Leio no Público que o Movimento Menos Ecrãs, Mais Vida foi recebido no MECI com o objectivo de discutir “a regulação do uso de smartphones nas escolas portuguesas e o projecto-piloto dos manuais digitais”.
O Movimento está ligado à petição
“Viver o recreio escolar, sem ecrãs de smartphones!", lançada em Maio de
2023 e recolheu 23169 assinaturas.
Temo que esta matéria seja das
que dificilmente gerará consensos até pela latitude de uma eventual proibição,
designadamente no que respeita a idades e a definição dos espaços escolares ou
actividades em que possa ser proibida a utilização, salas de aula, recreios ou
na totalidade.
Importa saber que diversos países
têm tomado iniciativas neste sentido o que quase parece inevitável dada a forma
como os telemóveis e as suas possibilidades evoluíram e rapidamente
massificaram a sua utilização, desde os mais novos aos mais velhos, ainda que
com níveis de competências e utilização diferenciadas.
Entretanto, também por cá algumas
escolas já definiram restrições e a legislação será diferenciada desde a não
utilização na escola à restrição em sala de aula incluindo professores e os
contactos dos pais.
Ainda me lembro de há alguns anos
me interrogar se precisaria de um telemóvel e também me lembro de há algum
tempo, numa conversa com pais, uma mãe me perguntar a que idade eu entendia que
ela poderia dar um telemóvel à filha. Perguntei a idade, a gaiata tinha 5 anos,
mas, disse mãe, já muitas colegas da sala tinham e a filha também queria este
novo apêndice das nossas mãos.
Esta “sobreutilização” dos
telemóveis, em todos os ambientes, incluindo casa e escola, os riscos de
diferente natureza que são conhecidos e reconhecidos, têm vindo de forma cada
vez mais insistente a colocar a questão de a minimizar ou mesmo proibir.
Por outro lado, também temos a
percepção das potencialidades que estes dispositivos oferecem pelo que, sem
surpresa, temos uma questão complexa e, como disse acima, de difícil consenso.
A UNESCO já divulgou algumas
orientações no sentido da limitação da utilização dos telemóveis nas escolas. Como
referi acima, em alguns países, mas também em Portugal, vão surgindo escolas e
agrupamentos que vedam a sua utilização no espaço escolar, incluindo intervalos
e sabemos que o ME pediu ao Conselho de Escolas um parecer que foi no sentido
de remeter as decisões para a esfera de autonomia de escolas e agrupamentos.
Nesta questão estão envolvidas variáveis
como a idade dos alunos, os espaços de utilização ou proibição e as actividades
em que poderão, ou não, ser permitida a utilização dos telemóveis o que torna o
escrutínio e a decisão mais complexa.
Parece-me particularmente
interessante que esta pertinente discussão ocorra em plena época de
deslumbramento com a chamada “transição” digital que mantém a decisão da
realização das provas de MoDA (Monotorização da Aprendizagem) do 4º e 6º ano em
formato digital.
Muitas vezes e desde há muito
tempo tenho abordado estas questões nestes espaços, bem como na intervenção
profissional, fundamentalmente com pais e nos contextos escolares a propósito
dos impactos nas relações sociais e em fenómenos de cyberbullying.
No entanto, ainda que se possam
compreender as razões que sustentam as proibições, o uso excessivo e
desregulado, as decisões de proibição não parecem ser consensuais. Também não
tenho a convicção de que uma estratégia de proibição, só por si, devolva crianças
e adolescentes à interacção pessoal e a outros hábitos comportamentais mais
interessantes embora, obviamente, seja imprescindível a regulação do seu uso o
que não significará, necessariamente, uma “lei seca” para telemóveis.
Por outro lado, também não é rara
a utilização de telemóveis associada a actividades de aprendizagem.
Do meu ponto de vista seria
importante também colocar a questão a montante, a utilização que todos damos a
estes dispositivos. Seria muito interessante e desejável que se discutisse a
sério (incluindo crianças e jovens) nas comunidades educativas a regulação dos
comportamentos e definição de regras e limites, sem “superpais”, sem
“superfilhos” ou “superprofessores”. No entanto, esta discussão tem de ser
acompanhada pela nossa, adultos, pais e/ou profissionais, regulação da sua
utilização. Se olharmos para muitas famílias em “convívio” ou para muitos
contextos profissionais em “reunião” verificaremos os ecrãs que muitos terão à
sua frente e perceberemos o que está por fazer, comportamento gera
comportamento.
Como já referi, também me parece
que este movimento deve ser enquadrado na mudança que felizmente também parece
estar a emergir refreando o deslumbramento pela “transição digital” que,
enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas
nos processos educativos, também volta a defender a importância de abordagens
metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à
mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente
ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas
importantes de desenvolvimento e aprendizagem.
A ver vamos com a coisa evoluirá
por cá quando estamos submersos por um tsunami de transição digital e, claro,
de inovação e capacitação.
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