segunda-feira, 30 de setembro de 2024

UMA FAMÍLIA, UMA DAS IRREDUTÍVEIS NECESSIDADES DAS CRIANÇAS

 No JN encontra-se uma peça que nos deve fazer pensar. Quatro irmãos com cinco, seis, sete e oito anos foram institucionalizados uma primeira vez por estarem expostos a violência doméstica do pai sobre a mãe. Tendo voltado a estar com a mãe foram de novo institucionalizados por terem sido deixado ao cuidado de terceiros enquanto a mãe trabalhava. Por decisão da primeira instância iriam ser encaminhados para adopção. No entanto, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que o regresso das crianças ao lar da mãe “é a única decisão adequada”.

Não conhecendo os pormenores do processo entendo que esta decisão do Tribunal da Relação é respeitadora de um princípio inalienável, uma família é um bem de primeira necessidade para o bem-estar das crianças e só em circunstâncias excepcionais devem ser retiradas para institucionalização e, ou, adopção. Importa ainda não esquecer as dificuldades que muitas crianças e adolescentes institucionalizados ou em famílias de acolhimento sentem para encontrar uma família adoptiva.

Recordo um estudo de Paulo Delgado do Instituto Politécnico do Porto, creio que divulgado em 2018, referindo que as crianças evidenciam uma percepção de bem-estar significativamente diferente consoante estejam em família tradicional, 9.05 numa escala de 0 a 10, em famílias de acolhimento, 8.69 e em instituições, 7.61.

Também há algum tempo um trabalho da Universidade do Minho mostrou que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.

A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Também deve acentuar-se o trabalho de grande qualidade que muitas instituições procuram desenvolver. Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que por razões de ordem variada não devem ter crianças no seu seio, fazem-lhes mal, pelo que a retirada pode ser uma necessidade que o superior interesse da criança justifica sendo um princípio estruturante das decisões neste universo.

Uma família é, de facto, um bem de primeira necessidade.

domingo, 29 de setembro de 2024

A QUALIFICAÇÃO É UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE

 Lê-se no Público que, de acordo com dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, o número de estudantes inscritos no ensino superior, público e privado, no último ano lectivo voltou a ser o mais alto embora com uma subida menor que no ano anterior.

Não pode deixar de ser uma boa notícia, a qualificação é um bem de primeira necessidade para sustentar projectos de vida bem-sucedidos.

No entanto, nas actuais circunstâncias sociais e económicas, designadamente na situação de deslocados, muitos estudantes têm dificuldade em continuar.

Como aqui escrevi há algum tempo, de acordo com o Infocursos de 2024, que está a subir a taxa desistência dos alunos do superior no final do primeiro ano. Em 2022/2023, a taxa de desistência dos estudantes de licenciatura nestas circunstâncias era de 11,10% considerando a oferta de mais de 6 mil cursos de 282 instituições de ensino superior. É o número mais elevado dos últimos 8 anos e está a subir há quatro anos consecutivos.

A mesma situaçãoverifica-se com os alunos de cursos técnicos superiores profissionais revelando uma taxa de desistência de 26,9% em 2022/2023.

A estes indicadores não serão certamente alheios os custos da frequência do ensino superior ou o “desencanto” com a escolha.

Como referi acima, a qualificação é um bem de primeira necessidade e um forte contributo para projectos de vida bem-sucedidos o abandono é sempre preocupante.

Temos assistido um aumento do número de candidatos a bolsa, tal como em aumentado o número de estudantes que entra no ensino superior. Também é reconhecido que se tem verificado perda de rendimento de muitas famílias em consequência do impacto económico e social da pandemia e dos tempso qua também agora se vivem.

No entanto, apesar destas dimensões poderem constituir alguma justificação creio que importa não esquecer uma questão de natureza estrutural, estudar no ensino superior é muito caro em Portugal. Também a recente alteração do regulamento de atribuição de bolsas não minimizou esta situação.

Algumas notas começando por alguns dados que já aqui tenho citado.

De acordo com Relatório do CNE, "Estado da Educação 2019", a percentagem de alunos que em Portugal acede a bolsas de estudo para o 1º ciclo do superior está no segundo escalão mais baixo da análise, entre 10 e 24,9%. Para comparação, Irlanda, Países Baixos estão no intervalo entre 25% e 49,9% e a Suécia no superior a 75%. Países como Espanha, França, Reino Unido e muitos outros têm percentagens de alunos com apoio superiores a nós e, sem estranheza, também maior nível de qualificação.

Em 2018 foi divulgado um estudo já aqui citado, “O Custo dos Estudantes no Ensino Superior Português” da responsabilidade do Instituto de Educação da U. de Lisboa, relativo ao ano lectivo de 2015/2016 mostrando que cada estudante universitário gastou em média 6445€ em despesas como propinas, material escolar, alojamento ou alimentação. Os alunos de instituições universitárias privadas têm uma despesa perto dos 10000€ e nos politécnicos privados o custo será de 8296€. De facto, sendo a qualificação superior um bem de primeira necessidade para os cidadãos e para o país, é um bem muito caro, demasiado caro para muitas famílias e indivíduos.

Estudos comparativos internacionais, “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe”, por exemplo, também mostram que as famílias portuguesas são das que suportam uma fatia maior dos custos de frequência do superior sendo que ainda se verifica uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias.

Apesar de um abaixamento do valor as propinas no ensino público, as dificuldades sentidas por muitos estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado com valores bem mais altos de propinas, são, do meu ponto de vista, consideradas frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.

A qualificação é a melhor forma de promover desenvolvimento e cidadania de qualidade pelo que apesar de ser um bem caro é imprescindível.

sábado, 28 de setembro de 2024

JÁ NÃO AGUENTO, É MUITO DIFÍCIL

 No Público encontra-se uma referência a um trabalho realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em que, com base em dezenas de estudos internacionais, se encontra uma significativa relação entre a exposição às redes sociais e o aumento do risco de comportamentos autolesivos em crianças e adolescentes ainda que, naturalmente, não se estabeleçam relações de causa e efeito.

Os comportamentos autolesivos observados em crianças, adolescentes e jovens é uma das questões mais inquietantes para quem por qualquer razão está ligado ao universo dos mais novos, parece de acordo com os autores do estudo estar a aumentar e justifica o retomar de algumas notas.

Quando uma criança ou adolescente provoca sofrimento ligeiro, moderado ou severo a si próprio toda a comunidade perceberá que o mal-estar é enorme e importa estar atento e intervir.

Recupero os dados do trabalho, "A Saúde dos adolescentes Portugueses" de 2022, que integra o estudo internacional "Health Behaviour in School-aged Children", da responsabilidade da OMS, realizado de quatro em quatro anos e coordenado em Portugal pela excelente equipa da Aventura Social, de que destaco Margarida Gaspar de Matos e Tânia Gaspar. Na altura da sua divulgação também aqui registei estes e outros dados que justificam reflexão.

O estudo envolveu 5809 alunos do 6.º, 8.º e 10.º anos, uma amostra representativa destes anos de escolaridade. A natureza e diversidade dos dados encontrados justificará várias reflexões, mas hoje consideremos os indicadores relativos a adolescentes que se magoam a si próprios num quadro de mal-estar. Este comportamento é referido por 24,6% dos inquiridos, maioritariamente raparigas e mais no 8º ano. Em 2018, último estudo, a percentagem era de 19,6%. Trata-se, de facto, de um dado inquietante e reflexo do mal-estar em muitos adolescentes que é coerente com outros indicadores do trabalho.

Alguns estudos internacionais apontam para cerca de 10% da população em idade escolar com comportamentos autolesivos pelo que os dados encontrados em Portugal são, de facto, preocupantes. Conheceremos melhor a situação comparativa quando estes dados forem cruzados com os de outros países envolvidos

Na verdade, os comportamentos autolesivos em adolescentes são mais frequentes do que muitas vezes pensamos e devem ser encarados com preocupação. E os casos que vão sendo conhecidos são apenas isso, os conhecidos, a ponta do iceberg.

Num estudo da Universidade de Coimbra, creio que divulgado em 2017, que envolveu 2.863 adolescentes, entre os 12 e os 19 anos, a frequentar o 3.º ciclo e o ensino secundário em escolas do distrito de Coimbra se referia que cerca de 20% afirma já tinha desencadeado comportamentos autolesivos pelo menos uma vez na vida.

É justamente por esta dimensão e as suas potenciais consequências que me parece fundamental entender tudo isto como um sinal muito forte do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem e a verdade é que em muitas situações não conseguimos estar suficientemente atentos. Este mal-estar e o que daí pode emergir decorrem de situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por exemplo nas suas diferentes formas ou relações degradadas na família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social que serão indutoras de comportamentos autodestrutivos.

Neste contexto e dado a relação de boa parte de crianças, adolescentes e jovens com as redes sociais percebe-se a relação encontrada no estudo referido acima e, simultaneamente, a dificuldade de intervenção

Também como causa deste mal-estar pode referir-se a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem em lidar com situações de insucesso escolar. Estas dificuldades são frequentemente potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição que por vezes se instala.

Os tempos estão difíceis e crispados para muitos adultos e também para os miúdos a estrada não está fácil de percorrer.

Como disse, alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família.

Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um espaço, nem sempre um espaço físico, insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos, mas perdidos.

Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e que um projecto para a vida é apenas mantê-la ou que nem isso vale a pena.

Alguns convencem-se ou sentem que a escola não está feita para que nela caibam e onde podem ser vitimizados.

Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar fazendo diferente.

Alguns transportam diariamente um fardo excessivamente pesado e que os torna vulneráveis.

Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário pois muitos destes adolescentes e jovens terão evidenciado no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa ou na escola, espaço onde passam boa parte do seu tempo. Aliás, alguns testemunhos ouvidos no âmbito dos recentes e mediatizados casos mostram isso mesmo.

De facto, em muitos casos, designadamente, em comportamentos autolesivos ou estados mais persistentes de tristeza e isolamento, pode ser possível perceber sinais e comportamentos indiciadores de mal-estar. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. É também importante que pais e professores atentos não hesitem nos pedidos de ajuda ou apoio para lidar com este tipo de situações.

O sofrimento e mal-estar induzem uma espiral de comportamentos em que os adolescentes causam sofrimento a si próprios o que promove mais sofrimento num ciclo insuportável e com níveis de perplexidade, impotência e sofrimento para as famílias também extraordinariamente significativos.

Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos mais novos, nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado. Também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.

Alguns destes miúdos carregam diariamente uma dor de alma que sentem, mas nem sempre entendem ou têm medo de entender.

Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou de bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.

Eles não sabem, eu também não, o que é a alma. Um adolescente dizia-me uma vez, “dói-me aqui dentro, não sei onde”.

Muitos pais, mostra-me a experiência, sentem-se de tal forma assustados que inibem um pedido de ajuda por se sentirem impotentes e perplexos.

O resultado de tudo isto pode ser trágico e obriga-nos a uma atenção redobrada aos discursos e comportamentos dos adolescentes e dos jovens."

Desculpem a insistência nestas questões, mas é necessário.

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

É PRECISO POUPAR

 Certamente com o objectivo já anunciado de tornar a carreira docente mais atractiva, o MECI decidiu retirar aos docentes o equipamento que lhes permite utilizar serviços digitais fora da escola.

Entendendo ainda que “no poupar é que está o ganho”, mantém os recursos para acesso digital gratuito apenas aos alunos integrados nos escalões da Acção Social Escolar e aos alunos envolvidos nos projectos de manuais digitais. É uma medida que se compreende, sabemos todos que o universo de necessidades das famílias apenas aflige as famílias dos alunos com apoio da “cabe” e a transição digital passou do “deslumbramento” a bem de “luxo”.

Sim, boa parte de nós recorre à net fora dos locais de trabalho a expensas próprias, mas os tempos de trabalho dos docentes escola/casa têm alguma especificidade, sendo ainda que muitos professores estão deslocados o que onera o uso dos recursos digitais.

Quanto aos alunos, a acessibilidade garantida é um princípio que salvaguarda a equidade nas oportunidades e no acesso aos recursos.

Considerando o montante envolvido também não parece que possa ser uma medida de “poupança” ou realocação de recursos imprescindível.

A verdade é que há muito que no que se refere às políticas públicas de educação já pouco me espanta e muito me preocupa.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

AINDA A INDISCIPLINA EM CONTEXTO ESCOLAR

 A propósito da criação do Observatório da Convivência Escolar pela Federação Nacional de Educação (FNE) destinado a reportar os incidentes de natureza disciplinar ocorridos em contextos escolares, foi-me solicitada a colaboração numa peça do Público.

O que disse foi no sentido do que escrevi no Atenta Inquietude quando foi divulgada a iniciativa da FNE a que o MECI poderá associar-se.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

AS PALAVRAS MAL DITAS

 Numa intervenção pública ontem na visita a uma escola em Braga o Ministro da Educação afirmou, cito do PúblicoAs comunidades escolares estão mobilizadas, os directores, os professores estão mobilizados, penso que conseguimos trazer tranquilidade, normalidade àquilo que deve ser o início de um ano lectivo. O balanço é positivo porque há uma mudança grande em relação ao ano anterior, isso é evidente. Temos uma mudança no estado de espírito e é isso que é essencial: que a escola dê aquilo que as famílias esperam que dê".

Na mesma intervenção afirmou "Há demasiados alunos sem aulas, estes dados estão sempre a mudar, mas, provavelmente, temos mais de 200 mil alunos sem aulas ainda. Mas é um problema que estamos a tentar resolver com medidas de emergência. Temos um concurso a decorrer para as zonas que são mais afectadas para esta falta".

Aos 70 anos e ligado à educação desde que entrei na escola aos seis anos já não é fácil sentir-me surpreendido, mas a verdade é que ainda me espanto.

Então temos tranquilidade, normalidade, mudança de estado de espírito e … mais de 200 mil alunos anda não têm aulas uma semana depois do seu início!!

Devo dizer que registo, aliás referi isso por aqui, algumas mudanças e orientações no sentido que me parece positivo por parte do MECI, mas não é aceitável falar em “tranquilidade” e “normalidade”.

Umas notas breves de um não especialista sobre a questão da comunicação, sobretudo das lideranças políticas.

A primeira questão é exactamente essa, o peso social do mensageiro condiciona o conteúdo da mensagem, ou seja, a mesma frase não tem o mesmo valor afirmada por um cidadão comum ou proferida por uma figura com responsabilidades de decisão, neste caso em matéria de cultura e políticas públicas nesta área. Aliás, trata-se do ministro da Educação.

Pode sempre afirmar-se que haverá alguma razão nas afirmações ou que a intenção não traduz o valor facial das afirmações.

No que respeita à eventual razão, mesmo que em algumas situações pudesse ser entendida, toda a gente as ouve pelo que não podem deixar de as analisar e levar em consideração.

Quanto à intenção, a sua não existência, e até posso esforçar-me por acreditar que não exista, não colhe.

É verdade que numa certa altura do desenvolvimento dos miúdos, o seu desenvolvimento moral e intelectual leva-os a considerar que a sua não intenção de realizar algo, desculpa o que aconteceu, tal entendimento traduz-se no frequente "foi sem querer" e como "foi sem querer", não tem problema.

Neste patamar, não funciona o "foi sem querer" e não podemos dizer a primeira "coisa que nos passa pela cabeça".

A questão é que as lideranças, as que verdadeiramente lideram, apesar de não possuírem, felizmente, o dom da infalibilidade e da perfeição, não podem, não devem proferir determinadas palavras e persistirem teimosamente na sua afirmação.

Existem, neste caso e não só de agora, muitas crianças e adolescentes que não estão a ver efectivamente cumprido um dos inalienáveis direitos, o direito à educação.

Trata-se de mais um exemplo de palavras (mal)ditas que ao longo dos anos têm sido proferidas por muita gente dos vários quadrantes políticos e áreas de intervenção.

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

DA INDISCIPLINA EM CONTEXTO ESCOLAR

 No Observatório da Convivência Escolar criado pela FNE, estará a partir de Outubro um portal para reportar as situações de indisciplina, a indisciplina que “não sai dos muros da escola”. Ao que se lê no Público, a iniciativa poderá contar com o envolvimento do MECI.

Estamos ainda no início de um ano lectivo marcado pelo universo dos problemas que envolvem a profissão docente, designadamente, a falta de professores e o envelhecimento e mal-estar da profissão docente. Não se vislumbra a imprescindível serenidade que o trabalho de professores, técnicos e alunos exige.

Apesar deste contexto e dado o início das actividades escolares pareceu-me oportuno retomar umas notas sobre uma dimensão muito presente e fonte de inquietação do trabalho dos docentes, o comportamento dos alunos em sala de aula, designadamente, as situações de indisciplina que tanto solicitam a intervenção dos docentes com impacto nas actividades de ensino e aprendizagem e constituem tema recorrente no trabalho realizado com professores.

Deixo também uma pequena conversa sobre esta matéria realizada em 2023 e que se encontra no YouTube em “IspaTalks: Indisciplina em contexto escolar? Olhares da psicologia - José Morgado

Voltando às notas, recordo que o trabalho da OCDE, “TALIS 2018 Results (Volume I) Teachers and School Leaders as Lifelong Learners”, referia que em Portugal e de acordo com as respostas dos docentes inquiridos, o tempo gasto em sala de aula no controle do comportamento dos alunos é superior à média da OCDE. Nas nossas salas de aula, 73.5% do tempo é usado em actividades de ensino e aprendizagem e na OCDE a média é de 78.1% sendo o tempo restante dedicado a questões de burocracia, controle de assiduidade e, sobretudo ao comportamento. Aliás, o comportamento é também um dos factores fortemente associados aos níveis de cansaço e risco de exaustão verificados na classe docente e potenciados pela elevada média de idades. Creio que o cenário não terá tido alterações para melhor.

Em primeiro lugar julgo que importa clarificar o que está em causa. Quebrar as regras de funcionamento da sala de aula ou da escola serão indisciplina, insultar, humilhar, confrontar fisicamente um professor, comportamentos frequentes de agressão ou roubos a colegas configuram pré-delinquência ou delinquência e bullying ou comportamentos disruptivos podem ainda estar ligados a perturbações de natureza psicológica.

A escola, os professores, não pode ser responsabilizada e considerada competente para lidar e “resolver” todo este universo de problemas nos comportamentos dos mais novos. Para situações de pré-delinquência ou perturbações do comportamento pode, evidentemente, dar contributos, mas não assumir a responsabilidade pelo que importa clarificar a análise.

Centremo-nos então na indisciplina escolar que considero matéria de competência da escola e matéria de responsabilidade de toda a comunidade, incluindo, obviamente, os pais.

Ainda no 1º ciclo e de uma forma geral as crianças têm um entendimento ajustado sobre quais os comportamentos adequados em sala de aula que, naturalmente, com a idade se torna mais sólido. Assim sendo e numa abordagem simples, sabendo as crianças e adolescentes quais os comportamentos adequados por que razão ou razões não os assumem de forma consistente? Não estou a falar de alunos “certinhos”, testar regras e limites faz parte do desenvolvimento, mas de comportamentos que de uma forma continuada e excessiva perturbam o funcionamento das aulas.

A este cenário e para além do que se passa em matéria de educação familiar no que respeita à promoção da auto-regulação dos comportamentos, parece-me importante referir que todas as figuras sociais a que se colam traços de autoridade por exemplo, pais, professores, médicos, polícias, idosos, etc., viram alterada a representação social sobre esses traços o que, se traduz, na relação estabelecida.

As mudanças significativas no quadro de valores e nos comportamentos criam dimensões novas em torno de um problema velho, a indisciplina. Daqui decorre, por exemplo, que restaurar a autoridade dos professores, tal como era percebida há décadas, é uma impossibilidade porque os tempos mudaram e não voltam para trás. Pela mesma razão, não se fala em restaurar a relação pais – filhos nos termos em que se processava antigamente e falar da "responsabilização" dos pais é interessante, mas é outro nada.

Um professor, de qualquer ciclo ou nível de ensino, ganha tanta mais autoridade quanto mais competente, apoiado e valorizado se sentir. Os dispositivos de apoio suficientes e competentes ao trabalho de professores e alunos constituem uma variável central no que respeita à indisciplina, mas não só à indisciplina.

Também por isto se questiona a constituição de mega-agrupamentos e de escolas e turmas com dimensões excessivas, variável associada à indisciplina escolar.

É também importante reflectir sobre a formação de professores nestes conteúdos. As escolas e os dispositivos de formação de professores não podem “ensinar” só o que sabem ensinar, mas o que é necessário ser aprendido pelos novos, mas poucos professores que o sistema recebe, e pelos professores em serviço.

Parece também importante a existência de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a existência de recursos humanos qualificados e disponíveis. Já temos suficiente experiência, existem boas iniciativas em muitas escolas permitem disponibilizar algum apoio aos pais dos miúdos “maus” que querem ter miúdos “bons” e identificar as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais exigirá outras medidas que envolvam, eficazmente e em tempo oportuno as CPCJ que se espera terem os recursos necessários.

Um caminho de autonomia, com a alteração desejável dos modelos de organização e funcionamento das escolas e na gestão curricular, deve permitir que as escolas, algumas escolas, mais problemáticas, estando ou não integradas em TEIP tivessem menos alunos por turma, mais assistentes operacionais com formação em mediação e gestão de conflitos, mais técnicos ou ainda que se utilizassem mais professores em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades. As dificuldades dos alunos estão com muita frequência na base do absentismo e da indisciplina, os alunos com sucesso, em princípio, não faltam e não apresentam grandes problemas de indisciplina.

Parece-me de acentuar que os estudos sugerem com clareza a existência de impacto positivo do menor número de alunos por turma no clima e comunicação na sala de aula, na maior facilidade de práticas educativas mais diferenciadas, no comportamento dos alunos, etc., o que, evidentemente deve ser considerado.

Dispositivos assentes em tutorias que envolvam os alunos mais problemáticos parecem um bom contributo desde que realizadas com tempo, recursos e formação ajustados.

Por outro lado, os estudos e as boas práticas, mostram também que a presença simultânea de dois professores é uma boa ferramenta de promoção de sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos também na prevenção da indisciplina. Não é, evidentemente, uma hipótese para os tempos actuais em que faltam professores para assegura aulas para todos os alunos, mas é algo que deve ser integrado nas políticas públicas de educação.

Os professores também sabem que na maior parte das vezes, os alunos indisciplinados não mudam os seus comportamentos por mais suspensões que sofram. É evidente que importa admitir sanções, no entanto, fazer assentar o combate à indisciplina nos castigos aos alunos é ineficaz, é facilitista na medida em que é a medida mais fácil e mais barata, é demagógica porque vai ao encontro dos discursos populistas que aplaudem a ideia do "prender" do "expulsar" até ficarem só os nossos filhos.

O problema é quando também nos toca a nós, aí clamamos por apoios.

Os discursos demagógicos e populistas, não são um bom serviço à minimização dos muito frequentes incidentes de indisciplina que minam a qualidade cívica da nossa vida além, naturalmente, da qualidade e sucesso do trabalho educativo de alunos, professores e pais.

Desculpem um texto tão longo.

domingo, 22 de setembro de 2024

DOS SEM-ABRIGO. DE NOVO

 Numa peça do Público li que, de acordo com a presidente da associação CAIS, o número de pessoas sem-abrigo está a aumentar particularmente entre a população migrante.

Apesar do trabalho desenvolvido no âmbito da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem Abrigo 2025-2030 aprovada em Março e já objecto de revisão conforme referiu Henrique Jardim o seu gestor.

Apesar de ter aumentado o número de pessoas retiradas dessa condição, parece também ter aumentado o número global de pessoas sem-abrigo.

Os dados mais recentes, de 2022, confirmam esse aumento e registam a existência de 10.700 pessoas na condição de sem-abrigo. O Alentejo, a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve são as regiões em que se verificam proporções mais elevadas de pessoas nessa situação.

Considerando a experiência de Henrique Joaquim e a sua própria avaliação dos recursos e vontades disponíveis quero acreditar num processo com alguns resultados. A ver vamos.

No entanto, parece-me que não devemos esquecer que continua a ser muito grande o mundo dos sem-abrigo. São muitos, demasiados, os sem-abrigo do mundo.

São muitos, os sem-abrigo num porto que os acolha, uma casa, uma família, um espaço a que dêem vida e que lhes apoie a vida.

São muitos, os sem-abrigo, mesmo com família ou em instituições.

São muitos, os sem-abrigo no afecto, nos afectos, sem um coração que os abrigue.

São muitos os sem-abrigo em escolas onde não cabem.

São muitos, os sem-abrigo em mundos que não são seus. São muitos, os sem-abrigo em culturas que não entendem e que não querem entendê-los.

São muitos, os sem-abrigo num corpo que seja aconchego para o seu corpo.

São muitos, os sem-abrigo em valores que cada vez mais predominante e que não os reconhecem.

São muitos, os sem-abrigo em vidas que lhes não pertencem, mas carregam. São muitos, os sem-abrigo no aceder e no gostar das coisas de que a vida também se tece.

Muitos destes sem abrigo vivem à nossa beira, sem-abrigo, não contabilizados, nem contabilizáveis.

sábado, 21 de setembro de 2024

MAL-ESTAR, UM NOVO NORMAL?

Foram divulgados dados do Inquérito às Condições Socioeconómicas e Académicas dos Estudantes do Ensino Superior coordenado pelo ISCTE com respostas de 10600 alunos do ensino superior público e privado no ano lectivo 22/23. É relevante saber que 9% dos alunos referiram ter um problema de saúde mental o que duplica o resultado, 4,4%, do inquérito realizado em 20/21.

Vão sombrios os tempos. Recordo ainda o inquérito realizado pela Universidade de Lisboa entre Abril e Junho de 2022 abrangendo 7756 alunos dos cerca de 52 000 de todas as faculdades da Universidade que também já tinha dados inquietantes.

Apenas 36,4% dos alunos refere sentir "engagement académico" pelo menos uma vez por semana. A equipa que promoveu o estudo definia este quadro como “estado psicológico de bem-estar cognitivo-afectivo positivo".

Mais pesado se torna o cenário se considerarmos que apenas 14,5% diz sentir este bem-estar na maior parte do tempo. No que respeita a indicadores de saúde mental, 15,3% revelam sintomas burnout, 25% dos estudantes revelam níveis severos ou muito severos de stress, 26,4% apresenta níveis de ansiedade e 25,2% de depressão. Desde 2015 aumentaram 300% os serviços de apoio psicológico.

Os dados não são surpreendentes, estão em linha com outros estudos, nacionais ou internacionais como o que hoje refiro, mas são preocupantes, muito preocupantes.

Estamos a falar da faixa etária entre os 18 e os 23 anos, ainda que também tenham sido inquiridos estudantes de doutoramento e estamos a falar de etapa muito relevante no seu percurso de vida.

Partindo do princípio que a maioria frequentará cursos escolhidos que sustentarão a construção de projectos de vida que, seria de esperar numa perspectiva optimista, que podendo ser uma etapa dura e com obstáculos pudesse criar uma imagem de futuro que motivasse e alimentasse um quotidiano de trabalho exigente, certamente, mas vivido com alguma motivação.

A minha relação com alunos do superior foi mostrando há já algum tempo sinais deste mal-estar.

O que me parece verdadeiramente inquietante é não conseguir vislumbrar como poderemos em tempo útil reverter esta situação e promover ajustamentos, e que ajustamentos, nos cenários de vida destes jovens que são o nosso futuro.

É certo que foi anunciado que no início de Outubro os alunos do ensino superior poderão aceder a consultas de psicologia e nutrição realizando o pedido site Gov.pt, que será lançado a 30 de Setembro.

O mal-estar, em todas as faixas etárias, parece ser um novo normal. Que raio de mundo é este? 

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

DO BULLYING

 Li no Expresso que a ministra da Juventude e Modernização informou que o Governo decidiu criar um Grupo de Trabalho para combater o bullying escolar. O Grupo apresentará os primeiros resultados(?!) em Dezembro.

Confesso que tenho muita pouca esperança nos resultados dos Grupos de Trabalho. Como é habitual constituem-se Grupos de Trabalho basicamente por duas razões, por tudo e por nada. A questão é o que, de facto, pouco acontece ou muda após os “resultados” do Grupo de Trabalho. Nas mais das vezes surgem mais alguns dados que não acrescem ao que já se sabe, aparecem algumas ideias ou boas intenções que, quase sempre, não passam disso mesmo e poucas mudanças nas áreas que são objecto do trabalho do Grupo de Trabalho.

No entanto, pode ser que este Grupo de Trabalho seja uma mais-valia face ao contexto actual em que o bullying é fonte de sofrimento e mal-estar para muitas crianças, adolescentes e jovens. A ver vamos.

Relativamente ao fenómeno do bullying e em particular do cyberbullying, não há muito de novo a dizer, continua a ser fonte de sofrimento para muitas crianças e jovens e, naturalmente, uma fonte de preocupação para famílias, professores e técnicos. No ano lectivo 22/23 a GNR registou 140 crimes de bullying e cyberbullying no ano lectivo 22/23. No entanto, esta será apenas uma parte pequena do volume de episódios, muitos dos quais sem divulgação.

Importa insistir nesta questão e retomo algumas notas.

Um relatório da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia divulgado em Maio afirmava que cerca de 66% dos alunos portugueses da comunidade LGBTIQ sofreram bullying ou foram humilhados na escola.

Um trabalho que aqui referi, “Global estimates of violence against children with disabilities: an updated systematic review and meta-analysis”, divulgado em  2022 na The Lancet Child & Adolescent Health, mostrou com indicadores alarmantes, mas, lamentavelmente, não surpreendentes. Cerca de uma em cada três crianças ou adolescentes com deficiência é vítima de algum tipo de violência, física, emocional, sexual ou negligência. No caso mais particular do bullying verifica-se um significativo nível de vitimização, cerca de 40% das crianças com deficiência terá sido alvo deste tipo de comportamento. O bullying presencial, violência física, verbal ou social como bater, pontapear, insultar, ameaçar ou excluir é mais comum, 37%, do que o cyberbullying (23%).

O estudo recorreu a dados relativos a mais de 16 milhões de crianças de 25 países, recorrendo ao tratamento de 98 estudos, realizados entre 1990 e 2020, de que 75 respeitam a países de mais elevados rendimentos e 23 relativos a sete países de baixo ou médio rendimento.

Os dados conhecidos no que respeita ao bullying e considerando que não correspondem ao universo de ocorrências, mostram a necessidade de uma séria reflexão e intervenção nos contextos educativos que chegue a todos os alunos e que promova a qualidade das relações interpessoais, a empatia, solidariedade e inteligência emocional, etc.

O cyberbullying parece ser actualmente a variante de bullying mais preocupante. Contrariamente ao bullying presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana, pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s) agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a um menor nível de empatia pelo outro o que ficou muito claro no primeiro trabalho citado acima e que merece leitura.

Também por estas razões é fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.

Em termos globais e como já referi, a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores, técnicos ou funcionários.

Este cenário determinaria, só por si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.

Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada a sinais dados por crianças e adolescentes, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.

Neste universo e mais uma vez importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.

Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e suporte. Entretanto estão criados vários portais e estão disponíveis alguns canais de denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente, alunos.

Lamentavelmente, parte importante das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.

A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.

Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar e sofrimento a que, por vezes, não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.

Estes sinais não devem ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.

Esperemos que o Grupo de Trabalho seja ponto de partida num caminho adequado, minimizar o risco de sofrimento para muitas crianças, adolescentes e jovens.

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

A SÉRIO?!

 Como não podia deixar de ser, são quase cinco décadas de trabalho nesta área, propus-me ler com a maior atenção a entrevista de Alexandre Homem Cristo, secretário de Estado Adjunto e da Educação, ao Expresso. Trata-se de um reconhecido especialista com obra realizada no complexo mundo da educação e com uma sólida reflexão nas diferentes matérias que integram este universo.

E, de facto, é muito estimulante o conteúdo e destaco uma referência aos conteúdos programas, uma questão sempre em aberto e em movimento.

Ficámos a saber que todas as disciplinas terão o seu currículo revisto, ainda que, num rasgo de prudência, acentue que “umas mais profundas que outras”.

E justifica solidamente a necessidade pois o actual cenário, as ”aprendizagens essenciais”, já foram homologadas há seis anos, uma eternidade. E como afirma de forma absolutamente genial o Senhor Secretário de Estado especialista, “O currículo tem de ser forçosamente dinâmico, não pode ser perpétuo”.

Do meu ponto de vista é brilhante a análise, um currículo não pode ser perpétuo e como sabem todos os que se movem neste universo é o que se tem passado nas últimas décadas, são os mesmos currículos, precisam claramente de revisão.

Fiquei a pensar e só me ocorreu a ideia de Tomás de Lampedusa em O Leopardo, na versão mais conhecida, “Tudo deve mudar para que tudo fique na mesma”.

Ainda não consegui acabar de ler e pensar no resto da entrevista.

Daí este meu cansaço.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

SEMENTES DE MAL-ESTAR

 É impossível não ficar impressionado com o grave episódio ocorrido numa escola básica da Azambuja. Um aluno com 12 anos feriu de forma aleatória seis colegas, sendo que três ainda estão hospitalizados.

É ainda causa de grande perplexidade a ocorrência de uma situação desta natureza desencadeada por alguém com 12 anos que, aparentemente, não demonstrava sinais que indiciassem o risco de o realizar.

Dito isto, também sabemos que nos tempos que correm o clima social, relacional e emocional nas comunidades de que fazemos parte nem sempre é muito amigável e cria caldos de cultura relacional em que o clima nas comunidades é ele próprio menos favorável ao bem-estar.

Apesar de em Portugal estes casos de violência extrema serem menos frequentes e de menor gravidade que noutros países, levam-nos a questionar os nossos valores, modelos educativos, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.

Esta perplexidade exige a necessidade de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na infância e adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas, mas que insidiosamente começam a ganhar um peso interior insuportável cuja descarga apenas precisa de um gatilho, de uma oportunidade. 

A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva, possa drenar esse mal-estar, nessa altura já desregulação de valores, ódio e agressividade. Uma outra via em que aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um ataque numa escola ou noutro espaço público ou uma investida contra alguém arriscando a entrada numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente.

É evidente que a detenção constitui um importante sinal de combate à sensação de impunidade perigosamente presente na nossa comunidade, mas é minha forte convicção de que só punir e prender não basta assim, como apenas a mudança do quadro legal de acesso a armas não faria, só por si, com que não acontecessem episódios desta dimensão trágica.

Sabendo que prevenção e programas comunitários e de integração têm custos, importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da violência, de delinquência continuada ou de insegurança.

Importa ainda estratégias mais proactivas e eficientes de minimizar, a exclusão, o abandono e insucesso educativos, o “mal-estar” psicológico e problemáticas de saúde mental, a guetização e "quase total" e, muitas vezes, a desocupação de quem não estuda, nem trabalha. Para esta gente, o futuro passa por onde, por quem e porquê?

Finalmente, a importância de uma precoce e permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

CHEGOU O INFERNO

 O Verão nem estava a correr muito mal, mas parece inevitável. Chegou o inferno e chega com a força brutal que já conhecemos e que não conseguimos minimizar de forma significativa.

Todos os anos surgem as campanhas, avisos e apelos. Anunciam-se novas estruturas de resposta rápida e meios de combate, somos informados de melhorias nos dispositivos de prevenção e combate, no aumento de meios à disposição, na racionalização da gestão dos recursos, etc. etc.

No entanto, quando chegam os grandes incêndios, as ondas de calor trazem-nos no ventre, tudo recomeça.

Desde logo a comunicação social, sobretudo a televisiva, de forma frequentemente sem pudor, respeito e competência, a mostrar o "terreno", o "cenário dantesco", a ouvir "moradores que passaram uma noite em branco", a ouvir o "senhor comandante dos bombeiros", a referir os "meios aéreos, dois Canadairs e um Kamov ou a falta deles", a ouvir os "responsáveis locais ou regionais da protecção civil", a gravar despudoradamente imagens de dor, sofrimento e perda de gente anónima que tendo quase nada, vê arder o quase tudo. Um filme sempre visto e sem surpresas.

É evidente que temperaturas muito altas e vento que nos caracterizam durante os meses de Verão são condições desfavoráveis, mas, apesar de alguns progressos, a falta de prevenção, a negligência, a delinquência e a incompetência nas políticas públicas continuam a dar um contributo fortíssimo ao inferno que sobressalta cada Verão.

Sem nenhuma espécie de conhecimento destas matérias, para além do interesse e preocupação de um cidadão minimamente atento e preocupado com os custos enormes destes cenários de destruição, tenho alguma dificuldade, considerando a dimensão do nosso país, em compreender a inevitabilidade e, sobretudo, a dimensão destes cenários. Os espanhóis têm por uso afirmar que os incêndios se combatem no Inverno, nós combatemo-los no inferno.

Trata-se de um destino que não pode ser evitado? Trata-se de uma área de negócios, a fileira do fogo, que, pelos muitos milhões que envolve, importa manter e fazer funcionar sazonalmente? Trata-se "só" de incompetência na decisão política e técnica em termos de resposta e prevenção? Trata-se da falência de modelos de desenvolvimento facilitadores de desertificação e abandono, designadamente das áreas rurais?

O poeta falava de um fogo que arde sem se ver, é bonita a imagem. Mas quando um fogo arde e se vêem os seus efeitos devastadores e dramáticos para tantas pessoas, dói e não se perdoa.

Parece sina, passamos o ano inteiro a tentar apagar fogos.

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

ROTINAS

 A partir de hoje todos os alunos deveriam estar com aulas. Lamentavelmente, muitos não terão professores que leccionem todas as disciplinas. É incómodo continuar a ouvir gente com responsabilidades neste cenário enjeitá-las sem um sobressalto. Como diria a minha Avó Leonor, é gente sem espinha.

Bom, falemos então do que deveria ser normal, o regresso às aulas e o iniciar ou retomar de rotinas. Algumas notas a propósito de rotinas e comportamentos que muitas vezes abordei no trabalho com pais e professores.

Como muitas vezes aqui tenho referido preocupa-me que em muitos contextos familiares as crianças cresçam com alguma dificuldade de regulação e, sobretudo, auto-regulação dos seus comportamentos. Esta situação traduz-se na forma como se comportam nos diferentes espaços nos quais passam os dias, sobretudo em casa e na escola.

Como também já tenho partilhado, em muitos diálogos com pais transparece alguma dificuldade, por várias razões, na definição de regras e limites que com bom senso e flexibilidade são imprescindíveis como organizadores do comportamento dos miúdos.

Para além disso, de há uns tempos para cá começou a registar-se em muitos pais um discurso crítico das rotinas que, naturalmente, é decorrente da forma como olham para a sua vida e das suas crenças e representações. Começaram a ouvir-se afirmações no sentido de combater a instalação de rotinas por oposição à importância da criatividade, da inovação, da não repetição sistemática de comportamentos ou procedimentos, etc.

A questão é que, do meu ponto de vista este entendimento, assenta no enorme equívoco de entender que dimensões que estes pais e, creio, a maioria de nós, considera importantes como criatividade e inovação, por exemplo, seriam incompatíveis com a instalação de rotinas, elas próprias também essenciais ao desenvolvimento e funcionamento das crianças devido, fundamentalmente, à sua função reguladora e organizativa. O resultado em muitas circunstâncias e contextos educativos, familiares ou mais formais era, é, um funcionamento desregulado, desorganizado e sem regras.

Entre os adultos o equívoco está ainda presente de forma mais nítida. Ouve-se com alguma frequência a afirmação de se ser contra as rotinas como forma de emancipação intelectual e social pelo que, “detestam rotinas”.

Para todos e em particular para os mais novos, as rotinas cumprem funções fundamentais na nossa organização e funcionamento. A sua existência organiza-nos e, curiosamente, até acontece com frequência que é sua existência que nos permite “libertar” disponibilidade para outras direcções. Como é óbvio, nada desta conversa contraria a importância que na nossa vida tem o lado do imprevisto, da mudança, da criatividade ou da quebra das rotinas. Também não tem a ver com a defesa de um funcionamento obsessivamente estruturado, que corre o sério risco de se desorganizar quando algum pormenor de rotina se altera.

Mas é preciso insistir, as crianças precisam de ter o seu dia a dia com rotinas estabilizadas e reguladoras como, sono, refeições, banho, comunicação/relação com os pais, tarefas de natureza escolar ou outras, etc.

São um bem de primeira necessidade.

domingo, 15 de setembro de 2024

A TERRA GRETADA

 


Os tempos vão ásperos para os homens e para a natureza. A terra anseia pela água regeneradora que a rejuvenesça e permita ser fabricada. Está seca, gretada e dura.

Por aqui, os antigos diziam que não chovendo pela festa de Ferreira certamente chove pela Feira D’Aires que se realiza no próximo fim-de-semana. A ver vamos.

Era bom que chegasse, não dá para mexer na terra, seria gastar combustível e o ferro das alfaias. Começa a ser tempo de colocar umas couves, as chamadas couves do Natal, alho francês e o mais que é próprio do Outono e Inverno.

E são assim os dias ainda quentes do Alentejo.


sábado, 14 de setembro de 2024

E SE SIMPLIFICAR FOSSE UMA ORIENTAÇÃO?

 Para além da situação crítica relativa à falta de docentes que, entretanto, e sem estranheza, já origina uma guerra de números entre a anterior e a actual equipa do Ministério, têm sido conhecidas algumas medidas ou intenções que em termos de princípio me parecem no sentido certo ainda que com alguns aspectos a carecer de ajustamento, caso das provas de MoDa que substituem as provas de aferição e “não contam para nada” o que julgo de alterar.

Dessas medidas destaco os apoios a alunos migrantes com ajustamento na disciplina Português Língua Não Materna, tutorias pedagógicas de natureza preventiva para alunos em início de escolaridade ou o reforço do combate ao abandono escolar precoce. Ainda uma referência ao terminar do projecto MAIA e da sua pesada carga burocrática e o anúncio da promoção da análise da velocidade de leitura dos alunos dos primeiros anos.

Estas medidas de que se espera mais conhecimento levantam uma pequeníssima dúvida, de que forma e com que recursos, professores e técnicos, serão operacionalizadas?  O recurso a profissionais aposentados ou, pelo contrário, em formação, não é uma opção sustentável.

Por outro lado, julgo que se torna indispensável caminhar no sentido de diminuir a burocracia asfixiante que obriga as escolas, professores e directores, a uma espécie de "agitação improdutiva" consumindo esforço e recursos que, basicamente, apenas alimenta o cansaço e a ineficácia promovendo mais problemas que contributos para soluções.

A experiência mostrará certamente o impacto que medidas neste sentido terão na realidade escolar, mas qualquer passo no sentido de devolver tempo e tranquilidade aos professores e de economizar processos será positivo.

O quotidiano das escolas, dos professores está mergulhado numa complexa teia de procedimentos, situações, medidas, iniciativas, designações, acções, preenchimentos, actividades, relatórios, grelhas, indicadores, etc., na qual se enredam os processos educativos, a essência do trabalho que envolve alunos, professore e técnicos.

A esta dimensão do trabalho das escolas e agrupamentos acresce a gama sem fim de Planos, Projectos, Programas, Iniciativas, as combinações são múltiplas, destinados a tudo e mais alguma coisa, certamente relevantes e, sobretudo, inovadores.

Assim, em linha com o que por aqui já por aqui tenho sugerido, desejado, que alguma vez e de forma bem vincada, a tutela estabeleça a simplificação como orientação central nas diferentes dimensões das políticas públicas de educação.

Seria desejável e necessário que o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação a simplificação, professores, técnicos, alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível, se aliviasse a pressão “grelhadora” e a carga burocrática a que habitualmente escolas e professores estão sujeitos e que agora parece ser objecto de “emagrecimento”.

Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm de realizar e estão a realizar.

Sempre que falo desta questão recordo-me do Mestre João dos Santos, a quem tarda uma homenagem com significado nacional, quando dizia, cito de memória pelo privilégio de ainda o ter conhecido e ouvido, que em educação o difícil é trabalhar de forma simples, é mais fácil complicar, mas, obviamente, menos eficaz, menos produtivo e muito mais desgastante.

Talvez valesse a pena tentarmos esta via de mais simplificação. As circunstâncias já são suficientemente complicadas.

Como por aqui se diz, deixem lá ver.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

ESCOLA A TEMPO INTEIRO OU EDUCAÇÃO A TEMPO INTEIRO

 No Expresso encontra-se uma peça dedicada ao tempo que as crianças passam na escola para a qual me foi solicitado um pequeno contributo. A propósito retomo algumas notas em linha com o que de há muito venho a afirmar.

De acordo com o Relatório da OCDE “Education at a Glance, 2023” que a peça refere os alunos portugueses entre o 1.º e o 6.º ano têm um número médio de horas lectivas um pouco mais alto que a média da UE, 874 horas obrigatórias face a 738 na média da EU.

No entanto, considerando o horário curricular, as Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à Família, a estadia dos alunos na escola pode atingir bem mais de 40 horas semanais se os pais necessitarem. Muitos alunos estão mesmo nas escolas 50h ou mais por semana.

Este cenário inscreve-se no âmbito de uma iniciativa, a “Escola a Tempo Inteiro”.

Sabemos como os estilos e modelos da vida actual, a organização do trabalho, colocam graves dificuldades às famílias para assegurarem a guarda das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos miúdos nas instituições escolares alimentando o que considero um dos vários equívocos no universo da educação, a afirmação de uma visão de “Escola a Tempo Inteiro” em vez de “Educação a Tempo Inteiro”. O modelo é bem recebido por muitos pais e tolerado por muitos outros por falta de alternativas. No entanto e tal como o faço desde 2006, algumas notas a pensar, sobretudo, nos miúdos e nas respostas.

Para além da reflexão sobre o que acontece nesse tempo de permanência na escola e tal como se verifica noutros países, seria imperioso que se alterassem aspectos como a organização do trabalho, verificada em muitos países, que minimizassem as reais dificuldades das famílias recorrendo, por exemplo e quando possível, a teletrabalho ou à diferenciação nos horários de trabalho que em alguns sectores e profissões é possível.

É preciso um esforço enorme, equipamentos e recursos humanos suficientes e qualificados para que não se corra o risco de transformar a escola numa “overdose” pouco amigável para muitos miúdos. As dúvidas relativamente a esta questão são muitas.

É verdade que existem boas práticas neste universo, mas também todos conhecemos situações em que existe a dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação em trabalho não curricular. Acresce que boa parte das escolas, como é natural, têm os seus espaços estruturados (e por vezes saturados) sobretudo para salas de aula. Espaços para prática de actividades desportivas ou de ar livre, expressivas, biblioteca, auditórios, etc., etc., a existirem, dificilmente poderão ser suficientes para uma ocupação da população escolar alternativa à sala de aula.

Esta questão é também relevante no que respeita à qualidade e adequação da resposta a alunos com necessidades especiais.

Este obstáculo acaba por resultar com demasiada frequência na réplica de actividades de natureza escolar com baixo ou nulo benefício e um risco a prazo de desmotivação, no mínimo.

Por outro lado, tanto quanto o tempo excessivo de estadia na escola merece reflexão o risco e as implicações da natureza muitas vezes “disciplinarizada” desse trabalho, ou seja, organizado por tempos, de forma rígida próxima do currículo escolar.

A enorme latitude de práticas que se encontra actualmente, desde o muito bom ao muito mau, sustenta que também neste aspecto os dispositivos de regulação devam ser robustos e eficientes. Recordo que em muitas circunstâncias as AEC são desenvolvidas por entidades externas à escola pelo que importa assegurar a competência e responsabilidade da escola bem como a sua autonomia.

Na verdade, embora compreendendo a necessidade da resposta seria desejável que, tanto quanto possível se minimizasse o risco de em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja educativo a tempo inteiro com qualidade, preenchido na escola ou em espaços e equipamentos da comunidade, e aqui sim, importante o envolvimento das autarquias, assistirmos à definição de uma pesada agenda de actividades que pode motivar situações de relação turbulenta e reactiva com a escola.

Ao escrever estas notas lembrei-me que em 2007 participei num debate sobre as AEC na Vidigueira em que uma professora presente referiu um episódio elucidativo. Nesse ano e na sua escola tinha sido preparado um espaço para as crianças jogarem futebol. Um dos seus alunos fez a seguinte observação. “Quando eu tinha tempo para brincar não tinha um campo. Agora tenho um campo e não tenho tempo para jogar”.

Os miúdos andavam mal-habituados é o que é. Então a escola é sítio para jogar à bola mesmo havendo campo? Não, a escola é para trabalhar.

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

AOS VOSSOS LUGARES

 Entre hoje e a próxima segunda-feira iniciam-se as aulas embora não todas. Vivemos uma espécie de novo normal, por negligência ou incompetência das políticas públicas, faltarão professores para algumas disciplinas o que condicionará a actividade escolar para muitos alunos.

Já era tempo termos um ano lectivo que se iniciasse e decorresse com alguma serenidade. Ainda não será este, o universo da educação parece estar condenado ao sobressalto, os discursos não se centram no trabalho em sala de aula de alunos e professores, mas noutras dimensões da “escola” cujo relevo quase faz esquecer o que é central, aprender e ensinar num clima positivo e tranquilo.

Tanto está a ser dito, tanto deveria ser decidido que dificilmente serei capaz de acrescentar algo que não seja reforçar um apelo à serenidade e à competência.

Assim e pensando sobretudo pensar nos que estão ou vão iniciar a o seu percurso na escolaridade obrigatória, umas notas recorrentes relativas ao que se espera e deseja que aconteça nos próximos tempos, o trabalho de professores e alunos em sala de aula, as aulas, o que menos me parece ser objecto de reflexão.

Para a maioria das crianças e apesar da sua experiência na educação pré-escolar, a "entrada" na escola, ou melhor, o processo de início da escolaridade obrigatória, continua a ser uma experiência fundamental para o lançamento de um percurso educativo e formativo com sucesso.

Em muitíssimas circunstâncias da nossa vida, quando alguma coisa não correu bem, é possível recomeçar e tentar de novo esperando ser mais bem-sucedido. Todos experimentámos episódios deste tipo.

