segunda-feira, 31 de agosto de 2009

POLÍTICAS DE FAMÍLIA, A VIOLÊNCIA DE FACTO

As denúncias à PSP de casos de violência doméstica aumentaram 35% em 2008. Segundo as fontes policiais mais do que o aumento do número de casos, parece poder constatar-se sobretudo que as vítimas se sentem com mais confiança e coragem para procederem à denúncia das situações. Também se verifica em termos comparativos com 2008 e considerando os primeiros meses de 2009, um abaixamento do número de mulheres que morreram vítima de violência, dados da UMAR.
Apesar desta mudança no sentido da auto-determinação que leva a vítima a apresentar queixa, é sabido que um número muito significativo de episódios de violência, de diferentes tipos, acontece sem que sejam reportados por medo, cultura ou falta de confiança no apoio, legal, institucional ou em termos pessoais.
Importa pois continuar de forma séria e empenhada a tentar melhorar a resposta a este tipo de situações, designadamente, em termos preventivos junto dos mais novos. Aliás, estudos recentes revelaram entre os jovens portugueses com relações de namoro números surpreendentes de violência.
Para além das desmotivadoras morosidade e ineficácia do sistema de justiça, um exemplo de algo que frequentemente acontece e que dificilmente se entende, é o facto de a vítima, depois de apresentar queixa e ver reconhecido o seu “estatuto” de vítima, ser “condenada” a sair do contexto familiar. É estranho, o agressor continua e vítima é duplamente penalizada, ou seja, agredida e “expulsa” de casa, situação que, por vezes, também ocorre com menores maltratados que são retirados para instituições e os agressores continuam tranquilamente em casa.
Nesta altura, pré-campanha eleitoral, em que as questões ligadas à família e aos seus problemas parecem estar na agenda, talvez não fosse descabido reflectir sobre algumas iniciativas quer no âmbito da protecção à vítima, quer em termos legislativos que contribuíssem para minimizar a ocorrência destes episódios.

A SERENIDADE DO TI JAIME

Este finalzinho de Agosto, com as costumeiras referências ao fim das férias anuncia o regresso à lida. Este ano, para além das rotinas de sempre, temos como factores de perturbação, duas campanhas eleitorais, a crise com as respectivas oscilações e efeitos e, naturalmente, a gripe A.
Antecipa-se um Outono frenético. É evidente que mesmo sem estes pouco habituais factores, a vida da maioria de nós tem agitação a mais e vida a menos
Quando penso neste tipo de coisas, poucas vezes porque, lá está, não há muito tempo, lembro-me do Ti Jaime. O Ti Jaime, meu tio-avô, era a pessoa mais serena que eu conheci. Vivia numa aldeia pequenina, o Alvaiade, no concelho de Vila Velha de Ródão, donde saiu um dos ramos da família. Já o conheci, como se costuma dizer, entrado na idade, homem alto, seco, olhos claros e com um brilho que não deixava de se notar.
Lamentavelmente o convívio com o Ti Jaime não foi tão regular como desejaria mas guardo a serenidade das falas,
Como diz Pennac, a maior parte das pessoas fala como se esteja permanentemente a tentar vender algo mas o Ti Jaime só falava, serenamente, contava as histórias, falava da vida dele, da família espalhada, da aldeia, dos conselhos que lhe pediam, era um homem respeitado e a quem os vizinhos recorriam com frequência. A casa e as fazendas sempre impecavelmente tratadas com a ajuda da Ti Laurinda e sempre com todo o tempo para uma conversa acompanhada por um fantástico e típico queijo picante, umas azeitonas e, claro, um copo. Não acontecia muitas vezes durante o ano e há já uns anos que o Ti Jaime partiu, mas aqueles tempos, serenos, eram tempos que não se esquecem. Eu acho que o Ti Jaime, sem a gente dar por isso, parava os relógios, e, por isso, o tempo não tinha pressa, era tranquilo.
Quando for velho, mais velho, quero ser como o Ti Jaime, sereno.

domingo, 30 de agosto de 2009

DISCUSSÕES

Quando eu era miúdo, há algumas dezenas de anos, as discussões com os meus amigos, qualquer que fosse o tema em discussão, obedeciam a padrões relativamente estáveis. Negava-se o que o outro dizia, não importa o que fosse, “não é nada assim”, questionava-se mais o interlocutor do que a ideia que apresenta, “não sabes dada disso”, “tás a mentir”, envolvia-se terceiros para dar força ao que se defendia “o meu pai disse que era assim”, etc. Em muitas circunstâncias já não sabíamos muito bem o que estava a discutir, estávamos todos aos gritos a “chamar nomes uns aos outros” e as discussões raramente tinham uma conclusão convincente para as poucas ou muitas partes envolvidas.
Hoje em dia, os miúdos já não discutem assim, são bastante mais inteligentes do ponto de vista social e com mais maturidade.
Hoje em dia, só os políticos é que discutem assim.

sábado, 29 de agosto de 2009

PROGRAMAS

Estou um bocado embaraçado. Devia interessar-me pela questão dos programas partidários, sobretudo os dos partidos que mais probabilidades terão de chegar ao poder e, portanto, decidir sobre a coisa pública, mas não consigo. O PS é governo há quatro anos com maioria absoluta e, das duas uma, ou continua a fazer o que tem feito e que nós conhecemos, ou entende fazer diferente e não se percebe porque não o fez, já que acredita ser melhor outro caminho. O PSD que ocupou o poder durante décadas, incluindo a actual líder em equipas governativas, e não realizou o que agora se propõe fazer, porque mistério o fará agora. Acresce que os programas, todos, não passam disso mesmo programas de intenções ocas, retórica e banalidades, por isso, mesmo embaraçado, não consigo interessar-me.
Mas há outros programas. Aqui no meu Alentejo, outra vez bem quente, cumpre-se o programa. Nesta altura do ano, com o aproximar das festas da Senhora D’Aires começa a caiação. Hoje, no cumprimento do programa dos sábados, bica no Central, os jornais na D. Inácia e as compras no Horácio, deu para ver como variadíssimas pessoas caiavam as casas, alindando-as para as festas. Esta brancura nas casas, com a barra de cor, aqui predomina o amarelo, faz parte do meu Alentejo.
Ainda há programas que se cumprem.

A VERDADE

(Foto de José Luís Cunha)

É verdade. Vem aqui no jornal e também deu ontem na televisão.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

CERTAMENTE UMA QUESTÃO DE AGENDA OU ...

A Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE) liderada por Maria José Viseu e que tem existência legal, denuncia o facto de, após sucessivos pedidos, não conseguir ser recebida no Ministério da Educação. Não querendo acreditar num processo de discriminação que só por calúnia mal intencionada se pode admitir restam algumas hipóteses.
Em primeiro lugar, um problema de agenda. Não se riam, claro que é possível. Não pensem que baixar o insucesso e o abandono para metade, certificar milhares e milhares de empreendedores nos Centros de Novas Oportunidades, colocar praticamente todos os professores que se candidataram, distribuir milhares de Magalhães, visitar as obras de qualificação de centenas de escolas, explicar ao Dr. Lemos o que ele deve dizer quando o Mário Nogueira chateia, etc., etc., se faz sem trabalho e que sobra tempo para minudências incómodas como receber esses chatos que apareceram só para atrapalhar a vida ao Dr. Albino Almeida e à “nossa Ministra” como lhe chama carinhosamente o presidente da CONFAP.
Poderá ainda ser uma questão de direito à privacidade, em nossas casas só recebemos quem queremos não é quem se faz convidado. Esta gente pensa que só porque pede para ser recebida tem que o ser, está muito enganada.
Uma outra hipótese poderá ter a ver com cansaço. Mais uns que vêm injustamente dizer que algo não vai bem no ME. A Ministra e a Equipa não são de ferro, fizeram o que nunca ninguém fez, a reforma (quase) perfeita, poucos reconhecem essa perfeição e agora aparece mais esta CNIPE a contestar.
Eu entendo estas razões, mas, desculpem lá senhores do ME, a ética democrática, algo certamente pouco conhecido por vós mandaria que esta situação não acontecesse. Se perguntarem ao vosso parental parceiro, o Dr. Albino Almeida, eu até acho que ele vos aconselharia a receberem a Dra. Maria José Viseu. A sério.

EDUCAÇÃO CÍVICA, A URGÊNCIA

Hoje, a caminho do meu Alentejo ouvi uma notícia que me deixou estupefacto. No âmbito da inauguração de um novo Centro Operacional de Comunicação para urgências, os responsáveis informaram que mais de 70% das chamadas de urgência para o 112 são falsas. Já tinha ouvido que o número de falsas urgências comunicadas ao 112 era elevado, mas 70% é uma loucura. Como referência comparativa dizia-se que em Madrid é cerca de 3% e nos países nórdicos é residual.
Este valor é um bom indicador do nível de cultura cívica entre nós. Nem a habitual justificação da latinidade explicará pois os espanhóis têm uma atitude diferente. Não, é mesmo uma escandalosa e criminosa falta de civismo e formação pessoal. Não vale sequer a pena chamar a atenção para as gravíssimas consequências que este comportamento pode ter, é tão óbvio.
Curiosamente existe na estrutura curricular do nosso sistema educativo a área de formação cívica, mas provavelmente, com o altíssimo insucesso escolar que vivemos, também na formação cívica se verifica esse enorme fracasso na aprendizagem. Sabe-se que vão ser instalados equipamentos que possam identificar parte das chamas para o 112 e, assim, inibir as chamadas falsas. Mas o problema central não é de tecnologia é obviamente de formação cívica.
Às vezes fico mesmo envergonhado.

O HOMEM QUE VIVEU À SOMBRA

Era uma vez um homem que viveu toda a sua vida à sombra, sempre à sombra. Enquanto foi pequeno, na sua casa praticamente não davam por ele, vivia à sombra dos irmãos sobre quem recaíam as atenções familiares e ocupava sempre os espaços mais sombrios da família. Na escola também viveu à sombra, agora dos colegas mais competentes ou que se portavam mal, o que não acontecia com ele, sempre no canto mais recatado da sala onde a sombra o protegesse melhor. Até no recreio se mantinha discreto, sentado à sombra de uma enorme tília que existia a um canto do pátio escolar.
Quando cresceu, não encontrou alguém que lhe desse sombra e ele, naturalmente, não se sentiu capaz de ser o sol para outro alguém. Assim viveu, só, sempre triste, com uma permanente sombra no olhar e outra ainda maior no coração.
Velho, passava os dias, claro, à sombra das árvores do parque ou à sombra da sua casa. Vivia das suas sombrias recordações.
Quando partiu ninguém deu por isso. Ele próprio já era uma sombra.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

FALTA DE DEBATES OU A DOENÇA DA DEMOCRACIA

A dificuldade que se verifica na organização de debates televisivos em vésperas de legislativas é mais um sinal da doença da democracia portuguesa.
Um dos pilares da democracia, no sentido mais nobre do termo, é, justamente, a existência de diferentes ideias e projectos sujeitos ao escrutínio dos eleitores que, supõe-se, devidamente informados assumirão as suas opções. Deste entendimento decorre a importância da informação e do conhecimento por parte dos eleitores sobre aquilo que está em escolha, neste caso a 27 de Setembro.
É consensual que a maioria dos cidadãos é avessa à leitura e análise dos programas partidários para além de que a leitura de jornais em Portugal é baixa. Resta assim para assegurar informação generalizada, os soundbytes televisivos nos telejornais e as caríssimas campanhas onde, a troco de uma esferográfica ou de um boné, se procura comprar um voto no meio de uma algazarra folclórica e comicieira quanto baste para encher o olho.
É evidente que não temos nenhuma certeza de que os debates fossem esclarecedores mas está em causa o princípio do confronto de ideias e projectos e do contraditório. Abdicar deste princípio é, pois, abdicar de um sustento fundamental para uma democracia mais saudável.
De facto, a democracia está doente em Portugal, mas o grande problema a dificultar um prognóstico mais favorável de melhoras, é que os partidos, sendo parte da doença, se assumem como a exclusiva cura.

