domingo, 31 de maio de 2009

A CAMPANHA

Não, não se trata da campanha negra, trata-se da campanha triste. Lamento, mas das notícias televisivas na RTP1 só consegui registar dois momentos. O primeiro, em que um rapaz que se apresentou a umas senhoras como político, Nuno Melo, perguntava a outras senhoras se não achavam que Portugal estaria melhor representado pela Dra. Teresa Caeiro, apontando para ela, em vez de pelo sétimo ou oitavo deputado do “centrão”. Gostava, mas não consegui ouvir a resposta da senhora.
O segundo momento, em que, depois do jornalista ter anunciado que o dia de campanha do PS estava dedicado à cultura, ouvi essa figura carismática e entusiasmante, Vital Moreira, afirmar várias vezes e em resposta a perguntas diferentes que, “Europa é arte e cultura”. Não reparei bem mas acho que ele disse isto sem se rir e ninguém disse nada, pareceu-me.
Eu também não me ri, balançando entre a estimulante presença europeia da Dra. Caeiro e a inovação e rasgo de Vital Moreira. Que chegue depressa o dia 7.

UM PAÍS PRECÁRIO

A existência nos diferentes patamares da Administração Pública de milhares de situações de prestação de serviços nos limites da legalidade ou mesmo para lá desses limites é conhecida de há muito. Também se sabe que este cenário coexiste com um discurso hipócrita de combate ao trabalho precário e de “má qualidade” como agora se diz, sempre assumido por sucessivos governos. É evidente que a fragilidade destes vínculos os torna mais expostos a situações de baixa de emprego como a que atravessamos. No entanto, analisando mais friamente esta matéria creio que, no fundo, se trata de uma questão de coerência e cultura, ou seja, somos, por assim dizer, um país precário pelo que se não estranhará a precariedade de muitas dimensões da nossa vida colectiva. Vejamos alguns, poucos, exemplos.
O sistema de justiça ao nível da eficácia, equidade e oportunidade é completamente precário.
Na área da saúde temos milhares de pessoas sem médico de família e listas de esperas insustentavelmente longas para acesso a várias consultas de especialidade ou cirurgia.
Vejam o ambiente precário que a PEC – Política Educativa em Curso criou nas escolas. Ainda ontem numa situação de perfeita normalidade, disse a Sra. Ministra, entre 55 a 70 000 professores manifestaram o seu contentamento com a tranquilidade e eficácia verificadas nas escolas.
Pensem nas condições de vida precária em que vivem milhares de reformados e pensionistas com o valor das suas reformas e pensões. Nesta matéria pode acrescentar a vida precária de milhares de desempregados. Esta precariedade é evidenciada, por exemplo, no aumento exponencial do recurso aos Bancos Alimentares que estão em campanha de recolha de bens alimentares durante este fim-de-semana.
Pensem nas pobres vítimas de trabalho precário, por exemplo, políticos que sem passado profissional, passam pelos aparelhos políticos, exercem por pouco tempo (o vínculo é precário) funções governativas e acabam despedidos e colocados numa qualquer miserável administração de empresas com que contactaram, precariamente, quando desempenharam funções governativas.
Muitas mais situações de precariedade na nossa comunidade poderiam ser referidas. Finalizo como acabei, a precariedade faz parte de nós, está presente em muito do que nos envolve e assim se manterá.

O ESPOJINHO

Hoje no meu Alentejo fez um calor bravo. Estes primeiros dias de calor a sério custam mais, o corpo ainda estranha, lá mais para Julho o mesmo calor parece mais brando. Aí por volta das três da tarde, abrigados por uns quentes trinta e sete, andava eu de posse, como se diz por lá, das árvores a fazer as caldeiras para a rega e o Mestre Zé Marrafa, pertinho de mim, de posse das batatas, a tirá-las, ainda por cima com uma produção fracota. Como vêem, naquela quentura são trabalhos aconchegantes para o corpo, sempre a pedir água. De repente, levantou-se um vento que criou um novelo grande de palha do pasto a rodopiar que mal se via. Vento malino, disse eu para o Mestre Zé. É um espojinho, está a anunciar trovoada, respondeu o Velho.
Fiquei a pensar, será que esses ventos malinos que todos os dias se alevantam turbulentos na nossa terra, serão espojinhos a anunciar trovoada? Mais trovoada? Ou a trovoada?
Pode ser que, depois, venham a calmia e a brandura que trazem dias criadores. O Mestre Zé Marrafa acha que sim. Não sei se desta vez acertará.

sábado, 30 de maio de 2009

INTERVIR EM COISAS CERTAS, MAS NÃO FAZER CERTAS AS COISAS

É normal que no fim dos ciclos políticos surjam os balanços. Assim sendo começam a aparecer as avaliações à PEC – Política Educativa em Curso. O Público avança hoje com algum trabalho de avaliação incluindo uma interessante entrevista com José Gil, figura insuspeita de aliança à Plataforma Sindical dos professores e que analisa de forma bem negativa vários aspectos da política do ME.
Muitas vezes aqui me tenho referido à política educativa desta equipa e, apesar de alguns aspectos positivos, também concordo que o balanço é negativo. Sublinho apenas o Estatuto da Carreira Docente com uma incompreensível e bizarra divisão da classe em professores titulares e outros, a avaliação de professores que não sendo bem pensada no início acabou por ser coisa nenhuma, o Estatuto do Aluno que criou equívocos e lançou sinais errados e, área para mim fundamental, a reintrodução inaceitável da aplicação de critérios de elegibilidade para apoio educativo deixando muitas crianças sem qualquer apoio às suas dificuldades. Todas estas áreas careciam de intervenção política, mas tão importante como intervir nas coisas certas, é necessário fazer certas as coisas.
Como resultado, temos uma classe de professores crispada, revoltada, com níveis de participação em manifestações raramente verificados, com milhares de professores comprando a reforma por não aguentarem o clima criado nas escolas. Temos escolas burocratizadas afogadas em processos e em grelhas, com mau clima de trabalho, sem expectativas de alteração e reactivas a discursos arrogantes e incompetentes das lideranças sobre os professores e sobre a educação. Temos ainda o exacerbar da luta política dentro da educação, veja-se a forma habilidosa como a equipa do ME sempre soube capitalizar na opinião pública, com o apoio da CONFAP, o descontentamento dos professores, lembrem-se da mítica, “perdi os professores, mas ganhei a opinião pública”. É certo que a Plataforma Sindical, do meu ponto de vista, tanto como contestar o que deveria ser contestado, deveria ter sido mais eficaz no discurso dirigido aos pais e aos cidadãos em geral, mostrando como políticas erradas não são só más para os professores, são más para a comunidade.

