terça-feira, 3 de setembro de 2024

TELEMÓVEIS E ESCOLA. OUTRA VEZ

 Leio no Público que o Movimento Menos Ecrãs, Mais Vida foi recebido no MECI com o objectivo de discutir “a regulação do uso de smartphones nas escolas portuguesas e o projecto-piloto dos manuais digitais”.

O Movimento está ligado à petição “Viver o recreio escolar, sem ecrãs de smartphones!", lançada em Maio de 2023 e recolheu 23169 assinaturas.

Temo que esta matéria seja das que dificilmente gerará consensos até pela latitude de uma eventual proibição, designadamente no que respeita a idades e a definição dos espaços escolares ou actividades em que possa ser proibida a utilização, salas de aula, recreios ou na totalidade.

Importa saber que diversos países têm tomado iniciativas neste sentido o que quase parece inevitável dada a forma como os telemóveis e as suas possibilidades evoluíram e rapidamente massificaram a sua utilização, desde os mais novos aos mais velhos, ainda que com níveis de competências e utilização diferenciadas.

Entretanto, também por cá algumas escolas já definiram restrições e a legislação será diferenciada desde a não utilização na escola à restrição em sala de aula incluindo professores e os contactos dos pais.

Ainda me lembro de há alguns anos me interrogar se precisaria de um telemóvel e também me lembro de há algum tempo, numa conversa com pais, uma mãe me perguntar a que idade eu entendia que ela poderia dar um telemóvel à filha. Perguntei a idade, a gaiata tinha 5 anos, mas, disse mãe, já muitas colegas da sala tinham e a filha também queria este novo apêndice das nossas mãos.

Esta “sobreutilização” dos telemóveis, em todos os ambientes, incluindo casa e escola, os riscos de diferente natureza que são conhecidos e reconhecidos, têm vindo de forma cada vez mais insistente a colocar a questão de a minimizar ou mesmo proibir.

Por outro lado, também temos a percepção das potencialidades que estes dispositivos oferecem pelo que, sem surpresa, temos uma questão complexa e, como disse acima, de difícil consenso.

A UNESCO já divulgou algumas orientações no sentido da limitação da utilização dos telemóveis nas escolas. Como referi acima, em alguns países, mas também em Portugal, vão surgindo escolas e agrupamentos que vedam a sua utilização no espaço escolar, incluindo intervalos e sabemos que o ME pediu ao Conselho de Escolas um parecer que foi no sentido de remeter as decisões para a esfera de autonomia de escolas e agrupamentos.

Nesta questão estão envolvidas variáveis como a idade dos alunos, os espaços de utilização ou proibição e as actividades em que poderão, ou não, ser permitida a utilização dos telemóveis o que torna o escrutínio e a decisão mais complexa.

Parece-me particularmente interessante que esta pertinente discussão ocorra em plena época de deslumbramento com a chamada “transição” digital que mantém a decisão da realização das provas de MoDA (Monotorização da Aprendizagem) do 4º e 6º ano em formato digital.

Muitas vezes e desde há muito tempo tenho abordado estas questões nestes espaços, bem como na intervenção profissional, fundamentalmente com pais e nos contextos escolares a propósito dos impactos nas relações sociais e em fenómenos de cyberbullying.

No entanto, ainda que se possam compreender as razões que sustentam as proibições, o uso excessivo e desregulado, as decisões de proibição não parecem ser consensuais. Também não tenho a convicção de que uma estratégia de proibição, só por si, devolva crianças e adolescentes à interacção pessoal e a outros hábitos comportamentais mais interessantes embora, obviamente, seja imprescindível a regulação do seu uso o que não significará, necessariamente, uma “lei seca” para telemóveis.

Por outro lado, também não é rara a utilização de telemóveis associada a actividades de aprendizagem.

Do meu ponto de vista seria importante também colocar a questão a montante, a utilização que todos damos a estes dispositivos. Seria muito interessante e desejável que se discutisse a sério (incluindo crianças e jovens) nas comunidades educativas a regulação dos comportamentos e definição de regras e limites, sem “superpais”, sem “superfilhos” ou “superprofessores”. No entanto, esta discussão tem de ser acompanhada pela nossa, adultos, pais e/ou profissionais, regulação da sua utilização. Se olharmos para muitas famílias em “convívio” ou para muitos contextos profissionais em “reunião” verificaremos os ecrãs que muitos terão à sua frente e perceberemos o que está por fazer, comportamento gera comportamento.

Como já referi, também me parece que este movimento deve ser enquadrado na mudança que felizmente também parece estar a emergir refreando o deslumbramento pela “transição digital” que, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também volta a defender a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

A ver vamos com a coisa evoluirá por cá quando estamos submersos por um tsunami de transição digital e, claro, de inovação e capacitação.

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