quarta-feira, 24 de junho de 2015

OS DOUTORES DA MULA RUÇA

Muitas pessoas estão a ser avisadas de que perdem o grau atribuído ou de que as disciplinas que assim foram “realizadas” deixam de o ser. Aguarda-se por notícias relativas à responsabilização por parte da instituição que, ao arrepio da intenção e disposição da lei, vendeu cursos e disciplinas de uma forma que mancha a sua credibilidade bem como a de todo o ensino superior que obedece às mesma leis e que as procura usar com as regras e limites que devem ser o padrão no ensino.
Recordo que o Governo já aprovou em Conselho de Ministros a revisão dos processos que estruturados no âmbito da Declaração de Bolonha permitiam a creditação académica por equivalência de experiências profissionais. De acordo com a legislação agora existente está definido o limite de um terço do total de créditos por curso aos créditos que se possam obter por equivalência de experiência profissional.
Importa recordar por uma questão de justiça de que a grande maioria dos estabelecimentos de ensino superior já tinham regras de creditação que em muitos casos são até mais restritas que as agora estão definidas.
Todo este processo emergiu, evidentemente, da divulgação pública da meteórica e escandalosa licenciatura atribuída pela Universidade Lusófona ao "Dr." Relvas, processo que ainda não se concluiu.
Estando ligado profissionalmente a uma instituição de ensino superior privado, creio que a mais antiga do país, com mais de 50 anos, sinto-me de alguma forma envolvido nestas questão mas, por outro lado, também me permite falar com algum conhecimento.
Como já o tenho referido, o aumento exponencial da procura do ensino superior durante os anos 70 e 80 não encontrou resposta na rede existente fundamentalmente pública. Nesse contexto emergiu rapidamente uma enorme quantidade de estabelecimentos de ensino superior privado e, naturalmente, também no ensino público com novas universidades e a explosão do ensino politécnico.
Este aumento foi completamente desregulado, por responsabilidade da tutela com a justificação da autonomia universitária, o que gerou uma rede sobredimensionada, enviesada na oferta, com corpos docentes em muitos casos manifestamente pouco qualificados e, portanto, com compromissos severos de qualidade.
Por outro lado, a decisão política, de base económica, que justificou o processo de Bolonha, introduziu uma outra variável neste universo, as licenciaturas de curta duração, o 1º ciclo, que em algumas áreas passaram a ser a formação de base substituta da anterior formação de 5 anos.
Também no contexto da Reforma de Bolonha e com base num princípio que me parece positivo, se abriu ainda portas ao reconhecimento académico de competências profissionais. Provavelmente, não se imaginaria o recurso manhoso a este expediente de que o "Dr." Relvas e mais uns quantos e a Universidade Lusófona irresponsavelmente se serviram, afirmando sempre a sua “legalidade”.
Um cenário desta natureza num contexto praticamente desregulado, apesar de algumas inspecções inconsequentes, como a imprensa tem referido, conhecendo-se a falta de arquitectura ética de boa parte das nossas lideranças bem como a importância social atribuída ao "canudo de Dr." e menos ao conhecimento, a promiscuidade de interesses e dos lóbis (aliás, uma das 4 cadeiras feitas pelo "Dr." Miguel Relvas) motivou muitos casos de trânsito entre universidades privadas, e não só, e a classe política, sendo muito frequente que uma figura qualquer com currículo partidário ou a ocupação de um cargo político passe em seguida a “Professor universitário” sem currículo nem competência que o justifique, mas de cuja ligação se espera que todos ganhem, seja lá o que for.
É neste caldo que se geraram situações como a do ex-ministro Miguel Relvas e de mais algumas situações menos mediatizadas mas também conhecidas e que agora serão divulgadas.
Lamentei e lamento todo este episódio, que mina a credibilidade do ensino superior privado e fez duvidar de um princípio que por si é importante, o reconhecimento pela academia de que existem saberes e competências que podem ser adquiridas fora da universidade, mas trabalhando mesmo e fazendo prova desses saberes e competências.
Fico triste com esta situação mas não surpreendido, no fundo, como diria Miguel Torga, “a natureza humana é fraca”.
Quando era ouvia com frequência uma expressão que era dirigida a quem se queria “armar” no que não era, chamavam-lhe “doutor da mula ruça”. É o caso destes “doutores da mula ruça”. 

2 comentários:

Anónimo disse...

Boa tarde, caro Professor,algumas Considerações:
1)É necessário mudar o sistema de Financiamento do Ensino Superior, o modelo como está organizado, não funciona.
2)A re-organização do Ensino Superior nunca foi feita, quero dizer reduzir vagas em alguns cursos. (É Inadmissível que a Faculdade de Direito de Lisboa abra todos os anos 200 Vagas para Direito.).
3)Aproximar o Ensino Politécnico do Ensino Universitário (Crato tem feito o oposto).
O que faz a A3S ? Deveria garantir a Qualidade do Ensino Superior, mas não faz.
Cumprimentos
Pedro.

Zé Morgado disse...

Também nisto estamos de acordo Pedro.