UM HOMEM CHAMADO QUASE

Era uma vez, numa terra longe, um homem chamado Quase. A vida dele foi uma quase vida. Nasceu numa família que quase gostava dele e ele esteve quase a gostar da sua família. Entrou para uma escola onde esteve quase a gostar de andar. Esteve quase a conseguir boas notas e quase conseguia entrar para o curso que gostaria de ter feito.
Com uma profissão de que quase gostava encontrou um emprego quase bom. O Quase esteve mesmo quase a encontrar uma mulher de que gostava mas acabou por viver quase só.
Um dia, quase a reformar-se do trabalho de que quase gostava, partiu. Foi mesmo das poucas coisas em que não se ficou pelo quase, o Quase partiu mesmo.
As pessoas que quase o conheciam pensaram, “este homem foi quase feliz”.
Ele já não soube, mas esteve quase a perceber que havia muito mais pessoas naquela terra que também se chamavam Quase.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

PACATOS E MUITO SIMPÁTICOS

Ao que parece uma criança de sete anos terá sido, suspeita-se, estrangulada pelo pai, descrito pelos vizinhos como uma pessoa pacata e muito simpática, As razões de tal tragédia permanecem ainda desconhecidas. Os últimos dias, mesmo à beira da retórica do Dia da Criança, têm sido devastadores.
Não sei, não sei se saberemos alguma vez, o que verdadeiramente se terá passado na cabeça daquele pai para tal desesperança. Por outro lado, sabemos de há muito que, na grande maioria dos casos, as crianças são maltratadas e abusadas por pessoas das suas relações e familiares. Provavelmente muitas dessas pessoas terão, segundo os vizinhos, um ar pacato e muito simpático.
Importa por isso, como sempre afirmo, promover uma verdadeira cultura de protecção da criança, estar atento aos pequenos sinais que os miúdos deixam perceber quando a sua vida não anda bem.
Tenho para mim, que sendo mais atentos poderemos prevenir um número de significativo de situações que, depois de acontecer, alimentam a retórica da preocupação e ocupam a imprensa. Falando da comunicação social e estando muitas vezes, demasiadas vezes, contra a forma como as situações que envolvem crianças e jovens são tratadas, é bom não esquecer que se fala das coisas porque elas acontecem; as coisas não acontecem por se falar delas, embora existam excepções a este princípio.

QUE GRANDE INCÓMODO, O "CASO DA MENINA RUSSA, A PEQUENA ALEXANDRA"

Não queria voltar ao “caso da menina russa, a pequena Alexandra” mas não resisto.
O Ministro da Justiça, o entaramelado Alberto Costa, está incomodado com o “caso da menina russa, a pequena Alexandra” mas como cidadão, não sei se é claro, porque os ministros não se incomodam com ninharias.
O Ministro do Trabalho e da Segurança Social está incomodado com o “caso da menina russa, a pequena Alexandra”, pelos vistos como ministro porque alguns, afinal, podem incomodar-se.
O Juiz Gouveia de Barros, responsável pelo Acórdão do Tribunal da Relação no “caso da menina russa, a pequena Alexandra”, está incomodado, mas voltaria a proceder da mesma forma.
A Rússia está incomodada com a mediatização do “caso da menina russa, a pequena Alexandra”.
O Conselho Superior da Magistratura, pela voz do seu vice está incomodado com o “caso da menina russa, a pequena Alexandra” e com as declarações incomodadas do Juiz incomodado da Relação de Braga.
O casal que tem tido a criança consigo está incomodado com o “caso da menina russa, a pequena Alexandra”.
A imprensa está incomodada com o “caso da menina russa, a pequena Alexandra”.
Há putos que só vêm ao mundo para causar incómodos. Isto passa, é só mais uns dias. POBRE “MENINA RUSSA, A PEQUENA ALEXANDRA”.

HISTÓRIA COM FUTURO

Numa daquelas conversas que a Professora Joana fazia habitualmente com o seu grupo, estava discutir-se o que a miudagem se imaginava a fazer quando chegasse a grande. A maioria dos miúdos ia referindo as escolhas habituais na idade, médico, futebolista, professora, piloto de aviões, bailarino, músico, etc. No entanto algumas respostas fugiam ao padrão mais frequente o que não deixou de surpreender a Joana.
O João, um dos miúdos mais activos e participativos do grupo queria ser Fazedor, explicando que como Fazedor poderia fazer todas as coisas de que as pessoas precisassem para, assim, ninguém ter falta de coisa nenhuma.
A Sara, uma mocinha muitíssimo arrumada e serena, disse no seu jeito tranquilo que queria ser Organizadora. Sendo Organizadora poderia mexer na vida das pessoas de forma que todos tivessem tempo para tudo e tudo pudesse ser feito, bem feito.
O Francisco, um puto esperto que passava parte do seu tempo na “Lua” afirmou convictamente que queria ser Sonhador. Se ele fosse Sonhador, um bom Sonhador, acrescentou, teria imensos sonhos para dar às pessoas que já não têm ou não são capazes de os ter.
Faltava só ouvir o Manel, o reguila. Foi ouvindo em silêncio, contra o hábito, pensou a Joana, quando o interrogou, “Então Manel, só faltas tu, que queres ser quando fores grande?”. O Manel hesitou e, de repente, afirma, “Quero ser Mandador”. Mandador? Exclamou toda a gente. E o Manel, com o ar de quem sabe o que quer, explicou, “Quando for Mandador vou mandar as pessoas todas fazer o que o João, a Sara e o Francisco disserem”.
Ficamos à espera, digo eu.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

A ESCOLA NO TRIBUNAL?

Compreendo a acção do professor ao procurar no sistema de justiça uma reparação a um episódio que considerou insultuoso com que o sistema educativo não conseguiu, ou não quis, lidar. No entanto, fico embaraçado que uma situação de indisciplina com um adolescente de 16 anos, na altura do episódio, seja resolvida em tribunal, situação que, creio, muita gente aplaudirá. Será normal? Como é que podemos reforçar e alimentar a ideia de que na escola deveremos ser capazes e ter meios para resolver os problemas da escola, se começarmos a fazer derivar para os tribunais a gestão dos problemas de comportamento dos alunos. O que terá o ME a dizer sobre esta questão? Sabemos todos que os problemas no âmbito da indisciplina são frequentes e graves, mas passará pelos tribunais a sua minimização?
Parece-me que corremos algum risco de enviesamento na definição de papéis e de uma discreta desresponsabilização dos decisores e actores em matéria de educação, entregando à justiça algo que seria da sua competência e responsabilidade. Não me esqueço que, frequentemente, se colocam no mesmo saco, comportamentos de natureza diferente, isto é, podemos estar a lidar com indisciplina, pré-delinquência e delinquência ou perturbações de comportamento no âmbito da saúde mental. Neste quadro, a escola precisa de meios para avaliar as situações, para assumir o que se entende ser da sua competência e exigir que a comunidade tenha, ela própria, recursos para responder às questões de outras áreas de competência que, não sendo da escola, emergem na escola, pois os miúdos e adolescentes passam aí o seu dia.

EXIGÊNCIA E QUALIDADE

As queixas dos cidadãos sobre a prestação de cuidados de saúde estão a aumentar exponencialmente. A Inspecção-Geral das Actividades da Saúde que recebe, fundamentalmente, queixas de entidades públicas, recebeu em 2008 cerca de 46 000 reclamações. A Entidade Reguladora da Saúde, que recebe as reclamações de unidades privadas recebeu em 2008 o dobro das recebidas em 2007, cerca de 6600. Não sabemos se estes dados indiciam uma atitude mais crítica e exigente dos cidadãos que, conscientes dos seus direitos, expressam descontentamento, ou se, de facto, se verificaram mais situações passíveis de reclamação. Provavelmente, teremos uma combinação das duas hipóteses.
De qualquer forma, face à situação e considerando que muitas das reclamações se devem a atrasos, falta de profissionalismo e discriminação no acesso, importa que, do ponto de vista da cidadania, se estimule uma atitude crítica e exigente de forma a promover dispositivos de avaliação e regulação da qualidade da prestação de serviços.
A exigência do “utente” é uma importante dimensão da qualidade do serviço prestado, na saúde ou noutra qualquer área.

