Num texto de ontem sobre as metas curriculares
para o Ensino Básico, colocadas em discussão pelo MEC, sem ler os documentos,
alertava para necessidade de que as metas curriculares fossem algo de
orientador para o trabalho de alunos e professores, relembrei João dos Santos quando
refere a importância, ainda que difícil, de trabalhar em educação de forma
simples, e recordei que a anterior equipa do Ministério tinha definido para as
seis áreas curriculares do 1º ciclo 225 metas de aprendizagem.
Ao ler os documentos agora disponíveis e centrando-me no 1º
ciclo e nas áreas conhecidas, Português e Matemática, fiquei esmagado.
Em Português temos três domínios que no 1º ano se desdobram
em 20 objectivos e 81 descritores, no 2º ano em 25 objectivos e 86 descritores,
no 3º ano 29 objectivos e 104 descritores e no 4º ano em 31 objectivos e 109
descritores. Em síntese, para os quatro anos do 1º ciclo, em Português, temos 105
objectivos e 380 descritores.
No que respeita à Matemática são definidos 3 domínios que se
desdobram como segue. No 1º ano, em 8 sub-domínios, 13 objectivos e 62
descritores, no 2º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 82 descritores, no
3º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 98 descritores e no 4º ano em 6
sub-domínios, 15 objectivos e 81 descritores o que em síntese corresponde a 72
objectivos e 323 descritores para Matemática do 1º ciclo.
Estas duas áreas do currículo, Português e Matemática,
envolvem no total 177 objectivos e 703 descritores. Por anos, temos: no 1º ano 33
objectivos e 143 descritores; no 2º, 47 objectivos e 168 descritores; no 3º, 51
objectivos e 202 descritores e no 4º, 46 objectivos e 190 descritores. É obra,
uff.
Como também referi, a lógica de elaboração das metas
curriculares remete para uma lógica de ano de escolaridade e não de ciclo como
prevê a Lei de Bases, ou seja os objectivos são definidos para o ciclo e não
para o ano, aliás, os exames, tão caros ao MEC, acontecem exactamente no final
de ciclo. Também afirmava, sem conhecer os textos, que estabelecer metas
curriculares por ano de escolaridade induz o risco de uma leitura fechada,
relembro que serão obrigatórias a partir de 2013/2014, pode levar a que o
ensino se transforme na gestão de uma espécie de "check list" das
metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças,
óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará,
antecipa-se, com a realização de exames todos os anos. Aliás, neste contexto é
preocupante a afirmação dos autores das metas curriculares, lê-se no Público, de que estas
estabelecem o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da
parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos
descritores”. Por curiosidade, dois exemplos de descritores de de Português que
deverão ser “formalmente ensinados”, “Apropriar-se
de novos vocábulos: reconhecer o significado de um mínimo de 150 novas
palavras, relativas a temas do quotidiano, áreas de interesse dos alunos e
conhecimento do mundo (exemplos de áreas vocabulares: casa, família, escola,
vestuário, profissões, festas, animais, jardim, cidade, campo)” ou “Ler
pelo menos 45 de 60 pseudo-palavras (sequências de letras que não têm significado
mas que poderiam ser palavras em português) monossilábicas, dissilábicas e trissilábicas
(em 4 sessões de 15 pseudo-palavras cada)”.
Este cenário, aplicado
a turmas do 1º ciclo, com 26 alunos (os agrupamentos e mega-agrupamentos assim
o determinarão em muitos casos), algumas com alunos de diferentes anos de
escolaridade, com ritmos e assimetrias nos seus percursos e competências, deixa-me
uma imensidade de dúvidas sobre a aplicação das metas curriculares, tal como
estão definidas, não esquecendo que ainda faltam as respeitantes às outras
áreas do currículo.
Se por acaso algum ou
alguns professores do 1º ciclo lerem estas notas, gostava de saber a sua
apreciação ao que agora foi definido e está em discussão pública.
Apesar do MEC acenar
com a referência aos modelos anglo-saxónicos como selo de qualidade, o que está
longe de acontecer, devo confessar que estou apreensivo.