terça-feira, 31 de outubro de 2023

PARA DAR BOAS RESPOSTAS É NECESSÁRIO FAZER BOAS PERGUNTAS

 O ME divulgou que as medidas constantes do Plano de Recuperação das Aprendizagens consideradas mais eficazes pelas escolas passarão a ser integradas e não com prazo de vigência finito, deixam de ser "conjunturais" e passam a ser "estruturais".

Parece uma medida positiva que, no entanto, merece alguma reflexão pois creio que tudo isto deveria ser mais sustentado. Algumas notas repescadas.

Em Conferência no Parlamento do Grupo de Trabalho de Acompanhamento do Plano de Recuperação as Aprendizagens foi apresentado um trabalho em que se revelava que dois terços dos alunos (66%) que no último ano lectivo frequentavam o 2.º ano de escolaridade evidenciaram um desempenho na leitura muito baixo ou abaixo da média.

Sendo importante a sua realização e divulgação importa relembrar que nos últimos anos múltiplos estudos, nacionais e internacionais, revelaram a existência de impactos embora também se verificasse a necessidade de uma análise mais fina à natureza das dificuldades mais globalmente percebidas. Abordei aqui algumas dessas iniciativas.

Neste contexto recupero algumas notas que me parecem oportunas.

Em Agosto, o Tribunal de Contas na auditoria ao Programa Escola 21/23+ considerou que “Existem insuficiências na definição do Plano 21/23, como prioridades pouco claras, insuficiente afectação de recursos, excessivo número de acções e inexistência de metas e de indicadores para efeitos de monitorização e avaliação”.

Também no último relatório em divulgado em Julho pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, se afirmava que não se verifica uma alteração significativa no perfil e adesão ao conjunto de medidas contidas no plano de recuperação das aprendizagens continuando os Planos de Desenvolvimento Pessoal, Social e Comunitário e Escola a Ler como as medidas com maior actividade. É importante que também se afirmava que ainda não era conhecida a avaliação relativa ao impacto das diferentes medidas no desempenho dos alunos.

Também sabemos que os 3200 professores afectos ao Plano de Recuperação das Aprendizagens não continuarão no próximo ano lectivo com os mesmos créditos horários para esse efeito pois o ME preferiu privilegiar as medidas que mostraram "maior eficácia" nos últimos dois anos que, aparentemente e com alguma surpresa, dispensam o trabalho dos docentes.

Não estando devidamente avaliado, sobretudo no seu objectivo central, recuperação das aprendizagens dos alunos, como pode decidir-se cortar numa das áreas críticas, os recursos, o tempo de trabalho dos professores? É, no mínimo, insensatez e incompetência que dificilmente se explicam.

Em condições normais, por assim dizer; não se conhecendo os efeitos que justificam o Plano, o impacto nas aprendizagens dos alunos seria de esperar que medidas a tomar decorressem dessa avaliação.

A situação actual das escolas e a falta de docentes que se prolonga e ainda, claro, os efeitos da pandemia justificariam que estes recursos continuassem nas comunidades escolares com um horizonte mais alargado. Não se trata de um problema de conjuntura, é de estrutura.

Parece ser consensual que o maior ou menor impacto nas aprendizagens que possam estar a acontecer, é extremamente diversificado em cada aluno. Parece razoavelmente claro que a diversidade de situações, o seu número, os anos de escolaridade dos alunos, as variáveis contextuais relativas a cada comunidade escolar, recursos disponíveis em cada comunidade, as necessidades específicas de muitos alunos, os seus contextos familiares, etc., etc., sugerem que devem ser as escolas a avaliar as necessidades, identificar os recursos necessários, estabelecer objectivos, definir metodologias e dispositivos de regulação e avaliação. Para dar boas respostas é necessário fazer boas perguntas e os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. 

O que verdadeiramente é imprescindível é dotar as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais e serão sempre essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido e de processos desburocratizados.

Para além das narrativas institucionais mais “simpáticas”, por assim dizer, a divulgação de resultados de avaliações que quando comparados com a cada vez mais ameaçada avaliação externa ou estudos como o agora conhecido deixam imensas dúvidas e o que se vai sabendo das escolas mostra, sem surpresa, o conjunto de dificuldades que se continuam a sentir. Recordo os recentes trabalhados divulgados pela DGEEC e do IAVE que levantam várias questões que aqui abordei

Por outro lado, considerando os indicadores relativos ao impacto das variáveis relativas ao contexto sociofamiliar e económico dos alunos nos seus trajectos de aprendizagem não se trataria de uma questão compatível com um Plano de curto prazo que está em desenvolvimento e com sobressaltos conhecidos.

Não simpatizo com narrativas sobre perdas irreparáveis, gerações perdidas ou outros discursos da mesma natureza. No entanto, a verdade é que muitos alunos incluindo alunos com necessidades especiais, independentemente da avaliação registada nas grelhas ou nas pautas de avaliação passaram e passam por sobressaltos e dificuldades no seu percurso escolar.

Neste contexto, a questão central não deve ser definida em torno da recuperação dos efeitos da pandemia nas aprendizagens ou no bem-estar através de planos de recuperação finitos, mas sim, na mudança ao nível das políticas públicas dos diferentes países, incluindo Portugal, que, para além de forma mais imediata “recuperarem aprendizagens”, tenham impacto a prazo através de recursos suficientes e competentes, definição de dispositivos de apoio eficientes e de acordo com as necessidades, apoios sociais que minimizem vulnerabilidades que a escola não suprime, valorização da educação e dos professores, diferenciação e autonomia nas respostas das instituições educativas, etc.

Mais uma vez insisto na necessidade de que o ME estabeleça a simplificação (desburocratização), não o chamado facilitismo, como orientação central nas diferentes dimensões das políticas públicas de educação.

Seria desejável e necessário que o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação a simplificação, professores alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível, se aliviasse a pressão “grelhadora” e a burocracia asfixiante a que habitualmente escolas e professores estão sujeitos.

Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm que realizar e estão a realizar.

Sintetizando, para além da conjuntura próxima importa considerar o que é estrutural e imprescindível em nome do futuro, a qualidade da educação e uma educação de qualidade para todos.

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

JÁ NÃO AGUENTO, É DIFÍCIL

 Na sua área dedicada à saúde mental o Observador tem um trabalho que me parece da maior relevância. É centrado nos comportamentos autolesivos em crianças, adolescentes e jovens, “Porque é que os jovens se magoam a si próprios?” e é da maior relevância justificando leitura e divulgação. No mesmo sentido aqui tenho frequentemente abordada a questão e retomo algumas notas.

Os comportamentos autolesivos observados em crianças, adolescentes e jovens é uma das questões mais inquietantes para quem por qualquer razão está ligado ao universo dos mais novos. Quando uma criança ou adolescente provoca sofrimento severo a si próprio toda a comunidade perceberá que o mal-estar é enorme e importa estar atento e intervir.

Na peça são referidos os dados do mais recente estudo, "A Saúde dos adolescentes Portugueses", o de 2022, que integra o estudo internacional "Health Behaviour in School-aged Children", da responsabilidade da OMS, realizado de quatro em quatro anos e coordenado em Portugal pela excelente equipa da Aventura Social, de que destaco Margarida Gaspar de Matos e Tânia Gaspar. Na altura da sua divulgação também aqui registei estes e outros dados que justificam reflexão.

O estudo envolveu 5809 alunos do 6.º, 8.º e 10.º anos, uma amostra representativa destes anos de escolaridade. A natureza e diversidade dos dados encontrados justificará várias reflexões, mas hoje consideremos os indicadores relativos a adolescentes que se magoam a si próprios num quadro de mal-estar. Este comportamento é referido por 24,6% dos inquiridos, maioritariamente raparigas e mais no 8º ano. Em 2018, último estudo, a percentagem era de 19,6%. Trata-se, de facto, de um dado inquietante e reflexo do mal-estar em muitos adolescentes que é coerente com outros indicadores do trabalho.