É UMA CASA PORTUGUESA COM CERTEZA

Não acredito. Nunca pensei que o esforço de normalização fosse tão longe. Para além de tudo, choca-me que seja um de nós a combater o nosso património. Então não é que Luís Mesquita Martins, gestor de uma empresa portuguesa, vai desencadear uma campanha contra as nossas queridas marquises que tanto trabalho e horas de escolha nos custaram. Que terá o senhor contra as marquises? Algum traumatismo de pequeno que só Freud explicará? Será que está assolado com o vírus da inveja? Eventualmente habitará uma daquelas casas que não permitem o “upgrade” da marquise e então a ridícula vingança sobre quem, após porfiados esforços, se revê feliz numa lindíssima marquise.
Não pensa certamente no bem-estar das famílias com a casa marquisada. Onde passarão a enfiar o divã onde dorme a sogra? Onde colocarão aqueles dois maples em napa, por acaso muito jeitosos e a televisão em cima da mesinha com um naperon, ao lado da jarra com flores de plástico e com o quadro do menino com a lágrima no olho na parede em frente. É neste espaço que o dono da casa vê descansado o futebol. O autor da ideia fala da possibilidade de utilizar toldos em vez de marquisar a casa. Mas as nossas casas são alguma esplanada ou quê? Fala da questão estética pela diversidade. Mas a diversidade é um espelho da natureza e uma forma de combater a monotonia do sempre igual.
E também é contra os estendais. Não percebo. Os estendais são uma excelente base para as relações de vizinhança. Quantas informações não se trocam sobre a vida do bairro enquanto se estendem as cuecas? A roupa pinga, claro que pinga, é água limpa, lava os passeios e refresca eventuais ideias apanhadas na queda. Convém não esquecer que o estendal é amigo do ambiente, consome energia limpa, eólica e solar, ao contrário da poluente e mais cara máquina de secar.
Não, definitivamente, tirem isso da ideia, não mexam nas nossas queridas marquises, fazem parte de nós, de uma casa portuguesa.

ESTRANHO BAILADO

Pelo título poderia pensar-se que me refiro ao estranho bailado cantado pelos Trovante em “Travessa do Poço dos Negros”, mas não, nem sequer é em tom dolente. Vejamos então de que se trata. Nas deambulações matinais (estão a acabar-se, que o Agosto está a pôr-se) pelas minhas praias de sempre, as da Costa da Caparica, todos os dias, sobretudo quando as marés andam mais baixas, dá para assistir a um espectáculo curiosíssimo. Muitíssimas pessoas à beirinha da água agitam-se furiosamente num estranho bailado rodopiante, ora em cima de um pé, ora em cima do outro, abrem buracos na areia e de vez em quando baixam-se. A coreografia, devo dizer, não é particularmente brilhante e criativa mas a performance envolve, e isso é notável, bailarinos de todas as idades, predominando adultos e seniores, todos com o mesmo empenho. A produção também não é superlativa, predominam os fatos de banho clássicos, um boné ou um mais sofisticado “panamá” na cabeça e uma garrafinha na mão para onde diligentemente é remetido o resultado do estranho bailado, meia dúzia de minúsculas cadelinhas que gozando as delícias do mar da Costa estavam bem longe de se imaginar engarrafadas pelos azafamados bailarinos.
Não sei o que mais admirar. Por um lado, acho notável o empenho e a atitude profissional dos bailarinos que sempre que apanham uma desgraçada cadelinha olham à volta para se certificar que alguém viu como caçaram, ou pescaram, mais uma e de que aquela não vai para à garrafinha do bailarino da poça a seguir. Por outro lado, acho fantástico imaginar aqueles bailarinos e a respectiva família a preparar um delicioso e bem regado lanche com a meia dúzia de cadelinhas pequeninas que a sua empreendedora acção matinal conseguiu e que, para uma família média, dará, pelo menos, a enormidade indigesta de umas três ou quatro por prato.
Este bailado faria seguramente parte de uma versão beira-mar do notável “Aquele querido mês de Agosto” de Miguel Gomes.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

E A QUEM RECORRER?

Segundo dados do ME, em 2008 verificaram-se 11000 pedidos de revisão da nota dos exames do secundário. Em 62% destes recursos a nota foi alterada. Não se conhecem ainda os resultados deste ano mas espera-se o aumento dos pedidos de reavaliação.
Há poucos dias, a Ministra da Educação e o Primeiro-ministro com a pompa e circunstância a que já nos habituámos, apresentaram indicadores sobre o abaixamento dos níveis de insucesso e abandono escolares. Este anúncio sobre melhorias na qualidade do Sistema Educativo, em tese uma boa notícia, foi recebido com algum cepticismo e reserva por parte significativa da comunidade educativa, exceptuando-se, claro, o aparelho dirigente do ME. É certo que este cepticismo e reserva também decorrem, como aqui escrevi, da agenda política de que a educação e as suas matérias são parte significativa. No entanto, também evidenciam uma sustentada desconfiança face ao ME e à sua acção.
Neste contexto, constatar que 62% dos recursos, repito 62%, são acolhidos e que, em alguns casos, a nota quase duplica ou a subida é muito significativa, é mais um factor de desconfiança a minar a credibilidade do sistema.
Sabe-se que a avaliação escolar contém uma incontornável dimensão de subjectividade, por isso, é necessário um trabalho muito consistente ao nível da qualidade dos exames, da solidez, clareza e coerência dos critérios de avaliação e, naturalmente, da competência dos avaliadores. Estes aspectos foram, aliás, objecto de muitas referências na imprensa durante a época de exames. Segundo o ME todos os aspectos, mas mesmo todos, porque, como se sabe, esta equipa é infalível, foram e estão acautelados.
Como explicar então tal número de recursos acolhidos? Como confiar na avaliação se muitos professores aconselham os alunos a recorrer pois a probabilidade de verem a nota alterada é grande?
Apesar de alguns aspectos positivos, designadamente o alargamento da oferta educativa pós-básico, cada vez entendo menos o mil vezes apregoado “sucesso” da PEC – Política Educativa em Curso. E a quem recorrer?

BOM SENSO PRECISA-SE, EXCELENTE OPORTUNIDADE

País pequeno, solarengo, antigo com gente simpática mas algo triste e desiludida, precisa urgentemente de bom senso. Não é necessário ser de primeira qualidade e luxuoso, apenas se pede discrição e que cumpra os limites estabelecidos pela ética e pelos valores da democracia. Exige-se bom senso com experiência em acção política e governativa onde se verifica maior necessidade. Será condição de preferência bom senso especialmente preparado para gerir economia e finanças, educação, justiça, e para a elaboração de intervenções e discursos políticos.
Remuneração e restantes regalias acordadas de acordo com curriculum apresentado. Após curto período experimental, oferece-se contrato sem termo e sujeito a actualização por objectivos alcançados.
Devido à carência de bom senso que se verifica, trata-se de uma excelente oportunidade de negócio. Guarda-se sigilo.
Resposta ao cuidado do Povo Português.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A QUALIDADE DA DEMOCRACIA

É sempre difícil abordar os gastos dos partidos políticos sem que se corra o risco de alguma demagogia. A democracia política e o seu funcionamento têm, obviamente, custos e, por isso, tem que entender-se os gastos nas actividades partidárias, designadamente em campanhas eleitorais.
Soube-se hoje que PS e PSD, os principais candidatos ao poder, prevêem gastar cerca de 50 milhões de euros nas próximas autárquicas o que desencadeou sem surpresa múltiplas reacções e comentários, negativos na sua quase totalidade, o que se entende.
Do meu ponto de vista os gastos dos partidos levantam várias questões que nem sempre são globalmente consideradas. Algumas notas breves. Em primeiro lugar, parece óbvio que num tempo de crise económica, com tantas famílias em dificuldades entendem-se mal os montantes envolvidos e seria desejável alguma contenção. No entanto, do meu ponto de vista a questão central remete para a qualidade da democracia. A “partidocracia” instalada transformou os partidos são os donos da democracia e a sua praxis inibe e afasta os cidadãos da vida cívica. Estes gastos vêm mostrar como é perfeitamente inacessível para os movimentos de cidadãos competir com as máquinas partidárias. Embora não seja a questão mais importante pode ainda discutir-se a eficácia destas campanhas, ou seja, um voto custa quantas canetas, bandeira outra tralha qualquer A última questão prende-se com as fontes de financiamento dos partidos que alimentam aqueles orçamentos. Para além das subvenções públicas e com a polémica alteração na lei de financiamento dos partidos, as origens do dinheiro partidário tem pouca transparência e é objecto de múltiplas dúvidas, veja-se o processo que envolve o candidato a deputado pelo PSD, António Preto, pronunciado por andar a “passear” uma mala de dinheiro destinado a “apoiar” o funcionamento partidário.
Por isso me parece que, tanto como discutir os montantes envolvidos, obviamente excessivos, é importante discutir a qualidade da democracia.

A SALVAÇÃO

Um dos muitos enunciados que a língua portuguesa tem e que me encantam é, “dar a salvação”, isto é, cumprimentar. Desde miúdo que à minha avó ouvia esta expressão e a recomendação de que sempre que se entra em algum lado ou se passa por alguém, conhecido ou não, se deve dar a salvação. Este comportamento perdeu-se quase completamente, ninguém se cumprimenta ao cruzar-se na rua, excepto se for conhecido, naturalmente, e quando se entra num qualquer local, um café, por exemplo, e se solta um bom dia, a maioria das pessoas não liga e alguns olham-nos como alienígenas.
Aqui no meu Alentejo, como provavelmente noutras paragens, ainda muita gente dá a salvação na rua e, acho lindíssimo, alguns dos homens mais velhos ainda levam a mão ao chapéu. E também se mantém para muitas pessoas o hábito de um cumprimento global ao entrar num espaço público.
Dirão que nada disto parece relevante e, provavelmente, não o será. Mas cumprimentar alguém com que nos cruzamos tem a enorme consequência de que esse alguém é olhado e interpelado, deixou de ser transparente, tornou-se visível, vivo. Num mundo em que as relações interpessoais são cada vez mais em suporte virtual e em que as pessoas estão mais sós, mas com uma “rede social imensa”, não é questão de somenos.
Finalmente, esta ideia de poder receber de alguém, ou poder oferecer a alguém a salvação é, no mínimo, reconfortante. Boa noite.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

BAIXAR O INSUCESSO E O ABANDONO É SEMPRE POSITIVO MAS ...

