segunda-feira, 30 de setembro de 2019

ADULTOS, CRIANÇAS E PALAVRÕES


O Expresso traz um extenso trabalho sobre uma matéria extraordinariamente comum mas pouco tratada, os palavrões. Toda a evidência citada aponta no sentido dos efeitos positivos do recurso aos palavrões em termos de saúde mental e bem-estar havendo mesmo alguns trabalhos que associam positivamente o recurso aos palavrões com capacidade cognitiva. Na parte final da peça aborda-se a questão da utilização dos palavrões pelos mais novos.
Antes desta questão uma pequena nota mais pessoal.
Durante anos procurei explicar todo este conhecimento a muita gente que me considerava “mal-educado” e sempre me senti incompreendido. Obrigado aos autores. Mais recentemente, uma das vantagens de chegar a velho, a inimputabilidade, torna as coisas um pouco mais fácil, já por vezes sinto que pensam algo como “desta idade e como ele fala” ou é “da idade”.
Por outro lado, também fico preocupado com a quantidade de génios que passam por muitas das nossas salas de aula cujas tentativas de promoção da sua saúde mental, inteligência e habilidade verbal não são valorizadas como deviam, assim como não se valorizam as suas estratégias para lidar com a ansiedade e o stresse da sala de aula e da aprendizagem
Sempre com a ideia da inovação por que não um Projecto assente na revolucionária metodologia da "Terapia pelo Palavrão. Era só mais um e com resultados garantidos. Dizem os estudos.
Voltando agora à questão que muitas vezes os pais me colocam do uso do palavrão, sobretudo quando as crianças começam a frequentar ambientes escolar algumas notas
Recordo uma história cá de casa.
Uma vez, depois de terminar umas pinturas realizadas com marcadores com ponta de feltro, o meu filho, aí por volta dos 5 anos, tentava tapar um dos marcadores mas a coisa não lhe estava a correr bem e os dedos já estavam a ficar esborratados. Como reacção ouviu-se um sonoro palavrão, daqueles que os adultos tentam explicar às criancinhas “que é feio dizer”.
Pai empenhado na boa educação do rebento, “peguei” no violino e em pianíssimo procurei explicar que aquelas “palavras não se devem dizer”. O problema é que o gaiato olhou tranquilamente para mim e devolve, “mas tu dizes a jogar à bola”.
Com o tempo acabou por aprender como todos nós, quase todos, que as palavras, todas as palavras, podem ser ditas, às vezes até sabe mesmo bem dizer algumas daquelas que libertam, vocês sabem, mas não devem ser ditas em todos os locais e em todas as circunstâncias.
É verdade que uma vez numa conversa com professores em que eu perguntava se qualquer de nós em algum contexto não dizia um palavrão, um dos professores presentes olhou para mim com um ar tão perplexo quanto incomodado e assertivamente afirmou "Eu não, nunca". Confesso que fiquei muito embaraçado, eu digo algumas vezes palavrões, quando posso, e quando não posso ... penso cada um. Desculpem.
Servem estas histórias para ilustrar a necessidade de que os processos educativos se centrem num princípio estruturante, a autonomia, ideia que sistematicamente defendo. Os miúdos devem ser solicitados a tomar conta de si dentro dos limites e regras que nos compete estabelecer com clareza e consistência e das quais eles têm uma imprescindível necessidade para crescer saudáveis.
Não se trata de uma educação para a santidade onde tudo é perfeito e a transgressão proibida e culpabilizante, mas de uma educação para valores em que se pretende que os miúdos percebam as regras e os limites imprescindíveis e sejam capazes de mobilizar os comportamentos adequados aos contextos em que se movem. Não nos comportamos num estádio de futebol como nos comportamos ao assistir a uma aula, não nos comportamos num concerto de verão como no cinema, etc., etc.
A questão é que os miúdos, muitos miúdos, parecem crescer numa desregulação por ausência de limites e regras que os deixa perdidos e sem referências, entrando frequentemente numa roda livre em que tudo parece normal e permitido em qualquer contexto.
O problema é que com muitos de nós, adultos, passa-se, basicamente, o mesmo.

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