Alguns estudos internacionais apontam para cerca de 10% da população em idade escolar com comportamentos autolesivos pelo que os dados encontrados em Portugal são, de facto, preocupantes. Conheceremos melhor a situação comparativa quando estes dados forem cruzados com os de outros países envolvidos

Na verdade, os comportamentos autolesivos em adolescentes são mais frequentes do que muitas vezes pensamos e devem ser encarados com preocupação. E os casos que vão sendo conhecidos são apenas isso, os conhecidos, a ponta do iceberg.

Num estudo da Universidade de Coimbra, creio que divulgado em 2017, que envolveu 2.863 adolescentes, entre os 12 e os 19 anos, a frequentar o 3.º ciclo e o ensino secundário em escolas do distrito de Coimbra se referia que cerca de 20% afirma já tinha desencadeado comportamentos autolesivos pelo menos uma vez na vida.

É justamente por esta dimensão e as suas potenciais consequências que me parece fundamental entender tudo isto como um sinal muito forte do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem e a verdade é que em muitas situações não conseguimos estar suficientemente atentos. Este mal-estar e o que daí pode emergir decorrem de situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por exemplo nas suas diferentes formas ou relações degradadas na família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social que serão indutoras de comportamentos autodestrutivos.

Começa também a surgir como causa deste mal-estar a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem em lidar com situações de insucesso escolar. Estas dificuldades são frequentemente potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição que por vezes se instala.

Os tempos estão difíceis e crispados para muitos adultos e também para os miúdos a estrada não está fácil de percorrer.

Como disse, alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família.

Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um espaço, nem sempre um espaço físico, insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos, mas perdidos.

Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e que um projecto para a vida é apenas mantê-la ou que nem isso vale a pena.

Alguns convencem-se ou sentem que a escola não está feita para que nela caibam e onde podem ser vitimizados.

Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar fazendo diferente.

Alguns transportam diariamente um fardo excessivamente pesado e que os torna vulneráveis.

Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário pois muitos destes adolescentes e jovens terão evidenciado no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa ou na escola, espaço onde passam boa parte do seu tempo. Aliás, alguns testemunhos ouvidos no âmbito dos recentes e mediatizados casos mostram isso mesmo.

De facto, em muitos casos, designadamente, em comportamentos autolesivos ou estados mais persistentes de tristeza e isolamento, pode ser possível perceber sinais e comportamentos indiciadores de mal-estar. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. É também importante que pais e professores atentos não hesitem nos pedidos de ajuda ou apoio para lidar com este tipo de situações.

O sofrimento e mal-estar induzem uma espiral de comportamentos em que os adolescentes causam sofrimento a si próprios o que promove mais sofrimento num ciclo insuportável e com níveis de perplexidade, impotência e sofrimento para as famílias também extraordinariamente significativos.

Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos mais novos, nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado. Também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.

Alguns destes miúdos carregam diariamente uma dor de alma que sentem, mas nem sempre entendem ou têm medo de entender.

Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou de bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.

Eles não sabem, eu também não, o que é a alma. Um adolescente dizia-me uma vez, “dói-me aqui dentro, não sei onde”.

Muitos pais, mostra-me a experiência, sentem-se de tal forma assustados que inibem um pedido de ajuda por se sentirem impotentes e perplexos.

O resultado de tudo isto pode ser trágico e obriga-nos a uma atenção redobrada aos discursos e comportamentos dos adolescentes e dos jovens."

Desculpem a insistência nestas questões, mas é necessário.

domingo, 29 de outubro de 2023

BRINCAR É A ACTIVIDADE MAIS SÉRIA QUE AS CRIANÇAS REALIZAM. OUTRA VEZ

 No Público, Bárbara Wong tem uma peça que justifica reflexão por todos os que lidam com crianças e jovens, Pais, tirem os telefones aos miúdos e ponham-nos na rua a brincar”. Aborda a importância do brincar e os riscos do excesso de presença de ecrãs na vida dos mais novos. Os que por aqui vão passando sabem da frequência com que também insisto nestas matérias e não será a última vez. No entanto, a realidade que vivemos e observamos, leva à insistência sublinhando a importância do brincar. Há poucos dias deixei aqui umas notas sobre a questão dos telemóveis.

Durante os últimos anos, provavelmente associada às mudanças nos estilos de vida e quadro de valores, foi-se instalando a ideia de que o brincar é supérfluo, é perda de tempo, o foco deve ser em trabalhar, em rendimento e resultados, em nome da competitividade e da produtividade, condição para a realização e felicidade. Felizmente, nos últimos tempos começam a ouvir-se muitas vozes contrariando este entendimento. 

Progressivamente foi-se retirando aos miúdos o tempo e o espaço que muitos de nós na sua idade tínhamos e empregam-nos horas sem fim nas fábricas de pessoas, escolas, chamam-lhes. Aí os miúdos trabalham a sério, a tempo inteiro, dizem, pois só assim serão grandes a sério, dizem também.

Às vezes, alguns miúdos ainda brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade quase clandestina que só pais ou professores “românticos”, “facilitistas”, “eduqueses” ou “incompetentes” acham importante.

Muitos outros miúdos vão para umas coisas a que chamam “tempos livres” e que, com frequência, de livres têm pouco, onde, frequentemente, se confunde brincar com entreter e, outras vezes, acontece a continuação do trabalho que se faz na fábrica de pessoas, a escola.

Numa história que já aqui contei ouvi uma mãe que se mostrava muito aborrecida com o Atelier de Tempos Livres em que o filho, gaiato de uns 10 anos, passa boa parte das férias, porque os técnicos responsáveis "dão poucas actividades às crianças e depois elas põem-se a brincar umas com as outras".

Também são encaixados em dezenas de actividades fantásticas, com nomes fantásticos, que promovem competências fantásticas e fazem um bem fantástico a tudo e mais alguma coisa.

É inquietante perceber alguma visão que, de mansinho, se foi instalando também em muitos pais.

O brincar da infância vai-se encurtando, algum dia os miúdos vão nascer crescidos para já não precisarem de brincar.

Era bom escutar os miúdos. Se lhes perguntarem (das diferentes formas de fazer perguntas e ouvir respostas) vão ficar a saber que brincar é a actividade mais séria que realizam, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a ser e a saber. Aliás, com demasiada frequência, acho que os miúdos gritam e falam muito alto, provavelmente, porque só assim são "ouvidos".

Em 2018 a Academia Americana de Pediatria recomendou aos pediatras que na sua prática clínica prescrevam “tempo para brincar”, um bem de primeira necessidade para o bem-estar dos mais novos com impacto em diferentes dimensões.

Insistem que não se trata de uma ideia “frívola” e os actuais estilos de vida de muitas famílias, por diferentes razões, tornam ainda mais importante que se reafirme a importância de brincar.

No caso mais particular, mas também essencial do brincar na rua sabemos que as questões da segurança e, sobretudo dos estilos de vida e a mudança verificada nos valores e nos equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos, o brincar na rua começa a ser raro.

Embora consciente das questões como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível alguma oportunidade de “devolver” aos miúdos o circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de velhos que estão sozinhos, as comunidades e as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças por algum tempo fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.

Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A brincadeira, a rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.

Curiosamente, se olharmos às nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.

Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

É, pois, importante que todos os que lidam com crianças, em particular, os que têm “peso” em matéria de orientação, pediatras, professores, psicólogos, etc. assumam o brincar como uma das “guide lines” para a sua intervenção.

Os mais novos vão gostar e faz-lhes bem.

sábado, 28 de outubro de 2023

A LER ,"SÁBADO", DE PAULO GUINOTE

O texto de Paulo Guinote no blogue “O meu quintal” com o título “Sábado” merece séria reflexão. É escrito a propósito da peça da CNN, “Os estudantes estão a escrever pior? “Voltei este ano a corrigir exames nacionais e assustei-me””, que, naturalmente, também justifica leitura atenta.

Nos primeiros anos de escolaridade é fundamental uma relação estreita com a leitura, com a escrita e com o exercício de pensar, não só com os aspectos técnicos, por assim dizer, da aprendizagem da leitura e da escrita da língua portuguesa, mas um contacto estreito e regular com a actividade de leitura considerando motivações e culturas diferenciadas apresentadas pelos alunos. Nesta perspectiva, também as competências cognitivas que suportam a aprendizagem são promovidas.

