quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

TAL PAI, TAL FILHO

Um texto interessante do Paulo Guinote no Público leva-me a retomar umas notas que tinha escrito a propósito de um trabalho na imprensa sobre as classes sociais e a mobilidade social.
As circunstâncias conjunturais, provavelmente estruturais, que vivemos fazem admitir uma mobilidade social descendente produzindo uma classe de "novos pobres", que tendo anteriormente ascendido a patamares médios se sentem agora em processo significativo de degradação das condições e qualidade de vida. Neste contexto, a que se junta uma política educativa que parece ter como desígnio a promoção de uma espécie de darwinismo social, em que por sucessivos processos de selecção que não garantem equidade nas oportunidades, a educação e a qualificação não parecem estar a ser suficientes para promover mobilidade social ascendente.
De facto, uma das ferramentas mais sólidas de promoção da mobilidade social nas últimas décadas, na generalidade das sociedades, tem sido justamente a educação, ou seja, a qualificação académica e profissional são entendidas como ferramentas imprescindíveis de progressão social. Lembro-me a frequência com que os meus pais, um serralheiro e uma costureira, me incentivavam "estuda que vais ser alguém que nós não fomos". Tal entendimento é adequado, importa sublinhar, mesmo num tempo em que os jovens com qualificação superior têm uma taxa de desemprego superior a 35%. Com base em vários indicadores, é ainda claro que estudar compensa. É certo que sempre existem uns "alpinistas sociais" que tratam muito bem da sua mobilidade sem grande esforço de qualificação escolar ou profissional.
Para além do que se passa ao nível da escolaridade obrigatória, Portugal, conforme alguns estudos demonstram, tem comparativamente a muitos outros países da Europa, um dos mais altos custos para as famílias a situação de um filho a estudar no ensino superior, ou seja, as famílias portuguesas fazem um esforço bem maior, em termos de orçamento familiar, para que os seus filhos acedam a formação superior. Se considerarmos a frequência de ensino superior privado o esforço é ainda maior. Tem vindo a ser regularmente noticiada a desistência da frequência dos cursos por muitos alunos que, por si, ou os respectivos agregados familiares não suportam os encargos com o estudo.
Estas dificuldades são, do meu ponto de vista, considerados frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.
As mudanças nos dispositivos de apoio e bolsas, o encarecimento dos custos de formação, mais significativos nos 2º ciclos e as dificuldades das próprias famílias e estudantes podem ter um efeito extremamente significativo em termos de futuro ao inibirem a educação e qualificação.
Apesar das melhorias registadas nos últimos anos, os relatórios internacionais ainda reconhecem como característica do sistema educativo português, sobretudo devido às altas taxas de abandono precoce, o baixo impacto da educação na mobilidade social. Dito de outra maneira, os indivíduos com origem em grupos sociais mais favorecidos são os que tendencialmente obtêm melhores níveis de qualificação e repete-se o ciclo. Neste quadro, a redução significativa das bolsas e apoios, as dificuldades enormes que muitas famílias atravessam e o desemprego mais elevado entre os jovens, que poderia constituir uma pressão para continuar os estudos, a que acrescem as elevadas propinas, designadamente no 2º ciclo, tornam ainda mais difícil a realização de percursos escolares que promovam mobilidade social e que se traduz, por exemplo, no aumento das desistências.
Neste cenário, quando se entende e espera que a educação e qualificação possam ter um papel decisivo na minimização de assimetrias, as políticas, os custos e a dificuldade de acesso podem, pelo contrário, alimentar essas assimetrias e manter a narrativa, "tal pai, tal filho", pai letrado, filho letrado e pai pouco letrado, filho pouco letrado.

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