Num país em que os níveis de insucesso escolar e abandono eram, são, absolutamente inaceitáveis e comprometedores do futuro, a notícia de que esses níveis baixaram só pode ser motivo de satisfação. O ME anuncia que nos últimos doze anos o insucesso baixou para cerca de metade, no básico está agora em 7,7% e no secundário em 18%, sendo que o número de matriculados no secundário aumentou o que significa a diminuição do abandono. Acontece que, estranhamente, ou nem por isso, essa satisfação está inquinada pela desconfiança e dúvida.
A baixa qualidade da política em Portugal transformou as questões da educação, mas não só, não numa área essencial em que deve imperar um sentido de estado e de futuro, mas numa arma ao serviço da agenda política. Governo e oposição servem-se dos problemas e das dificuldades, bem como de eventuais melhorias, para ataque ou defesa do que quer que seja, menos da qualidade do sistema educativo.
A Ministra e o Primeiro-ministro recusam a ideia de que parte da explicação do aumento do sucesso se deva ao chamado “facilitismo” enquanto a(s) oposição(ões) reclamam o contrário. Devo sublinhar que os próprios alunos, ainda fora da agenda política, referiram frequentemente a facilidade dos exames. Como é evidente qualquer resultado positivo na educação só pode envolver alunos, professores e pais, dizem alguns, incluindo a Ministra, mas como não? Seria imaginável ganhos de qualidade na saúde sem o envolvimento do pessoal médico e de enfermagem bem como da colaboração dos doentes nos processos terapêuticos?
Mas mais uma vez a agenda política vai determinar a análise dos dados hoje divulgados. As campanhas eleitorais estão à porta e a tentação é grande. Entretanto, a Ministra tenta amenizar o clima que instalou com a desastrada avaliação e o insustentável Estatuto afirmando que os professores conseguem separar o trabalho que fazem do mal-estar que sentem. Que raio de sentido tem esta afirmação? A Ministra só descobriu agora que os professores têm sentido ético e deontológico? Ainda vai a tempo. Reconhece que há razão para o mal-estar dos docentes e fica feliz porque essa “malandragem” até trabalhou?
Voltando ao início, baixar o insucesso escolar e o abandono é sempre positivo mas …

O DIA EM QUE O MUNDO ACABOU


(Foto de João Morgado)

E um dia, o mundo acabou. Tinham destruído todas as escolas em que o mundo aprendia.

domingo, 23 de agosto de 2009

DIGNIDADE

Como muitas vezes tenho referido aqui no Atenta Inquietude, entendo, como muita gente, que o desemprego é das situações mais devastadoras que alguém pode atravessar. Há algum tempo escrevi que, para a maioria das pessoas, perder o emprego significa a perda da dignidade. De acordo com os dados, o número de desempregados ronda o meio milhão. Acresce que cerca de 38% não têm subsídio de desemprego. Esta situação parece estar a afectar sobretudo jovens, as maiores vítimas do trabalho precário e desprotegido de direitos e também se deve a práticas empresariais criminosas que com o argumento, real é certo, da crise promovem despedimentos quase selvagens.
O emprego, melhor ou pior remunerado, é sempre, quase sempre, o suporte do nosso bem-estar e um importante contributo para o bem-estar dos que nos são próximos.
Nesta perspectiva, quando dizemos que um em cada dez portugueses em idade activa estará desempregado, seria mais realista e certamente mais dramático, tentar perceber quantos portugueses, em termos globais, serão afectados por cada activo desempregado. Nem é necessário considerar apenas famílias em que ambos os adultos activos estão desempregados. Estou a pensar no impacto nos orçamentos familiares envolvendo filhos e outras pessoas a cargo comprometendo, muitas vezes de forma significativa, a qualidade de vida de todo o agregado. Estou a pensar no ambiente de angústia, ansiedade e tristeza vivido em muitos lares e que não podem deixar de afectar a segurança e a confiança que alimentam o sonho e a vida. Estou a pensar … que, lamentavelmente os discursos se centram demasiado num argumentário político estéril e pouco respeitador dos problemas dramáticos que verdadeiramente estão em jogo. É a vida das pessoas, é mais do que lutar por votos.

sábado, 22 de agosto de 2009

EU ACHO QUE ISTO TUDO É DO CALOR

Com o calor que aqui pousou no meu Alentejo, pertinho dos 40, só mesmo um texto “light”.
Em primeiro lugar, quero saudar a entrevista que D. Duarte Nuno, o Chefe da Casa Real e eterno candidato a rei da República, concedeu ao I. Como não podia deixar de ser, trata-se de uma peça de extraordinária lucidez e profundidade de análise que deixará qualquer dos opinadores profissionais em profunda crise de auto-estima e aflitos para conseguir dizer qualquer coisa de maior relevo. Registei duas reflexões absolutamente esmagadoras, face ao episódio da “cusquice” em Belém, assunto típico de um país feliz (os que não têm coisas graves com que se preocupem), D. Duarte Nuno informa-nos que não se “importa nada de ser escutado”, diz que “não tem nada a esconder”. Fantástico, mas eu acho que Sua Alteza, com todo respeito, se enganou, disse que não tinha nada a esconder mas queria dizer que não tinha nada que se escutasse. Com a sua clarividência de estadista alertou-nos ainda para o risco de “ser uma ditadura a tomar o poder”, não uma ditadura militar, esclarece para nosso sossego, mas uma “comissão de gestão estrangeira”. Como disse? Sim, de facto, D. Duarte Nuno alertou para essa possibilidade imposta pelo BCE ou pelo FMI. Isto sim, isto é análise política pura e dura, ainda por cima isenta, pois Sua Alteza não vota nas legislativas porque “seria tomar uma posição partidária que não posso tomar”, disse.
Também gostava de vos dizer neste texto “light” que em Abrantes, como forma de protesto, um empresário que tem um diferendo com a Câmara, tentou entrar nos Paços do Concelho montado num burro. A sério, de burro, pelo menos o JN e o DN contaram-nos a história.
Eu acho que isto tudo é do calor.

LEMBRAM-SE?

(Foto de António J.S.)

E lembram-se daquela vez que fomos roubar uns frangos à horta do Ti Jacinto que fomos amanhar e comemos assados no forno da padaria com a ajuda do Manel Padeiro?
E quando fomos ao baile à Aldeia de Baixo, tu te meteste com aquela miúda, a família não gostou e tivemos que fugir.
Pois foi, o António é que se meteu com a moça e a gente íamos levando todos, o que vale é corríamos bem, éramos novos.
Éramos frescos, ainda nos divertimos. Quando conto estas histórias aos meus netos, eles acham que éramos doidos. Lembram-se quando escondemos a bicicleta ao Xico Polícia? Isso é que ele ficou bravo quando descobriu a bicicleta pendurada na árvore em frente ao posto da Guarda, até deitava lume.
Parece que foi ontem.
E foi.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A "MANUALIZAÇÃO" DO ENSINO

O aumento de 4,5% do custo dos manuais escolares decidido pela Comissão do Livro Escolar da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, sobretudo nos tempos que correm, não pode deixar de ser uma má notícia para muitos agregados familiares. Sabe-se que se verificou um aumento dos apoios em matéria de acção social escolar mas, como é óbvio, esse aumento dos apoios não absorve, nem de perto nem de longe, o aumento do preço dos manuais bem acima da inflação.
Também sabemos que o investimento individual, familiar e institucional na educação é um investimento no futuro e, naturalmente, os investimentos têm custos que devem ser repartidos, tanto quanto possível de forma justa e na defesa intransigente da qualidade da escola pública mas como muita gente dá diariamente por isso o nosso modelo social e económico não é justo.
A questão dos manuais escolares é complexa, de imediato porque é um nicho de mercado no valor de muitos milhões. Depois da abolição do execrável livro único de natureza totalitária e da proliferação de manuais aos milhares parece ter-se entrado numa fase de alguma estabilidade e, sobretudo, da necessária qualidade.
No entanto, do meu ponto de vista, importa questionar não só o papel dos manuais mas, fundamentalmente, da quantidade enorme de outros materiais que os acompanham e que contribuem de forma muito significativa para o aumento da factura dos custos familiares com a educação. De facto, para além de imenso material de outra natureza, temos em cada área programática ou disciplina uma enorme gama de cadernos de fichas, cadernos de exercícios, cadernos de actividades, materiais de exploração, etc. etc. que submergem os alunos e oneram as bolsas familiares. Em muitas salas de aula verifica-se a tentação de substituir a “ensinagem”, o acto de ensinar, pela “manualização” ou “cadernização” do trabalho dos alunos, ou seja, a acção do professor é, sobretudo, orientar o preenchimento dos diferentes dispositivos que os alunos carregam nas mochilas.
Esta questão, que não me parece suficientemente reflectida nas suas implicações acaba por baixar a qualidade das aprendizagens, apesar de se promover algum controlo da qualidade dos manuais, o mesmo não se verifica com os chamados materiais de apoio e isso também tem um custo pesado.

O MEU AMIGO FERNANDO

Creio que nunca vos falei do meu amigo Fernando, foi meu colega na primária e nos primeiros anos do liceu. Num grupo de miúdos completamente doidos por futebol o Fernando era o maior. Nunca voltei a ver ninguém pequeno com tanto jeito para jogar futebol como Fernando. Quando jogávamos entre nós era difícil fazer equipas equilibradas, quem tinha o Fernando estava em vantagem e, quase sempre, ganhava os jogos, quando jogávamos com a malta das outras escolas era, como agora se diz, o nosso grande trunfo.
Devo dizer que o Fernando tinha tanto jeito para a bola, sobretudo nos toques e fintas que ninguém conseguia imitar, que não lhe sobrava jeito para a escola, arrastava-se, arrastou-se, até que começou a chumbar.
O Fernando também tinha uma particularidade que nos tornava mais próximo dele, o pai, não tinha mãe, batia-lhe muito e naquela altura ainda não se tinha inventado a protecção de menores. Sabíamos, embora ele não falasse disso, que frequentemente levava grandes tareias. Mas quando a bola chegava ao pé dele, só visto, o Fernando era o puto mais feliz do mundo e a gente, os da equipa dele, também. Vi-o uma vez com um braço engessado fazer uma jogatana que só dava vontade de parar para o ver jogar.
Quando tínhamos por aí uns doze anos o Fernando e o pai mudaram-se e nunca mais soube dele, mantive-me atento porque esperava que o Fernando viria, com toda a certeza, a tornar-se um craque mas em vão, o Fernando não mais se viu.
O Fernando, provavelmente, foi um daqueles muitos miúdos que falham o encontro que têm marcado com o futuro

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

CAMPANHAS

Portugal transformou-se num país de, e em campanhas permanentes.
Para além da inevitável campanha da gripe A que contou hoje com a colaboração há muito esperada da Dra. Teresa Caeiro reputada especialista nestas matérias que exige a reunião da Comissão Parlamentar de Saúde, o que me deixa bem mais descansado, estamos a atravessar a campanha dos saldos, a correr mal como sempre, dizem, já estão aí as campanhas do regresso às aulas. Acontecem ainda muitíssimas outras campanhas direccionadas para as mais variadas questões, prevenção de incêndios, exposição solar, comportamentos saudáveis, poupança de energia, até esteve ou tem estado a decorrer uma inédita campanha negra. Como “pièce de résistance” iremos ter duas campanhas eleitorais mas o ambiente pré-campanha já é suficientemente estimulante.
Não tenho grandes dúvidas sobre a importância de muitos dos problemas objecto de campanhas, a minha questão é a tentar perceber a eficácia destas campanhas face aos meios e recursos envolvidos.
Se atentarmos nas questões de natureza política parte significativa das campanhas é ruído, desperdício, demagogia e folclore de má qualidade. Acentua-se a ausência de esclarecimento e de debate de ideias e projectos, partindo do princípio optimista de que existem ideias e projectos para debater e não apenas mecanismos de acesso e gestão do poder. Aliás, a actual agenda política marcada pela eventual “cusquice” em Belém que o Conselheiro de Estado António Capucho contribui para esclarecer afirmando que “algo de anormal se passou”, (o que eu também acho, ou seja, tudo isto é anormal) e quantos debates e em que estações televisivas participarão os donos da democracia, os chefes partidários, parece ser um bom prenúncio do que se pode esperar das campanhas.
E que tal uma campanha contra as campanhas?