São igualmente necessários dispositivos de avaliação de natureza reguladora, interna e externa, que que cumprindo objectivos diferentes, são ambos indispensáveis a processos de aprendizagem que promovam capacidades e conhecimentos mais que a produção de resultados escolares que sustentando a transição, podem não garantir o conhecimento.

Não há volta a dar. Só se aprende a ler, lendo, só se aprende a escrever, escrevendo, só se aprende a pensar, pensando, …. só se aprende a fazer, fazendo.

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

UM RAPAZ CHAMADO MÁQUINA

Nos tempos amargos que vivemos uma história em contraciclo.

Era uma vez um rapaz chamado Máquina o que na verdade é um nome estranho. Acontece que desde muito pequeno as pessoas se espantavam com as suas qualidades e por isso lhe chamavam Máquina, uma Máquina perfeita.

Quando entrou na escola a perfeição e facilidade com que aprendia e resolvia as tarefas tornaram o Máquina também uma máquina aos olhos de colegas e professores.

Como é de esperar quando se é mais novo, o Máquina habitou-se e gostava de se sentir uma máquina, sempre a funcionar bem, sempre a fazer o trabalho que se esperava com a maior das perfeições. Um pouco mais crescido, aí pelos catorze anos a coisa começou a alterar-se até de forma rápida e incompreensível. O Máquina, começou, por assim dizer a falhar, distraía-se nas aulas, esquecia-se de realizar os trabalhos, não completava ou apresentavam erros nunca cometidos.

Depois de tantos anos de funcionamento perfeito era com alguma perplexidade que professores e pais assistiam a esta mudança do Máquina que, estranhamente e para acentuar a perplexidade, andava com um ar feliz e contente que nunca lhe tinham conhecido em anos de excelência e perfeição.

O Máquina tinha um segredo, tinha-se apaixonado pela Joana e ela disse que sim.

As pessoas estão sempre convencidas de que as Máquinas não têm coração.

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

NA TERRA DOS TROCA-TINTAS

 A peça do Público dedicada à incongruência entre dados das avaliações internas, notas atribuídas e taxas de retenção e dados das avaliações externas, estudos do IAVE e provas de aferição, que já aqui abordei, e os sucessivos discursos da tutela e as práticas de desenvolvidas nas escolas sob “orientação” sobre a questão da avaliação é notável. Creio que tem um carácter profundamente didáctico, mostra com clareza o que não deve acontecer em políticas públicas de educação e não acrescento nada ao que escrevi há alguns dias, “Realidades múltiplas”.

A peça também me fez lembrar a minha a avó Leonor, uma das mulheres mais extraordinárias que conheci, com a mais-valia de ser minha.

Nos meus tempos de gaiato e quando caíamos em alguma asneira actuação desastrada e tentávamos as esfarrapadas desculpas que a imaginação, ou a falta dela, ditavam ou ainda, quando as pequenas ou grandes mentiras não saíam bem, tentava compor um ar severo, desmentido por uns olhos claros infinitamente doces, e dizia, “não sejam troca-tintas”.

Não me lembro se alguma vez lhe perguntei se sabia a origem da expressão, mas nestes tempos que vamos vivendo, com boa parte desta gente que de há décadas vai ocupando as lideranças sociais, políticas e económicas, recordei a avó Leonor e os troca-tintas.

Terra de troca-tintas.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

DELINQUÊNCIA, REINCIDÊNCIA, REINSERÇÃO SOCIAL E JOVENS

No Público com referência a relatório da Comissão de Acompanhamento e Avaliação dos Centros Educativos, instituições acolhem jovens delinquentes institucionalizados por crimes cometidos antes dos dezasseis anos, é evidenciada a situação crítica dos centros desde problemas de instalações à escassez de técnicos de reinserção social, mal pagos e sem perspectivas de carreira. Acontece ainda que nem sempre as decisões dos tribunais são cumpridas.

Este cenário compromete de forma séria o cumprimento dos objectivos da Lei Tutelar Educativa que se podem traduzir na construção de um projecto de reinserção social bem-sucedido para cada um destes jovens.

Como já tenho escrito, a prevenção é, naturalmente, a questão crítica. Neste sentido, um sistema público de educação com qualidade, com recursos diversificados e competentes e autonomia das escolas, é a melhor ferramenta de promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através de uma educação global que se minimiza o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis e a emergência de comportamentos mais disruptivos por ausência de projecto de vida. Este continua a ser o nosso caderno de encargos.

Depois de iniciado um trajecto de delinquência importa que registar que em 2018, um relatório da Direcção de Serviços de Justiça Juvenil envolvendo os Centros Educativos e das equipas de Reinserção Social referia que decorridos dois anos do cumprimento de uma medida tutelar de internamento 31% dos jovens voltam a ser condenados. Se considerarmos a reincidência num período mais alargado a taxa é ainda maior apesar de alguma melhoria mais recente.

Uma das questões referidas como associadas a este valor prende-se com a necessidade de garantir a resposta adequada por parte dos Centros Educativos e do apoio e suporte após a saída da instituição. O relatório agora conhecido vem mostrar como dificilmente estas necessidades serão cumpridas.

Múltiplos estudos evidenciam a importância da prevenção e da integração comunitária como eixos centrais na resposta a este problema sério das sociedades actuais. As casas de autonomia, uma intenção conhecida em 2013 e na lei desde 2015, visam justamente apoiar este processo e saída dos centros e de promoção de uma reinserção social bem-sucedida. No entanto, apenas em 2019 e de forma pouco expressiva arrancou o processo de instalação das primeiras casas de autonomia.

Sabemos que a educação, prevenção e programas comunitários de reabilitação e integração têm custos, no entanto, importa ponderar entre o que custa prevenir e cuidar e os custos posteriores do mal-estar e da pré-delinquência ou da delinquência continuada e da insegurança.

Parece ser cada vez mais consensual que mobilizar quase que exclusivamente dispositivos de punição, designadamente o internamento enquanto menor e a prisão para os mais velhos, parece insuficiente para travar este problema e, sobretudo, inflectir as trajectórias de marginalização de muitos dos adolescentes e jovens envolvidos em episódios de delinquência.

No entanto, a discussão sobre estas matérias é inquinada por discursos e posições frequentemente de natureza demagógica e populista alimentados por narrativas sobre a insegurança e delinquência percebida, alimentadora de teses securitárias.

Apesar de, repito, a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade instalada, é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.

É em todo este caldo de cultura que em muitos contextos familiares vulneráveis nascem e se desenvolvem as sementes de mal-estar que geram os episódios que regularmente nos assustam e inquietam e com consequências sérias.

terça-feira, 24 de outubro de 2023

A NET. UM MUNDO DE OPORTUNIDADES, UM MUNDO DE ALÇAPÕES

 Foi divulgado o estudo “Comportamentos Aditivos aos 18 anos” resultante do inquérito que o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências aplicou a mais de 135 mil jovens que em 2022 participaram no Dia da Defesa Nacional.

Alguns dados relativos à relação com a net.

Seis em cada dez jovens portugueses passam quatro ou mais horas por dia na net.  Uma maioria significativa começa a usar a net antes de completar os 15 anos sendo que, 39% começou antes dos 10 anos.

Também 60% dos jovens de 18 anos afirma jogar online, dois em cada 10 em jogos a dinheiro.

Considerando problemas sentidos com a utilização da net, 31% dos jovens afirmaram ter experimentado pelo menos um de uma lista de sete. A referência a situações de mal-estar emocional é a mais comum.

No que respeita à utilização predomina as redes sociais, 100%, mas também jogos e pesquisa.

Os dados devem ser reflectidos, mas do meu ponto de vista e apesar de conhecer riscos e comportamentos negativos, cyberbullying, por exemplo, julgo que devemos ter alguma serenidade.

Para as gerações mais novas não fica muito fácil imaginar um mundo sem a net. Quando por vezes converso com os meus alunos(as), já jovens e adultos, e lhes conto como era estudar sem net e sem computadores, as máquinas usadas eram as de escrever e de calcular, julgo que eles estarão, por assim dizer, a “ver” um filme de ficção científica ao contrário.

