quinta-feira, 6 de março de 2025

DEFICIÊNCIA, EDUCAÇÃO E ÉTICA

 Os tempos vão negros, tudo e todos se constituem como alvo de discursos e práticas ofensivas e atentatórias de direitos e dignidade assumidas por uma direita ultra-conservadora, radical, xenófoba, violenta e racista. No mundo são múltiplos os exemplos, Trump à cabeça, mas entre nós o caminho parece o mesmo. O recente episódio, não o primeiro, nem o último, mas particularmente grave verificou-se com as intervenções inclassificáveis de deputados da bancada do Chega dirigida a pessoas com deficiência e aos seus problemas no contexto de uma discussão sobre educação inclusiva.

Não adianta dizer que não vale tudo, gente sem valor não tem valores.

Neste cenário inquietante, a reflexão em torno das questões éticas é crítica e urgente.

Várias vezes aqui tenho referido a imprescindível necessidade de olharmos para a nossa pegada ética também altamente comprometedora da nossa qualidade de vida e desenvolvimentos.

Os comportamentos e valores que genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar.

As lideranças, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir.

No contexto da educação também a dimensão ética é crucial.

A dimensão ética das políticas públicas, a dimensão ética da acção educativa seja no ensinar e formar, seja no aprender são pilares estruturantes da qualidade dessa acção.

Neste contexto, uma área que me tem sido próxima dentro da educação, a chamada educação inclusiva, é um dos melhores exemplos da importância de se considerar o seu enquadramento e robustez ética.

Recorrendo a um autor que me é caro, Biesta, podemos afirmar que a história da inclusão, do combate à exclusão com diferentes formas e critérios, é história da democracia, a história dos movimentos que lutaram pela participação plena de todas as pessoas na vida das comunidades, incluindo, evidentemente a educação.

Na verdade, a educação inclusiva e a equidade em educação não decorrem de uma moda ou opção científica, são matéria de direitos pelo que devem ser assumidas através das políticas e discutidas, evidentemente, na sua forma de operacionalizar.

O que se entende por educação inclusiva também não pode ser entendido e operado ou legislado em modo “cada cabeça, sua sentença” de forma avulsa pouco robusta conceptualmente numa espécie de vale tudo em nome da inclusão que acaba por promover … exclusão. Este cenário é eticamente inaceitável.

Importa que os contextos e comunidades educativas nos quais as crianças e jovens em idade escolar devem estar sejam capazes e tenham os apoios necessários e competentes para em cada momento e em cada escola identificar e contrariar processos de insucesso e de exclusão que se instalam pelas mais variadas razões, a deficiência é apenas uma delas. A promoção da educação inclusiva passa por sermos todos reconhecidos como sujeitos de direitos, por estar nos espaços comuns das comunidades, por aprender, por participar nos processos educativos comuns e pertencer à comunidade educativa e escolar.

No entanto, a realidade está para além dos nossos desejos, os tempos que vivemos, apesar de alguns avanços e muita retórica, ainda são tempos de exclusão, de competição, de desregulação ética e de oscilação de valores que atingem, evidentemente, os mais frágeis, como é o caso das crianças e jovens com necessidades educativas especiais e as suas famílias.

A esmagadora maioria dos professores e técnicos é eticamente responsável, competente e empenhada nesse trabalho, procurando desenvolvê-lo com qualidade, rigor e eficácia, sem facilitismos, contrariamente ao que tantas vezes se afirma de forma ignorante mesmo por parte de quem deveria ter alguma solidez ética.

Julgo que estamos mesmo num tempo exigente em matéria de educação considerando também a sua dimensão ética.

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom , Zé Morgado! É muito oportuno!

Zé Morgado disse...

Está feio o mundo