terça-feira, 10 de setembro de 2024

DELINQUÊNCIA EM CONTEXTOS ESCOLARES, O DIREITO AO OPTIMISMO

 De acordo com dados divulgados pela PSP relativos ao Programa Escola Segura, no último ano lectivo foram registadas 4044 ocorrências, mais 5,5% que no ano anterior, sendo que 2915 são de natureza criminal e 1129 não criminais. A subida está em linha com o aumento registado em 22/23, 9%.

A maioria dos casos reportados, 2873, ocorreram no interior do espaço escolar e maioritariamente fora da sala de aula.

Mantém-se o perfil já verificado em anos anteriores em termos de maior prevalência, ofensas à integridade física (1332), injúrias/ameaças (937) e furtos (468).

Retomo algumas notas que há pouco aqui deixei sobre esta questão que sendo, talvez, mais um sinal dos tempos que vivemos é preocupante.

Uma primeira nota para registar que também noutros países se verifica um trajecto da mesma natureza. No final de Janeiro, o Expresso referia a problemática crescente de violência e delinquência entre jovens associada às novas tecnologias que se verifica em Espanha. Fala-se de novos padrões de delinquência e dimensões como bullying, violência sexual ou mal-estar psicológico são grandes áreas de preocupação.

Como também aqui escrevi, no início de Fevereiro o Instituto de Apoio à Criança propôs a criação de um Plano Nacional de Prevenção e Combate a Violência nas escolas.

De facto, trata-se de uma questão que merece séria reflexão e intervenção e recupero outros indicadores.

A UTAD realizou um trabalho relativo à violência escolar divulgado em 2023, desenvolvido entre 2018 e 2022 que envolveu 7139 alunos(as) dos 12 aos 18 anos, de 61 estabelecimentos do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e secundário do Continente e Açores.

Considerando alguns divulgados, 68% dos alunos (4837) revelaram ter sido vítima de algum comportamento de agressão. Num outro olhar, 64%, (4634) assume afirma já ter praticado alguma forma de violência para com um colega.

Deixem-me insistir em duas ou três questões que retomo de reflexões anteriores. Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Importa também acentuar que fora dos contextos escolares, o padrão relacional entre adultos, de todas as condições, exprime também com demasiada frequência violência e descontrolo de diferente natureza e efeito. O comportamento agressivo, verbal, físico, psicológico, etc., tornou-se quase, um novo normal em múltiplos contextos.

Sabemos também que a ideia de que a “família educa e a escola instrói” já não colhe e espera-se que a escola não forme “apenas” técnicos, mas cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas.

Um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Para além dos dados referidos são também preocupantes indicadores relativos à violência nas relações de namoro entre jovens, sendo que muitos a entendem como “normal”, tal como inquietam o volume de episódios de bullying, ou os consumos de álcool ou droga.

Parece-me importante que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" façam parte do trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar o que é também abordado pelo IAC ainda que não tenham que ser “disciplinarizadas”. Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das políticas públicas. Como tenho referido, precisamos e devemos discutir sempre como fazer, com que recursos e objectivos e promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, insisto, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e da insegurança.

Esta é a grande responsabilidade das políticas públicas e os resultados mostram alguma falência que nos custa caro.

Não é possível que a leitura regular da imprensa escrita, sobretudo nos últimos tempos e no que respeita à educação tenha na terminologia de boa parte dos trabalhos publicados e sem qualquer ordenação de frequência ou preocupação, alunos desmotivados, agressões a professores, agressões a alunos, agressões a funcionários, “bullying”, violência escolar, humilhações, falta de autoridade dos professores, imagem social degradada dos professores, professores desmotivados, famílias incompetentes, pais negligentes, demissão familiar, indisciplina, recusa, contestação, insucesso, facilitismo, burocracia, currículos desajustados, insegurança, medo, receio, etc.

Intencionalmente não referi a onda de informação relativa à situação vivida pelos professores que, também, não pode ser dissociada de todo o universo da educação.

No entanto, apesar de reconhecer a gravidade de muitas situações insisto na necessidade de uma palavra de optimismo.

A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades bem conhecidas e nem sempre reconhecidas, do que ainda está por fazer e dos incidentes que se registam, o trabalho desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na maioria das situações e em termos globais, apesar dos incidentes que se registam e isso deve ser sublinhado. Na sua esmagadora maioria, professores, técnicos, funcionários e alunos fazem a sua parte.

Uma comunidade não pode conviver com o medo diário de deixar os seus filhos sair de casa para a escola, tal como não pode conviver com o mal-estar persistente dos profissionais. Mantendo um realismo lúcido, é preciso que se aborde e converse sobre o tudo da escola e não apenas sobre o mau da escola. A insistência exclusiva neste discurso terá um efeito devastador na confiança e expectativas de alunos, famílias e professores face ao presente e ao futuro.

Sim, não é tudo, mas os miúdos precisam de se sentir seguros.

Tal como os pais.

Tal como os professores.

Tal como os técnicos.

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