Como costumo afirmar, sou um utilizador conservador, sem conhecimento muito sólido, conto com o apoio de colegas e de gente mais nova como o meu filho, para as muitas dúvidas que vou sentindo. Aliás, já passei pela situação de não saber como realizar uma operação qualquer no telemóvel e o meu neto Simão, agora já com dez e um “nativo digital” como agora lhes chamam, me ter dito tranquilamente como proceder. A minha auto-estima aguentou-se sempre encostada ao meu perfil de utilizador, basicamente “ligo-me” para corresponder a alguma necessidade profissional, de conhecimento, de informação, de utilização de serviços, etc.

E não é raro que ainda me sinta “maravilhado” com as possibilidades abertas e que têm progredido enormemente, quer ao nível de equipamentos, de “software”, recursos, e que, certamente, ainda estaremos longe de esgotar como agora estamos a descobrir com a inteligência artificial.

A verdade é que se a net abriu um mundo inesgotável de oportunidades, também abriu um mundo de alçapões. Ligado desde sempre ao mundo dos mais novos, muitas vezes aqui tenho falado desses alçapões e como, apesar da vulgaridade e massificação da sua utilização, muitos pais me dizem desconhecê-los mesmo sendo eles próprios utilizadores regulares da net.

Em primeiro lugar sublinho que, como é evidente, não está em causa qualquer diabolização destas ferramentas, apenas um alerta para riscos e da necessidade de regulação da sua utilização pelos mais novos.

Como múltiplos estudos revelam aumentou exponencialmente o tempo que crianças, adolescentes e jovens, tal como muitos adultos, estão em frente do ecrã. Os confinamentos durante a pandemia fizeram subir exponencialmente esse tempo, a escola estava no ecrã. Naturalmente os riscos também aumentaram como o cyberbullying que já referi, chantagem e roubo, exposição a conteúdos inadequados às idades, pornografia infantil, etc.

Trata-se de mais um factor de pressão para a supervisão imprescindível, mas muito difícil dos mais novos na sua relação com a net.

É importante sublinhar que dados do Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação (ICILS) envolvendo 11 países e divulgados em 2020 sugerem que os alunos portugueses são os mais bem preparados para usar a internet de forma responsável. No entanto, os dados relativos aos riscos são, de facto, geradores de preocupação.

Recordo um trabalho da OCDE de 2018 "Curriculum Flexibility and Autonomy in Portugal – na OECD review” em que considerando dados de 2012 e 2015 (recolhidos no âmbito do PISA), oito em cada dez adolescentes portugueses afirmam "sentir-se mal" se não estiverem ligados à internet. Apenas os adolescentes franceses e suecos de entre os 31 países envolvidos evidenciam uma taxa superior.

Podemos considerar mais um sinal dos tempos as múltiplas referências ao tempo excessivo e dos riscos associados que que muitas crianças e adolescentes despendem com a ligação à net nas suas múltiplas possibilidades designadamente as redes sociais e os riscos associados. Os indicadores relativos ao cyberbullying, insisto e muitas vezes aqui tenho referido, são inquietantes.

Nesta perspectiva e tal como noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não funciona. É mais eficiente a promoção da utilização auto-regulada e informada. A net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas as suas potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É o nosso trabalho.

Sabemos que muitas crianças têm um ecrã como companhia durante o pouco tempo que a escola "a tempo inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente "filiação" em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre” do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente, ainda é passado à sombra de uma televisão.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, por estranho que pareça, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Aliás, as dificuldades sentidas por muitas famílias na ajuda aos filhos em tempo de ensino não presencial, mostrou isso mesmo, baixos níveis de literacia digital. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes minimizando os riscos existentes nos “alçapões da net”. Existem demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones” ou outros dispositivos funcionam como “babysitters”.

Por outro lado, a experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder eficácia com a idade.

Creio que o caminho terá de passar por autonomia, supervisão, diálogo e muita atenção aos sinais que crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas.

domingo, 22 de outubro de 2023

UM RETRATO DO DESENCANTO

 O JN divulga alguns dados de inquérito realizado já em Outubro pela FN ao qual responderam 2.138 educadores de infância e professores dos ensinos básico e secundário de todo o país.

Vejamos alguns indicadores ressalvando o desconhecimento sobre a ficha técnica do trabalho. De qualquer forma são relevantes e merecem reflexão

No que respeita a remuneração, 97,1% dos inquiridos consideram que a sua remuneração não é compatível com o está ao nível de qualificação exigido para a docência.

Considerando as expectativas relativas à carreira profissional, 94% dos inquiridos consideram "pouco" ou "nada atractiva".

É significativo que 84,1% dos inquiridos afirmar que não aconselharia um jovem a ser professor e que 82,9%, “sente que o reconhecimento social pela profissão docente é negativo.”

Nada de novo e sempre preocupante. As políticas públicas de educação nas últimas décadas têm dado um forte contributo para o cansaço, desencanto e desejo de abandono da profissão que se foi instalando em muitos docentes e a baixa atractividade que tem inibido a motivação pela carreira, única forma de a rejuvenescer.

A questão é que ser professor é continuará a ser uma das funções mais bonitas e importantes do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e das que mais valorização nas diferentes dimensões e apoio deveria merecer. Não adianta o discurso da “igualdade”, da “justiça” que mascara a essência ética de que nada mais justo e equitativo que o respeito pela diferença. Do seu trabalho depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.

Continuo sem entender o que é que neste contexto não se percebe.

sábado, 21 de outubro de 2023

AGRESSÃO A UMA PROFESSORA, ENÉSIMO CASO

 Com alguma frequência, demasiada frequência, aqui escrevo sobre ou a propósito de situações de violência dirigida a professores realizada por alunos ou encarregados de educação (serão mesmo de educação?!).  Regista-se mais um episódio grave, desta vez numa Escola de Bragança. Uma professora foi seriamente agredida por um aluno em plena aula. Eu sei que os tempos vão violentos e a excessiva frequência de episódios podem alimentar indiferença e relativização, mas não é opção, cada episódio não pode ver a gravidade relativizada ou esquecida.

Andam negros os tempos para os professores. Sempre que escrevo sobre esta questão, agressões ou insultos a professores e dadas as circunstâncias faço-o com regularidade, é sempre com preocupação e mal-estar, mas é preciso insistir pelo que retomo notas já aqui referidas, não me parece necessário encontrar outras palavras para tratar a mesma questão.

As notícias sobre agressões a professores, cometidas por alunos ou encarregados de educação, continuam com demasiada frequência embora nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade negativa” para a escola que trará a divulgação e ouvem-se discurso de relativização.

Os testemunhos de professores vitimizados são perturbadores e exigem atenção e intervenção.

Cada um dos recorrentes episódios é, obviamente, um caso de polícia, mas não pode ser “apenas” mais um caso de polícia e julgo que, para além de ser notícia, importaria reflectir nos caminhos que seguimos.

Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza.

Justifica-se uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.

Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Os últimos tempos têm sido, aliás, elucidativos com discursos produzidos pela tutela sobre os professores que são parte do problema e não contributo para a solução.

Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais.

No entanto, importa registar que a classe docente é dos grupos profissionais em que os portugueses mais confiam o que me parece relevante.

Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou profissionais de saúde, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais da área da saúde, médicos e enfermeiros.

Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento de impunidade instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa que não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.

Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.

Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados.

É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento e a punição e responsabilização sérias dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

DO DIA MUNDIAL DE COMBATE AO BULLYING

 Para que não nos esqueçamos, o calendário das consciências determina para hoje o Dia Mundial do Combate ao Bullying. Não há muito de novo a dizer, a não ser que nos tempos que atravessamos o fenómeno do bullying e em particular do cyberbullying, continua a ser fonte de sofrimento para muitas crianças e jovens e, naturalmente, uma fonte de preocupação para famílias, professores e técnicos. Na imprensa de hoje refere-se que a GNR registou 140 crimes de bullying e cyberbullying no ano lectivo 22/23. No entanto, esta será apenas uma parte do volume de episódios, muitos dos quais sem divulgação.