A HISTÓRIA DA MENINA MENTIROSA

Um dia destes, já em férias, o Professor Velho, aquele que já não dá aulas, está na biblioteca da escola e fala com os livros, estava no jardim a ler o jornal quando passou a Maria com a mãe.
A mãe da Maria ao ver o Professor Velho pediu-lhe se a gaiata podia ficar ali um bocadinho ao pé dele, pois tinha que ir fazer umas compras chatas para a Maria acompanhar. A Maria não se importou porque gosta de conversar com o Professor Velho.
Então Maria as tuas férias estão a correr bem?
Sim, já tivemos na praia, mas o meu pai começou a trabalhar e agora ficamos em casa. E tu?
Também estou bem, com os meus passeios e com as minhas leituras.
Velho, ontem estava a falar com o meu pai e ele disse que eu era mentirosa e eu acho que não sou. O que é que tu achas que é ser mentiroso?
Maria, eu penso que tu sabes, mentir é inventar coisas, contar situações que não se passaram, não dizer como se passou qualquer coisa, falar de acontecimentos que não aconteceram, enfim, coisas deste tipo, mas qual é a tua dúvida?
Se mentir é isso, então os escritores são mentirosos. Velho, os escritores inventam histórias, contam coisas que não aconteceram, falam de pessoas que não existiram. Mas eu nunca ouvi chamar mentirosos aos escritores, por isso, quando disserem que sou mentirosa, vou responder que sou escritora. Só que ainda não escrevo, só falo. Não achas?
Bem Maria, eu acho que … quer dizer, repara que … olha, já vem ali a tua mãe, adeus, encontramo-nos em Setembro.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

DIA MUNDIAL HUMANITÁRIO

Ao que ouvi e apesar da dificuldade de encontrar datas disponíveis, foi decidido pela ONU instituir o dia 19 de Agosto como Dia Mundial Humanitário, sublinhando o trabalho voluntário em situações de emergência humanitária.
Medida pertinente já que permitirá que, pelo menos, uma vez por ano a agenda das consciências se inquiete com os trágicos cenários que no mundo se verificam. Medida provavelmente ineficaz porque os tempos não vão de feição para estas questões, aliás, sabe-se da significativa diminuição das ajudas internacionais para programas humanitários.
Há uns meses atrás, numa entrevista ao Público, o Eng. António Guterres, Alto Comissário da ONU para os Refugiados, numa boa síntese afirmava, “O financeiro vem primeiro que o económico, o económico vem antes do social e o social vem primeiro que o humanitário.”
Com a crise instalada mundialmente, as grandes preocupações ainda estão centradas nas finanças e na economia e a bater à porta das questões sociais. Quanto aos aspectos humanitários, terão que aguardar melhores dias.
Para o ano falamos.

A HISTÓRIA DO ALPINISTA

Era uma vez um homem chamado Alpinista. Nasceu numa terra pequena onde muita gente gostava de praticar a subida, na vida, é claro. Uns conseguiam subir alguma coisa, outros nem tanto, mas tinham pena.
O Alpinista, foi um rapaz discreto sem de início revelar algumas especiais capacidades ou dotes que o habilitassem ao sucesso, subir na vida. No entanto, tinha alguma capacidade discursiva, era perspicaz e assertivo, conseguia perceber sem grande dificuldade o caminho a seguir e fazia-o de forma convicta.
Durante a adolescência e olhando para o que se passava naquela terra, tudo o que era lugares importantes eram ocupados de acordo com o aparelho partidário do partido que ocupasse o poder naquela altura e verificando que outros lugares exigiriam um mérito a que ele não acederia, decidiu-se pela via partidária. Analisou a oferta e optou pelo partido que lhe pareceu com maior probabilidade de ocupar o poder durante mais tempo inscrevendo-se na juventude partidária. Diligentemente o Alpinista cumpria as tarefas que lhe eram cometidas e com a sua capacidade discursiva foi subindo na hierarquia, tendo chegado a um patamar que lhe garantiu um lugar nas listas de deputados em representação da juventude. Entretanto inscreveu-se numa daquelas universidades em que a exigência em certos cursos e para figuras de algum relevo público não é muito grande, mas que, para compensar, as notas são mais altas e passou a Dr. Alpinista. O bom desempenho no aparelho do partido e a fidelidade canina no Parlamento, levaram-no a uma irrelevante Secretaria de Estado durante alguns mandatos. A sua acção, socialmente insignificante, mas partidariamente relevante valeu-lhe, à saída do Governo, um lugar na administração de uma empresa de capitais públicos de uma área que ignorava por completo.
Alguns, poucos, anos depois o Alpinista reformou-se, retirando-se para uma das propriedade que faziam parte do património que entretanto tinha adquirido e dedicou-se à escrita.
O livro que produziu, autobiográfico, rapidamente se transformou num enorme sucesso, tem por título, “O Manual do Alpinista”.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

SÓ PRECISA DE UM, MAS TEM QUE LEVAR DOZE

Apesar de estar em vigor desde Junho legislação que o permite, o INFARMED informou que nenhuma farmácia hospitalar ou de oficina requereu autorização para venda de medicamentos em unidose. Tal facto é, do meu ponto de vista, incompreensível e acredito dever-se ao lobby da Apifarma e da Associação Nacional de Farmácias. É também curioso que a doce Ministra não ache a situação preocupante.
Não entendo porque não são desencadeadas medidas que visem aumentar o recurso à unidose. A manutenção desta situação, servindo naturalmente os interesses de fabricantes e distribuidores de medicamentos, é altamente penalizante para o consumidor que compra o que não precisa e para o estado que gasta milhões em comparticipações para produtos que não vão ser utilizados.
Há uns meses atrás, a realização de um exame de rotina obrigou-me à toma de um, apenas um, comprimido. Dirigi-me à farmácia e, fui obrigado a isso, comprei uma embalagem de 12 com o óbvio desperdício do restante.
Apesar da pressão e das “desvantagens” e “riscos” referidos pela indústria, importa que se assuma a coragem de medidas políticas acertadas defensoras da economia, da eficácia e do combate ao desperdício. Cada vez mais precisamos que a voz dos cidadãos possa causar causar sobressaltos, não é só na vida política.

O CAMINHO

(Foto de Mico)

Ouve-se com alguma frequência afirmar que, actualmente, os miúdos têm tudo, não lhes falta nada, não têm que se esforçar para obter coisa alguma, a vida é fácil, etc. Devo dizer que não simpatizo particularmente com este discurso.
É certo que cada tempo é diferente dos tempos que foram e dos tempos que vêm, mas hoje, como sempre, descobrir e percorrer o caminho que leva a ser Grande é muito difícil. Alguns não conseguem mesmo.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

HAJA PUDOR E RESPEITO

Num dos jornais televisivos da noite, a propósito do tema da tributação fiscal e da tentação que os sucessivos governos têm de taxar mais os mais ricos, na linha do “os ricos que paguem a crise” de que alguns se lembrarão, aparece um eminente fiscalista, Diogo Leite Campos, a comentar a definição, obviamente desadequada, de 10000 € de rendimento mensal como critério de riqueza. Do meu ponto de vista, também me parece excessivo que este montante defina um “rico”, agora a argumentação usada pelo Professor Catedrático é, no mínimo, um insulto.
Explicou que deduzindo 42% de IRS a 10000 € mensais, restam 5800 € o que é um rendimento europeu de, cito “classe média baixa”. Para clarificar o iluminado fiscalista ainda acrescenta que para pessoas que ganham 1000 €, 5800 poderá parecer muito, mas 1000 €, cito de novo, “é miserável”.
Desconhecerá certamente o senhor Professor Catedrático que existem 1,8 milhões de portugueses pobres, isto é, com rendimento inferior a 360 € (na sua quase totalidade pensionistas) e que de acordo com os últimos dados do INE, 40,6% dos trabalhadores portugueses têm um rendimento líquido inferior a 600 €. Estas pessoas ocuparão que categoria social de acordo com os critérios do senhor Professor?
Não tenho grandes dúvidas que o Professor Diogo Leite Campos se sentiria um miserável com 1000 € mensais, mas alguns milhões de portugueses sentiriam ter uma vida bem menos miserável se em cada mês tivessem aquele montante como salário líquido.
Haja pudor e respeito.

UM PAI BRINCALHÃO

Na prainha matinal que os últimos dias de férias autorizam e enquanto me actualizava, acredito, com a leitura do jornal assisti a uma cena curiosa.
Chegou uma família, pai, mãe e três filhos, a mais velha pelos oitos anos, creio.
Depois de acomodada a tralha e besuntados os corpos com o inevitável protector, o pai, atento e disponível como devem ser os pais, pega nos apetrechos de praia e convida a miudagem para brincar. Cena bonita, acho eu, e que se concerta com a notícia que estava a ler sobre as crianças que se perdem na praia.
Entretanto, alguns minutos depois, o pai brincalhão começa a escavar um buraco bem grande na areia no qual se coloca a gaiata mais velha ficando bem tapada pelos ombros. Laboriosamente, o pai brincalhão abre outros dois buracos, mais pequenos, sorte a dele, para os dois mocinhos. E ali ficaram as três alminhas enterradas na areia.
O pai brincalhão olha para eles, olha para a mãe que descansava debaixo do chapéu e comenta, “vês como estão sossegados”. Ele disse isto a rir que eu vi.
Não há melhor que um pai brincalhão para sossegar os meninos na praia e evitar que eles desapareçam.

UM HOMEM CHAMADO SEM JEITO

Era uma vez um homem chamado Sem Jeito. Foi nome que lhe deram desde pequeno, tudo o que tinha de fazer não o fazia da melhor forma, era assim, sem jeito, pois claro.
A passagem do Sem Jeito pela escola foi complicada, logo de início os professores acharam que iria ter algumas dificuldades. Em todas as matérias e durante o tempo que andou na escola os resultados foram muito baixos, próprios de um Sem Jeito para a escola, como diziam os professores.
Nunca lhe foram conhecidos muitos amigos. O Sem Jeito achava que não tinha grande jeito para lidar com os outros.
Quando adulto e uma vez só, só continuou, a viver numa casa da qual cuidava sem grande jeito e desempenhava um trabalho simples tranquilo, adequado a quem não tinha um jeito particular para coisa alguma.
Já velho, sem jeito para se cuidar, à semelhança do que acontece a muitos velhos, foi para um lar que de lar pouco tinha e onde o Sem Jeito se sentia ainda mais sem jeito para viver o resto da vida que lhe estava guardada.
Um dia, tranquilamente, recusou-se a acordar. Umas pessoas comentaram, ”isto é que é um fim de jeito”. Pela primeira vez, alguém achou que o Sem Jeito tinha feito alguma coisa de jeito.

domingo, 16 de agosto de 2009

UM DIA GOSTAVA DE TER UM TRABALHO COMO AS OUTRAS PESSOAS

Em diferentes ocasiões e por diferentes motivos, já tenho afirmado aqui no Atenta Inquietude que o nível de desenvolvimento de uma comunidade também se afere pela forma como cuida das suas minorias.
Neste quadro, merece registo, até porque passou relativamente despercebido (o que também não se estranha, naturalmente), a aprovação pelo Conselho de Ministros de 13 de Agosto de um Programa de Apoio à Qualificação das Pessoas com Deficiência e Incapacidade. Este Programa envolve apoios técnicos e financeiros para o desenvolvimento de medidas de apoio à qualificação, à integração, manutenção e reintegração no mercado de trabalho e ao emprego apoiado.
Sabemos como em Portugal somos eficazes na legislação e pouco eficientes na sua aplicação, tal situação verifica-se em diferentes domínios pelo que não basta a definição de um quadro legal, se tal não passar de um plano de intenções de aplicabilidade duvidosa. Por outro lado, numa situação global em que o número total de desempregados, englobando os oficiais e os que não constam da estatística, é devastador, portanto, com um mercado de trabalho altamente competitivo, torna-se óbvio que as pessoas com deficiência e incapacidades enfrentam, sempre enfrentaram, dificuldades acrescidas no acesso ao mercado de trabalho. Tal facto, sustenta a necessidade de quadros legislativos e de dispositivos de apoio que minimizem as dificuldades.
Como também costumo referir, o trabalho, o direito ao trabalho, faz parte da dignidade das pessoas, de todas as pessoas.