O SABER QUE FALTA

Estava o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, a arrumar uns que tinham acabado de chegar, quando entrou a Joana, uma professora novinha que dava aulas pela primeira vez e era muita engraçada.
Olá Joana, por aqui?
Viva Velho, venho à procura de uma coisas mas não sei se me podes ajudar.
Experimenta dizer.
Sempre quis ser professora desta gente pequena, consegui entrar numa escola onde gostei de estudar e acho muito boa. Estava com um bocadinho de medo quando comecei mas acho que as coisas vão correndo bem.
Também me parece Joana, os miúdos gostam e aprendem de ti.
Mas agora é que estou a verificar que o meu curso devia ter umas cadeiras que me ajudariam a fazer melhor o trabalho.
Não estou a perceber.
Velho, acho que me fazia falta uma cadeira de Miudês, a língua dos miúdos para os entender melhor. Também sinto que precisava de saber mais sobre Introdução ao Sonho e Projectos para mais facilmente os ajudar a imaginar o futuro. Creio que precisava de aprofundar também a cadeira de Quer Ser e Saber, para conseguir ajudar a que cada um tome conta de si e acho que precisava de uma cadeira sobre Pais Com Tempo para cativar os pais. Se calhar, com o tempo ainda vou descobrir mais coisas, depois digo-te Velho.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

TEMPOS DIFÍCEIS, MAS TAMBÉM TEMPOS FEIOS

Este atoleiro, certamente longe do fim, se o tiver, vai dando razão aos que, quando respondem a inquéritos, evidenciam uma absoluta falta de confiança na classe política e aos que se incomodam com a promiscuidade entre carreiras políticas e carreiras profissionais, quase sempre primeiro aquelas e depois estas. O povo refere-se a esta elite com um indefinido “eles” ou com uma variante semântica mais popular “os gajos”. Ouvimos que “eles querem é o deles”, “eles estão lá para se encherem”, “os gajos querem é chegar ao poleiro e depois enchem-se”, “os gajos estão estão-se nas tintas para a gente” “eles comem todos à gamela do poder”, etc.
O grande problema é que, o povo vai tendo razão, mesmo quando, como diz hoje Rui Tavares no Público, nos querem convencer de que é tudo “gente séria”. Mais grave ainda é que o povo também acha que “aos gajos nunca acontece nada”, “eles safam-se sempre”, mais uma vez com alguma razão.
Como costumo dizer, os tempos vão difíceis, mas também vão muito feios.

A DEFESA DA FAMÍLIA

A União de Mulheres Alternativa e Resposta refere que este ano já morreram 10 mulheres vítimas de violência familiar. Em 2008, o número foi de 47, sustentando a UMAR que os dados podem estar subdimensionados pois apenas referem casos divulgados na comunicação social. Dos dados de 2008, em 82%, dos casos, 41 mulheres o crime foi realizado por companheiros das vítimas.
Embora os números globais parecem estar em regressão continua a ser preocupante o número de episódios graves.
Creio que vale a pena atentar nos discursos hipócritas de defesa da família produzidos em abstracto e contra a separação que, frequentemente, promovem um sentimento de culpa levando a que algumas mulheres, e eventualmente alguns homens, suportem situações pesadíssimas de violência familiar porque, em nome da “defesa da família” não conseguem assumir o ónus social da separação.
É sempre preferível uma “boa separação” a uma “má família”.

AS FOTOGRAFIAS DO AVESSO

Era uma vez um homem chamado Inventor. Gostava imenso de inventar máquinas esquisitas para realizar coisas esquisitas. Um dia, depois de muitos e demorados esforços achou que tinha feito a invenção da sua vida, tinha inventado uma máquina fotográfica que fotografava o avesso das pessoas. Quando achou que a máquina estava pronta começou a experimentar nas pessoas que conhecia e nos seus vizinhos. Divertiu-se imenso com os resultados, Encontrava paisagens bonitas e feias. Registou paisagens tristes e também paisagens divertidas. Encontrou paisagens de bem-estar e paisagens de mal-estar. Fotografou paisagens mais pequenas e paisagens sem fim. Fotografou paisagens nítidas e paisagens com pouca nitidez. Até encontrou paisagens a preto e branco e paisagens a cores. Sempre fotografando o avesso das pessoas, é claro. Estando o Inventor convencido da extraordinária capacidade da sua máquina resolveu experimentá-la de novo, agora fotografando as pessoas importantes da sua terra, sentia-se curioso por ver o seu avesso.
O Inventor ficou surpreendido, na sua maioria as fotografias estavam em branco, não havia nada para ser fotografado no avesso daquela gente importante.

terça-feira, 26 de maio de 2009

UM ELOGIO OU UMA CRÍTICA?

Com a enorme competência e à vontade que Vital Moreira tem demonstrado nesta campanha eleitoral, só comparáveis aliás com as performances da Dra. Manuela Ferreira Leite em comícios, não consegui perceber se o facto de o Sr. Professor achar que “está em curso uma revolução no ensino” se trata de um elogio ou de uma crítica. Só alguns exemplos que poderão ilustrar a dúvida. Avaliação de professores? Sem dúvida, mas sem obrigatoriamente avaliar a componente lectiva? Então não é essa a essência do trabalho docente? Qualificar os cidadãos, sobretudo os que abandonaram a escola é imprescindível. Mas qualificam-se ou certifica-se a metro uma espécie de competências de ocasião? Baixar o insucesso? Claro, é imperativo, mas com exames menos exigentes, dizem os próprios alunos? Diminuir o absentismo? É crucial, mas relevando faltas? Economizar recursos? Entende-se, mas deixar alunos sem os apoios de que necessitam? Aumentar a qualidade da educação? Fundamental, mas manter os meninos 10 horas por dia na escola?
Pois é, quando penso na PEC – Política Educativa em Curso, fico na dúvida sobre a afirmação de Vital Moreira, será uma crítica ou um elogio?

REALITY SHOW

Já comentei neste espaço a situação da menina que foi deportada para a Rússia, para uma família que não conhece e não reconhece, tentando comunicar numa língua que não fala. As notícias sobre esta tragédia continuam, a televisão russa mostra a menina a levar umas bofetadas “educativas” dadas pela mãe! Ao que parece a menina está muito mimada, é assim, cá no burgo mimam-se muito as crianças. Parece ainda que se irá realizar um espectáculo televisivo com a presença do casal português que recebeu a criança até à sua viagem para a Rússia pelo que se imagina uma cena interessante e mais um excelente “reality show”. De perplexidade em perplexidade.
Este caso, da maneira como se desenrola, com visibilidade mediática, permite perceber a irresponsabilidade de algumas decisões dos Tribunais de Família e Menores e, até, da Relação. Ontem, num debate sobre a justiça, falava-se na formação dos magistrados, questão que me parece essencial. Em qualquer circunstância, aplicar a lei não me parece o mesmo que administrar a lei. Quando se trata do “supremo interesse da criança”, ideia tutelar da legislação sobre a protecção de crianças e jovens, ainda mais necessário se torna uma sólida preparação dos magistrados para prevenir a caução pela justiça dos maus-tratos a menores.
Será que os magistrados intervenientes neste processo, tal como a justiça que deveriam representar, estarão cegos e surdos. Poderiam, em todo o caso, ouvir o coração ou a miúda. Lembram-se? Há uma miúda a sofrer.