Importa insistir nesta questão e retomo algumas notas.

Mesmo durante os períodos de confinamento a variante cyberbullying constituiu uma fonte de enorme inquietação como emergiu no estudo “Cyberbullying em Portugal durante a pandemia da covid-19” do Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e segundo dados revelados pela Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil, uma em cada cinco crianças com obesidade foi pela primeira vez vítima de cyberbullying durante os meses de confinamento e ensino à distância.

Um trabalho que também aqui referi, “Global estimates of violence against children with disabilities: an updated systematic review and meta-analysis”, divulgado em  2022 na The Lancet Child & Adolescent Health, mostrou com indicadores alarmantes, mas, lamentavelmente, não surpreendentes. Cerca de uma em cada três crianças ou adolescentes com deficiência é vítima de algum tipo de violência, física, emocional, sexual ou negligência. No caso mais particular do bullying verifica-se um significativo nível de vitimização, cerca de 40% das crianças com deficiência terá sido alvo deste tipo de comportamento. O bullying presencial, violência física, verbal ou social como bater, pontapear, insultar, ameaçar ou excluir é mais comum, 37%, do que o cyberbullying (23%).

O estudo recorreu a dados relativos a mais de 16 milhões de crianças de 25 países, recorrendo ao tratamento de 98 estudos, realizados entre 1990 e 2020, de que 75 respeitam a países de mais elevados rendimentos e 23 relativos a sete países de baixo ou médio rendimento.

Os dados conhecidos no que respeita ao bullying e considerando que não correspondem ao universo de ocorrências, mostram a necessidade de uma séria reflexão e intervenção nos contextos educativos que chegue a todos os alunos e que promova a qualidade das relações interpessoais, a empatia, solidariedade e inteligência emocional, etc.

O cyberbullying parece ser actualmente a variante de bullying mais preocupante. Contrariamente ao bullying presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana, pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s) agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a um menor nível de empatia pelo outro o que ficou muito claro no primeiro trabalho citado acima e que merece leitura.

Também por estas razões é fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.

Em termos globais e como já referi, a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores, técnicos ou funcionários.

Este cenário determinaria, só por si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.

Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada a sinais dados por crianças e adolescentes, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.

Neste universo e mais uma vez importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.

Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e suporte. Entretanto estão criados vários portais e estão disponíveis alguns canais de denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente, alunos.

Lamentavelmente, parte importante das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.

A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.

Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar e sofrimento a que, por vezes, não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.

Estes sinais não devem ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

REALIDADES MÚLTIPLAS

 De acordo com dados divulgados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência as avaliações internas dos alunos estão a mostrar melhores resultados designadamente em 20/21 e, sobretudo, em 21/22. Os dados consideram os resultados escolares por disciplina dos alunos do 2.º ciclo e do 3.º ciclo entre 2011/12 e 2021/22.

Em Maio de 2023, a mesma entidade divulgou um relatório “Resultados Escolares: Sucesso e Equidade” que analisa os chamados percursos de sucesso, alunos que finalizam o ciclo de estudos nos anos previstos. De acordo com este indicador, em 2021 e considerando o número de anos de cada ciclo, 91% dos alunos do 1º ciclo, 95% do 2º ciclo, 90% do 3º ciclo, 77% dos cursos Científico-Humanísticos do secundário e 70% dos Cursos Profissionais, concluíram no tempo previsto. Também a disparidade de resultados entre alunos com apoio da Acção Social Escolar e alunos não carenciados baixou.

Parece assim que estamos num caminho de sucesso e se cumpriu o que todos queríamos acreditar nos anos da pandemia “vai correr bem” pois, aparentemente, são resultados positivos, mas … lá vêm as dúvidas "chatas" que teimo em sentir embora preferisse o contrário.

Na análise do desempenho escolar dos alunos importa, evidentemente, considerar os resultados das avaliações internas, mas é imprescindível a existência de dispositivos de avaliação externa com uma função reguladora. E é aqui que radicam todas as dúvidas.

Nos últimos anos múltiplos estudos, nacionais e internacionais, revelaram a existência de impactos embora também se verificasse a necessidade de uma análise mais fina à natureza das dificuldades mais globalmente percebidas. Abordei aqui algumas dessas iniciativas.

Nos últimos anos são conhecidos múltiplos estudos, nacionais e internacionais, revelaram a existência de impactos embora também se verificasse a necessidade de uma análise mais fina à natureza das dificuldades mais globalmente percebidas. Abordei aqui algumas dessas iniciativas.

Recordemos algumas referências.

Em Conferência no Parlamento do Grupo de Trabalho de Acompanhamento do Plano de Recuperação as Aprendizagens foi apresentado um trabalho em que se revelava que dois terços dos alunos (66%) que no último ano lectivo frequentavam o 2.º ano de escolaridade evidenciaram um desempenho na leitura muito baixo ou abaixo da média.

Em Setembro, numa Conferência no Parlamento do Grupo de Trabalho de Acompanhamento do Plano de Recuperação as Aprendizagens foi apresentado um trabalho em que se revelava que dois terços dos alunos (66%) que em 21/22 no último ano lectivo frequentavam o 2.º ano de escolaridade evidenciaram um desempenho na leitura muito baixo ou abaixo da média.

Um trabalho do IAVE divulgado em 2021 afirmava que “: menos de metade dos alunos atinge nível esperado em conhecimentos elementares. As dificuldades acentuavam-se no 6.º e 9.º ano.

Se considerarmos as provas de aferição de 2021 como termo aproximado de comparação e com prudência, no 5º e no 8º ano a percentagem de alunos que respondeu sem dificuldades, variou, conforme os domínios em avaliação, entre 2,7% e 44,2%, sendo que na maioria dos domínios analisados ficou abaixo dos 20%. Estes dados também não parecem coerentes com os dados agora conhecidos das avaliações internas.

Em Agosto, o Tribunal de Contas na auditoria ao Programa Escola 21/23+ considerou que “Existem insuficiências na definição do Plano 21/23, como prioridades pouco claras, insuficiente afectação de recursos, excessivo número de acções e inexistência de metas e de indicadores para efeitos de monitorização e avaliação”.

Também sabemos que foram reajustados pelo ME os recursos disponibilizados para o Plano de Recuperação que foi prolongado. As reduções reflectiram-se sobretudo nos créditos horários para o envolvimento dos professores.

Como sempre, o ME parece enredado num discurso que envolve realidades múltiplas. A habitual referência a uma espécie de realidade mágica em que tudo está quase bem, pois a perfeição não existe e uma realidade quase esquecida que expõe as enormes dificuldades que alunos, professores, técnicos e pais sentem na promoção de um efectivo direito a uma educação de qualidade e que possa responder à diversidade dos alunos. É a esta realidade que as políticas públicas têm a responsabilidade de, primeiro, reconhecer e, depois, responder.

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

IMAGEM E COMUNICAÇÃO

 Os tempos que atravessamos evidenciam, entre muitíssimos outros aspectos, o papel que a imagem e, mais globalmente, a comunicação assumem em todas as áreas do nosso funcionamento e também, como é obvio, na acção política. Diria até, que actualmente parte importante da acção política assenta na comunicação e na imagem. Não existe serviço, entidade ou grupo de interesses que não tenha o seu gabinete ou canal de imagem e comunicação e respectivos operacionais.

Não tenho qualquer reserva contra a importância atribuída à comunicação e imagem, negá-la seria tapar o Sol com uma peneira. Sabemos todos que o suporte, o contexto e a natureza da comunicação podem transformar uma má ideia em boa ideia, se for bem "vendida", e uma boa ideia pode transformar-se em má ideia, se for mal "vendida".

O que me deixa mais embaraçado e inquieto é a frequência com que assistimos por parte dos actores políticos, sociais, económicos, culturais, ou do próprio universo da comunicação e imagem, ao despudor e à manipulação de factos, ideias ou sentimentos no sentido de venderem aquilo que em cada momento possa servir os seus interesses particulares.