PS – O título do texto integra um “desabafo” ouvido a um jovem adulto com deficiência “Um dia gostava de ter um trabalho como as outras pessoas, mas acho que ninguém me vai dar trabalho, assim …”

NÃO SE DIZEM ASNEIRAS

O nível e qualidade do discurso que está a ser produzido pelas elites políticas, todas, são de uma qualidade e elevação que antecipam campanhas eleitorais, no mínimo, estimulantes.
Ao pensar nisto lembrei-me de uma história conhecida cá em casa. Uma vez, depois de terminar umas pinturas realizadas com marcadores com ponta de feltro, o meu filho, aí por volta dos 5 anos, tentava tapar um dos marcadores mas a coisa não lhe estava a correr bem e os dedos já estavam a ficar esborratados. Como reacção ouviu-se um sonoro palavrão, daqueles que os adultos tentam explicar às criancinhas “que é feio dizer”. Pai empenhado na boa educação do rebento “peguei” no violino e em pianissimo procurei explicar que aquelas “palavras não se devem dizer”. O problema é que o gaiato olhou tranquilamente para mim e devolve, “mas tu dizes a jogar à bola”. Com o tempo acabou por aprender como, quase, todos nós, que todas as palavras podem ser ditas, às vezes até sabe mesmo bem dizer algumas daquelas, vocês sabem, mas não em todos locais e em todas as circunstâncias.
O problema de parte significativa desta gente que por aí anda no circo político, é que parece não ter atingido a maturidade e autonomia suficientes para perceber que não se pode dizer a primeira coisa que lhe passa pela cabeça, em qualquer circunstância, não sendo pois de estranhar o tom e o comportamento em algumas situações que temos vindo a assistir.

sábado, 15 de agosto de 2009

MANTENHA-NOS EMPREGADOS, COMPRE O QUE PRODUZIMOS

A propósito dos números trágicos do desemprego, matéria que recorrentemente aqui abordo, algumas notas sobre a economia. Não sendo, nem de longe nem de perto, especialista nestas matérias, não me parece grave o atrevimento pois, os supostos especialistas em economia fizeram o excelente trabalho a que estamos a assistir.
Ao que os números evidenciam, o desemprego afecta sobretudo o mundo das pequenas e médias e empresas. Assim sendo, um pilar essencial da defesa e promoção do emprego é justamente a saúde destas empresas de menor dimensão. Sabemos também que um dos grandes problemas da nossa economia é o abaixamento significativo das exportações. Nesta conjuntura talvez não fosse descabido concertar estes dois eixos, ou seja, tentar compensar o abaixamento das exportações e diminuir a importação, logo o défice comercial, fomentando a compra de produtos transformados ou fabricados em Portugal o que, creio, defenderia o funcionamento das pequenas e médias empresas que transforma e produzem bens e produtos. Ainda nos últimos dias assistimos aos problemas dos pequenos produtores de leite que não vêem os seus produtos escoados porque algumas grandes superfícies importam leite, ao que parece, de qualidade inferior.
Também sei dos riscos do proteccionismo e não é isso que defendo, trata-se apenas de enquanto consumidores podermos ter uma atitude de análise de preços e origem e, sempre que possível e compensador, comprarmos o que é produzido ou transformado em Portugal. Creio que se assim procedêssemos de forma generalizada, se poderia apoiar a defesa e promoção do emprego nas pequenas e médias empresas.
Se vos parecer razoável, sempre se pode experimentar. Se vos parecer disparatado, podem escolher, não percebo nada de economia, o calor não ajuda ou será mais uma asneira da silly season.

O MEU AMIGO CAJÓ E A GRIPE A

Nas minhas deambulações matinais pela praia encontrei o meu amigo Cajó. Já vos tenho falado dele, é um tipo porreiro que faz uns biscates de mecânica e tem um Punto todo kitado, até parece, diz o Cajó, um Audi A3.
Quando o cumprimentei fiquei surpreendido com a reacção do Cajó.
Amigo Zé, tou contente, você apertou-me a mão.
Então Cajó, sempre nos cumprimentámos assim.
Pois é, mas agora lá na oficina aparecem uns gajos armados em meninos que por causa daquela tanga da Gripe A ó que é, não apertam a mão, falam de longe armados em finos.
Cajó não sendo preciso exagerar, é preciso ter algum cuidado.
Qual quê, isto é tudo uma ganda tanga. O meu cunhado, o Beto, você conhece-o, o gajo anda aí numas movimentações, conhece uns bacanos importantes e já me explicou tudo.
O quê?
Essa cena da gripe A, é uma ganda tanga inventada p’los gajos que fazem medicamentos. O pessoal assusta-se, anda aí todo arrasca a tomar vacinas e mais cenas, os gajos enchem-se e, na volta, aquilo é a gripe do costume.
Olhe que não, parece que não é muito grave mas vai atingir muita gente.
Mas é isso q’os gajos querem pa ganhar nos remédios. Você diga-me quantos gajos com pastel vão ficar c’a gripe, nenhuns. O Beto até disse como é que se espalha a gripe só pa lixar a malta.
De qualquer forma é preciso ter cuidado amigo Cajó.
Olhe amigo Zé, mando-lhe c’umas minis e esta semana, o patrão deu-me uns dias, aquilo lá na oficina anda mal, mando aí umas cacholadas no mar, não há gripe pa ninguém. Agora tenho q’ir ter c’a Odete e cos putos, fui até ali às praias lá de baixo limpar a vista, tão lá umas damas descascadas que também ainda apanham alguns vírus, ou lá o que é. Tenho que voltar senão a Odete dá-me nas orelhas. Até um dia destes e dê cá mas é um aperto de mão. Você não é nenhum menino.
E dei, o meu amigo Cajó não é homem para apanhar a gripe A.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

REGRESSA O FUTEBOL, A CRISE JÁ ERA

Há coincidências felizes. Logo na altura em que surgem alguns indicadores que podem sustentar um pouco de optimismo face à crise e às suas dramáticas consequências, mas em que se acentua o número de casos de gripe A, aí está, começa a Liga de Futebol.
Agora sim, existe um foco importante de atenção, já não estamos dependentes da crise, da gripe A e do estéril e cansativo ambiente pré-eleitoral. Já não temos só os debates políticos do costume, com os suspeitos do costume, com o discurso demagógico e com a habitual falta de seriedade ética.
A partir de agora voltam os debates sobre o que verdadeiramente interessa, quem ganhará, foi ou não penalty, a actuação do árbitro, quem estará melhor, Benfica, Porto ou Sporting, a competência dos árbitros, o falhanço clamoroso, a bola que não entrou, o equilíbrio do plantel, etc.
E vão voltar os inevitáveis Seara, Dias Ferreira ou Guilherme Aguiar ou outras figuras de igual relevância e conhecimento.
E last but not least, regressa o mítico Rui Santos que, em verdadeiras orações de sapiência apoiadas na versão choque tecnológico em comentário desportivo, nos explicará tudo, esclarecerá tudo, desmontando a complexidade e as opções técnico-tácticas do triângulo, losango, 4-3-3 ou outro qualquer mistério. Analisará a eficácia nas transições, a circulação da bola, o corte das linhas de passe, do preenchimento dos espaços, etc., etc., etc.
Regressa o futebol, viva o futebol, a crise já era.

ENCONTRO NO FUTURO

(Foto de Mico)

Então fica combinado, tu vais por aí, eu vou por este caminho e encontramo-nos no futuro. Está bem?
Está, vais ver que eu chego primeiro.
Eu acho que se a gente não se perder nos caminhos, chegamos ao futuro ao mesmo tempo.
Pode ser, se não for ao mesmo tempo, o que chegar primeiro espera.
Está bem assim, adeus.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O OPTIMISMO, O PESSIMISMO E A PROMESSA

Não resisto, estava a acompanhar os jornais televisivos da noite para me decidir se face à subida de 0.3 % do PIB hoje divulgada deveria pensar no copo meio cheio ou no copo vazio mas depois de ouvir tudo quanto é opinião estava na mesma, ou melhor, estava mais irritado, uns apesar de acharem que não era mau, insistiam num discurso de catástrofe de que responsabilizam o governo, outros acham que a situação está a reverter, é o princípio do fim da crise e, não tarda, vamos por aí acima, outros ainda parecem demonstrar algum escondido contentamento por a situação continuar grave, os problemas das pessoas parecem ser o pasto de que se alimentam muitos discursos. Nada de novo no Portugal dos Pequeninos.
Quando estava para desistir fiquei com os olhos e os ouvidos numa peça sobre a peregrinação em Fátima dedicada aos emigrantes e refugiados porque vejo três figurinhas de gente pequena em trajes de natureza rural antigo a serem entrevistados. Não consegui perceber bem, mas ouvi uma menina dizer que estava vestida de irmã Lúcia mas que era Bruna, um menino disse que era Daniel (não tenho a certeza) mas estava vestido de Francisco e não ouvia a outra menina dizer nada. Percebi então que eram os pastorinhos de Fátima e uma voz em off dizia que estavam no cumprimento de uma promessa. A sério, os meninos estavam a cumprir uma promessa evidentemente não estabelecida por eles.
Devo dizer que bastas vezes tento prometer a mim mesmo não me admirar, mas trata-se de uma promessa vã. Todos os dias me espanto, hoje foi com a Bruna, perdão a irmã Lúcia.

O MEU PAI BRINCA COMIGO, NA PRISÃO

O Público apresenta hoje um trabalho sobre o mundo prisional. Sabendo que é um mundo complexo, de análise permanentemente em aberto, interessa-me particularmente um dos aspectos abordados, os filhos de reclusos e as relações que mantêm com os pais enclausurados. Nesta matéria, as experiências mais conhecidas envolvem as crianças mais pequenas e as mães e que, por exemplo, o Estabelecimento Prisional de Tires há muito acolhe.
O Estabelecimento Prisional Regional de Braga tem em desenvolvimento um projecto VIP (Visit in Prison) em que numa sala expressamente equipada para o efeito os reclusos recebem os filhos pequenos regularmente, com vigilância externa intermitente, e onde por algum tempo desempenham um papel que lhes está vedado, o de pais.
Esta experiência, inovadora entre nós mas já promovida noutros países, parece-me muito interessante quer do ponto de vista dos reclusos pais, quer, naturalmente, nos miúdos.
Creio que iniciativas deste tipo fomentando a manutenção ou reconstrução de redes e laços familiares e das responsabilidades parentais, podem ser um contributo importante no processo de reabilitação e no minimizar dos riscos de reincidência como, aliás, alguns relatos sugerem.
As prisões, apesar da óbvia dimensão punitiva que contêm, não podem, não devem, perder níveis básicos de humanidade de que a parentalidade é um dos mais significativos elementos.