ERRAR E APRENDER

Ao intervalo grande da manhã o João saía da cantina da escola e encontrou o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, que ia tomar o chá do costume. O João é um puto esperto sempre a magicar coisas e ideias. O Velho, que o conhece bem, pergunta, provocando, “Olá João, qual é o teu problema de hoje?”
Olha Velho, ainda bem que perguntas, a minha avó diz muitas vezes que a errar é que se aprende. O que é que tu achas Velho?”
Bem, quando se está a aprender é natural que a gente se engane e depois, só ou com ajuda, corrige, aprende e passa a fazer bem.
Velho, existem pessoas que sejam capazes de aprender tudo sem nunca se enganarem?
Não me parece possível, ninguém é capaz de aprender tudo sem nunca se enganar.
Então porque é que os professores quando a gente se engana e faz mal, começam logo a dizer que a gente não aprende, não vai ser capaz de aprender e outras coisas assim. Tu e a minha avó, que são velhos, deviam explicar aos outros que a gente engana-se às vezes mas vamos aprender, de certeza. Os adultos passam a vida a inventar coisas e depois baralham-se, não se entendem e a gente é que fica tramada, vocês deviam ser mais organizados, o problema é que pensam que nunca se enganam e, se calhar, é por isso que não aprendem.
Pois ... vou buscar o meu chá, até logo João.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O ATOLEIRO

Este processo, envolvendo a SLN e o BPN, começou por ser um caso de polícia e agora vai-se transformando, como outros, num objecto pornográfico, obsceno, que embaraça e envergonha, deveria envergonhar, sem puritanismos, a sociedade portuguesa, em particular as entidades de regulação e fiscalização em matéria de economia, fiscalidade e banca. Vai emergindo a teia montada de que toda a gente parecia ter conhecimento e que toda a gente parecia desconhecer. Para além dos efeitos devastadores que a crise implica, sobretudo ao nível do desemprego e das dramáticas consequências para muitos milhares de famílias, a existência de obscenidades e delinquência deste tipo, conjugada com a percepção de impunidade que se instalou de há muito entre nós, tornam ainda mais imperativa a retoma, mais do que a retoma económica, a retoma de valores e de modelos de organização que elevem padrões éticos, de transparência e confiança.
Será que poderemos entrar nesse processo de retoma, ou estamos condenados a este atoleiro?

E OS DESAPARECIDOS QUE ESTÃO À VISTA

Na agenda das consciências hoje está inscrito o Dia Internacional da Criança Desaparecida. Tal facto é sublinhado com a disponibilização de um número europeu para alerta de desaparecimentos, o 116 000. Em Portugal a interlocução compete ao Instituto de Apoio à Criança. No nosso país desaparecem, em média, duas crianças por dia, na sua maioria recuperadas. Para além da devida atenção a esta séria questão, aproveito para relembrar a situação que também afecta muitas crianças e jovens, as que estão desaparecidas mas à vista. Eu explico, existem muitíssimas crianças e jovens que vivem à beira de pais e professores para os quais passam completamente despercebidas, são as que eu chamo de crianças transparentes, olhamos para elas, através delas, como se não existissem. Não estando desaparecidas, estão abandonadas. Algumas delas não possuem ferramentas interiores para lidar com tal abandono e desaparecem, mantendo-se à nossa vista, no primeiro buraco que a vida lhes proporcionar, um ecrã, outros abandonados ou o consumo de algo que lhes faça companhia.
Não têm número europeu que lhes valha.

O MEU TEMPO DE ANTENA

O muito interessante Mágoas da Escola de Daniel Pennac fez-me recuar umas dezenas de anos e olhar para dentro. Também carrego uma história de alguma, para ser simpático, indisciplina. Em adolescente por umas razões e de uma forma, mais crescido e até 74, por outras razões e de outra forma, depois de 74 e até agora, ainda por outras razões e ainda de outra forma. Mas começando no primeiro capítulo, lembro-me de como a escola, na adolescência, foi simpática para comigo, quando eu não era de todo simpático para escola. Tendo começado a treinar logo de pequeno, cheguei à adolescência com, passe a imodéstia, excelentes resultados em matéria de indisciplina e com baixos resultados escolares. Como sabem, ninguém é perfeito e ninguém consegue agradar a toda a gente. Bons resultados escolares estavam longe das minhas condições e motivações, por outro lado, sendo um rapaz gorducho, em crescimento e à procura de mim, começo a perceber, a sentir, a enorme popularidade e impacto junto de colegas que as minhas “competências” comportamentais causavam. Claro que o meu comportamento só fazia sentido com o pessoal a assistir, só miúdos doentes se portam mal quando estão sós, é um desperdício. É claro que os professores não apreciavam particularmente os meus dotes, ainda me lembro do que fiz passar à Setora Trincão, de Física, aqui fica um tardio pedido de desculpas, não era nada contra si, era a procura de mim.
É perante este quadro que a escola tem a atitude mais simpática que poderia ter comigo. Sempre que me castigava com suspensões, o comunicado do castigo era anunciado em todas as turmas. Não queiram saber, era o meu “prime time”. Sim, aquele aluno, do 6º ano da turma F 4ª que tinha feito tal cometimento, era eu. Quando chegava ao intervalo sentia-me, tal como os meus parceiros indisciplinados, o dono do recreio. Acho que até os bons alunos tinham uma pontinha de inveja.
E como eu me sentia bem com aquele “tempo de antena”, aquela atenção. Talvez por isso, também por isso, me tenha mantido algo indisciplinado.

domingo, 24 de maio de 2009

ASSIM, SIM

Há umas horas coloquei um texto aqui no Atenta Inquietude em que revelava o meu pessimismo face aos efeitos da campanha eleitoral que hoje se vai iniciar formalmente. Pois agora venho, acho que é justo, dar-vos um testemunho de confiança no País. Acabei há minutos de ver o ar deliciado, empenhado de um grupo de pessoas que em Tentúgal produziu um pastel dos seus com 8 metros de comprimento e com o sabor dos mais pequenos. Os testemunhos sobre a importância e sabor do evento foram esmagadores. Logo a seguir uma reportagem sobre Viseu, a cidade portuguesa com mais rotundas. O Presidente da Câmara, Fernando Ruas, o homem das pedradas nos fiscais do ambiente, mostrou-se orgulhoso da obra e do título. Reconciliei-me com o optimismo.
Um país que no meio de uma profunda crise é capaz de construir um pastel de Tentúgal com 8 metros e dotar uma cidade de média dimensão com um interminável número de rotundas é, obviamente, um país com futuro. Assim, sim.

SE EU FOSSE OPTIMISTA

O modelo de organização política instalado em Portugal e a praxis dos partidos, sobretudo dos que têm passado pelo poder, construíram uma eficaz partidocracia que gere o(s) poder(es) com base nos respectivos aparelhos, os donos reais da democracia. Este quadro tem produzido níveis progressivamente mais altos de abstenção e, simultaneamente, uma degradação progressiva da confiança dos cidadãos na classe política em geral.
O país vive há já algum tempo em campanha eleitoral, embora só hoje se inicie formalmente a campanha para as eleições europeias. Os sinais da pré-campanha não são animadores o que, lamentavelmente, não é surpresa. Se, nesta matéria, eu fosse um tipo com um mínimo de optimismo gostava que a campanha me permitisse perceber quais as diferenças entre PSD e PS no que respeita à relação entre a União Europeia e Portugal. Gostava, por exemplo, de perceber como pode o voto em partidos que não acedem ao controlo do Parlamento Europeu, como Bloco e o PC, influenciar as políticas definidas em Bruxelas por uma espécie de Bloco Central de interesses. Gostava de perceber que modelos de desenvolvimento sustentam os diferentes partidos, como equilibrar as necessárias políticas sociais com funcionamento liberal das economias e como estes equilíbrios se reflectirão na vida das pessoas, qual o compromisso entre a autonomia dos diferentes países e o centralismo normalizador e burocrata de Bruxelas, etc. Mas não acredito que a campanha me esclareça. Assistir-se-á ao folclore habitual da discussão de pessoas e afirmações, da retórica inútil, do “bate no governo”, “defende o governo” e a 7 de Junho os cidadãos desinteressados e resignados, omitindo a cidadania, dirão, “Votar? para quê, não vale a pena, isto não muda, nada”.