Se considerarmos a comunicação em televisão ou na imprensa escrita incluindo o suporte digital, é muito evidente a forma como através da publicidade, mascarada de "opinião" ou mais grave ainda apresentada como "saber", se procura "vender" ao "consumidor" um qualquer produto (ideia, opinião, poder, etc.) que se queira promover.

Este cenário é certamente um dos contributos para a falta de confiança nos políticos e noutros decisores que os cidadãos revelam, em estudos de imagem, é claro.

terça-feira, 17 de outubro de 2023

POBREZA E EDUCAÇÃO

 Hoje passa o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza e é divulgado o relatório, “Portugal e o ElevadorSocial: Nascer Pobre É Uma Fatalidade?”, da responsabilidade de Bruno P. Carvalho, Miguel Fonseca e Susana Peralta, investigadores do Nova SBE Economics for Policy Knowledge Center.

E o estudo evidencia a relação entre a situação económica, laboral e nível de literacia familiar no trajecto pessoal.

Os dados mostram, sem surpresa, que os indivíduos nascidos em famílias pobres e menos escolarizadas corre um maior risco de pobreza em adulto, um em cada quatro estará nessa situação.  Acontece também que alguém com um pai com a escolaridade básica corre um risco de pobreza duas vezes superior a quem teve um pai com o secundário.

Todo o relatório sublinha esta relação e define um pesado caderno de encargos para as políticas públicas sectoriais.

Recordo que em Abril deste ano a Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, na apresentação do Plano de Acção da Garantia para a Infância 2022-2030 afirmou que o Governo tem como objectivo retirar, até 2030, 161 mil crianças da pobreza.

O relatório do Eurostat, “Children in poverty or social exclusion”, mostra que em 2021 uma em cada quatro crianças portuguesas com menos de 18 anos, 22,9%, vivia em situação de pobreza ou exclusão social.

O Eurostat reafirmou que as crianças que crescem contextos de pobreza e exclusão social enfrentarão maiores dificuldades em obter sucesso escolar, ter um desenvolvimento saudável e assumirem projectos de vida com mais potencial de realização. Estas crianças correm ainda maior risco de desemprego, pobreza e exclusão social em adultos.

Também os dados divulgados pelo Banco Mundial, "The State of Global Learning Poverty: 2022 Update", sobre pobreza educativa vão no mesmo sentido e acentuam a urgência na promoção do bem-estar dos mais novos que, evidentemente, não pode ser abordado e tratado sem uma políticas públicas globais adequadas e modelos de desenvolvimento amigáveis para as pessoas, todas as pessoas.

A pobreza tem claramente uma dimensão estrutural e intergeracional, as crianças de famílias pobres demorarão até cinco gerações a aceder a rendimentos médios, um indicador acima da mádia europeia.

A escola é certamente uma ferramenta poderosa de promoção de mobilidade social, mas, por si só, dificilmente funciona como elevador social.

O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças, em particular no rendimento escolar e comportamento, é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas. Em qualquer parte do mundo, miúdos com fome, com carências, não aprendem e mais provavelmente vão continuar pobres. Manteremos as estatísticas internacionais referentes a assimetrias e incapacidade de proporcionar mobilidade social através da educação. Não estranhamos. Dói, mas é “normal”, será o destino.

É verdade que com muita frequência a escola distribui refeições a crianças e ainda bem que o faz. No entanto, não compete à escola a resolução de questões estruturais nas quais radica a pobreza continuada nem o providenciar de necessidades básicas às crianças.

Assim, ou nos concertamos na exigência a alterações nos modelos de desenvolvimento de modo a garantir, tanto quanto possível, equidade e um combate eficaz à exclusão com a consequente alteração nas políticas públicas ou, ciclicamente, nos confrontamos com indicadores desta natureza.

Não, não é "o destino" que os filhos dos filhos dos filhos, dos filhos das famílias pobres continuem pobres. Se assim acontece e continua a acontecer é a falência das políticas públicas e dos que por elas são responsáveis.

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

É TÃO TRISTE NÃO SABER LER

 É sempre com uma sensação de estranheza e de emoção que constato a existência de iniciativas de combate ao analfabetismo. Não saber ler parece estranho nos tempos que vivemos e, de certa forma, concorre com altíssimos de iliteracia em muitos domínios por parte de gente alfabetizada e mesmo com formação diferenciada. Ao mesmo tempo multiplicam-se as referências às literacias mais diversas e respectivos especialistas.

No JN encontra-se a referência ao trabalho de uma associação em Matosinhos, a ADEIMA, que envolve cerca de 100 pessoas, a maioria até trabalha, tem menos de 50 anos, não completou o 1º ciclo, mal sabe escrever para além do nome e sente dificuldades em situações como conseguir uma receita num centro de saúde, a andar de transportes públicos ou até levantar dinheiro no multibanco. Algumas destas pessoas querem tirar a carta de condução, aceder a um curso ou ler um história aos netos, referência que me parece de sublinhar com a emoção.

A verdade é que apesar da evolução dos inaceitáveis indicadores herdados do estado novo ainda é surpreendente que de acordo com o Censo de 2021 ainda tenhamos cerca de 300 000 pessoas, 3,1 %. Como esperado, os mais velhos revelam maiores taxas de analfabetismo, mas continuam a existir mais de 16 mil pessoas entre os 40 e os 49 anos nessa situação, entre os 30 e 39 são mais de nove mil entre e até aos 30 existem quase oito mil jovens analfabetos.

Como disse, temos registado uma evolução significativa, no Censo de 2011 apurou-se uma taxa de analfabetismo de 5.15%. Sendo certo que este dado representa um salto relevante face a 25.7% em 1970 a verdade é que ainda mantemos uma taxa demasiado elevada. A educação de adultos é hoje uma área de forte investimento em diversos sistemas educativos mesmo em países taxas de alfabetização bastante acima das nossas.

Se à taxa de analfabetismo acrescentarmos o analfabetismo funcional, pessoas que foram escolarizadas, mas que não mantêm competências em literacia, a situação é verdadeiramente prioritária, atingirá certamente pelo menos dois milhões de portugueses. No entanto, muitas das iniciativas decorrentes de projectos ou programas de qualificação acabam por não abranger quem parte do zero.

Tantas vezes é preciso afirmar, os custos em educação não representam despesa, são investimento e com retorno garantido.

A propósito do analfabetismo por aqui no Alentejo canta-se:

(…)

É tão triste não saber ler

Como é triste não ter pão

Quem não conhece uma letra

Vive numa escuridão

(…) 

O analfabetismo parece algo de anacrónico nos tempos que vivemos, mergulhados num mundo de literacias com gente ao lado que não sabe ler nem escrever. 


domingo, 15 de outubro de 2023

NÃO É POSSÍVEL

 Lê-se no Público que um quarto dos professores, cerca de dois mil, que entraram para os quadros deverão cumprir um período probatório obrigatório. têm, em média, 10,5 anos de serviço e vão agora mostrar a sua preparação para ser professores.

Em resultado do procedimento por infracção desencadeado pela Comissão Europeia Portugal deveria proceder à regularização da progressão salarial dos professores contratados. Os docentes sem vínculo não têm o seu salário actualizado pelo tempo de serviço.

Face à exigência de Bruxelas, Portugal apresentou em Janeiro um conjunto de medidas que, lê-se no DN ainda não foram postas em execução.

São apenas mais dois exemplos que mostram de que é feito o mal-estar dos professores. É mau demais.

Não há explicação que não a incompetência para situações desta natureza.

E o que é mais grave é que não acontece nada, estamos no reino, perdão, na república da inimputabilidade política.

sábado, 14 de outubro de 2023

FAZ DE CONTA

 Passo o tempo a fazer de conta. Mas não sou só eu.

Faço de conta que gosto da escola e que tenho algum interesse pela maior parte das aulas.

Faço de conta que tenho a certeza do que quero fazer quando chegar a adulto.

Faço de conta que estudo a sério, mas apenas me preocupa ir passando.

Os meus pais fazem de conta que ficam contentes, mas bem queriam que eu fosse como a minha irmã, sempre tudo bem feito.

Os meus amigos, muitos deles, também fazem de conta que andam numa boa, mas andam tão às voltas com o caminho como eu.

