ainda teria para contar as suas histórias de homem sem medo de nada.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

A OBESIDADE, UM PROBLEMA DE PESO

Como os seguidores mais atentos certamente registam, existem alguns temas que recorrentemente abordo no Atenta Inquietude. De entre essas temáticas destacam-se as matérias que envolvem o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas, designadamente das pessoas mais pequenas, crianças e adolescentes.
A propósito de uma notícia sobre a preocupação com o peso a mais que, parece, em muitos de nós, ser sazonal, ou seja, aflige-nos quando se aproxima o Verão, vá lá saber-se porquê, algumas notas.
Segundo o último Relatório Health Behaviour in School-aged Children da OMS e dos dados relativos a Portugal, é um dos países envolvidos no estudo, 39 da Europa e América do Norte, que apresenta mais excesso de peso entre a população mais jovem, 5º lugar aos 11 anos, 4º lugar aos 13 e 6º aos 15 anos.
Na verdade, a obesidade infantil afecta um número muito significativo de crianças e adolescentes, assenta fundamentalmente nos estilos de vida dos mais novos de que releva o sedentarismo excessivo e a péssima qualidade genérica ao nível dos hábitos alimentares. É de registar que as escolas têm vindo a fazer um esforço no sentido de aumentar a qualidade alimentar da oferta, o que não parece ser acompanhado pelas famílias, ilustrado pela desproporcionalidade do consumo de água e de refrigerantes no contexto familiar.
Creio ainda de sublinhar que estudos realizados em Portugal mostram que a obesidade infantil é já um problema de saúde pública, implicando, por exemplo, o disparar de casos de diabete tipo II em crianças. Há algum tempo relatei aqui no Atenta Inquietude a cena de um extremoso pai que, ao meu lado, proporcionava a uma criancinha com 8 ou 9 anos um pequeno-almoço composto de três salgados e uma lata de cola. Curiosamente, esse texto despertou algumas reacções vindas, creio, de algumas pessoas que entendem que qualquer discurso ou iniciativa no âmbito dos comportamentos configuram uma intromissão e desrespeito dos direitos individuais. Esta iniciativa no quadro parlamentar pode, por isso, despertar alguma discussão. No entanto, insisto na necessidade de iniciativas e discursos que promovam comportamentos mais saudáveis sobretudo quando se trata de crianças que são obviamente mais vulneráveis e desinformadas.
Dados de há meses apresentados no XIV Congresso Português de Obesidade, referem, sem novidade pois vai ao encontro de outros resultados, que 22.6 % das crianças dos 10 aos 18 anos estão em situação de pré-obesidade e 7.8 % já são obesos.
Sabe-se também que em adultos e sem surpresa os números pioram, 50% dos homens e 30% das mulheres estarão em situação de pré-obesidade ou obesidade.
As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam.
Provavelmente, teremos algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais” mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema.
Além de que todos sabemos que o excesso de peso e os riscos associados não serão, para a esmagadora maioria das miúdos e graúdos nessa situação, uma escolha individual, é algo de que não gostam e sofrem, de diferentes formas, com isso.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

A HISTÓRIA DO MIÚDO QUE SE CHAMAVA ELÁSTICO

Era uma vez um miúdo chamado Elástico que, na verdade, é um nome estranho para gente.
O que era ainda mais curioso é que o Elástico parecia mesmo um elástico, quando puxavam por ele esticava-se, esticava-se,  ficava mesmo tenso. Quando o deixavam tranquilo, retomava o seu estar, calmo, como são os elásticos quando não estão esticados.
As pessoas não se davam conta de como o Elástico se sentia quando o esticavam.
Os pais, por desentendimento sem retorno, separaram-se, seguiram narrativas diferentes e ambos, por gostarem do Elástico, puxavam-no para si.
E ele, o Elástico, sentia-se puxado, ora por um ora por outro e ficava tenso, muito tenso mesmo.
Mas os pais, muitos são assim, quando se perdem deles não se querem perder dos filhos e, por medo de que isso aconteça, puxam muito pelos filhos, pelo que puxavam pelo Elástico.
Ele, muitas vezes, sentia-se mal, já quase nunca estava calmo, estava quase sempre tenso. Os pais, quanto mais o percebiam triste menos o percebiam a ele, só pensam em si, pais,  e assim puxavam ainda mais por ele, para si.
Um dia, estão a adivinhar, o Elástico partiu-se. Os elásticos mesmo quando parecem fortes acabam por partir. Ou porque secam, ou porque a tensão foi demais.

