A propósito de uma peça no Público, “Duas professoras com 30 anos de diferença: “A escola é o melhor sítio do mundo, não é?...” umas notas.
Aproxima-se o início das aulas e,
sinais dos tempos e consequência da negligência ou incompetência das políticas
públicas, falamos fundamentalmente das aulas que os alunos não vão ter e, naturalmente,
da falta de professores que as ministrem.
A verdade é que não me lembro de
nos últimos anos a classe docente estar tão presente na agenda como nos dias
que vivemos. Os seus problemas e as consequências a curto e médio prazo, sendo
conhecidos de há muito, são agora claramente reconhecidos apesar de algumas
tentativas de torcer a realidade. São recorrentes as referências à preocupante
falta de professores, ao envelhecimento da classe, os níveis de cansaço e de
exaustão emocional, a menor atracção dos mais jovens pela profissão associada a
modelos de carreira, contratação e valorização pouco motivadores e justos. Os
professores passam por dispositivos de avaliação pouco transparentes e
competentes que desmotivam, causam mal-estar e climas institucionais pouco
amigáveis, para ser simpático na adjectivação.
Também é de registar que de uma
forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.
Este quadro, de um mal-estar
reconhecido, não pode deixar de ter impacto. Como muitas vezes afirmo,
crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional,
constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos
porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo
(quase) passa pela escola e pela educação. Entre nós, este entendimento ainda
me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social
e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e
educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a
dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos
professores.
Múltiplas acções e decisões
políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm
contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e
comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar
dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os
portugueses mais confiam.
A atenção que tem estado centrada
nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo
que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos
seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e
também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a
verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons
Professores.
Ser professor no ensino básico e
secundário por razões conhecidas e por vezes esquecidas, é hoje uma tarefa de
extrema dificuldade e exigência que social e politicamente justifica um
reconhecimento e valorização frequentemente negligenciados. Acresce que é uma
tarefa desempenhada por uma classe extremamente envelhecida e cansada como tem
sido amplamente estudado e divulgado.
Por um momento, pensemos no que é
ser professor em algumas escolas que décadas de incompetência na gestão
urbanística, nas políticas sociais e consequente guetização social produziram.
Pensemos ainda na forma como
milhares de professores cumprem a sua carreira, muitos deles sem a
possibilidade de desenharem projectos de vida para si quando são os principais
responsáveis por lançar projectos de vida para os miúdos com quem trabalham. Aliás,
nos últimos anos, milhares de professores, de bons professores e professores
necessários, foram constrangidos à reforma e muitos ao desemprego por uma
política de contabilidade inimiga da educação pública e da qualidade.
Curiosamente, tenta-se que retornem a um lugar onde podem ter sido felizes e tinham
esperança e de onde muitos saíram cansados e decepcionados.
Pensemos em como os professores
são injustiçados nas apreciações de muita gente que no minuto a seguir a dizer
uma qualquer ignorante barbaridade, vai numa espécie de exercício
sadomasoquista entregar os filhos nas mãos daqueles que destrata, depreendendo-se
assim que, ou quer mal aos filhos ou desconhece os professores e os seus
problemas.
Pensemos como é imprescindível
que a educação e os problemas dos professores não sejam objecto de luta
política baixa e desrespeitadora dos interesses dos miúdos, mesmo por parte dos
que se assumem como seus representantes.
Pensemos que a forma como os
miúdos, pequenos e maiores, vêem e se relacionam com os professores está
directamente ligada à forma como os adultos os vêem e os discursos que fazem.
Pensemos finalmente nos
professores que nos ajudaram a chegar ao que hoje cada um de nós é, aqueles que
carregamos bem guardadinhos na memória, pelas coisas boas, mas também pelas
más, tudo contribuiu para sermos o que somos.
A valorização social e
profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta
imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e
reconhecimento passam também pela necessidade de modelos de avaliação justos e
transparentes que sustentem, reconheçam e promovam competência, empenho e
atracção pela profissão.
Gostava ainda de deixar uma ideia
do enorme João dos Santos, “O Professor João, foi meu professor porque foi meu
amigo” e uma convicção pessoal que a idade cada vez mais cimenta, qualquer
professor ou educador, tanto ou mais do que aquilo que sabe, ensina aquilo que
é. É da relação que tudo nasce numa sala de aula, qualquer que seja a
configuração.
A verdade é que de todos os
professores que connosco se cruzaram, os que mais nos marcaram positivamente
foi sobretudo pelo que eram e menos pelo que nos ensinaram, por mais importante
que seja.
Estamos a entrar num novo ano que
começa tão velho como o que terminou. Não vale a pena negar a realidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário