segunda-feira, 19 de setembro de 2022

OS FARDOS QUE AS CRIANÇAS CARREGAM

 Muito provavelmente esta não será uma questão importante embora seja uma questão de peso e que deveria merecer alguma atenção. Refiro-me ao excesso de peso que muitas crianças e adolescentes carregam nas mochilas.

Em 2017, na sequência de uma petição subscrita por mais de 50000 cidadãos, foi aprovada no Parlamento uma recomendação sobre esta questão e em 2017 o ME divulgou um conjunto de recomendações sob a designação “Mochila Leve” relativas ao excesso de peso que muitos crianças e adolescentes carregam nas mochilas. A campanha iniciada tem como designação “Mochila Leve”.

Nessas recomendações contemplavam-me medidas como o estabelecimento de dispositivo de homologação das mochilas e das condições ergonómicas mais adequadas, a definição de salas fixas para cada turma, para evitar que as crianças tenham de carregar as mochilas durante os intervalos, a instalação de cacifos, a possibilidade dos materiais escritos, manuais, por exemplo, livros serem produzidos com um papel com uma gramagem mais leve ou a utilização gradual dos recursos digitais que também se estavam incluídas na recomendação do Parlamento.

Os anos da pandemia viraram do avesso o mundo da escola que parece recuperar agora as suas rotinas, ainda que não a sua tranquilidade.

Eu sei que nem toda gente concorda que a vida de muitos miúdos se traduz num fardo bem pesado, mas a verdade é que diferentes estudos sugerem que cerca de sete em cada dez crianças transportam às costas um peso superior ao aconselhado pela OMS, 10% do seu peso corporal.

Como é óbvio, pelas suas implicações e riscos, imediatos e a prazo, para a saúde dos miúdos, esta questão deve merecer a atenção de pais e educadores no sentido de a minimizar, embora, por outro lado, o seu transporte configure um exercício físico que minimiza a ausência de espaços e equipamentos adequados em muitas das nossas escolas e combate uma infância sedentarizada, a troco, é certo, de uma coluna castigada. Nada é perfeito, dir-se-á com algum cinismo.

No entanto, aproveitando o espaço e o tempo de reflexão, talvez também fosse útil olhar de uma forma mais alargada para o peso excessivo que muitas crianças carregam nas suas costas.

As mochilas escolares serão apenas um dos carregos, por assim dizer, mas existem outros que temo ficarem fora deste conjunto de recomendações e nas quais insisto.

Estou a pensar no peso da pressão para que sejam excelentes.

Estou a pensar no peso da pressão para que sejam o que não são e da pressão para que não sejam o que são.

Estou a pensar no peso da pressão de viver demasiado só.

Estou a pensar no peso da pressão que leva a que, por vezes, só gritando e agitando-se se façam ouvir.

Estou a pensar no peso da pressão de não conhecer o caminho e sentir-se perdido.

Estou a pensar no peso da pressão de actividades sem fim e, às vezes, sem sentido.

Estou a pensar no peso da pressão do depressa e bem.

Estou a pensar no peso da pressão para sejam diferentes e na pressão para que sejam iguais.

Estou a pensar na pressão da exclusão e do insucesso.

Estou a pensar na pressão dos que são vitimizados por outros que também sendo vítimas se escondem na agressão.

Estou a pensar no peso da pressão causada por famílias demasiado distantes ou por famílias demasiado próximas ou ainda por famílias ausentes.

Na verdade, há miúdos que carregam o mundo às costas. Entende-se as preocupações dos professores, pediatras, psicólogos, ortopedistas, outros especialistas e de muitos de nós com a coluna dos miúdos.

Não, não é uma visão romântica ou “eduquesa”, seja lá isso o que for, trata-se do bem-estar de crianças e adolescentes.

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