terça-feira, 18 de outubro de 2016

OUTRA HISTÓRIA DA INCLUSÃO, ESTA COM MANUAIS

Recebi a mensagem transcrita em baixo que com a devida autorização divulgo. Trata-se de mais uma história da inclusão e aborda algo na agenda, os manuais escolares. Parece-me bem elucidativa das dificuldades de alunos, famílias e professores, em cumprir um direito básico, o direito à educação em condições de equidade por parte de todos os alunos, incluindo evidentemente, os alunos com necessidades educativas especiais.
É também claro que existe uma outra agenda de interesses que dificulta ainda mais o cumprimento desse direito.

Sou pai do …, um jovem com paralisia cerebral, com 14 anos, com grande dificuldade motora, a frequentar o currículo comum no ensino básico, beneficiando de algumas medidas do Decreto-Lei n.º3/2008 - apoio pedagógico personalizado, adequações curriculares em algumas disciplinas (EV, ET, EM e EF), adequações no processo de avaliação e tecnologias de apoio.
Ao longo do seu percurso escolar, o grande auxilio de aprendizagem do … foi o Computador, algo que minimiza bastante a minha preocupação na recuperação do ... uma vez que o presente e o futuro está virado para a informatização.
Como o … não consegue escrever com lápis/esferográfica e tem muita dificuldade no manuseamento de livros, quando o … iniciou o primeiro ano do ensino básico, fiz questão de lhe disponibilizar um portátil e logo surgiu um grande problema - não lhe era fornecido qualquer manual em formato digital para ele poder trabalhar. Então a solução que arranjei, foi eu digitar as folhas do manual, transferir a imagem para o word e colocar caixas de texto nas respostas para o …, na aula, poder responder e fazer as ditas fichas à semelhança dos restantes colegas de turma (para perceber melhor envio uns exemplos em anexo).
Neste momento, o meu filho já frequenta o 6º ano e o problema mantém-se, ou seja, não existem manuais digitais apropriados para crianças com as suas necessidades educativas trabalharem no computador, e dando-lhes a possibilidade de realizarem as mesmas tarefas que são propostas pelos professores aos colegas de turma.
Durante o quarto ano do ensino básico e agora no segundo ciclo, tive a felicidade de o meu filho estar a ser acompanhado por excelentes profissionais que se esforçam diariamente para que o meu filho tenha todos os recursos disponíveis.
No final do ano lectivo anterior, a …, professora e directora de turma do meu filho, efectuou o pedido ao ministério da educação de manuais em formato digital. Efectivamente, chegaram os tais manuais, mas infelizmente estão muito aquém das necessidades destas crianças; são simples manuais na versão PDF e muitos destes vêm protegidos. 
A directora de turma já enviou, neste ano letivo, uma mensagem à DGE a expor as dificuldades que estão a ser sentidas com os recursos disponibilizados, e a resposta foi que "os manuais são cedidos pelas próprias editoras escolares em suporte CD ou no caso do Grupo Porto Editora através de links de acesso à plataforma Escola Virtual". Informou ainda a DGE que, a este propósito, contactou o Grupo Porto Editora, solicitando a disponibilização de manuais escolares em formato digital sem estarem encriptados e que a resposta foi que atualmente só tinham esta forma de cederem os manuais escolares por questões que se prendem com "a necessidade de protegerem conteúdos, que são também propriedade dos respetivos autores e com os quais têm compromissos assumidos em termos da sua disponibilização"; que a plataforma Escola Virtual permite a anotação dos conteúdos (notas do estilo "post-it" e que estão a trabalhar esta situação para incluírem a mesma numa futura versão.
Iniciei esta luta com as Editoras há seis anos e, confesso que a certa altura desisti (1.º ciclo, uma professora e poucas áreas disciplinares). Agora que ele está no 2.º ciclo, o número de disciplinas aumentou significativamente e, saber que a utilização de recursos digitais poder ser um facilitador dos processos de ensino e aprendizagem do meu filho e saber que ainda faltam sete anos até que ele termine o ensino secundário, obrigam-me a continuar a lutar. 
A minha grande revolta e grande questão é: Como é que nos dias de hoje não existem manuais escolares digitais, em formato livro, onde se possa escrever de uma forma natural, sublinhar o que o professor achar mais importante na sua aula, etc. etc.?
(…) Tenho tido grandes batalhas neste assunto, todas elas sem sucesso, e estou a ficar sem recursos para solucionar este grande problema que advém dos interesses das editoras/autores.”