Pois bem, o processo de início da escolaridade envolve na verdade um conjunto de circunstâncias irreversíveis, ou seja, quando corre mal já não é possível voltar atrás e recomeçar com a esperança de que a situação vá correr melhor. Por isso se torna imprescindível que o começo seja positivo. Para isso, importa que seja pensado e orientado, que crie as rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais indispensáveis à aprendizagem e ao desenvolvimento bem-sucedidos.

Os tempos actuais tornam bastante mais difícil que assim seja, mas esse é o nosso grande desafio.

É fundamental não esquecer que por variadas razões, os miúdos à "entrada" na escola não estão todos nas mesmas condições, ambiente, experiências e recursos familiares, percurso anterior, características individuais, etc. o que exige desde o início uma atenção diferenciada que combata a cultura de que devem ser todos tratados da mesma maneira, normalizando o diferente, que alguma opinião publicada e ignorante defende. Muitas vezes os lugares da escola não conseguem acomodar a diversidade dos alunos, a escola ainda não chega a todos com a mesma qualidade.

Antes de, com voluntarismo e empenho, se tentar ensinar aos miúdos as coisas da escola é preciso, como sempre afirmo, dar tempo, oportunidade e espaço para que os miúdos aprendam a escola. Depois de aprenderem a escola estarão mais disponíveis para então aprender as coisas da escola.

Vai começar o tempo do trabalho "a sério" e muitas crianças irão rapidamente sentir-se pressionados para a excelência, o mundo não é para gente sem sucesso. Vão ter que adquirir competências, muitas competências, em variadíssimas áreas, porque é preciso ser bom em tudo e é preciso preparar para o futuro, curiosamente, descuidando, por vezes, o presente.

E vão também começar a perceber como anda confusa a cabeça dos adultos, como estamos sem perceber o nosso próprio presente e com dificuldade em antecipar o futuro, que será o presente deles.

Bom ano e bom trabalho para todos que fazem da escola os seus dias.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

OS CUSTOS DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR

 

Foi divulgado o relatório Educationat a Glance 2024, da OCDE que, como habitualmente, merece leitura.

Por agora umas notas sobre a educação pré-escolar considerando os países que disponibilizaram informação sobre esta área.  

Dada a resposta muito significativa de natureza privada, o Estado suporta 67% da despesa, menos 19 pontos que a média da OCDE em que o Estado suporta 86 e as famílias 33% o valor mais alto OCDE.

Apesar deste cenário, Portugal é um dos países com taxas mais elevadas de crianças a frequentar a educação pré-escolar, obviamente, com um esforço enorme das famílias. Ainda de acordo com o Education at a Glance 2024, em Portugal, à semelhança da maioria dos países da OCDE, as famílias com menor rendimento experimentam maior dificuldade no acesso a educação de infância no período até aos 2 anos. A diferença para as famílias com maior rendimento é de 25%, de 45 para 70%. Também esta diferença é superior à média que é de 19%.

A garantia do acesso à educação pré-escolar em Portugal é aos 3 anos, uma posição intermédia no contexto europeu. No entanto, a escolaridade obrigatória inicia-se aos seis anos tal como na maioria dos países europeus e como sabemos existem fortes dificuldades e assimetrias na resposta pública na educação pré-escolar o que explica os custos elevadíssimos suportados pelas famílias.

Sou dos tenho alguma reserva face à obrigatoriedade da frequência do jardim-de-infância aos três anos, mas defendo a universalidade do acesso. Dito de outra maneira, nenhuma criança com três anos deve ser obrigada frequentar jardim-de-infância, mas qualquer família que precise de aceder a esta resposta deve ter acesso e em condições acessíveis e com qualidade.

Assim, mais do que discutir sobre o alargamento da escolaridade obrigatória a partir dos três anos importa, isso sim, assegurar, a universalidade e acessibilidade da resposta o que ainda está longe de ser conseguido.

Sabemos que existem listas de espera de creches e jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias.

Acresce que para além da dificuldade de encontrar respostas os custos elevados do acesso aos equipamentos, boa parte privada ou da rede social, são dos mais altos no contexto europeu de acordo com o relatório "Starting Strong 2017" da OCDE e agora reforçados com o Education at a Glance 2024. Aliás esta questão é contributiva para a baixa natalidade tal como vários outros aspectos das políticas públicas, designadamente as políticas de família.

Reafirmo as dúvidas sobre a obrigatoriedade da frequência, mas tenho a maior convicção na necessidade de garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos criando uma rede de oferta com respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente.

Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas familiares e institucionais nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...

Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade universalmente acessível para os mais pequenos é uma delas.

No entanto e mais uma vez, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola, não deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no seu trajecto escolar.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

DELINQUÊNCIA EM CONTEXTOS ESCOLARES, O DIREITO AO OPTIMISMO

 De acordo com dados divulgados pela PSP relativos ao Programa Escola Segura, no último ano lectivo foram registadas 4044 ocorrências, mais 5,5% que no ano anterior, sendo que 2915 são de natureza criminal e 1129 não criminais. A subida está em linha com o aumento registado em 22/23, 9%.

A maioria dos casos reportados, 2873, ocorreram no interior do espaço escolar e maioritariamente fora da sala de aula.

Mantém-se o perfil já verificado em anos anteriores em termos de maior prevalência, ofensas à integridade física (1332), injúrias/ameaças (937) e furtos (468).

Retomo algumas notas que há pouco aqui deixei sobre esta questão que sendo, talvez, mais um sinal dos tempos que vivemos é preocupante.

Uma primeira nota para registar que também noutros países se verifica um trajecto da mesma natureza. No final de Janeiro, o Expresso referia a problemática crescente de violência e delinquência entre jovens associada às novas tecnologias que se verifica em Espanha. Fala-se de novos padrões de delinquência e dimensões como bullying, violência sexual ou mal-estar psicológico são grandes áreas de preocupação.

Como também aqui escrevi, no início de Fevereiro o Instituto de Apoio à Criança propôs a criação de um Plano Nacional de Prevenção e Combate a Violência nas escolas.

De facto, trata-se de uma questão que merece séria reflexão e intervenção e recupero outros indicadores.

A UTAD realizou um trabalho relativo à violência escolar divulgado em 2023, desenvolvido entre 2018 e 2022 que envolveu 7139 alunos(as) dos 12 aos 18 anos, de 61 estabelecimentos do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e secundário do Continente e Açores.

Considerando alguns divulgados, 68% dos alunos (4837) revelaram ter sido vítima de algum comportamento de agressão. Num outro olhar, 64%, (4634) assume afirma já ter praticado alguma forma de violência para com um colega.

Deixem-me insistir em duas ou três questões que retomo de reflexões anteriores. Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Importa também acentuar que fora dos contextos escolares, o padrão relacional entre adultos, de todas as condições, exprime também com demasiada frequência violência e descontrolo de diferente natureza e efeito. O comportamento agressivo, verbal, físico, psicológico, etc., tornou-se quase, um novo normal em múltiplos contextos.

Sabemos também que a ideia de que a “família educa e a escola instrói” já não colhe e espera-se que a escola não forme “apenas” técnicos, mas cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas.

Um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Para além dos dados referidos são também preocupantes indicadores relativos à violência nas relações de namoro entre jovens, sendo que muitos a entendem como “normal”, tal como inquietam o volume de episódios de bullying, ou os consumos de álcool ou droga.

Parece-me importante que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" façam parte do trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar o que é também abordado pelo IAC ainda que não tenham que ser “disciplinarizadas”. Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das políticas públicas. Como tenho referido, precisamos e devemos discutir sempre como fazer, com que recursos e objectivos e promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, insisto, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e da insegurança.

Esta é a grande responsabilidade das políticas públicas e os resultados mostram alguma falência que nos custa caro.

Não é possível que a leitura regular da imprensa escrita, sobretudo nos últimos tempos e no que respeita à educação tenha na terminologia de boa parte dos trabalhos publicados e sem qualquer ordenação de frequência ou preocupação, alunos desmotivados, agressões a professores, agressões a alunos, agressões a funcionários, “bullying”, violência escolar, humilhações, falta de autoridade dos professores, imagem social degradada dos professores, professores desmotivados, famílias incompetentes, pais negligentes, demissão familiar, indisciplina, recusa, contestação, insucesso, facilitismo, burocracia, currículos desajustados, insegurança, medo, receio, etc.

Intencionalmente não referi a onda de informação relativa à situação vivida pelos professores que, também, não pode ser dissociada de todo o universo da educação.

No entanto, apesar de reconhecer a gravidade de muitas situações insisto na necessidade de uma palavra de optimismo.