OS MIÚDOS, OS ECRÃS E A SOLIDÃO

Durante a semana foi divulgado um estudo que passou relativamente despercebido. Eu próprio tinha decidido referi-lo aqui no Atenta Inquietude e só hoje reparei nas notas que tinha tirado. O estudo, realizado pela empresa Zero a Oito, mostra-nos alguns dados interessantes sobre a relação entre as crianças e jovens dos 3 aos 16 e os media, considerando TV, PC, consola, MP3, Ipods, etc. Os inquiridos, cerca de 1000, gastam, em média, 5 horas diárias na utilização destes diferentes meios, predominando PC e TV. Também é referido que 45% têm TV e PC no seu quarto e que na agenda diária cabem em média 2 horas de relacionamento familiar.
Os dados não surpreendem, confirmam outros estudos neste âmbito e sublinham o que recorrentemente tenho vindo a sustentar. Os miúdos vivem muito sós. Na escola, pela sua massificação e incapacidade de diferenciação, a maioria dos miúdos passa despercebida enquanto indivíduos, conhecem-se melhor os “muito bons” e os “muito maus”. Acontece mesmo que alguns miúdos só “sentem” que têm alguma atenção quando são maus. Em casa, têm um ecrã como companhia durante cinco horas, embora as redes sociais virtuais possam “disfarçar” juntando quem “sofre” do mesmo mal e têm um tempinho remanescente para estar em família, quase sempre ainda à sombra de uma televisão.
De há muitos anos que se sabe que não se cresce só, cresce-se na relação com pares e adultos. É por isso que, embora entenda a expressão, ouvir chamar a este tempo, o tempo da comunicação, me faz sorrir, acho mais apropriado considerá-lo o tempo do estar só ou a assistir à solidão dos outros.

sábado, 23 de maio de 2009

A MAGIA DO FUTEBOL

O futebol português tem vindo de há vários anos a transformar-se num produto pouco recomendável e num cenário mal frequentado. Mais uma vez afirmo que sou adepto de futebol e, por isso, considero que o melhor que ainda existe no futebol português passa pelos os jogadores, quase todos, e pela bola, apesar dos pontapés que leva.
Esta dramática situação de uma equipa em greve de fome, a UD de Rio Maior, por seis meses de salário em atraso e os discursos dos irresponsáveis dirigentes que responsabilizam jogadores, mostra o estado triste a que chegou o mundo do futebol em Portugal. É apenas mais uma de muitas dezenas de situações verificadas nos diversos patamares do futebol português. A responsabilidade é, obviamente, da teia de compadrio, lavagem de imagem e interesses particulares e políticos que se instalou no dirigismo do futebol, clubes, Federação e Liga. Esta situação tem rostos e nomes, mas, como temos visto, não acontece nada a propósito de nada, há muito tempo. Temos uma imprensa desportiva e generalista subserviente e agradecida à protecção das “fontes privilegiadas” e contactos “certos” e temos, temos tido sempre, um poder político que se serve do futebol para almofada e para operações de duvidoso interesse mas que parecem agradar ao povo, veja-se a enormidade de gastos inúteis com os dez estádios do Euro 2004.
Finalmente, temos uns adeptos que, na sua esmagadora maioria, estando conscientes de tudo isto, de tudo isto se esquecem sempre que a sua equipa marca um golo. Provavelmente reside aí, ainda, a magia do futebol.

ÉTICA E TRABALHO

A propósito o número de advogados condenados pela Ordem por má conduta profissional, julgo que poderemos reflectir sobre o que é, creio, um dos problemas que nos afectam. Sabemos que, por atraso e falta de qualificação temos “mau trabalho” embora também, tenhamos trabalho altamente qualificado. Sabemos também que temos uma classe de empresários, os estudos mostram-no, genericamente mal preparados, embora também tenhamos gente de altíssima qualidade. Sabemos também que temos modelos de organização do trabalho que, muitas vezes, não discriminam positivamente e absorvem a mediocridade nivelando por baixo sob a capa dos direitos adquiridos. Temos, frequentemente, na liderança política gente que não se distingue pela competência e solidez ética. Neste contexto, desenvolveu-se desde há muito, muito tempo uma cultura de pouco profissionalismo e uma relação com o trabalho de baixa qualidade deontológica e ética, traduzida, por exemplo, em baixos níveis de motivação, qualidade, empenho, produtividade e profissionalismo. Não é só um problema dos advogados, é, creio, um problema da nossa comunidade.
E sendo um problema com forte componente económica é, sobretudo, um problema de modelos e valores.

OS MEUS AMIGOS MOLUENES

Já lá vamos, aos moluenes. Aqui no meu Alentejo, provavelmente ainda influenciado pelo Relatório sobre as Crianças e Jovens sem famílias que as adoptem, lembrei-me de uma história de longe, de Maputo.
Dessa vez estive duas semanas em Maputo com o meu amigo o pintor Malangatana, o Velho com lhe chamo. Estávamos a fazer um trabalho no Centro Popular criado por ele na terra onde nasceu, Matalana, a uns quilómetros de Maputo. Um dia contarei algumas outras histórias desta graça que a vida me concedeu. Durante toda a estadia jantávamos invariavelmente no Piri-piri, famoso restaurante na Av. 24 de Julho.
Logo na primeira noite à saída do restaurante, sou completamente submerso por um grupo de moluenes, os putos de rua de Maputo, que queriam impingir-me toda a espécie de “arte popular” a preços “imbatíveis”. Quando viram que vinha acompanhado do Velho, contiveram-se e o Velho Malangatana falou no seu jeito impossível de descrever, “crianças, este branco é meu amigo, é boa pessoa, é inteligente, vocês não enganem este branco”.
Nunca me senti tão positivamente discriminado. Em várias das noites seguintes recebi uma oferta dos moluenes, bonitas, daquelas que só se dão aos amigos do Velho, do Mestre como eles lhes chamavam. Privilégio meu.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

UM PROVEDOR DA CRIANÇA

O Público apresenta na edição de hoje um trabalho sobre o Relatório de Caracterização das Crianças e Jovens em Situação de Acolhimento de 2008. Apesar da diminuição verificada no número total de crianças no sistema de acolhimento, cerca de 10000, e o aumento significativo de crianças que saíram do sistema, devolvidas a contextos de natureza familiar, acolhimento ou adopção, ainda temos um número excessivo de crianças “institucionalizadas”. É de salientar que entre estas crianças, cerca de 10000, 2419 não têm projecto de vida definido, 40% estão em instituições há mais de quatro anos e apenas 11%, 1061, estão em processo de adopção. Esta síntese, mostra o quanto ainda temos por fazer em matéria de protecção aos menores e aos seus direitos, a uma família, por exemplo.
Hoje no CM, Catalina Pestana defende a ideia de um Provedor da Criança. Há já muitos anos que o Mestre João dos Santos defendia a existência de um provedor, algo que muita gente, eu próprio, também defende. Catalina Pestana propõe até que Laborinho Lúcio seja o primeiro Provedor da Criança. Há um tempinho atrás, numa conversa com ele disse-lhe exactamente a mesma coisa, seria uma excelente escolha, um homem do direito para quem os direitos dos menores são maiores. Creio que há dois dias e a propósito do caso da menina de seis anos em Braga que foi deportada por um juiz delinquente para a Rússia, para uma família que não conhece, com uma língua que não fala, citei aqui no Atenta Inquietude uma frase de Laborinho Lúcio que lhe oiço em alguns encontros que temos mantido, “só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”. Mas há quem não seja, demasiados.

