O ME divulgou que as medidas constantes do Plano de Recuperação das Aprendizagens consideradas mais eficazes pelas escolas passarão a ser integradas e não com prazo de vigência finito, deixam de ser "conjunturais" e passam a ser "estruturais".
Parece uma medida positiva que,
no entanto, merece alguma reflexão pois creio que tudo isto deveria ser mais
sustentado. Algumas notas repescadas.
Em Conferência no Parlamento do
Grupo de Trabalho de Acompanhamento do Plano de Recuperação as Aprendizagens
foi apresentado um trabalho em que se revelava que dois terços dos alunos (66%)
que no último ano lectivo frequentavam o 2.º ano de escolaridade evidenciaram
um desempenho na leitura muito baixo ou abaixo da média.
Sendo importante a sua realização
e divulgação importa relembrar que nos últimos anos múltiplos estudos,
nacionais e internacionais, revelaram a existência de impactos embora também se
verificasse a necessidade de uma análise mais fina à natureza das dificuldades
mais globalmente percebidas. Abordei aqui algumas dessas iniciativas.
Neste contexto recupero algumas
notas que me parecem oportunas.
Em Agosto, o Tribunal de Contas
na auditoria ao Programa Escola 21/23+ considerou que “Existem insuficiências
na definição do Plano 21/23, como prioridades pouco claras, insuficiente
afectação de recursos, excessivo número de acções e inexistência de metas e de
indicadores para efeitos de monitorização e avaliação”.
Também no último relatório em
divulgado em Julho pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência,
se afirmava que não se verifica uma alteração significativa no perfil e adesão
ao conjunto de medidas contidas no plano de recuperação das aprendizagens
continuando os Planos de Desenvolvimento Pessoal, Social e Comunitário e Escola
a Ler como as medidas com maior actividade. É importante que também se afirmava
que ainda não era conhecida a avaliação relativa ao impacto das diferentes
medidas no desempenho dos alunos.
Também sabemos que os 3200
professores afectos ao Plano de Recuperação das Aprendizagens não continuarão
no próximo ano lectivo com os mesmos créditos horários para esse efeito pois o
ME preferiu privilegiar as medidas que mostraram "maior eficácia" nos
últimos dois anos que, aparentemente e com alguma surpresa, dispensam o
trabalho dos docentes.
Não estando devidamente avaliado,
sobretudo no seu objectivo central, recuperação das aprendizagens dos alunos,
como pode decidir-se cortar numa das áreas críticas, os recursos, o tempo de
trabalho dos professores? É, no mínimo, insensatez e incompetência que
dificilmente se explicam.
Em condições normais, por assim
dizer; não se conhecendo os efeitos que justificam o Plano, o impacto nas
aprendizagens dos alunos seria de esperar que medidas a tomar decorressem dessa
avaliação.
A situação actual das escolas e a
falta de docentes que se prolonga e ainda, claro, os efeitos da pandemia
justificariam que estes recursos continuassem nas comunidades escolares com um
horizonte mais alargado. Não se trata de um problema de conjuntura, é de
estrutura.
Parece ser consensual que o maior ou menor impacto nas aprendizagens que possam estar a acontecer, é extremamente diversificado em cada aluno. Parece razoavelmente claro que a diversidade de situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, os seus contextos familiares, etc., etc., sugerem que devem ser as escolas a avaliar as necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos, definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação. Para dar boas respostas é necessário fazer boas perguntas e os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos.
O que verdadeiramente é imprescindível é dotar as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais e serão sempre essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido e de processos desburocratizados.
Para além das narrativas
institucionais mais “simpáticas”, por assim dizer, a divulgação de resultados
de avaliações que quando comparados com a cada vez mais ameaçada avaliação
externa ou estudos como o agora conhecido deixam imensas dúvidas e o que se vai
sabendo das escolas mostra, sem surpresa, o conjunto de dificuldades que se
continuam a sentir. Recordo os recentes trabalhados divulgados pela DGEEC e do
IAVE que levantam várias questões que aqui abordei
Por outro lado, considerando os
indicadores relativos ao impacto das variáveis relativas ao contexto
sociofamiliar e económico dos alunos nos seus trajectos de aprendizagem não se
trataria de uma questão compatível com um Plano de curto prazo que está em
desenvolvimento e com sobressaltos conhecidos.
Não simpatizo com narrativas
sobre perdas irreparáveis, gerações perdidas ou outros discursos da mesma
natureza. No entanto, a verdade é que muitos alunos incluindo alunos com
necessidades especiais, independentemente da avaliação registada nas grelhas ou
nas pautas de avaliação passaram e passam por sobressaltos e dificuldades no
seu percurso escolar.
Neste contexto, a questão central
não deve ser definida em torno da recuperação dos efeitos da pandemia nas
aprendizagens ou no bem-estar através de planos de recuperação finitos, mas
sim, na mudança ao nível das políticas públicas dos diferentes países,
incluindo Portugal, que, para além de forma mais imediata “recuperarem
aprendizagens”, tenham impacto a prazo através de recursos suficientes e
competentes, definição de dispositivos de apoio eficientes e de acordo com as
necessidades, apoios sociais que minimizem vulnerabilidades que a escola não
suprime, valorização da educação e dos professores, diferenciação e autonomia
nas respostas das instituições educativas, etc.
Mais uma vez insisto na
necessidade de que o ME estabeleça a simplificação (desburocratização), não o
chamado facilitismo, como orientação central nas diferentes dimensões das
políticas públicas de educação.
Seria desejável e necessário que
o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em
utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação
a simplificação, professores alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação
deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível,
se aliviasse a pressão “grelhadora” e a burocracia asfixiante a que
habitualmente escolas e professores estão sujeitos.
Como é evidente, este apelo à
simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade
educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes
pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos,
professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm que
realizar e estão a realizar.
Sintetizando, para além da
conjuntura próxima importa considerar o que é estrutural e imprescindível em
nome do futuro, a qualidade da educação e uma educação de qualidade para todos.