ESTAMOS A GOSTAR POUCO

Depois de uns dias na quentura do meu Alentejo, o rádio do carro fazia companhia na viagem num fim de dia bonito que se observava caminhando para oeste. Começo a ouvir o “Sozinho” de Caetano Veloso e relembrei “quando a gente gosta é claro que a gente cuida” que agora recupero.
De facto, quando olhamos para os tratos que damos ao que anda à nossa volta fica claro que quando gostamos mesmo cuidamos do que gostamos.
Quem maltrata pessoas não pode gostar de pessoas. Quando gostamos da nossa terra cuidamos dela, não é possível que quem goste do Alentejo, mal cuide do Alentejo, por exemplo. Só maltrata miúdos quem não gosta de miúdos mesmo quando se afirma o contrário. Quando gostamos da nossa vida cuidamos dela. Não cuidamos dos velhos porque não gostamos de velhos. Quando a gente gosta do que faz a gente cuida da forma como faz. Se gostamos dos amigos cuidamos dos amigos. Tudo isto parece tão óbvio e ingénuo que me embaraça a escrita.
No entanto, quando por gosto e por profissão olho para os mundos, o de todos e o de cada um, e para a forma como cuidamos deles e de quem neles habita, fico inquieto. Acho que estamos a gostar pouco.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O MERCADO NÃO TEM ALMA

Já por aqui tenho afirmado que o trabalho, o direito ao trabalho, faz parte do núcleo duro dos factores que preservam a dignidade de alguém em idade activa. Não me esqueço que é vulgar entre nós ouvir expressões de sentido contrário à minha afirmação, do tipo “não me sai o euromilhões, para deixar de trabalhar” ou “nunca mais chega a reforma”. No entanto, esta retórica tem mais ver com a qualidade do trabalho e com a nossa relação ética com o mesmo do que com uma indiferença generalizada face à realização pessoal e profissional. Deste meu entendimento decorre, como tenho afirmado, que a situação de desemprego será para a maioria das pessoas algo de devastador, não só pelas óbvias questões da sobrevivência mas, como disse, pela ferida aberta na sua dignidade. Este quadro é potenciado pelas implicações em agregados familiares com dependentes. Esta é, do meu ponto de vista, a face mais trágica da crise económica que atravessamos.
Quando se perde o emprego e não se consegue aceder a apoios que minimizem os efeitos graves que sabemos, a situação atinge o domínio do insuportável.
É por isso que sempre fico inquieto com a discussão sobre a legitimidade ou necessidade de políticas sociais. O bem-estar das pessoas e as garantias de acesso a patamares mínimos que garantam a dignidade não podem ficar exclusivamente dependentes do mercado. O mercado não tem alma, desconhece pessoas e não entende o que é solidariedade.

O RAPAZ QUE VENDIA TEMPO

Era uma vez uma terra onde toda a gente andava apressada. Era assim uma coisa estranha, corriam o tempo todo de um lado para o outro às vezes nem se percebia muito bem porquê, nem para quê, nem para onde. A frase, “não tenho tempo”, em múltiplas variações, era a expressão mais utilizada por aquela pessoas. Às vezes, algumas delas, gostavam de ter uma vida com mais tempo mas já não sabiam como arranjar tempo.
Um vez um Rapaz lá da terra que achava que não queria crescer para viver sem tempo, pensou naquela vida e resolveu começar a vender tempo ou a alugar para quem tivesse menos possibilidades. À porta da sua casa colocou um letreiro onde se lia com letras muito bem desenhadas “Vende-se ou aluga-se tempo de excelente qualidade”. De início, como seria de esperar as pessoas estranhavam mas, de mansinho, começaram a aparecer e perguntavam assim meio a medo e embaraçadas se podiam mesmo comprar tempo. O Rapaz explicava que lhes dava um relogiozinho onde iria marcado o tempo que compravam ou alugavam. E começou a ter sucesso, vendia ou alugava tempo às pessoas para tudo e mais alguma coisa, para conversar, para passear, para dormir, para ler, para trabalhar, etc. etc., algumas pessoas até levavam um pouco de tempo só para não fazer nada. Só havia uma questão que intrigava as pessoas, onde seria que o Rapaz arranjava o tempo que providenciava às pessoas. Quando o interrogavam, ele ria-se e respondia baixinho, “é um segredo”.
As pessoas nunca descobriram que era o avô do Rapaz mais uns amigos, todos muito velhos que arranjavam tempo para o Rapaz. Como sabem, os velhos têm todo o tempo do mundo e, por isso, até ficaram contentes por poder gastar parte do seu tempo para que as outras pessoas também tivessem algum.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A GENTE QUE NÃO RESPEITA A GENTE

Da leitura da imprensa de hoje relevam algumas referências que exemplificam uma das características mais pesadas do clima social dos nossos dias, a fraude e o desrespeito pelo outro. Não me refiro a casos individuais, a carne é fraca, mas sim a uma espécie de comportamento colectivo que banaliza e tolera tal atitude. Segundo o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana muitíssimos jovens mentem, sobretudo sobre os seus rendimentos, nos processos de candidatura ao Programa Porta 65, arrendamento para jovens. A responsável pelo DIAP, Maria José Morgado, afirma que milhares de processos envolvendo empresas que não entregam as retenções de IRS e IVA estarão à beira da prescrição. A Ministra da Saúde refere que existirem casos de deliberada criação de situações facilitadoras da infecção de crianças pela gripe A bem como o não cumprimento de orientações de procedimentos para evitar o contágio. No Alentejo, coisa já conhecida por quem aqui anda, verificam-se situações de quase escravatura no trabalho agrícola envolvendo emigrantes ilegais.
Estas situações, são só um exemplo, parecem fazer parte da nossa paisagem social, sem causarem sobressaltos de maior.
Talvez seja do calor que hoje está bravo aqui no meu Alentejo, mas a minha confiança em que a gente é capaz de se preocupar com a gente de vez em quando, como agora, abana.

UM HOMEM CHAMADO EU NÃO

Era uma vez um homem chamado Eu Não. Tinha uma forma de ser e de se relacionar com as outras pessoas que não o tornavam muito apreciado. Ninguém percebia muito bem porquê, mas o homem em qualquer conversa mais ou menos animada, mais ou menos formal, estava sempre em desacordo com toda a gente. Parecia que era propositado, mesmo em coisas muito óbvias o Eu Não fazia questão de ter a opinião contrária.
Era assim com os amigos, não muitos porque perdiam a paciência e com a família que passava o tempo calada só para evitar as intermináveis discussões em que o Eu Não estava sempre do outro lado de todos os outras.
No trabalho, os colegas procuravam ter o mínimo diálogo com o Eu Não porque tinham como certa mais uma inconclusiva conversa com ele a contradizer tudo o que alguém afirmasse.
Assim, não era muito simpática a relação que o Eu Não tinha com as pessoas, algo que parecia não o perturbar atribuindo a reacção dos outros à incapacidade e à intolerância para aceitarem a sua opinião, obviamente, mais correcta.
Um dia, o Eu Não tomou consciência de que já era muito raro discordar das pessoas e, pela primeira vez em muitos anos, ficou tremendamente assustado. Percebeu que passava o tempo só. Toda a gente se tinha afastado, já ninguém falava consigo.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

AS CRIANÇAS NÃO "PERDOAM" A QUEM AS MALTRATA

O JN faz hoje a primeira página com uma manchete que me deixou perplexo e preocupado. Titula o jornal que, “Crianças maltratadas perdoam agressores”. Já vamos ao motivo da perplexidade e da preocupação, antes, o enquadramento.
O título decorre dos resultados de um trabalho de investigação interessante e desejável, realizado no norte do país, envolvendo 60 crianças, dos seis aos dezasseis anos que terão sido objecto de negligência e maus-tratos e do qual são referidas algumas conclusões que não surpreendem, pois vão ao encontro dos resultados verificados em estudos da mesma natureza. Em termos sintéticos, pode dizer-se que as crianças percepcionam os adultos agressores com autoridade e poder para as castigarem, muitas vezes sentem-se culpadas, pois se sofrem castigos é porque serão merecedoras e, por isso, se sentem mal e percebem a “razoabilidade” dos castigos. A cultura ainda prevalente em muitos agregados familiares é facilitadora dos maus-tratos a crianças tal como os casos de violência sobre as mulheres, as relações familiares configuram autoridade e “posse” discricionária levando a que as vítimas escondam e entendam que existe poder e razão para os “castigos”.
Sendo verdade este quadro, agora o porquê da perplexidade e da preocupação, parece-me completamente abusivo afirmar-se que as crianças “perdoam” aos agressores. A capacidade de perdoar exige um nível de juízo moral, racional e ético que torna muito difícil que se possa utilizar o termo perdão em crianças e nestas circunstâncias. Não as crianças, enquanto crianças, não “perdoam” a quem as fere, por vezes, para sempre. Fiquei ainda preocupado pois, apesar de não intencional, a ideia em primeira página de que as crianças perdoam os maus-tratos aos agressores pode funcionar como uma espécie de branqueamento moral e social de uma situação gravíssima e inaceitável.

DÁ MUITO TRABALHO SER FORMIGA

Hoje, aproveitando uns dias de férias no meu Alentejo e o facto de o Sol andar mais brando do que é costume nesta altura do ano, resolvi adiantar uma tarefa que normalmente cumpro em Setembro, arrumar a lenha para o Inverno. Da limpeza anual de algumas oliveiras, feita no inverno, fica a lenha que seca durante o Verão e há que guardá-la antes da chuva. Além de a carregar e arrumar é ainda preciso rachar a mais grossa, as cachapernas como lhe chama o Mestre Zé Marrafa. De modo que podem ver como se passa um dia de férias tão interessante.
Bem me lembrei da fábula da formiga e da cigarra, até porque de vez em quando ouvia algumas cigarras, não muitas porque o calor não era muito. A dureza do trabalho no Verão que permitirá aquecer o corpo no Inverno.
Mas deixem que vos confesse, ser formiga dá um trabalhão e cansa que não é brinquedo.
Mas quando chegar o Inverno e o lume de chão criar um aconchego que só a lenha dá, é garantido, viro cigarra.

domingo, 9 de agosto de 2009

A CULPA. SERÁ DOS DOENTES?

Como é habitual entre, nós somos lestos a encontrar culpados mas lentíssimos ou incapazes de administrar a justiça.
Ao que parece a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde já terá identificado os responsáveis pela tragédia no serviço de oftalmologia do Hospital de Santa Maria. O caso, devido ao seu impacto e consequências para as pessoas envolvidas, tem sido permanentemente acompanhado na comunicação social o que nos permitiu ficar a saber que, contrariamente à hipótese inicial a culpa não terá sido do medicamento Avastin. Ao que consta tem álibi, nem estava lá, nas famosas injecções.
Também soubemos, atestado pela bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, que a responsabilidade não é de nenhum profissional desta área. A Administração hospitalar também já garantiu que não se verificou negligência médica.
Resta assim considerar que a responsabilidade é dos doentes. Ou tratar-se-á de um estranho caso de cegueira colectiva inspirado em Saramago ou de um “reality show” trágico em busca de protagonismo.
Não estou, creio, a afrontar o drama das pessoas envolvidas, estou apenas a querer dizer que num caso destes importa, com serenidade, providenciar o melhor apoio médico possível às pessoas afectadas, falar o mínimo até se perceber o que, de facto, aconteceu e tomar então as decisões adequadas, O resto é ruído que só cria dúvidas e receios, eventualmente infundados, ou preocupantemente fundados.