UM SÁBIO, O JOÃO BÉNARD DA COSTA

Em Portugal, país de doutores e dado a doutorices, existem pouquíssimas pessoas que justificam o título, no sentido da mestria e da erudição, que alimenta a ideia do sábio. João Bénard da Costa foi, será, uma dessas raras figuras, um sábio. Chamam-lhe Senhor Cinema, é curto, gosto mais de o considerar Senhor Sábio. A maioria das pessoas que se dirigem ao público na chamada área da cultura, não faz mais do que um exercício, de maior ou menor qualidade, de exibição da biblioteca e do enunciar de alguns nomes cuja citação pareça ajustada. João Bénard da Costa falava das coisas da vida, umas férias, uma memória de miúdo, uma visita à sempre presente Itália, com uma poesia enriquecida pelo conhecimento sobre as coisa da cultura integradas nesse pensamento sobre a vida que, frequentemente, nos, me, deixavam pequeninos.
Ficámos mais pobres.

INQUIETAÇÕES

Um dia destes, a Maria andava pelo pátio da escola e quase tropeçava com o Professor Velho, aquele que já não dá aulas, está na biblioteca e fala com os livros.
Olá Maria, ias distraída, nem me vias.
Ia mesmo Velho, ia a pensar numas coisas que acho que não entendo muito bem.
Conta.
Velho, oiço muitas pessoas dizer que se aprendem muitas coisas fora da escola. É verdade?
É, claro.
Então porque é que passo o dia inteiro metida na escola? Podia aprender mais coisas fora.
Repara que …
A minha professora está sempre a dizer que a gente aprende até morrer. Vou ter que andar esse tempo todo na escola?
Maria, acho que …
Velho, a minha professora disse que a gente se vai esquecer de muitas coisas que aprende porque não precisa de usá-las. Então porque é que não me ensinam só o que vou precisar?
Sabes que …
Porque é que estão sempre a assustar-me a dizer que quando crescer é que as coisas vão ser difíceis?
Maria, espera um pouco, nem sei por onde começar …
Está bem Velho, já vi que também não sabes.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

BEM-HAJA SENHORES

A Administração do Banco de Portugal decidiu em boa hora congelar os seus próprios aumentos, relativos a 2008 e 2009, que seriam de 5%. É reconfortante em tempos de dificuldade tais exemplos de probidade e solidariedade com quem vê ameaçado o seu bem-estar e o da família. Para terem uma ideia do que está em jogo o Senhor Governador, o franciscano probo Vítor Constâncio tem o terceiro salário mais alto entre os governadores dos bancos centrais, atrás do governador do Banco de Itália e do Banco de Singapura. Convenhamos que é extraordinariamente inspirador o gesto da administração. O Senhor Governador acordou dos seus árduos trabalhos de regulador e fiscalizador altamente eficaz e deu este exemplo ao mundo, em particular aos portugueses.
Proponho-me desde já contribuir para que se inicie um movimento que conduza, primeiro à beatificação e, depois, quem sabe, à canonização do Beato Constâncio.
Bem-haja Senhores.

NÃO, A MINISTRA NÃO ESTAGNOU

Desde a mítica afirmação de 2006, “perdi os professores mas ganhei a opinião pública” que a Ministra não estagnou. Parece-me um equívoco a apreciação de Mário Nogueira. A Ministra conseguiu fazer aprovar sem grande ruído o novo Estatuto da Carreira Docente onde já estava contemplado a inenarrável e insustentável figura do professor titular bem como as bases do modelo de avaliação que viria a ser definido, o Estatuto do Aluno e o novo Modelo de Gestão das escolas, por exemplo. A Ministra não estagnou porque conseguiu aproveitar parte do discurso sindical para capitalizar a posição do ME junto da opinião pública. É certo que conseguiu, por outro lado, congregar os professores, lembremo-nos das duas mega manifestações, mas já tinha conseguido retirar o “tapete social” à classe, o que desde logo, fortaleceu, tem-se visto a arrogância e autoritarismo do ME. Creio que o discurso sindical terá de ser mais virado para as questões da qualidade da educação nas escolas públicas, tentar explicar à opinião pública, designadamente aos pais, como, várias das medidas da PEC – Política Educativa em Curso, ameaçam essa qualidade. Um discurso quase exclusivamente centrado nas questões profissionais, sendo legítimo e esperado por parte de estruturas sindicais, não é suficiente para a opinião pública entender a bondade de muitas, não todas, das posições dos professores. Aqui, também se pode falar de estagnação.

OS MELHORES PROFESSORES DO MUNDO

Não conhecendo antecedentes e atentando apenas nas imagens divulgadas, o comportamento da professora da Escola de Espinho é manifestamente inaceitável, independentemente da eventual legitimidade da gravação. O inquérito, esperemos, esclarecerá o que houver a esclarecer e tomar-se-ão as medidas adequadas. No entanto, nesta matéria parece-me necessária alguma contenção no que respeita a juízos e generalizações. Uma árvore não faz a floresta e a floresta pode beneficiar se perder algumas árvores. Vejam, a propósito deste lamentável episódio, os comentários on-line sobre os professores, alguns títulos produzidos, as referências a quantos foram demitidos e outro tipo de análises que, do meu ponto de vista, ainda que possam ser bem intencionadas acabam, devido à falta de tratamento adequado, por alimentar uma representação social sobre a classe que tem tanto de injusta como de perigosa por fragilizar os professores face aos seus interlocutores diários, alunos e pais.
É nesta classe que temos que confiar pois todos os dias lhes entregamos os nossos filhos, para que os ajudem a ser gente. Não podemos deixar de confiar.
É certo que a comunicação social deve cumprir o seu dever e assegurar o nosso direito à informação. No entanto, como é sabido, a forma como as matérias são abordadas podem ser mais ou menos ajustadas e, frequentemente, está mais em causa o efeito mediático traduzido nas vendas que a informação rigorosa e objectiva.
Às vezes, dizia a brincar, os professores do meu filho, sempre de escolas públicas, são os melhores professores do mundo, gosto tanto dele que não poderia entregá-lo a quem não fosse o melhor.

NOMES

Gosto quando me chamam. Às vezes, muitas vezes, não me chamam. Outras vezes chamam-me nomes que não são meus. Os crescidos chamam-me preguiçoso, distraído, parvo, bebé, coitadinho e outros nomes, sempre nomes que não são meus. Os outros miúdos chamam-me badocha, gordo, bolacha, caixa de óculos, def e outros nomes, sempre nomes que não são meus.
Eu acho que as pessoas, todas as pessoas, só deviam ter um nome, o seu.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

OBVIAMENTE

Como é possível verificar em qualquer manual sobre liderança ou aprender com a experiência da vida, só lideranças competentes e seguras assumem erros ou falhas. As lideranças incompetentes refugiam-se na arrogância da infalibilidade, na suicida fuga para a frente ou na indiferença do assobio para o lado.
Assim sendo, parece-me que seria, obviamente, impensável que a Equipa da PEC – Política Educativa em Curso pudesse suspender o (este) processo de avaliação dos docentes. Também creio que só por ingenuidade ou crença em milagres, um pingo de óleo quente na avaliação que depois se curava, por exemplo, a Plataforma Sindical poderia esperar outra atitude por parte da Senhora Ministra e dos seus Ajudantes. A questão é que, apesar do exemplo do recém-empossado Santo Condestável, eu não acredito em milagres, acredito na competência, mas essa, neste pessoal, só por milagre.

O SUPREMO INTERESSE DA CRIANÇA

O Dr. Laborinho Lúcio, pessoa conhecida nos meios do direito e dos direitos dos miúdos, costuma dizer que “só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a grande maioria das crianças é adoptada pelos seus pais biológicos”. Entende-se e percebe-se que na situação da menina russa entregue em bebé pela mãe que não tinha qualquer condição para a manter consigo e um pai ausente, ela não foi adoptada pelos seus pais biológicos mas pela família com quem tem vivido nos últimos seis anos. Por interferência da embaixada, contrariando pareceres e com mais uma decisão terrorista de um tribunal, a menina vai para um país que não conhece, com uma língua que não fala, para uma mãe que não a sente sua e uma avó que, na melhor das hipóteses, irá aprender a gostar da menina.
Isto não podia ter acontecido, numa terra que se intoxica com “o supremo interesse da criança” que, frequentemente, é tratado como neste caso.
É nestas alturas que me sinto triste e revoltado pelo facto de chamarem isto justiça. Está aí a chegar mais um 1 de Junho e o país mobilizará a retórica da defesa da criança e dos seus direitos. Esta miúda, a uns milhares de quilómetros, estará a sofrer.

