terça-feira, 8 de maio de 2012

DISPENSADA DOS SEUS DIREITOS POR RAZÕES CULTURAIS

Uma criança de 13 anos é dispensada pelo Ministério Público de frequentar a escola. Este enunciado é, no mínimo, estranho num país com a escolaridade obrigatória instituída em 12 anos e que tem entre os seus direitos fundamentais de cidadania, o direito à educação. Embora não seja jurista, tal decisão, parece-me de difícil sustentação.
Mas a situação tem alguns contornos que vale a pena considerar, a criança é de etnia cigana e vive num acampamento, excluída, portanto.
A escola, na região de Viana do Castelo, com o apoio da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens tentou e, sublinhe-se, continua a tentar, que a Gracinda, a criança dispensada dos seus direitos, aceda a formação escolar, de natureza diferenciada, cuja importância é dispensável acentuar.
A Procuradora-adjunta entendeu por bem arquivar o caso, “Atento o meio cultural em que esta menor se insere, não existe qualquer medida de promoção e protecção que se adeqúe à sua situação." Um despacho que me parece um acto de “delinquência” e, naturalmente, criticado pela entidades envolvidas e por alguns especialistas ouvidos no trabalho do Público sobre esta questão.
Já algumas vezes me tenho referido a decisões no âmbito dos Tribunais de Família e de Menores absolutamente atentatórias dos direitos e do bem-estar dos miúdos, que contrariam o princípio fundador do ordenamento jurídico português no que respeita aos mais novos, o supremo interesse da criança.
A justificação com o meio cultural é absurda e criminosa. Como é sabido, em Portugal, por razões culturais, também se realizam práticas de mutilação genital feminina, procedimento delinquente, condenável e que atropela direitos óbvios. A Procuradora-adjunta Marta Gonçalves entenderá, provavelmente, que considerando o meio cultural nada haverá a fazer.
Para quem conhece minimamente este universo, são conhecidas muitas decisões “delinquentes” de alguns decisores judiciais que apenas devem reconhecer “o supremo interesse da criança” como figura jurídica e não como princípio fundador inalienável das decisões que envolvam o bem-estar de crianças e jovens, por mais difícil que possa entender-se a sua operacionalização, é uma outra questão.
Este cenário, hoje relata-se apenas mais um exemplo, evidencia a necessidade urgente de que os Tribunais de Família e de Menores existam em todos os círculos, o que está longe de acontecer, que sejam dotados dos recursos humanos necessários a uma tramitação célere dos processos em apreciação e, aspecto fundamental, que se desenvolva um sólido trabalho de formação dos agentes de decisão judicial.
Em nenhuma circunstância e muito menos quando envolve menores, a administração do direito é apenas um exercício de amanuense administrativo.

1 comentário:

maria disse...

Estas situações acontecem dentro da etnia cigana (só com as raparigas). Logo que começam a despertar para a adolescência, a família já não vê com bons olhos a sua ida à escola. É por esta altura que a família escolhe o que será o seu marido, logo que tenha 15 anos (por vezes ainda mais cedo).