É inevitável, os dias iniciais de Dezembro são sempre envolvidos nas memórias do meu Pai, um Homem bom. Hoje chegaria aos cem anos, uma idade bonita. Partiu também nos primeiros dias Dezembro, em 1975. Parecem muitos anos, mas não foi há muito tempo, a unidade de medida do afecto e da saudade não tem um padrão, é a de cada um.
Partiu demasiado cedo, mas não
partiu sem me mostrar o que nunca viu, sem me ajudar a chegar aonde nunca foi.
Tanto que ficou por dizer e por
viver.
Partiu numa altura em que
acreditávamos que, finalmente, tudo seria melhor, tudo seria possível, e tudo
seria melhor e possível para todos. Nos tempos de adolescência e juventude,
quando nos sentíamos donos do mundo ou quando sabia que me envolvia em algo que
naqueles tempos negros poderia ter algum risco, sempre me dizia, “Pensa por
ti”. Não sei se pensei sempre bem, certamente não, mas acho que tenho pensado
sempre por mim.
Teria gostado de nos ver a fazer
pela vida, eu e o meu irmão. Havia de ter gostado de conhecer os netos e os
bisnetos que certamente também gostariam de o ter conhecido e ouvido as
histórias que ele nos contava, sempre inventadas. Ainda recupero essas
histórias e os seus personagens, como o “Arranja Moinhos”, uma espécie de
MacGyver antes do tempo, e é sempre um tempo divertido para o Tomás e para o Simão.
Era um homem tranquilo, nunca o
ouvi gritar e nunca me bateu, não era habitual na época. Trazia livros da biblioteca
do Arsenal do Alfeite onde era serralheiro e o jornal “A Bola” já lido pelos
colegas. Ainda me lembro de assistir bem pequeno a peças de teatro no Clube
Recreativo que ajudou a fundar e em que o meu pai também representava. Uma vez
por ano, quase sempre no final do campeonato, íamos ao antigo Estádio da Luz,
ver o nosso Benfica. Só não partilhava com ele a enorme paixão que tinha pela
caça.
Continuaria a ser porto de abrigo
dos sobressaltos que também fazem parte da vida da gente.
É verdade, tanto que ficou por
dizer e viver.
Mas um dia destes, ainda vamos
conversar todas as conversas que não iniciámos e todas as conversas que não
acabámos.
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