DEVAGAR SE VAI AO LONGE

Estava o Manel, miúdo de sete anos, de volta do seu lanche no intervalo da escola, quando o Professor Velho se sentou ao pé. O Professor Velho é aquele que já não dá aulas, está na biblioteca e fala com os livros.
Olá Manel, o lanche está bom?
É bom, Velho, a minha mãe pôs daquele queijo que eu gosto. Velho, tu sabes coisas, diz-me lá o quer dizer devagar se vai ao longe, estava uma professora a falar isso.
A ver se eu consigo. Imagina que queres ir até uma escola que está longe daqui e começas a correr muito rápido para lá chegares. Quase de certeza vais ficar logo muito cansado, já não consegues nem andar e não vais chegar à escola onde querias ir, se fosses sempre mais devagar, não te cansavas e chegavas lá, percebes?
Acho que sim, Velho.
Manel, imagina ainda que querias aprender as coisas todas da escola muito depressa, não irias ser capaz, tens que ir aprendendo à medida que andas e assim vais conseguir aprender o que é preciso, entendes.
Velho, eu percebo o que estás a dizer e por isso não entendo porque é que toda a gente me está sempre a chatear para fazer depressa, os meus pais querem que eu coma depressa, que eu me vista depressa, que faça os TPCs depressa, tudo depressa, A professora passa o tempo a dizer para me despachar, que tenho de trabalhar mais depressa, escrever mais depressa, ler mais depressa e mais coisas. Podias ir explicar a eles o que é, “devagar se vai ao longe”.

terça-feira, 19 de maio de 2009

A SÉRIO?! NÃO POSSO!!!

O sniper Marinho Pinto, o guerrilheiro bastonário dos advogados, que atira a tudo que mexe, agora disparou para dentro. Diz o bastonário que existem escritórios e advogados que ajudam a “contornar” a lei. Creio que a esmagadora maioria dos portugueses ficou surpreendidíssima e recusa-se a acreditar em tal atoarda caluniosa sobre uma classe que está ao abrigo de qualquer suspeita. Temos um quadro legislativo que em muitos aspectos está cheio de alçapões que os mesmos escritórios que contribuíram directamente ou indirectamente para a legislação, aproveitam posteriormente para, em pareceres e aconselhamento, encontrarem os alçapões que permitirão fugas e perdões ao cumprimento da lei. É o que se pode chamar um nicho de mercado. A questão é que este quadro é do conhecimento da generalidade das pessoas e não se vislumbra a intenção ou vontade do alterar, veja-se a recente legislação sobre o financiamento partidário e as coimas por crimes ambientais ou a indisponibilidade para legislar seriamente no combate à corrupção. A situação, tal como está, favorece os escritórios de especialistas na interpretação dos alçapões da lei, contribuindo para um sistema de justiça ineficaz, injusto e favorável a quem pode pagar e aos "escritórios", claro, minudências, como calculam. Vejamos o que o bastonário fará com o que sabe. Nada, como o mítico Octávio Machado e o seu não menos mítico, “vocês sabem do que é que eu estou a falar”.

É MELHOR IR À BRUXA

Eu não creio em bruxas, mas que existem, existem. O País preparava-se para entrar num ciclo de grande prosperidade e desenvolvimento liderado pelo Grande Timoneiro e sua Grande Equipa. Tudo correria bem e de acordo com os manuais da política, mais aperto no início da legislatura e folga ao aproximar de eleições. Até que os Elementos começaram a conspirar e tem sido um nunca mais acaba de azares a ensombrar a vida do Querido Líder. Vejamos sem ordem cronológica alguns dos azares, coincidências ou mãozinha do diabo, sei lá.
Depois do episódio da licenciatura e quando tudo parecia bem, cai-nos a crise em cima, depois de nos terem garantido que ela não chegava cá e que estávamos preparados. No meio da crise emerge das cinzas o Freeport e a campanha negra a que se juntou recentemente um rapaz, Lopes da Mota, presidente do Eurojust que desata a usar o santo nome do Ministro Alberto Costa, (conhecem?) para, alegadamente pressionar a investigação. Estavam os meninos mergulhados nos seus Magalhães quando se descobre que, certamente por pirataria, os programas estavam cheios de erros. Tivemos ainda um incidente de censura no Carnaval de Torres Vedras e aquele Relatório da OCDE que, afinal, era só OC (Obra Comprada) e não DE (Devidamente Elaborada). Pelo meio, apareceram uns projectos assinados, supostamente, por quem não os realizou e agora são destruídos arquivos com peças necessárias a processo judiciais em curso. Como se não bastasse, surge um candidato à Europa que, volta e meia, desacerta com o discurso do partido obrigando a ginásticas discursivas patéticas. Para acabar temos os dados sobre o desemprego que um cruzamento certamente complicado faz desaparecer e a Autoridade para as Condições do Trabalho, a entidade fiscalizadora da lei laboral a ter ao seu serviço pessoas na situação de falsos "recibos verdes". É obra.
É muito azar para um governo só. E que tal ir à bruxa? Olhem, lá na minha terra há uma senhora que faz uns preparos, ao que parece com bons resultados. Querem a morada?

O TERRENO

Hoje volto a uma temática que acho curiosa. A terminologia que se instala e, de repente, é utilizada por toda a gente nas mais variadas circunstâncias. Deve ser isto a que se chama uma língua viva. O termo de hoje é “o terreno”, sim o terreno, considero extremamente estimulante a sua utilização. Vejamos algumas das mais frequentes.
Não existe político, no governo, ou na oposição, que não defenda o seu conhecimento do terreno para defender, ou atacar, medidas políticas. É certo que não sabemos muito bem de que terreno fala, o da demagogia, o da ignorância, o da incompetência, ou qualquer outro?
Também se pode encontrar muita a gente a opinar que importa intervir no terreno. Isso quer dizer exactamente o quê? Onde fica? Como é? Qual intervenção? E o que é intervir fora do terreno?
Por outro lado, é igualmente usado como argumento em múltiplas ocasiões o desconhecimento do terreno. Outro mistério, porque não se encontra? Estará escondido? O que tem o tal terreno para se conhecer?
E que dizer das pessoas que são enviadas para o terreno nas mais variadas situações. Vão fazer o quê para o terreno? Estar no terreno? Conhecer o terreno? Intervir no terreno? E lá estamos de novo.
Acho que chega. Agora, já estou a pensar no terreno, em como me vai saber bem chegar ao terreno e descansar no terreno até amanhã às sete. Ah, o terreno aqui é a cama.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