A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades bem conhecidas e nem sempre reconhecidas, do que ainda está por fazer e dos incidentes que se registam, o trabalho desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na maioria das situações e em termos globais, apesar dos incidentes que se registam e isso deve ser sublinhado. Na sua esmagadora maioria, professores, técnicos, funcionários e alunos fazem a sua parte.

Uma comunidade não pode conviver com o medo diário de deixar os seus filhos sair de casa para a escola, tal como não pode conviver com o mal-estar persistente dos profissionais. Mantendo um realismo lúcido, é preciso que se aborde e converse sobre o tudo da escola e não apenas sobre o mau da escola. A insistência exclusiva neste discurso terá um efeito devastador na confiança e expectativas de alunos, famílias e professores face ao presente e ao futuro.

Sim, não é tudo, mas os miúdos precisam de se sentir seguros.

Tal como os pais.

Tal como os professores.

Tal como os técnicos.

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

DOS PROFESSORES

 A propósito de uma peça no Público, “Duas professoras com 30 anos de diferença: “A escola é o melhor sítio do mundo, não é?...” umas notas.

Aproxima-se o início das aulas e, sinais dos tempos e consequência da negligência ou incompetência das políticas públicas, falamos fundamentalmente das aulas que os alunos não vão ter e, naturalmente, da falta de professores que as ministrem.

A verdade é que não me lembro de nos últimos anos a classe docente estar tão presente na agenda como nos dias que vivemos. Os seus problemas e as consequências a curto e médio prazo, sendo conhecidos de há muito, são agora claramente reconhecidos apesar de algumas tentativas de torcer a realidade. São recorrentes as referências à preocupante falta de professores, ao envelhecimento da classe, os níveis de cansaço e de exaustão emocional, a menor atracção dos mais jovens pela profissão associada a modelos de carreira, contratação e valorização pouco motivadores e justos. Os professores passam por dispositivos de avaliação pouco transparentes e competentes que desmotivam, causam mal-estar e climas institucionais pouco amigáveis, para ser simpático na adjectivação.

Também é de registar que de uma forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.

Este quadro, de um mal-estar reconhecido, não pode deixar de ter impacto. Como muitas vezes afirmo, crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional, constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo (quase) passa pela escola e pela educação. Entre nós, este entendimento ainda me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos professores.

Múltiplas acções e decisões políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os portugueses mais confiam.

A atenção que tem estado centrada nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons Professores.

Ser professor no ensino básico e secundário por razões conhecidas e por vezes esquecidas, é hoje uma tarefa de extrema dificuldade e exigência que social e politicamente justifica um reconhecimento e valorização frequentemente negligenciados. Acresce que é uma tarefa desempenhada por uma classe extremamente envelhecida e cansada como tem sido amplamente estudado e divulgado.

Por um momento, pensemos no que é ser professor em algumas escolas que décadas de incompetência na gestão urbanística, nas políticas sociais e consequente guetização social produziram.

Pensemos ainda na forma como milhares de professores cumprem a sua carreira, muitos deles sem a possibilidade de desenharem projectos de vida para si quando são os principais responsáveis por lançar projectos de vida para os miúdos com quem trabalham. Aliás, nos últimos anos, milhares de professores, de bons professores e professores necessários, foram constrangidos à reforma e muitos ao desemprego por uma política de contabilidade inimiga da educação pública e da qualidade. Curiosamente, tenta-se que retornem a um lugar onde podem ter sido felizes e tinham esperança e de onde muitos saíram cansados e decepcionados.

Pensemos em como os professores são injustiçados nas apreciações de muita gente que no minuto a seguir a dizer uma qualquer ignorante barbaridade, vai numa espécie de exercício sadomasoquista entregar os filhos nas mãos daqueles que destrata, depreendendo-se assim que, ou quer mal aos filhos ou desconhece os professores e os seus problemas.

Pensemos como é imprescindível que a educação e os problemas dos professores não sejam objecto de luta política baixa e desrespeitadora dos interesses dos miúdos, mesmo por parte dos que se assumem como seus representantes.

Pensemos que a forma como os miúdos, pequenos e maiores, vêem e se relacionam com os professores está directamente ligada à forma como os adultos os vêem e os discursos que fazem.

Pensemos finalmente nos professores que nos ajudaram a chegar ao que hoje cada um de nós é, aqueles que carregamos bem guardadinhos na memória, pelas coisas boas, mas também pelas más, tudo contribuiu para sermos o que somos.

A valorização social e profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e reconhecimento passam também pela necessidade de modelos de avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam competência, empenho e atracção pela profissão.

Gostava ainda de deixar uma ideia do enorme João dos Santos, “O Professor João, foi meu professor porque foi meu amigo” e uma convicção pessoal que a idade cada vez mais cimenta, qualquer professor ou educador, tanto ou mais do que aquilo que sabe, ensina aquilo que é. É da relação que tudo nasce numa sala de aula, qualquer que seja a configuração.

A verdade é que de todos os professores que connosco se cruzaram, os que mais nos marcaram positivamente foi sobretudo pelo que eram e menos pelo que nos ensinaram, por mais importante que seja.

Estamos a entrar num novo ano que começa tão velho como o que terminou. Não vale a pena negar a realidade.

domingo, 8 de setembro de 2024

DO FECHAMENTO DAS ESCOLAS

 Nos tempos que correm não é fácil encontrar boas notícias no mundo da educação, aliás, no mundo.

No JN li que, contrariamente previsto na carta educativa do concelho, já não encerrarão três estabelecimentos de ensino do 1º ciclo na área de Leiria. O aumento da população em idade escolar nesta zona geográfica assim o determinou.

Tal como me entristeceu e questionei o movimento de encerramento de escolas iniciado há uns anos, também me alegro com esta reabertura. Não será significativa para o país, mas é essencial para a comunidade.

Retomo umas notas sobre esta questão do encerramento de escolas que também está associado à criação de mega-agrupamentos que, muitos deles, se transformam em mega-problemas, mas esta é uma outra matéria.

Muitas das questões que se colocam em educação, como noutras áreas, independentemente da reflexão actual, solicitam algum enquadramento que nos ajudem a melhor entender o quadro temos no momento.

Como já tenho escrito a este propósito, durante décadas de Estado Novo, tivemos um país ruralizado e subdesenvolvido. Em termos educativos e com a escolaridade obrigatória a ideia foi “levar uma escola onde houvesse uma criança”. Tal entendimento minimizava a mobilidade e a abertura de espírito algo a evitar. No entanto, como é sabido, os movimentos migratórios e emigratórios explodiram e o interior entrou em processo de desertificação o que, em conjunto com a decisão de política educativa referida acima, criou um universo de milhares de escolas, sobretudo no 1º ciclo, com pouquíssimos alunos. Como se torna evidente e nem discutindo os custos de funcionamento e manutenção de um sistema que admite escolas com 2, 3 ou 5 alunos, deve colocar-se a questão se tal sistema favorece a função e papel social e formativo da escola. Creio que não e a experiência e os estudos revelam isso mesmo.

Parece, pois, ajustada a decisão de em muitas comunidades proceder a uma reorganização da rede.

É também verdade que muitas vezes se afirma que a “morte da escola é a morte da aldeia”. No entanto, creio que será, pelo menos de considerar, que os modelos de desenvolvimento económico e social promovem a litoralização e desertificação do interior. Apostas políticas erradas não contrariam este processo, antes pelo contrário, promovem-no fechando os equipamentos sociais, incluindo as escolas, uma das formas evidentes de fixação das pessoas. Cria-se assim um ciclo sem fim, as pessoas partem, fecham-se equipamentos, as pessoas não voltam ou continuam a partir. E este processo de definhamento vai-se alastrando. Talvez a manutenção das escolas em funcionamento ajude a fixar e atrair famílias.

Torna-se fundamental e urgente a coragem e a visão para outros caminhos.

Por outro lado, como referia acima, a concentração excessiva de alunos em centros educativos ou mega-agrupamentos não ocorre sem riscos, tornam-se mega-problemas. Para além de aspectos como distância a percorrer, tipo de percurso e apoio logístico, importa não esquecer que escolas demasiado grandes são mais permeáveis a insucesso escolar e exclusão, absentismo, problemas de indisciplina e outros problemas de natureza comportamental como bullying.

Neste cenário, a decisão de encerrar escolas não deve ser vista exclusivamente do ponto de vista administrativo e económico, não pode assentar em critérios generalizados esquecendo particularidades contextuais e, sobretudo, não servir como tudo parece servir em educação, para o jogo político.