Muitas vezes e de há muito que aqui no Atenta Inquietude tenho abordado a questão dos ecrãs, em particular a utilização da net em diferentes formas e circunstâncias por parte dos mais novos. Também foi matéria muitas vezes integrada na minha actividade docente na área da Psicologia da Educação. Para além disso, foi objecto de muitas intervenções com grupos de docentes e de pais.
As questões e os riscos têm motivado diferentes abordagens
sendo que, em Portugal, tal como noutros países, muitas escolas têm limitado o
acesso aos telemóveis. No entanto, independentemente da proibição escolar, creio
que o tempo de ecrã, quer na duração, quer nos conteúdos e potencial impacto
negativo se coloca, sobretudo, fora da escola, designadamente, nos contextos familiares.
Toda esta problemática tem sido objecto de trabalhos, notícias e reflexões
nos últimos tempos potenciados pelo impacto que a série “Adolescência” tem
tido.
Os dados que múltiplos estudos nacionais e internacionais
relativos à utilização da net, considerando tempo e conteúdos, devem ser
reflectidos, mas, peço desculpa, do meu ponto de vista e apesar de conhecer
riscos e comportamentos graves, cyberbullying, por exemplo, ou situações como
as retratadas em “Adolescência”, julgo que devemos ter alguma serenidade e
evitar discursos extremos.
Para as gerações mais novas não fica muito fácil imaginar um
mundo sem a net. Quando ainda há pouco tempo, conversava com os meus
alunos(as), já jovens e adultos, e lhes conto como era estudar sem net e sem
computadores, as máquinas usadas eram as de escrever e de calcular, julgo que
eles estarão, por assim dizer, a “ver” um filme de ficção científica ao
contrário.
Como costumo afirmar, sou um utilizador conservador, sem
conhecimento muito sólido, conto com o apoio de colegas e de gente mais nova
como o meu filho, para as muitas dúvidas que vou sentindo. Aliás, já passei
pela situação de não saber como realizar uma operação qualquer no telemóvel e o
meu neto Simão, agora já com onze e um “nativo digital” como agora lhes chamam,
me ter dito tranquilamente como proceder. A minha auto-estima aguentou-se
sempre encostada ao meu perfil de utilizador, basicamente “ligo-me” para
corresponder a alguma necessidade enquanto profissional, de conhecimento, de
informação, de utilização de serviços, etc.
E não é raro que ainda me sinta “maravilhado” com as
possibilidades abertas e que têm progredido enormemente, quer ao nível de
equipamentos, de “software”, recursos, e que, certamente, ainda estaremos longe
de esgotar como agora estamos a descobrir com a inteligência artificial.
A verdade é que se a net abriu um mundo inesgotável de
oportunidades, também abriu um mundo de alçapões. Ligado desde sempre ao mundo
dos mais novos, muitas vezes aqui tenho falado desses alçapões e como, apesar
da vulgaridade e massificação da sua utilização, muitos pais me dizem
desconhecê-los mesmo sendo eles próprios utilizadores regulares da net.
Em primeiro lugar sublinho que, como é evidente, não está em
causa qualquer diabolização destas ferramentas, apenas um alerta para riscos e
da necessidade de regulação da sua utilização pelos mais novos.
Como múltiplos estudos revelam aumentou exponencialmente o
tempo que crianças, adolescentes e jovens, tal como muitos adultos, estão em
frente do ecrã. Os confinamentos durante a pandemia fizeram subir
exponencialmente esse tempo, a escola estava no ecrã. Naturalmente os riscos
também aumentaram como o cyberbullying que já referi, chantagem e roubo,
exposição a conteúdos inadequados às idades, pornografia infantil, etc.
Trata-se de mais um factor de pressão para a supervisão
imprescindível, mas muito difícil dos mais novos na sua relação com a net.
É importante sublinhar que dados do Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação (ICILS) envolvendo 11 países e divulgados em 2020 sugerem que os alunos portugueses são os mais bem preparados para usar a internet de forma responsável. No entanto, os dados relativos aos riscos que aqui tenho referido, são, de facto, geradores de preocupação.
Podemos considerar mais um sinal dos tempos as múltiplas
referências ao tempo excessivo e dos riscos associados que muitas crianças
e adolescentes com a ligação à net nas suas múltiplas possibilidades
designadamente as redes sociais. Os indicadores
relativos ao cyberbullying, insisto e muitas vezes aqui tenho referido, são
inquietantes.
Nesta perspectiva e tal como noutras áreas o recurso
privilegiado a estratégias proibicionistas não funciona. É mais eficiente a
promoção da utilização auto-regulada e informada. A net e o mundo de
oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas as suas
potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os que lidam
com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É o nosso
trabalho.
Sabemos que muitas crianças têm um ecrã como companhia
durante o pouco tempo que a escola "a tempo inteiro" e as mudanças e
constrangimentos nos estilos de vida das famílias lhes deixam
"livre". Também é verdade que a crescente "filiação" em
redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre” do
mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente, ainda é
passado à sombra de uma televisão.
Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos
mais novos e os riscos potenciais, por estranho que pareça, são problemas menos
conhecidos para muitos pais. Aliás, as dificuldades sentidas por muitas
famílias na ajuda aos filhos em tempo de ensino não presencial, mostrou isso
mesmo, baixos níveis de literacia digital. Considerando as implicações sérias
na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos
pais para que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da
qualidade de vida das crianças e adolescentes minimizando os riscos existentes
nos “alçapões da net”. Existem demasiadas situações em que desde muito cedo os
“smartphones” ou outros dispositivos funcionam como “babysitters”.
Por outro lado, a experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder eficácia com a idade. Neste contexto, julgo muito interessante o conjunto de trabalhos que a Visão desta semana dedica a esta matéria.
Creio que o caminho terá de passar por autonomia,
supervisão, diálogo e muita atenção aos sinais que crianças e adolescentes nos
dão sobre o que se passa com elas.
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