Os Srs. Algoritmos do FB lembraram-me que em 22 de Janeiro de 2015 tinha escrito um texto, “Duas mães, dois pais” sobre a adopção de crianças por casais homossexuais. Na verdade, foi apenas uma das diversas abordagens que aqui realizei a esta questão e que, considerando os tempos que se vivem, vale a pena insistir.
Apesar da legislação que a partir
de 2016 criou formalmente esse cenário, a sua relevância justifica mais uma abordagem
e e fá-lo-ei enquanto for uma questão por resolver, não só do ponto de vista
legislativo que já está ultrapassado, mas, sobretudo considerando que ainda se
discute à luz de diferentes quadros de valores e, também, com base na agora tão
referida evidência.
De facto, para além dos discursos
anónimos ou identificados, mais ou menos equilibrados, mais ou menos boçais,
mais ou menos ignorantes ou conhecedores, mais ou menos sofisticados e
assentes, de forma aparente ou efectiva, em ciência, ficarão sempre os valores
e a forma como se olha o mundo para sustentar muito do que continua a ouvir-se.
Não será grave, pelo contrário, parece-me normal e legítimo, mas importa
assumir que se trata de valores e não de ciência.
Aliás, lembro-me de Mário
Cordeiro ou Rita Jonet tornando bastante claro o que é um discurso que parte do
bem-estar dos miúdos e das pessoas e do que se sabe sobre isso e outro discurso
que assenta em convicções, “acho que” e “duvida dos estudos”, que, sendo
legítimo, não é ciência.
Lembro-me de quando ainda se
discutia a permissão da adopção, a Ordem dos Advogados, era Marinho Pinto o
bastonário, ter divulgado um parecer contra a proposta de permitir a co-adopção
e adopção fundamentada na ideia de "família natural".
Nos tempos que correm em que se recuperam
discursos e atitudes que julgávamos improváveis, vale a pena retomar o
argumentário contra a adopção e que se organiza em torno de três grandes
ideias, e que são a eventual dificuldade da criança em lidar com a sua
orientação sexual, a vulnerabilidade psicológica e o risco de problemas de
comportamento e também o risco acrescido de serem alvo de discriminação, por
exemplo, em contextos escolares.
Como foi afirmado numa
conferência realizada em Lisboa sobre a homoparentalidade, uma revisão de
algumas dezenas de estudos sobre este conjunto de razões realizada pela
Associação Americana de Psicologia, motivou uma resolução da Associação, em
2004, que não confirma nenhuma destas preocupações o que também transpareceu em
alguns testemunhos expressos num trabalho que o Público divulgou na altura.
Parece ainda de registar que em
2010, a Associação Americana de Psiquiatria afirmava "apoiar as
iniciativas que permitam a casais do mesmo sexo adoptar e co-educar
crianças".
Também em 2014 a Ordem dos
Psicólogos de Portugal referiu em parecer que "os resultados das
investigações psicológicas apoiam a possibilidade de co-adopção por parte de
casais homossexuais, uma vez que não encontram diferenças relativamente ao
impacto da orientação sexual no desenvolvimento da criança e nas competências
parentais". Na mesma linha foi divulgada mais recentemente uma outra
revisão de estudos sobre esta matéria mostrando que a homoparentalidade não
afecta o desenvolvimento das crianças.
Podemos também lembrar que a
maioria das pessoas homossexuais terá sido educada em famílias heterossexuais,
que existem muitas crianças com sérios problemas emocionais e vulnerabilidade
psicológica, a experimentarem condições de mal-estar devastador integrando
situações familiares heterossexuais ou, finalmente, que existem múltiplos casos
de crianças discriminadas por variadas razões em contexto escolar o que não nos
faz retirar, por princípio, as crianças da escola, mas, pelo contrário,
combater a discriminação, sejam quais forem as circunstâncias.
Do meu ponto de vista e de uma
forma propositadamente simples, a questão central é que o que faz com toda a
certeza mal às crianças, é serem maltratadas e os maus tratos não decorrem do
tipo de famílias, mas da competência humana e educativa, por assim dizer, de
quem delas cuida, pais, mães ou educadores.
Quando as crianças são bem
tratadas e crescem com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a
crescer, elas encontram caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.
Insisto, o que as crianças terão
dificuldade em resolver é ter por perto adultos, heterossexuais ou
homossexuais, que não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam,
etc. Isso é que faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não
conclusiva, assente em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não
podem ser confundidos com ciência ou com um discurso de defesa das crianças de
males que estão por provar.
Parece bem mais importante
defendê-las dos males comprovados e que todos os dias desfilam aos nossos
olhos.
Muitas destas notas não são novas,
também fizeram parte de um artigo de opinião no Público há já alguns anos. Enquanto for
necessário, voltarei, insistindo.
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