Alguém pode ajudar?

8 comentários:

João Adelino Santos disse...

Infelizmente, a descrita relatada no texto acima coincide com a realidade. A questão dos manuais escolares digitais "flexíveis", que permitam o seu uso normal com recurso a meios informáticos, não tem merecido a atenção nem a salvaguarda devidas por parte do Ministério da Educação. No contexto atual, tudo depende da boa vontade (?!) das editoras.

Zé Morgado disse...

Pois é João Adelino, ficar dependente da "generosidade" das editoras não é boa política.

Carla Martins disse...

Confesso que não estava consciente deste problema... Relatos como este são muito importantes para que conheçamos dificuldades que nos passam despercebidas e, enquanto cidadãos, pressionemos o MEC, a assembleia da república, quem deve zelar para que a igualdade de direitos e de oportunidades seja uma realidade a cumprir este seu papel. E se os professores portugueses estiverem mais sensibilizados para questões como esta quando forem escolher os manuais, aposto que a "generosidade" das editoras também será maior...

Anónimo disse...

Como docente de Educação Especial conheço e convivo diariamente com situações semelhantes.
As editoras são irredutíveis e a pressão exercida sobre elas (quer pelos Pais/Encarregados de Educação, quer pelas Escolas/Professores ou até mesmo pelo Ministério da Educação)é mínima ou até quase inexistente.
Seria importante, à semelhança de outras manifestações públicas, que outros pais em situação igual se unissem em defesa dos direitos dos seus filhos contra a hegemonia das editoras.

Zé Morgado disse...

Sem dúvida

Jorge Bastos Lemos disse...

Como utilizador das versões digitais dos manuais, confesso que não entendo em que medida o que as editoras disponibilizam estará aquém das necessidades manifestadas. Os meus filhos usam as versões digitais dos manuais da Porto Editora, quer no site da Escola Virtual, quer na app que têm instalada no tablet e, em qualquer das vias, podem sublinhar, ampliar, anotar, etc.
Não sei se estarei a dizer algo profundamente errado, e peço desculpa se porventura for esse o caso, mas o que o senhor em questão necessitará de arranjar para o seu filho é um equipamento que permita escrever com "naturalidade" e precisão, um tablet Windows com caneta, como o Microsoft Surface (refiro este porque é o que já experimentei, mas sei que existem outros). Este tipo de equipamentos são mais caros do que os portáteis comuns mas permitem escrever como no papel, o Windows 10 tem ferramentas próprias que ajudam bastante e julgo que poderão ser uma solução para uma parte substancial dos problemas mencionados.

Zé Morgado disse...

Agradeço o seu comentário/ajuda, Jorge Bastos Lemos. Continuo com dúvidas relativas aos custos da escolaridade obrigatória, GRATUITA e universal e ao nível de literacia informática/digital dos pais. Como terá visto por outros comentários, incluindo de profissionais, os problemas nesta área são diversos.

Paulo Peixeiro disse...

Olá Sr.Jorge Bastos Lemos, sou informático e pai do referido menino, para lhe explicar toda a dificuldade na utilização dos manuais iria ter de me alongar muito, penso que o seu comentário tem como base a utilização dos tais manuais digitais apenas como auxilio ao estudo o que não é o caso em questão, uma vez que em muitos casos nem iguais aos manuais originais são. O meu filho, como deve ter lido no texto não consegue manusear uma caneta para escrever e tem grande dificuldade para virar a página de um livro, utiliza apenas a mão esquerda para escrever no computador e manobrar o rato, neste momento já utiliza um portátil híbrido, com touch, com opção tablet e com o Windows 10 na sala de aula, a grande dificuldade consiste na escrita das respostas nos ditos manuais, enquanto um livro normal tem uma linha ou duas por baixo da pergunta para se escrever a resposta normalmente, tem colunas para fazer correspondência, tem tabelas para serem completadas, etc... Nos manuais digitais por exemplo, para responder tem que se colocar uma caixa de texto por baixo da pergunta, isto quando o manual ou PDF o permite e na maioria das vezes a dita caixa tapa a pergunta seguinte, não se consegue ligar colunas, etc... até me poderia dizer para dar uma resposta faça assim, para ligar uma coluna faça assado, mas penso que não será esse um futuro justo. A minha luta é que como um aluno dito normal pega na caneta e escreve no livro todos os meninos como o meu filho peguem no teclado e escrevam em qualquer livro digital. De qualquer modo obrigado pelo seu interesse.