Faz parte das rotinas do final de ano proceder de diversas formas a um balanço do ano que acaba e se perspective o ano que vai chegar. Algumas notas relativas ao universo da educação, a área em que me movo há décadas, embora não esqueça a gravidade e preocupação com o rumo do mundo que constitui uma enorme ameaça, sendo que os sinais de esperança em melhoria são ténues.
Na educação, o ano que está a
terminar o ano é marcado pela situação que envolve os
professores e as suas consequências nas comunidades escolares Num caminho que começou em Maria de Lurdes
Rodrigues e continuado pelos Ministros de Educação que se seguiram temos vindo
a assistir a uma sucessão de medidas de políticas públicas de educação com impactos
significativos e negativos na profissão docente e nas pessoas que a desempenham
que se interligam ou associam.
Sem hierarquizar ou esgotar
vejamos alguns aspectos. Regista-se a manutenção de um modelo de carreira,
recrutamento e colocação de professores ineficiente e produtor de injustiça, um
modelo de avaliação também injusto, incompetente e pouco transparente, a
desvalorização salarial e social que se associam a uma baixa atractividade pela
carreira de professor, o previsível e não acautelado envelhecimento dos
professores e o consequente abandono, o cansaço e desânimo sentido pelos
docentes e sublinhado em muitos estudos, o modelo de governança de agrupamento
e escolas que se liga, embora não como única variável, ao clima que se vive em
muitas comunidades escolares, um caminho de “descentralização”/municipalização”
cheio de dúvidas e pouco claro, ou a burocracia excessiva que leva a uma
“agitação improdutiva” e, pior, cansativa e ineficaz.
Este contexto acaba,
naturalmente, por se tornar mais pesado e doloroso para os que gostam,
escolheram e querem ser e continuar a ser professores, a maioria dos docentes
apesar dos discursos de cansaço que regularmente se ouvem.
Todas estas questões sustentaram
uma mobilização reactiva de forma muito significativa dos professores e tanto
mais significativa, quanto também emerge fora, por assim dizer, da influência
dos mais habituais “representantes” dos professores e se evidencia o apoio de
pais e alunos, também preocupados com a situação de mal-estar e injustiça dos
docentes.
Ainda relativamente aos
professores e também decorrente das políticas públicas erradas de que, sem
surpresa, ninguém assume responsabilidade, assistimos ao agudizar da falta de
docentes que produz efeitos de diferente natureza e todos preocupantes, muitos
alunos sem aulas a alguma disciplina no final do primeiro período, recurso
profissionais sem formação adequada e o risco de promoção de uma “desprofissionalização”
da classe docente com óbvios riscos.
Merece também registo o
conhecimento de dados conhecidos de diversos dispositivos de avaliação externa
do desempenho de alunos, de produção interna pelo IAVE, exames ou provas de
aferição, ou externa de que é exemplo o PISA, que claramente mostram um
abaixamento do desempenho escolar dos alunos portugueses nos diferentes ciclos
e com a manutenção de desigualdades que a educação escolar não está a
minimizar. Os dados dos dispositivos de avaliação externa contrastam com as
avaliações internas, que através dos “percursos de sucesso” (alunos que
terminam o ciclo no número de anos previsto) mostram uma discrepância altíssima
que não deveria existir.
O ME continua, apesar da retórica
em sentido contrário, a envolver as escolas e o seu quotidiano numa burocracia
asfixiante e inútil que aumenta problemas e nada contribui para soluções.
Continua a ser imprescindível dotar
as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar
tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos
suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de
alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis,
técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho
multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais e serão sempre
essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de
regulação que sustentem o trabalho desenvolvido e de processos
desburocratizados.
São apenas alguns exemplos de
respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior
aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras
destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me
têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos. Por
outro lado, também acontece que todo este movimento acaba por mascarar a
inadequação ou ausência em matéria de políticas públicas.
O ano também me parece marcado pelo
deslumbramento do ME com a transição digital, quando são conhecidas com
demasiada frequência queixas relativas ao acesso a equipamentos por parte dos
alunos, à qualidade dos equipamentos, à insuficiência dos recursos necessários à adequada
utilização dos equipamentos, nas escolas, mas em particular nas salas de aulas,
infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo. Acontece
ainda que existe uma enorme diversidade na literacia digital dos alunos. Deste
cenário podem decorrer situações sérias de desigualdade entre escolas e entre
alunos e todos conhecemos múltiplas situações que evidenciam a enorme
disparidade de recursos e da sua utilização.
É conhecido também que muitas famílias recusam receber os computadores pois em caso de problemas serão responsáveis pelos equipamentos. Nesta situação estão sobretudo famílias com menores rendimentos o que, naturalmente, não será de estranhar. Os exames e provas de aferição serão realizados em formato digital em 2024.
O ME, não só nesta questão, mas
de uma forma geral optou por um discurso de negação de dificuldades ou
enreda-se em exercícios de “wishfull thinking” em que tudo vai (quase) bem.
Em Março teremos eleições e a
equipa que se segue no ME herda um pesado caderno de encargos e seria desejável
que se assumisse que as necessidades de mudança em matéria de políticas públicas, são demasiado importantes para que não sejam realizadas e se devolva, tanto quanto
possível, a tranquilidade aos professores, às escolas, às comunidades
educativas.
A história não vos absolverá.
Bom Ano.
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