NOTÍCIAS DO PORTUGAL DOS PEQUENINOS

Depois daquele edificante episódio da abordagem a Joana Amaral Dias em que uns afirmam tratar-se de uma espécie de sondagem, outros de uma espécie de convite e para o qual a maioria dos cidadãos se está nas tintas face ao grau zero do nível político actual e quando ainda está a assentar a poeira do indecoroso processo de construção das listas partidárias, temos mais um caso que nos mostra que é sempre possível fazer pior, refiro-me à presença do Professor João Lobo Antunes no Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Não tenho dúvidas de que em Portugal existirá um bom número de cidadãos com qualidade científica, ética e cívica que os tornem capazes de integrar tal estrutura, o Professor João Lobo Antunes é um deles e, por isso, o integrava. Não estando determinado que a composição deva ser rotativa, um membro pode sair por sua vontade, por incompetência ou indisponibilidade ou por decisão de quem o nomeou. Ao que parece, não consta que o Professor João Lobo Antunes se tenha revelado com vontade de sair, indisponível ou demonstrado alguma incompetência, antes pelo contrário, era previsível que pudesse assumir a presidência do Conselho. Resta assim a decisão arbitrária e legítima de não ser indicado por quem pode tomar essa decisão. A questão central, do meu ponto de vista, não é de natureza formal, é ao nível da ética política e processual. É sabido que o Professor João Lobo Antunes colaborou na elaboração do parecer negativo do Conselho sobre a proposta legislativa que envolvia o chamado “testamento vital”. Neste contexto, a sua não indicação deveria ser objecto de esclarecimento para que não restassem as legítimas dúvidas sobre uma eventual retaliação por parte do Governo. Esperei algum tempo por esse esclarecimento antes de me referir à situação. Como de costume o que apareceu foi ruído, não clarificação.
É daquelas situações, mais uma, que não dignificam a ética, logo num processo que envolve um Conselho de natureza ética.

UM HOMEM CHAMADO CORREDOR

Era uma vez um homem chamado Corredor. Desde pequeno que a sua vida foi sempre a correr, corria para a escola onde tinha que fazer as tarefas bem depressa para poder aprender as coisas todas que se torna necessário, dizem, saber na escola. Corria de actividade para actividade porque toda a gente entendia que quantas mais fizesse, melhor seria para o seu desenvolvimento e para se tornar excelente. O Corredor fez a sua formação bem depressa porque não se podia atrasar a chegar ao mercado de trabalho. E, claro, quando conseguiu um emprego ainda mais corria para realizar tudo o que as pessoas bem sucedidas devem fazer. Depois do trabalho corria até casa onde, rapidamente, via os filhos e, à pressa, vivia o desejo. Foram assim anos de corrida até que um dia o Corredor entendeu que não aguentava mais aquela desenfreada agitação em que a sua vida se transformara e decidiu introduzir uma mudança radical na sua vida.
Passa agora os dias, inteiros, sentado a um cantinho de uma esplanada da rua mais movimentada da sua cidade a ver desfilar o mundo e pensa para consigo na correria que parece ser a vida das pessoas que por ali passam. Sempre a correr.

sábado, 8 de agosto de 2009

UM HOMEM BOM

Eu não sei se Raul Solnado era um homem bom, não o conhecia, mas só consigo pensar em Raul Solnado como um homem bom.
Quando era pequeno, numa família suburbana de cultura operária, a ausência de aparelhagem musical tornava-nos ouvintes dependentes da rádio. Era pela telefonia que nos chegava o Raul Solnado com aquelas histórias incrivelmente ingénuas, que nos obrigavam a ficar calados, todos, para ouvirmos e só ríamos no fim para não perdermos nada. Depois de ter acesso a um pequeno gravador de cassetes, um salto enorme lá em casa, algumas vezes gravava as histórias nos programas de discos pedidos.
Com a televisão chegou o Zip-Zip e Raul Solnado criou algumas das personagens mais inteligentemente construídas que ainda hoje a memória cultiva. Num país e num tempo em que a inteligência fazia parte das proibições não era tarefa menor.
Nos últimos anos, sempre que me era dado ouvi-lo, a minha impressão mantinha-se, era um homem bom.
Eu acho que Raul Solnado seria um daqueles avós que todos os putos deviam ter, divertido, optimista, feliz, contador de histórias e malandro.

NÃO PRECISAMOS DE SUPER PAIS

De há uns tempos a esta parte parece que o mundo acordou para as dificuldades que os pais sentem no seu trabalho de pais, um dia conversaremos sobre eventuais razões para este movimento. Com regularidade são publicadas obras, de origem nacional ou de fora, escritas sob diferentes perspectivas mas todas elas procurando ensinar-nos o ofício de pai, como lidar com birras, com os problemas dos adolescentes, com a escola e os seus problemas, como lidar com os filhos e com os amigos dos filhos, como comunicar com eles, como gerir os seus gostos e as suas crises, como agir nas férias, como ocupar os fins-de-semana, como dialogar em família, como perceber a “cabeça” dos mais novos, como definir regras e disciplina, que alimentação e estilos de vida, como ocupar os tempos livres, que actividades fazem melhor a quê, etc. etc. tudo escrutinado e analisado de modo a fornecer-nos, crê-se, um manual de instruções. A imprensa, em diferentes registos, acompanha a onda, em variadíssimas secções, colaborações e colunas de aconselhamento providenciam-nos receitas, dicas, sugestões exactamente com o mesmo efeito mas em versão telegráfica.
Curiosamente, este frenesim assenta, parece, na melhor das intenções, tornar-nos bons pais. Pela avalanche de ajuda parece que não estamos a conseguir e a experiência mostra-me que muitos pais se sentem assustados com alguns dos discursos que lhes são dirigidos, tanto quanto com algumas das dificuldades que, por vezes, sentem com os miúdos.
Começo a sentir que está fazer falta alguma tranquilidade e serenidade que devolvam aos pais confiança em si e na sua capacidade para exercerem bem o papel. Ser pai não é mobilizar de forma prescritiva um conjunto de “práticas” receitadas por tudo quanto é especialista. É melhor deixar que os pais falem e encontrem por si a forma de fazer. No fundo a maioria saberá como, precisa apenas de se sentir confiante e tranquilo. Os que verdadeiramente precisarão de ajuda serão bastante menos.
Não precisamos de super pais.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

OS GUETOS DA DOENÇA MENTAL

Ainda que com algum habitual atraso também Portugal se envolveu no movimento de desinstitucionalização das pessoas com doença mental. Os modelos defendidos pela comunidade científica actual, a defesa dos direitos humanos e da qualidade de vida, tornaram insustentável a manutenção das grandes instituições psiquiátricas que encerravam muitas câmaras de horrores e casos de isolamento e privação. Este universo é bem retratado no mítico “Jaime” de António Reis e Margarida Cordeiro. No entanto, este movimento de retirada das pessoas com doença mental das grandes instituições não está a ser devidamente suportada por unidades locais que providenciem apoio terapêutico, social e funcional tão perto quanto possível das comunidades de pertença dos doentes. A alternativa tem passado, sobretudo, pela integração em lares muitas vezes sem condições, sem apoios adequados e onde as condições de isolamento e guetização se mantêm comprometendo processos de reabilitação e inserção comunitária.
No fundo, mantém-se inalterada a situação, os doentes mentais são os mais desprotegidos dos doentes, pior, só os doentes mentais idosos. Os custos familiares e sociais da guetização são enormes e as consequências são também um indicador de desenvolvimento das comunidades.

O HOMEM QUE VIVEU A DESTEMPO

Era uma vez um homem que viveu a destempo, isto é, nunca estava no tempo. Ora andava adiantado, ora andava atrasado.
Começou cedo a não acertar com o tempo. Nasceu quando ainda não o esperavam e não falou quando era o tempo de falar. Andou na escola, mas não acompanhava o tempo, umas vezes precisava de mais, outras vezes de menos tempo para aprender o que tinha de ser. Gastava tempo em coisas a que ninguém na sua idade se entrega muito, por exemplo, tinha por hábito sentar-se a um canto e ficar horas com ar de pensador. Estranhamente gostava de coisas que não eram do tempo, ou porque já tinham passado ou porque ainda não tinham chegado.
Encontrou um trabalho que realizava no tempo contrário ao da maioria dos outros trabalhos, escrevia livros à noite. Casou fora do tempo e, naturalmente, foi pai depois do tempo, no tempo em que muitos já são avós. Ao longo de toda a vida o seu comportamento nunca era que o mais habitualmente se esperaria no seu tempo, falava quando os outros achavam que era tempo de ouvir, ouvia quando os outros achavam que era tempo de falar, fazia quando os outros achavam que era tempo de parar, parava quando os outros achavam que era de fazer. Por tudo isto, as pessoas sempre o acharam um tipo estranho.
Quando partiu de vez, alguém de entre os que o acompanhavam e que o conhecia disse, “Nem parecia um homem deste tempo”. Em seguida e ao mesmo tempo, todas as pessoas voltaram para o seu tempo, o mesmo tempo.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

ESTAS CRIANÇAS NÃO PARAM

Um interessante estudo do Observatório da Actividade Física e do Desporto vem ao encontro de uma das minhas recorrentes afirmações sobre os estilos de vida de crianças e adolescentes e, curiosamente, de um equívoco instalado na apreciação do seu comportamento. Tenho para mim que o quotidiano de crianças e adolescentes está excessivamente preenchido com actividades que solicitam pouca actividade física, escola a tempo inteiro em que, muitas vezes, passam horas sem fim enfiados em salas com actividades “fantásticas” sempre sentados ou, quase, parados. Em casa o cenário é do mesmo tipo só que em frente de um ecrã. O estudo vem exactamente comprovar que o nível de actividade física de crianças e adolescentes está francamente abaixo do desejável para esta faixa etária sendo aliás mais satisfatório em adultos e de novo baixo para os idosos. Por outro lado, este é o equívoco a que me referia, instalou-se a “ideia” de que as crianças e adolescentes não param, são muito activas, até mesmo hiperactivas” pelo que o desejos de muitos pais e professores é que estejam mais “calmas”, mais “sossegadas” e não tão “activas”, às vezes até se medicam para que se aquietem. É exactamente o contrário, cerca de 23% das crianças e adolescentes analisadas apresentam quadros de sobrepeso e obesidade para além da óbvia menor qualidade de vida que níveis baixos de actividade provocam.
Por isso e de uma vez por todas, que crianças e adolescentes não parem, que as não enfiem em salas de aulas 8 a dez horas por dia e que se ajude os pais e as comunidades a construir alternativas que sejam atractivas para os tempos dos mais novos. É uma questão de saúde, física e mental, para crianças e adolescentes e, também, para os adultos que lidam com eles.

