sexta-feira, 6 de maio de 2016

SER ALGUÉM

Os professores da minha escola, quase todos os professores da minha escola, gostavam muito de nos ensinar. Era para sermos alguém, diziam.
Diziam-me para pintar um quadrado de vermelho, eu gostava de pintar um triângulo de azul. Parece que só se pode pintar o que nos dizem, da cor que nos dizem.
Diziam-me que a minha árvore estava mal desenhada porque as árvores não são assim como a minha. Era assim que eu gostava de desenhar árvores.
Diziam-me para escrever frases com umas palavras. Eu gostava de escrever frases com outras palavras.
Diziam-me para escrever um trabalho sobre um assunto. Eu gostava de escrever as histórias que inventava para contar aos meus amigos.
Diziam-me para ler aquele livro. Eu gostava de ler uns livros que descobria com o Professor Velho na biblioteca.
E em todo o tempo da minha escola me disseram exactamente o que tinha de fazer, como tinha de fazer, o que tinha de saber, quando tinha de saber, o que tinha de pensar, como tinha de pensar, do que deveria gostar, ou seja, ser alguém, repetiam.
E assim fiz, sou alguém.
Ontem, vinha na rua e alguém se me dirigiu, “Desculpe, importa-se de nos dar a sua opinião sobre …”.

Em pânico, interrompi a pessoa. Há tanto tempo que sou alguém que não pensa.

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