Alguns professores fazem de conta que se preocupam com a gente e que querem ensinar, mas nunca me perguntaram o que é que eu acho da vida.

O meu pai faz de conta que adora a minha mãe e a minha mãe faz de conta que gosta do meu pai, mas não podem um com o outro, discutem o tempo todo quando a gente não está ao pé.

Às vezes, a gente anda a divertir-se e a fazer disparates a fazer de conta que está tudo bem, mas sabemos que não está.

Um dia gostava de não fazer de conta.

Como é que será?


sexta-feira, 13 de outubro de 2023

AS OBRAS DE ARTE

 A terminologia que usamos e que, naturalmente, está em permanente construção oferece, por vezes, algumas situações menos esperadas.

Até acontecer que devido a circunstâncias familiares a comecei a ouvir, não conhecia a expressão "obras de arte" como designação das estruturas mais conhecidas, por mim pelo menos, por pontes. De facto, no mundo da engenharia civil uma ponte não é uma ponte, é uma obra de arte. Parece-me uma opção curiosa  de que desconheço a origem.

No entanto, depois de alguma surpresa inicial, acho que a designação é apropriada. Uma ponte é um dispositivo, por assim dizer, que, em muitas circunstâncias, permite a ligação mais fácil ou é mesmo a única forma de ligar dois pontos, duas instâncias, que uma qualquer barreira separa. Dito de outra forma, uma ponte é algo que permite a comunicação, aproxima o que pode ou parece estar longe..

Embora estejamos, diz-se, num mundo cuja característica mais marcante é a comunicação, tenho para mim que atravessamos uma séria e generalizada dificuldade em comunicar. São demasiados os monólogos e poucos os diálogos. As barreiras, os muros e valores que acreditávamos em desaparecimento emergem e minam a comunicação, os entendimentos. Parecem estar a desaparecer as obras de arte, as pontes

Devo dizer que gostava de ser eu a estar enganado, mas um olhar sobre o que nos rodeia, seja à escala individual, miúdos sós, famílias com baixos níveis de comunicação, seja a escalas de outra dimensão, as dificuldades ou até a ausência de diálogo, de comunicação, é preocupante em muitos contextos de vida, incluindo o escolar.

Nesta perspectiva e pela sua importância, acho que qualquer dispositivo que promova a comunicação, que aproxime distâncias, que facilite a relação, é sempre uma obra de arte.

E como estamos necessitados de obras de arte. A questão é que a arte nunca parece ser uma prioridade.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

DAS GRANDES COISAS PEQUENAS

Desculpem a irrelevância face ao que nos rodeia, mas a vida também é feita de coisas pequenas. E para cada um de nós, as coisas pequenas … raramente são pequenas.

Sempre que passava por ela, ficava a olhar e a pensar em …

Ela nada dizia, mantinha-se imóvel, mas eu sentia que que ela também pensava em …

São demasiados anos e sempre nos sentimos bem juntos, apesar de alguns sobressaltos próprios destas andanças.

Hoje, teve de ser.

Olhei para ela por mais tempo que o habitual, enchi-me de coragem e perguntei-lhe, queres ir dar uma volta?

Ela disse que sim, ela disse que sim, como canta o Sérgio Godinho

E fomos.

Dois meses e meio depois de uma cirurgia que me deixou a coluna reforçada com umas peças metálicas, eu e a minha mota fomos dar uma volta.

Que saudades! O barulhinho único do motor, o vento, a sensação que só os que a conhecem … reconhecem.

Foi uma prova de vida, soube muito bem, mesmo bem, apesar de não ter sido uma volta tão longa como gostaríamos. 

Que o cirurgião não saiba embora talvez não estranhasse. Seria uma repetição de um episódio de há alguns anos.

Um dia destes repetimos, ficou prometido.


quarta-feira, 11 de outubro de 2023

CRIANÇAS, LIVROS E LEITURA - O MANIFESTO DE LIUBLIANA

 Foi divulgado pela imprensa europeia, incluindo o Público, um designado Manifesto de Liubliana, subscrito pela Associação Internacional de Editores, Academia Alemã de Língua e Literatura, Federação dos Editores Europeus, EU-READ, Consórcio de organizações europeias de promoção da leitura, PEN Internacional, Federação Internacional das Associações de Bibliotecários e Conselho Internacional dos Livros para Jovens.

O Manifesto será apresentado na Feira do Livro de Frankfurt que decorre de 18 a 22 de Outubro.

A iniciativa destina-se promover os hábitos de leitura entre crianças e jovens designadamente a leitura de livros e textos mais longos. O movimento é sustentado pela importância que para o desenvolvimento global e conhecimento a leitura assume e, naturalmente, motivado pelo abaixamento destes hábitos de leitura que continuam preocupantes.

Independentemente do alcance qua a iniciativa possa ter é importante que se valorize. Como já aqui tenho escrito, os livros e a leitura são bens de primeira necessidade para gente de todas as idades donde a insistência. Recordo sempre Marguerite Yourcenar que em “As Memórias de Adriano” escrevia “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana.”

São múltiplos os estudos e referências que sublinham o impacto dos livros e da leitura no desenvolvimento e competências escolares no trajecto pessoal. Lamentavelmente, são também muitos os trabalhos que mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em geral. Nos últimos tempos parece estar a despertar um maior interesse pelos livros, sobretudo entre os mais novos, associado a um fenómeno das redes sociais, os booktokers que lêem e divulgam livros no TikToK. Esperemos que se mantenha e fortaleça.

Os livros têm uma concorrência fortíssima com outro tipo de materiais, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras opções, designadamente aos livros.

Apesar de tudo isto também sabemos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco e com mudanças lentas.

Só se aprende a ler lendo e o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, em que espaços, biblioteca, casa ou escola e em que suportes, papel ou digital. 

Um leitor constrói-se desde o início do processo educativo. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam ser estimuladas, muitas vezes são, e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações. Talvez tivéssemos perdido uma oportunidade enquanto os alunos estiveram em casa tanto tempo.

Apesar dos esforços de muitos docentes, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o apressado “copy, paste” ou resumos disponíveis das obras que são de leitura obrigatória ou recomendada.

Neste contexto, embora desejasse muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o "tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer actividade da oferta sem fim que está disponível. A iniciativa dos booktokers que referi acima pode ser um bom sinal.

Felizmente e apesar das dificuldades também importa sublinhar que se realizam com regularidade experiências muito interessantes em contextos escolares, os professores bibliotecários têm desenvolvido um trabalho essencial, ou em iniciativas mais alargadas a outras entidades como autarquias e instituições culturais.

Precisamos de criar leitores, eles irão à procura dos livros ou da leitura, mesmo em tempos menos favoráveis.

terça-feira, 10 de outubro de 2023

DIA MUNDIAL DA SAÚDE MENTAL

 No calendário das consciências assinala-se hoje o Dia Mundial da Saúde Mental. Vários trabalhos na imprensa abordam a questão o que, relativamente ao que se passava há alguns anos, representa uma diferença significativa de tratamento e importância atribuída apesar do muito que ainda precisamos de caminhar pela saúde mental e bem-estar das pessoas, grandes e pequenas.

Lê-se no DN e com base em dados da UE, que Portugal é o 2.º país com mais casos psiquiátricos e o 5.º com mais depressões na União Europeia. Estes indicadores estão em linha com diferentes estudos que registam um aumento de casos na área da saúde mental afectando todas as idades.

De acordo com o Infarmed, nos primeiros seis meses de 2022 venderam-se 10.871.282 de embalagens de ansiolíticos, sedativos, hipnóticos e antidepressivos, cerca de 60000 por dia, um acréscimo de 4,1% face a 2021 traduzindo-se num encargo de 32,5 milhões de euros para o SNS.

A estes dados faltará do volume de situações de mal-estar não abordadas através dos fármacos, as não tratadas e o contributo da automedicação apesar da exigência de prescrição médica para este consumo. Este quadro levará a que o número de consumidores seja superior às prescrições e número global de situações de mal-estar seja bem superior aos indicadores de consumo.

