A newsletter do Público dedicada à educação divulgada ontem, tem como título, “O que falta às escolas para serem mais inclusivas”. São referidos dados de um inquérito divulgado há dias realizado pela Fenprof envolvendo 132 agrupamentos sobre a implementação da legislação sobre educação inclusiva.
Sem surpresa, os dados revelam falta de docentes de educação especial, técnicos especializados, assistentes operacionais, tarefeiros, espaços físicos “dignos” ou materiais. Nas escolas abrangidas seriam necessários mais 171 docentes da área da educação inclusiva e mais 458 assistentes operacionais. Acresce que entre os mais de 156 mil alunos desses agrupamentos, 8,2% beneficiam de medidas de suporte à aprendizagem e inclusão. Existem ainda mais 6888 que apenas têm “apoio indirecto do docente de educação especial”, dito de outra forma, necessitariam de um professor para um melhor acompanhamento.
Em termos globais, 80% dos agrupamentos inquiridos consideram que não têm os recursos que seriam necessários e ainda se verifica que em 23% das turmas não se cumpre a legislação no que respeita ao número de alunos com necessidades especiais,
Nada de novo, mas umas notas que espero breves.
Muitas vezes aqui tenho abordado esta questão, é a minha paixão e tem sido a minha vida. Comecei a trabalhar no universo da educação, em particular da educação para alunos com necessidades especiais, (à época os alunos com deficiência) em 1976 e aposentei-me definitivamente em 2024, sempre nesta área, a educação. Como as pessoas ligadas à educação sabem ou irão saber, de professor e de pai nunca nos reformaremos por mais longa que seja a nossa vida. Também é curioso que a minha companheira de estrada tenha sido professora de educação especial no 1.º ciclo durante a quase totalidade da carreira achando eu que tive alguma responsabilidade nessa opção.
Dito isto, comecei no tempo das escolas especiais organizadas por deficiência (eu ligado à primeira CERCI que se constituiu), trabalhei no tempo da educação especial, no tempo da integração e das equipas de professores de ensino especial e, finalmente, no tempo da inclusão.
Sempre com esperança, acompanhei a mudança de quadro conceptual e legal que enquadrava este trabalho, ah, já me esquecia, também acompanhei as mudanças de paradigma, como sabem as coisas só mudam quando muda o paradigma, passei do paradigma da escola especial, para um paradigma combinado já com salas de ensino especial (salas de apoio) na escola regular, passei depois para o paradigma da integração, os alunos passaram a estar fundamentalmente integrados em turmas de ensino regular com acompanhamento dos professores de educação especial e, finalmente, o paradigma da inclusão, os alunos, todos os alunos, estão incluídos, já não são estigmatizados como alunos com necessidades educativas especiais. Assim, os alunos que revelavam algum tipo de dificuldade passaram a ser objecto de medidas educativas arrumadas em três categorias, as medidas “universais”, as medidas “selectivas” e as medidas “adicionais”. Isto parece que é uma outra forma de categorizar, mas não é. No paradigma da educação inclusiva é assim que se faz.
E pronto, chegámos à educação inclusiva, somos um exemplo para muitos países que se organizam nos velhos paradigmas, ainda não chegaram à educação inclusiva. Esperemos que lá cheguem, mas os ventos não vão de feição para os mais vulneráveis
No entanto, a maldita realidade nem sempre colabora. Eu reconheço e conheço, aliás, como sempre conheci, excelentes e inspiradores trabalhos de professores, técnicos, pais, escolas ou instituições ao longo destas quase cinco décadas de paradigmas diferentes. No entanto, também importa reconhecer, veja-se os dados acima e outros, por exemplo de relatórios da IGEC, que propagandear discursos sobre inclusão assentes em “wishful thinking” ou torturar a realidade para que se mostre diferente não é assim muito eficaz. Não, muitos alunos não estão incluídos nem sequer integrados, estão “entregados” com as consequências que professores, técnicos e pais bem conhecem. E importa considerar que não estou apenas a referir-me aos alunos “categorizados”, os “Selectivos”, os “Adicionais” ou os “Universais”.
Desculpar-me-ão a heresia ou descrença, mas escola inclusiva é algo que não existe e, provavelmente, não existirá nos tempos mais próximos. Os modelos e estilos de vida actuais, económicos, políticos, sociais, culturais, as assimetrias brutais que se mantêm não são compatíveis com “uma escola inclusiva”, de todo, são brutalmente inquietantes os tempos que vivemos. Eu sei e gosto de acreditar que a escola é, também, uma alavanca de mudança, mas a verdade é que a escola, de uma forma ou de outra, é sobretudo um reflexo da sociedade que serve no tempo histórico em que vive.
No entanto, em nome dos meus netos que serão o futuro e das minhas convicções, acredito numa escola que possa, quanto possível, tentar promover educação, a relação diária entre quem está na escola, assente em princípios de educação inclusiva. E neste sentido em todas escolas existirá educação inclusiva, há sempre quem a promova mesmo em contextos menos favoráveis.
A designação está tão desgastada que já nem sabemos bem o que significa. No entanto e de uma forma simples, a inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem os princípios inalienáveis da autodeterminação, autonomia e independência.
Finalizo voltando ao início, as políticas públicas são onerosas, a política pública de educação é onerosa, a suficiência de recursos será sempre uma questão problemática, mas é, também, por aqui que se avaliam a competência e adequação das… políticas públicas. E, fazendo bem as contas, a exclusão tem custo bem mais elevados
Reafirmo que não esqueço o que positivo se faz, mas conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão, mas que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Por coincidência, há dias falei aqui do Mestre Almada Negreiros. Hoje recordo-o na "Cena do Ódio" quando falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".
Desculpem a extensão do texto.
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