OS FILHOS ESTÃO CAROS

Segundo dados do INE, uma família com filhos gasta em média cerca de 10 000 €, 31% acima da média de uma família sem crianças. Na verdade os filhos estão caros, actualmente, particularmente caros.
Esta será, entre outras, uma das razões contributivas para a baixa natalidade em Portugal, problema que tem vindo a acentuar-se e que as políticas, desadequadas e dispersas, não têm conseguido reverter. O ano de 2011 foi o ano com menos nascimentos. A renovação de gerações exige 2,1 filhos por mulher sendo que desde 1982 que em Portugal não se atinge tal valor. Temos 1,37 como índice sintético de fecundidade o segundo mais baixo do mundo, atrás da Bósnia.
É ainda de registar que em 2010, um pouco mais de 10% dos nascimentos são crianças de mães estrangeiras, quando curiosamente temos discursos de governantes que nos aconselham, sobretudo aos mais novos, a emigrar e assim, lá longe, construir um projecto de vida.
Estes indicadores comprometem, obviamente, a renovação geracional, potenciando o envelhecimento populacional e o desequilíbrio demográfico. Contrariamente ao que se verifica noutros países que têm as respectivas taxas a subir, em Portugal o declínio a partir de 2003 tem sido constante.
Apesar deste quadro, trabalhos recentes evidenciam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família, sendo também vários estudos sugerem que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa.
Como parece claro, este cenário, menos filhos quando se desejava fortemente compatibilizar maternidade e carreira, exige, já o tenho referido, a urgência do repensar das políticas de apoio à família. Os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida. Combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas. Aliás, é ainda curioso sublinhar o impacto que nesta questão pode ter a política do governo de aumentar o tempo de trabalho o que, naturalmente, retira tempo à família.
Só com uma abordagem global e multi-direccionada me parece possível promover a recuperação demográfica indispensável.

CALL CENTER

- Sim, boa tarde, precisava de … está certo.
- Sim, boa tarde, era para … sim, eu aguardo.
- Sim, boa tarde, seria possível … muito bem.
- Sim, boa tarde, os seus colegas com quem já falei sugeriram-me que … outra vez?
- Sim, boa tarde, antes de passar a chamada eu queria … mas tem de ser assim?
- Sim, boa tarde, liguei no sentido de … mas ainda não é consigo?
- Sim, boa tarde, depois de várias tentativas acho que finalmente posso … com quem?
- Sim, boa tarde, estou há já algum tempo a tentar solicitar que … mas creio que com esse já falei.
- Sim, boa tarde, agradecia que … de novo?
- Sim, boa tarde, eu apenas desejava … muitíssimo obrigado.
(finalmente uma informação objectiva, estou em lista de espera)