Ainda não há muito tempo aqui referi um estudo divulgado em 2021 realizado pelo investigador na área da economia da saúde da Nova SBE, Pedro Pita Barros, “Acesso a cuidados de saúde - As escolhas dos cidadãos 2020, em que se referia que 10% dos portugueses não vão ao médico quando sentem algum mal-estar e que desta população, 63% recorre à automedicação.

Um estudo coordenado pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra durante o ano lectivo 21/22 envolvendo 5.440 jovens, com uma idade média de 14 anos e de mais de 150 escolas do Continente e Madeira encontrou sintomas de depressão em 42% dos adolescentes. Este este aumento está em linha com outros estudos, nacionais e internacionais.

Miguel Xavier, coordenador nacional das políticas da Saúde Mental, afirmava em entrevista que “Os problemas de Saúde Mental previnem-se antes de aparecerem. Através de bons programas de parentalidade, bons programas sociais, como os programas de apoio às populações vulneráveis”, o que envolve a necessidade de políticas integradas, mas também sublinha a importância dos recursos adequados.

Esperemos que assim seja, a saúde mental tem sido o parente pobre das políticas públicas de saúde.

Existe muita gente a passar mal, pode ser na casa ao lado.

No entanto, como agora se diz, somos resilientes e queremos viver, seremos capazes de continuar.

domingo, 8 de outubro de 2023

A HISTÓRIA DO NADA

 Num tempo de muitos tudos, incluindo a barbárie, e muitos nadas, a história de um Nada.

Era uma vez um homem chamado Nada. O seu nascimento não foi mais que um nada numa família de Nadas pelo que nada de relevante se registou, apenas mais um Nada.

A escola do Nada foi uma passagem que quase nada lhe deixou, aliás, abandonou-a antes da altura devida pois sentia que ali não fazia nada e para nada lhe serviria. Pelo facto do Nada ter saído da escola nada aconteceu.

O Nada atravessou a adolescência sem que nada lhe mostrasse um futuro. Já de pequeno quando alguém, raramente pois as pessoas não se interessam muito por Nadas, lhe perguntava o que queria ser quando fosse grande, respondia num indiferente encolher de ombros, nada.

A vida do Nada era, pois, composta dos pequenos nadas que se sucediam com nada de mudança.

Um dia, sem que nada dissesse, o Nada partiu daquela terra onde nada tinha, à procura de uma terra onde nada teria.

Ninguém sentiu a falta do Nada, nem a família que nada sabia dele desde um tempo sempre.

No meio de tantos Nadas, a ausência de um Nada passa completamente despercebida. É assim a vida dos Nadas, um nada feito de nadas.

Chamam-lhe destino ou falta de sorte. Também se pode dizer, actualizando a terminologia, que a vida do Nada foi vivida à distância.

sábado, 7 de outubro de 2023

MIMOS A MAIS OU "NÃOS" A MENOS

 Achei interessante o texto de Rute Agulhas no DN, “Vamos frustrar as nossas crianças!”. Umas notas breves em linha com o que muitas vezes aqui tenho escrito e conversado com pais e profissionais na área da educação

A questão abordada, os limites e a forma como a criança deve aprender a lidar com os limites é claramente um aspecto crítico na educação familiar. Basta estar atento aos comportamentos que observamos em diferentes espaços públicos para perceber como assim é.

Estas preocupações estão muitas vezes presentes nas conversas com pais e não é raro alguém dizer que as crianças reagem com birras porque têm “mimo” a mais. Acho sempre curiosa a reacção quando afirmo que, primeiro, não me parece que exista mimo a mais, poderá existir mau mimo, um mimo tóxico para crianças e adultos. Faz mal porque é mau, não porque seja muito.

Na verdade, o que as crianças, muitas crianças, têm é “nãos” a menos. Muitos pais, muitos adultos sendo quase sempre capazes de dar os mimos e os elogios, muitas vezes mostram-se incapazes de dar os nãos, de estabelecer os limites e as regras que, como sempre digo, são tão necessárias às crianças como respirar e alimentar-se. São bens de primeira necessidade para o desenvolvimento saudável das crianças.

Esta dificuldade dos adultos em oferecer os nãos aos miúdos, decorre muitas vezes de algum desconforto culpabilizante sentido com as circunstâncias e estilos de vida que inibem o tempo e a disponibilidade que desejariam ter para os filhos. Também me parece que alguns pais evidenciam crenças e, ou, convicções desajustadas sobre a importância de limites, regras e rotinas.

O problema é que sem os “nãos” que regulam regras, comportamentos, limites, muitas crianças, a coberto do afecto ou dos elogios dos pais que não é muito, mas é desajustado, transformam-se em pequenos ditadores que infernizam a vida de toda a gente, a começar por si próprios.

Mas não têm mimos, afecto, elogios a mais. Têm, repito, nãos a menos.

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

O INFERNO NA ESCOLA, O DIREITO AO OPTIMISMO

 O DN divulga uma investigação realizada pela UTAD entre 2018 e 2022 que envolveu 7139 alunos(as) dos 12 aos 18 anos, de 61 estabelecimentos do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e secundário do Continente e Açores.

É importante o conjunto de dados disponibilizados, mas em síntese 68% dos alunos (4837) revelam ter sido vítima de algum comportamento de agressão. Num outro olhar, 64%, (4634) assume afirma já ter praticado alguma forma de violência para com um colega.

A informação divulgada requer, obviamente uma análise aprofundada, mas é “apenas” mais um sinal dos tempos.

Deixem-me insistir em duas ou três notas que retomo de reflexões anteriores. Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Importa também acentuar que fora dos contextos escolares, o padrão relacional entre adultos, de todas as condições, exprime também com demasiada frequência violência e descontrolo de diferente natureza e efeito. O comportamento agressivo, verbal, físico, psicológico, etc., tornou-se quase, um novo normal em múltiplos contextos.

Sabemos também que a ideia de que a “família educa e a escola instrói” já não colhe e espera-se que a escola não forme “apenas” técnicos, mas cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas.

Um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Para além dos dados referidos e dos que se referem à delinquência juvenil, são também preocupantes indicadores relativos à violência nas relações de namoro entre jovens, sendo que muitos a entendem como “normal”, tal como inquietam o volume de episódios de bullying, ou os consumos de álcool ou droga.

Parece-me importante que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" façam parte do trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar. Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das políticas públicas.

Como tenho referido precisamos e devemos discutir sempre como fazer, com que recursos e objectivos e promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e da insegurança.

Esta é a grande responsabilidade das políticas públicas e os resultados mostram alguma falência que nos custa caro.

Não é possível que a leitura regular da imprensa escrita, sobretudo nos últimos tempos e no que respeita à educação tenha na terminologia de boa parte dos trabalhos publicados e sem qualquer ordenação de frequência ou preocupação, alunos desmotivados, agressões a professores, agressões a alunos, agressões a funcionários, “bullying”, violência escolar, humilhações, falta de autoridade dos professores, imagem social degradada dos professores, professores desmotivados, famílias incompetentes, pais negligentes, demissão familiar, indisciplina, recusa, contestação, insucesso, facilitismo, burocracia, currículos desajustados, insegurança, medo, receio, etc.

Intencionalmente não referi a onda de informação relativa à situação vivida pelos professores que, também, não pode ser dissociada de todo o universo da educação.

No entanto, insisto na necessidade de uma palavra de optimismo.

A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades bem conhecidas e nem sempre reconhecidas e do que ainda está por fazer, o trabalho desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na maioria das situações e em termos globais, apesar dos incidentes que se registam e isso deve ser sublinhado. De uma forma geral, professores, técnicos, funcionários e alunos, quase todos, fazem a sua parte.

Uma comunidade não pode conviver com o medo diário de deixar os seus filhos sair de casa para a escola, tal como não pode conviver com o mal-estar persistente dos profissionais. Mantendo um realismo lúcido, é preciso que se aborde e converse sobre o tudo da escola e não apenas sobre o mau da escola. A insistência exclusiva neste discurso terá um efeito devastador na confiança e expectativas de alunos, famílias e professores face ao presente e ao futuro.

Sim, não é tudo, mas os miúdos precisam de se sentir seguros.

Tal como os pais.

Tal como os professores.

Tal como os técnicos.