APRENDER A SER VELHO

Um dia destes, já de férias, o Professor Velho, lembram-se, aquele que está na biblioteca da escola e fala com os livros, nas suas deambulações matinais encontrou o Manel a jogar à bola no parque. O Manel não deixou de cumprimentar o Velho.
Então Professor Velho, andas a passear?
Tal como tu estou de férias e vou mexendo as pernas.
Podias jogar à bola com a gente.
Já não tenho muita força e vocês iam rir-se do Velho.
Pois é, por isso eu prefiro ser novo.
Mas eu não me importo de ser velho. Já tive a tua idade, cresci e agora cá estou, diferente mas não aborrecido por ser velho.
Mas é melhor ser novo do que ser velho.
Eu percebo que digas isso mas as pessoas têm que viver com a idade que têm.
Eu sei Velho, mas o que eu quero dizer é que é melhor ser novo, porque eu ainda vou aprender a ser velho e tu já não podes aprender a ser novo.
Boas férias Manel, em Setembro lá nos encontraremos.
O Professor Velho, pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se velho.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

ESPECTÁCULO INDECOROSO

Não obstante as múltiplas vozes, quase sempre fora dos aparelhos partidários, que clamam por uma urgente reforma do sistema político, a partidocracia instalada não está, obviamente, interessada na mudança. A consequência é a degradação da qualidade da democracia, o afastamento dos cidadãos e níveis baixíssimos de confiança e credibilidade da classe política.
Este episódio indecoroso da constituição das listas para as legislativas é apenas mais um bom exemplo. Parece consensual a ideia de que a esmagadora maioria dos eleitores não lê e analisa os programas eleitorais dos diferentes partidos. Provavelmente também desconhecerá as pessoas em quem vai votar e que o partido determinou serem os seus “representantes” e que, exceptuando as figuras do costume, são desconhecidos das pessoas e, muitas vezes, distantes dos contextos que irão “representar”.
Temos assim uma situação no mínimo curiosa. Votamos um programa que desconhecemos e votamos para nossos “representantes” pessoas igualmente desconhecidas.
A construção das listas partidárias, apesar da retórica da competência e do mérito, não passam de um exercício de distribuição de lugares e de contabilidade de apoios que assegurem paz e sossego às lideranças, ou seja, a ausência de voz própria e a dependência do lugarzinho traduzidos no braço levantado à voz do dono são os garantes da manutenção da tranquilidade do partido e dos líderes que assim estão disponíveis para a missão que os trouxe ao mundo, governar-nos. Esta situação, já estrutural no nosso sistema político, provoca-me a náusea, sobretudo quando oiço falar nos eleitos “representantes dos cidadãos”.
Por tudo isto, ou se encontra capacidade de regeneração, e creio que só fora da órbita partidária isso poderá acontecer, ou estamos condenados a esta apagada e insultuosa tristeza.

A RAZÃO OU A EMOÇÃO

Estava agora a lembrar-me que há uns dias alguém me perguntava a opinião sobre a escolha e os critérios de decisão que os jovens devem realizar e considerar, designadamente, no que respeita à profissão e que implica, por exemplo, a escolha da respectiva formação. Interrogava-se o meu interlocutor se os jovens devem considerar exclusivamente o mercado e as suas leis de oferta e procura, os níveis de remuneração, a chamada carreira, ou se, por outro lado, deveriam, sobretudo, considerar a sua motivação, o gosto por determinada área.
É evidente que as escolhas hoje em dia não são fáceis, mas também não temos que as considerar irreversíveis. Apesar dos tempos e de alguns enviesamentos de natureza conjuntural ou estrutural que implicam distorções no mercado de trabalho, torna-se sempre difícil para mim imaginar alguém a entregar-se a uma vida profissional afectivamente pouco atraente para si. Com sorte, aprende a gostar e sentir-se-á bem, empenhado e motivado, no entanto pode correr o risco de “comprar” uma frustração permanente e desgastante.
Entendo ainda com algum optimismo que para gente competente, com solidez ética e empenhada tem que, necessariamente, haver um lugar à espera mesmo que não seja fácil chegar a ele.
Assim sendo, embora todas as decisões devam ser tomadas com a maior informação disponível, um projecto de vida, não pode deixar de envolver de forma significativa o afecto e o gozo ou não será um projecto de vida mas um projecto de sobrevivência, ainda que bem paga.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

PELA NOSSA SAÚDE

Segundo Relatório do Tribunal de Contas e apesar de alguma divergência com os dados da tutela, o número de cidadãos sem médico de família tem aumentado apesar da criação das Unidades de Saúde Familiar e da retórica do Ministério da Saúde.
Algumas notas. A preocupação com a doença, sobretudo numa população envelhecida, está permanentemente na cabeça das pessoas e, naturalmente, não estou a falar de hipocondria. Se a este peso acrescer o facto de que não terem um médico de família acessível, que conheçam, que as conheça e com quem, desejavelmente, mantêm uma relação de confiança as pessoas sentem-se fortemente vulneráveis e impotentes.
Assente no fundamental direito à saúde e na imprescindibilidade do SNS a inexistência de médico de família é inaceitável. Como é também reconhecido, a maior parte das pessoas nesta situação não terá grandes possibilidades de recurso a serviços privados.
Não sei se algum de vós já passou por esta situação, eu estive durante cerca de dois anos sem médico de família. Sei que sou um privilegiado e acabei por recorrer à medicina privada até para prescrição de exames de rotina que depois deixo no Centro de Saúde, onde volto dias depois para levantar as prescrições, agora já passadas por um médico do SNS que eu não conheço, que não me conhece e não me viu. Então já posso realizar os exames.
Das duas ou três vezes que me dirigi ao Centro de Saúde para marcar uma consulta, depois de um tempo razoável de espera, a resposta foi invariavelmente, “Olhe, para as próximas duas semanas nem vale a pena, experimente depois vindo assim cedinho”. Informei-me e o “cedinho” teria que ser sempre bem de madrugada. Desisti.
Há quem não possa desistir.
PS – Devido a mudança de residência e num outro Centro de Saúde, por generosidade de uma médica que apesar da “lista cheia” aceitou a minha família na sua lista de utentes, deixei a lista de espera e agora, finalmente, tenho uma excelente médica de família. Que sorte a minha.

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO

(Foto de alvaro dias)

E então, um dia, assim como na história, apareceu um miúdo que tocava uma flauta com um som encantado que levou atrás de si toda a gente que não cuidava bem dos mais pequenos e, só para os assustar, fechou-os um tempo numa gruta mesmo escura. Depois, naquela terra, os miúdos passaram a viver mais felizes enquanto cresciam.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

ASSUNTO DEMASIADO SÉRIO

Mais uma vez fico convencido que não teria grande futuro como analista político. De manhã afirmei aqui no Atenta Inquietude que a sentença de Isaltino Morais andaria entre a absolvição e a pena suspensa. Enganei-me, sete anos de prisão efectiva, é certo que com muito processo ainda para andar, são um sinal que não esperava.
No entanto, como diz o ditado, “de analistas e de louco, todos temos um pouco” insisto na coisa política. Inquirida sobre uma eventual alteração da legislação no sentido de impedir a candidatura autárquica a pessoas acusadas ou condenadas por crimes graves, a Dra. Ferreira Leite afirmou e eu, como diria a minha avó, ouvi com estes que a terra há-de comer, que essa questão só para a nova legislatura porque é uma questão muito séria e em vésperas de campanha eleitoral não se podem discutir assuntos desta natureza. Ouvi e pasmei. A campanha eleitoral não servindo para discutir coisas sérias, servirá exactamente para quê? Que eu e muitos cidadãos tenhamos a convicção de que falta seriedade à classe política, percebe-se, que seja um líder político que pretende convencer-nos a entregar-lhe os destinos do país a afirmar que uma questão é demasiado séria para se discutir em período pré-eleitoral ou é um tremendo lapso político na mesma linha do “rasgo todas as políticas sociais” ou, pior, num freudiano “lapsus linguae”, a Dra. Ferreira Leite afirmou mesmo o seu entendimento sobre o tempo político que estamos e vamos atravessar, nada de assuntos sérios.
Citando Abrunhosa, “não posso mais, viver assim”.

ÉTICA E LEI

Independentemente da sentença que vier a ficar estabelecida para Isaltino Morais, que imagino situar-se entre a absolvição por incapacidade de prova e uma pena suspensa que, a acontecer, será certamente objecto de recurso, a já anunciada e confirmada intenção de recandidatura é algo de inaceitável. Existem desde há algum tempo projectos legislativos que, defendendo a presunção de inocência, visam inibir indivíduos acusados, condenados ou pronunciados por determinado tipo de crimes, designadamente, corrupção, peculato ou fraude, por exemplo, de se candidatarem a cargos autárquicos. Por manifesta falta de vontade política, o processo não legislativo não foi concluído embora agora, de novo, se aponte para a próxima legislatura a sua conclusão.
È certo que um quadro legal bem definido impediria situações absolutamente escandalosas e que pervertem e degradam ainda mais a imagem pública do poder autárquico mas, idealmente, mais do que num quadro legal este tipo de questões deveria decidir-se no plano ético, ou seja, as pessoas envolvidas deveriam assumir a decisão de afastamento.
O problema é que cada vez mais nos parece que existe uma espécie de incompatibilidade estrutural entre ética e política em Portugal. Curiosamente, mas sem estranheza, os processos judiciais, muitas vezes, funcionam como branqueamento do comportamento de algumas pessoas, lembremo-nos de Avelino Ferreira Torres.

ESTE MIÚDO É TERRÍVEL

Uma destas noites, depois do jantar, passeava com a minha mulher pelas ruas das Caldas de Monchique, embalado as branduras da noite quando reparo que uns metros à minha frente um grupo familiar caminhava no mesmo sentido que eu. Ao aproximar-me vejo uma senhora que se estica tanto quanto pode para chegar aos ramos de uma figueira que se debruçavam sobre o passeio. A senhora porfiava na tentativa de chegar a uns figos que a figueira, prudentemente, fizera nascer mais altos. Ao lado da senhora, assistindo tranquilo à tentativa de colheita, estava um gaiato de uns oito ou nove anos.
Quando a senhora se apercebeu que estávamos a passar, pareceu ficar embaraçada, com o ter sido apanhada, como dizíamos em pequenos, a “ir à chicha”. Então, olhando para o rapaz e de modo a podermos ouvir, exclama “este miúdo é terrível, não vez que os figos estão verdes” e ainda acrescentou, agora creio que mesmo para nós, “quando chegar á cama dorme que nem um santo”.
Acho muito curiosa esta ideia de um adulto se proteger atrás da criança quando apanhado em, suposta, falta. Só me faltou verificar, era de noite, se senhora estava corada. Já me esquecia, no que respeita aos figos o miúdo pode dormir que nem um santo, não lhes tocou.

domingo, 2 de agosto de 2009

QUANTO CUSTA SER GENTE EM PORTUGAL

Em férias pode parecer de desmancha-prazeres um discurso sobre questões “chatas” e com sabor amargo mas é necessário. O DN de ontem que só hoje tive tempo para ler, trazia um trabalho muito interessante, ilustrado com várias situações reais, sobre as condições de vida dos idosos em Portugal.
Socorrendo-se de vários trabalhos de natureza sectorial, os autores concluem que para assegurar o “custo da velhice” de uma forma digna são necessários cerca de mil € mensais embora o custo da habitação e uma situação de dependência física, por exemplo, possam alterar significativamente o valor médio encontrado.
Por outro lado, dos cerca de 1 875 000 idosos em Portugal, 85% recebem uma reforma igual ou inferior 409 € e o valor médio da pensão é de 387 €, sendo que 218 000 pessoas recebem o complemento solidário com o valor médio de 100 €.
Como se percebe, a maioria das pessoas está fortemente dependente dos apoios da segurança social, de instituições de solidariedade social e das respectivas famílias. A gravidade das situações pode também variar face à existência de redes informais de solidariedade, relações de vizinhança por exemplo, bem como do acesso a alguns bens como uma hortinha mais facilmente encontrada em zonas de província.
De facto, atentando neste quadro, pouco adequado à época light que atravessamos, não podemos de nos inquietar como, no fim de uma vida muitas vezes dura quanto baste, a maior parte dos velhos continua sem descanso na luta pela sobrevivência com um mínimo de qualidade e, sobretudo, de dignidade.
O trabalho do DN intitulava-se “”Quanto custa ser idoso em Portugal” mas, mais apropriadamente, deveria ter como título “Quanto custa ser gente em Portugal”.
Aqui está algo que deveria, obrigatoriamente, constar de qualquer programa eleitoral.