quarta-feira, 20 de junho de 2012

A PARQUE ESCOLAR, O PARQUE ESCOLAR, AS PESSOAS E OS EDIFÍCIOS

A auditoria que tem vindo a ser realizada pelo Tribunal de Contas aos trabalhos realizados pela Parque Escolar continua a revelar alguns dados curiosos. Nas obras da Escola Secundária de Passos Manuel a derrapagem foi de 46,2%, de 16 milhões de euros previstos o custo ficou pelos 23 milhões e na Secundária D. João de Castro, a minha secundária, a derrapagem foi de 13,2%, resultando tudo isto em “dano para o erário público” e lucro para os empreiteiros, naturalmente.
Devido aos excessos cometidos, o desenvolvimento e a conclusão do programa de modernização das escolas secundárias tem estado a sofrer “ajustamentos” podendo até ficar comprometida, como é público, alguma da intervenção da fase 3 que envolve cerca de 100 escolas. É reconhecido por toda a gente a necessidade de modernização do parque escolar, em algumas situações inaceitavelmente degradado, pelo que o processo desencadeado sob a responsabilidade da Parque Escolar merecia concordância, independentemente da agenda político-partidária que gere os discursos das lideranças políticas.
A verificada derrapagem nas contas, que se não estranha em Portugal, os custos excessivos em pessoal, são apenas e lamentavelmente a "rotina" das obras geridas por capitais públicos.
No caso particular da recuperação e modernização de edifícios escolares, a avaliação do que tem estado a ser feito tem evidenciado algo que muitas pessoas que conhecem as escolas tinham como claro, o desajustamento de algumas soluções técnicas, o novo-riquismo saloio de alguns equipamentos e materiais, o custo exorbitante de manutenção que as soluções adoptadas implicariam, etc.
Sublinho que a recuperação do parque escolar e o equipamento moderno das escolas é uma exigência no sentido de dotar alunos, professores e funcionário de condições de trabalho que sustentem a qualidade que todos desejamos, não é um privilégio que se concede à comunidade escolar.
Mais uma vez, para não variar, vejamos qual o nível de responsabilidade atribuída e cobrada aos gestores envolvidos no irresponsável desperdício. Não é que estranhe o nada que acontece ou espere que agora seja diferente, mas a impunidade de quem de forma irresponsável e incompetente gere dinheiros públicos sempre me inquieta e revolta.
Pode eventualmente afirmar-se que, apesar de tudo, ficaram alguns bons edifícios.
No entanto e como sempre, para além dos recursos e equipamentos que por direito dos miúdos devem estar disponibilizados em cada momento com a melhor qualidade possível, no fim temos as pessoas. E de facto, a escola, mais do que equipamentos e meios que se desejam de qualidade, é feita pelas pessoas, todas as pessoas, que na sua função específica lhe dão sentido e qualidade.
Desde o aparelho do MEC, na definição das políticas educativas adequadas nas mais variadas dimensões, ao trabalho das direcções das escolas e agrupamentos, ao trabalho dos professores nas suas diferentes funções, ao trabalho dos alunos e dos pais através do nada fácil trabalho educativo familiar, o exercício da responsabilidade e intervenção individual são o mais sólido instrumento de qualidade ao serviço do sistema.
É nesta dimensão que me parece necessário insistir. A comunidade deve ser mais exigente face ao desempenho e à qualidade no que respeita a políticas educativas, na organização e funcionamento das escolas, no que respeita ao trabalho com os miúdos e dos miúdos, no que respeita à responsabilização e envolvimento das famílias, etc. Os meios e os recursos sendo fundamentais, só por si não garantem sucesso e qualidade.
Quando se aborda a questão dos meios, dos recursos e das pessoas em matéria de educação, lembro-me sempre de uma afirmação já com alguns anos do Council for Exceptional Children, "o factor individual mais contributivo para a qualidade da educação é a existência de um professor qualificado e empenhado".
Sempre. E nos tempos que correm, creio que o MEC em muitas das decisões que tem vindo a produzir, se esquece das pessoas, está mais atento aos números, pode sair caro e termos mais uma derrapagem, esta bem mais grave.

DIZ QUE É UMA ESPÉCIE DE DELIBERAÇÃO, ASSIM TIPO NADA, TÃO A VER

Confirmou-se, a deliberação do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre o caso do Público e do Ministro Miguel Relvas, considera que o Ministro produziu uma "pressão inaceitável" sobre o jornal embora esta pressão inaceitável não possa ser considerada "ilícita". A conclusão é pois, uma conclusão, assim, do tipo nada, tão a ver. A votação da deliberação retratou a agenda de interesses partidários e não se percebe, ou percebe-se, depende do ponto de vista, a "posição confortável" que Carlos Magno, presidente da ERC, afirma sentir com a decisão, provavelmente tanto quanto desconfortável muita gente se sentirá.
Evidentemente que esta espécie de deliberação, antecipando que em termos políticos a consequência é nenhuma, constituirá apenas mais um dos muitos casos que em Portugal ocorrem mostrando uma relação muito ambígua, por assim dizer simpaticamente, entre ética e lei.
Os nossos códigos normativos contemplam inúmeras situações em que se podem desenvolver comportamentos que não infringindo nenhuma lei são autênticos insultos aos princípios éticos mais básicos.
Esta situação é, do meu ponto de vista, um dos grandes contributos para a degradação da qualidade da nossa democracia e vida cívica. As relações entre o mundo da política e o mundo dos negócios, entre a imprensa, os negócios e o mundo da política, em que assistimos à circulação despudorada de pessoas por funções eticamente não compatíveis, ou o que se passa no âmbito de alguns processos judiciais mais mediatizados, são apenas exemplos deste despudor ético que não infringe leis.
A questão que me preocupa, tem preocupado, e, eventualmente continuará a preocupar, é se existe vontade política e capacidade de resistência a interesses muito poderosos, no sentido de legislar de forma a que não fiquemos todos tão expostos à arquitectura ética, ou falta dela, de cada um de nós, sobretudo dos que desempenham funções de maior relevo ou exposição.
Os discursos produzidos sobre este e outros casos não autorizam expectativas muito elevadas, é assim o Portugal dos Pequeninos.