Os tempos vão negros, tudo e todos se constituem como alvo de discursos e práticas ofensivas e atentatórias de direitos e dignidade assumidas por uma direita ultra-conservadora, radical, xenófoba, violenta e racista. No mundo são múltiplos os exemplos, Trump à cabeça, mas entre nós o caminho parece o mesmo. O recente episódio, não o primeiro, nem o último, mas particularmente grave verificou-se com as intervenções inclassificáveis de deputados da bancada do Chega dirigida a pessoas com deficiência e aos seus problemas no contexto de uma discussão sobre educação inclusiva.
Não adianta dizer que não vale tudo,
gente sem valor não tem valores.
Neste cenário inquietante, a
reflexão em torno das questões éticas é crítica e urgente.
Várias vezes aqui tenho referido
a imprescindível necessidade de olharmos para a nossa pegada ética também
altamente comprometedora da nossa qualidade de vida e desenvolvimentos.
Os comportamentos e valores que
genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética
da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos
aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação
do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil
recuperar.
As lideranças, hipotecando a sua
condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo
peso e impacto que esta pegada ética está a assumir.
No contexto da educação também a
dimensão ética é crucial.
A dimensão ética das políticas
públicas, a dimensão ética da acção educativa seja no ensinar e formar, seja no
aprender são pilares estruturantes da qualidade dessa acção.
Neste contexto, uma área que me
tem sido próxima dentro da educação, a chamada educação inclusiva, é um dos
melhores exemplos da importância de se considerar o seu enquadramento e
robustez ética.
Recorrendo a um autor que me é
caro, Biesta, podemos afirmar que a história da inclusão, do combate à exclusão
com diferentes formas e critérios, é história da democracia, a história dos
movimentos que lutaram pela participação plena de todas as pessoas na vida das
comunidades, incluindo, evidentemente a educação.
Na verdade, a educação inclusiva
e a equidade em educação não decorrem de uma moda ou opção científica, são
matéria de direitos pelo que devem ser assumidas através das políticas e
discutidas, evidentemente, na sua forma de operacionalizar.
O que se entende por educação
inclusiva também não pode ser entendido e operado ou legislado em modo “cada
cabeça, sua sentença” de forma avulsa pouco robusta conceptualmente numa
espécie de vale tudo em nome da inclusão que acaba por promover … exclusão.
Este cenário é eticamente inaceitável.
Importa que os contextos e
comunidades educativas nos quais as crianças e jovens em idade escolar devem
estar sejam capazes e tenham os apoios necessários e competentes para em cada
momento e em cada escola identificar e contrariar processos de insucesso e de
exclusão que se instalam pelas mais variadas razões, a deficiência é apenas uma
delas. A promoção da educação inclusiva passa por sermos todos reconhecidos
como sujeitos de direitos, por estar nos espaços comuns das comunidades, por
aprender, por participar nos processos educativos comuns e pertencer à
comunidade educativa e escolar.
No entanto, a realidade está para
além dos nossos desejos, os tempos que vivemos, apesar de alguns avanços e
muita retórica, ainda são tempos de exclusão, de competição, de desregulação
ética e de oscilação de valores que atingem, evidentemente, os mais frágeis,
como é o caso das crianças e jovens com necessidades educativas especiais e as
suas famílias.
A esmagadora maioria dos
professores e técnicos é eticamente responsável, competente e empenhada nesse
trabalho, procurando desenvolvê-lo com qualidade, rigor e eficácia, sem
facilitismos, contrariamente ao que tantas vezes se afirma de forma ignorante
mesmo por parte de quem deveria ter alguma solidez ética.
Julgo que estamos mesmo num tempo
exigente em matéria de educação considerando também a sua dimensão ética.
1 comentário:
Muito bom , Zé Morgado! É muito oportuno!
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