CHORA ELA E CHORO EU

A imprensa de hoje refere-se a um trabalho de Maria José Araújo da Universidade do Porto sobre os trabalhos de casa. Muitas vezes me tenho referido a esta matéria aqui no Atenta Inquietude. Voltemos ao assunto, com a legislação em vigor as crianças, por exemplo do 5º e 6º ano, podem passar na escola cerca de 11 horas por dia na escola, 55 horas por semana. É extraordinário, quando a semana de trabalho para os adultos anda entre as 35 e as 40 horas. Acresce que, em muitas circunstâncias ainda tem Trabalhos Para Casa que, nas mais das vezes, são a continuação ou a réplica de trabalhos escolares.
Não tenho nenhuma posição fundamentalista sobre os TPC mas creio que deve distinguir-se com clareza o TPC e o Trabalho Em Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa, o trabalho em casa será o que as crianças podem fazer em casa que, não sendo tarefas de natureza escolar, pode ser um bom contributo para as aprendizagens dos miúdos. O que acontece mais frequentemente, como o trabalho de Maria José Araújo mostra, é que estamos em presença de TPC e não Trabalho Em Casa. Os TPCs clássicos têm ainda o problema acrescido de colocar os pais, muitas vezes, em situações embaraçosas de quererem ajudar os filhos e não possuírem habilitações para tal. A propósito, numa reunião de pais em que eu estava e se discutia esta questão, dizia uma mãe, “o senhor, da maneira que fala, se calhar é capaz de ajudar o seu filho, mas na minha casa, chora a minha filha e choro eu, ela porque quer ajuda, eu porque não sou capaz de lha dar.” Colocar os pais nesta posição é absolutamente inaceitável.
Torna-se, pois, necessário que professores e escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de casa, igual ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai e se pode envolver e é útil.
Se mesmo assim houver a tentação do trabalho de casa, deveria estar assegurado que a criança tem capacidade e competência para o realizar autonomamente, por exemplo, o treino de competências adquiridas. Mas, sobretudo nas idades mais baixas, o bom trabalho na escola dispensa o TPC, é uma questão de saúde.

A HISTÓRIA INFELIZ DO HOMEM FELIZ

Era uma vez numa terra um Homem que estava ler o jornal, algo que todos os dias fazia quando chegava a casa. Para não variar, o jornal tratava quase que exclusivamente de problemas e complicações na vida das pessoas. O Homem parou a leitura e começou a pensar em como raramente havia notícias boas. De repente sentiu uma dor fortíssima na cabeça, teve a sensação de que algo de muito complexo o perturbou. Quando recuperou a consciência e a lucidez começou a ter uma percepção estranha do que estava à sua volta. Olhou para o jornal que estava ler e apenas via a publicidade. As notícias, as más notícias, tinham desaparecido, embora conseguisse ver algumas, raras, notícias com factos positivos. Correu a ligar a televisão e a situação era da mesma natureza, só conseguia ver o que continha aspectos negativos. Pensou que estaria sonhar, beliscou-se como se faz nos livros, mas não, estava mesmo acordado. A situação mantinha-se e depois de exames que deixaram os médicos ainda mais perplexos, ninguém conseguia perceber tal funcionamento e as suas causas. O Homem parecia condenado a ser apenas espectador do que de bom acontecia. De início, por falta de hábito, nem reparava em tudo, mas depois, percebeu que coisas a que anteriormente nem dava grande atenção agora lhe pareciam interessantes, bonitas e positivas. Foi-se habituando à ideia de era o único habitante da terra que só via a felicidade, sentia-se, naturalmente, o homem mais feliz do mundo.
Um dia, tão de repente como lhe tinha acontecido o mistério, morreu. Os médicos tentaram perceber as razões. Chegaram à conclusão de que o Homem tinha morrido intoxicado pela felicidade. Ninguém está preparado para viver só com ela, a felicidade.

domingo, 17 de maio de 2009

SERÁ QUE ELA SE PRECIPITOU?

Uma das minhas rotinas diárias é passar os olhos pelos principais títulos da imprensa através da net. Também tenho para mim que a participação dos cidadãos e o apelo a essa participação no sentido de emitirem opiniões ou discutirem ideias, constitui, por princípio, um aproveitamento positivo das possibilidades desta extraordinária ferramenta de comunicação. Mas hoje fiquei um bocadinho baralhado. O Correio da Manhã perguntava ao leitor se achava, através do voto, que o casamento de Clara de Sousa tinha sido precipitado. Ainda por cima apenas permitia o SIM ou NÃO. Eu gosto de participar nestas coisas e fiquei aflito. Quem é a Clara de Sousa? E ela casou? Não está certo, ninguém me disse nada. E casou com quem? E porque raio de mistério ou carga de água hei-de saber se foi uma precipitação, ou não? E agora o que é que eu faço? Respondo o quê, se só tenho como hipótese, sim ou não. Havia um jogo que eu jogava em pequeno, já não me lembro qual, que tinha uma regra que era, “Posso pedir explicações?” Agora dava-me jeito, explicavam-me a problemática do casamento da Clara de Sousa e eu, depois, participava com uma opinião devidamente esclarecida e contributiva para um entendimento geral sobre tão importante e actual matéria.
Agora a sério, o mundo ensandeceu ou estou a ficar velho?

A DESCONFIANÇA NOS PROFESSORES, PERDÃO, NOS APLICADORES

Como é evidente, um dispositivo de exames simultâneos e nacionais exige um conjunto de procedimentos estruturados e organizados que permitam a realização das provas em circunstâncias controladas e minimizem riscos de desigualdades processuais que potenciariam eventuais situações de desigualdade e injustiça. Creio que a generalidade das pessoas concordará com isto.
No entanto, elaborar um Manual do Aplicador, que raio de nome, determinando o termo exacto, o minuto exacto, a frase exacta que deve ser lida cheira a excesso de zelo e a fundamentalismo e a uma estranha forma de exercício de poder.
Talvez esta decisão, que não é nova, traduza a confiança que o ME tem na classe dos professores, perdão os aplicadores, uma classe de imbecis incapazes de entenderem e operarem eficazmente com meia dúzia de instruções gerais e conseguirem que os seus alunos cumpram as provas. Assim, levam com o Manual do Aplicador, adoro o nome, e lêem com o tom, a voz e o ritmo que o ME determinar as instruções de aplicação.
Para os professores, perdão, os aplicadores, que não aplicarem bem as provas, o ME já anunciou um Programa de Novas Oportunidades para aprenderem a aplicar. A equipa docente deste Programa será coordenada por Santos Silva e Vitalino Canas, figuras altamente especializadas a aplicar instruções.

sábado, 16 de maio de 2009

DO QUE EU PODIA NÃO FALAR

A esta hora, aqui no meu Alentejo, enquanto o Mestre Zé Marrafa dispõe os pimentões se rega o tomate e o feijão, achei que podia vir até aqui sem falar do caso Freeport e das declarações do “Kung Fu” Monteiro, o primo do Eng. que está a estagiar na China e aumentam a trapalhada. Também pensei que não falaria da crise, do desemprego e do aumento do défice, problemas facilmente resolvidos pela oposição e ainda mais facilmente resolvidos, ou quase, pelo governo. Já agora que não falava disto, também pensei que não falava de Lopes da Mota e das pressões, que tal como com a cerveja, tornam tudo mais vivo. Seria até interessante não falar do BPP e do BPN, de que todos os dias se sabe algo de novo. Talvez até conseguisse não falar da gripe A H1N1, e de como nem a gripe nos liga. Podia também não falar do candidato a Belém, Manuel Alegre, que afinal, surpresa das surpresas, não larga o PS. Com algum esforço podia até não falar do espírito académico que se espalhou pelo país esta semana e foi acabando nas urgências hospitalares por excesso de consumo do espírito académico ao mesmo tempo que alguns estudantes reclamavam em S. Bento mais apoio social para se integrarem no espírito académico. Podia não referir que o Primeiro-ministro, contra todas as expectativas, sobreviveu na visita ao quintal do Alberto João também conhecido por Região Autónoma da Madeira. Até podia não me referir ao espanto por nenhuma gaffe se ter ouvido a Manuel Pinho e Mário Lino, talvez porque têm estado calados. Talvez pudesse não falar do problema do Bairro da Bela Vista porque, dando ouvidos a Paulo Portas, os seus sete mil habitantes foram presos e colocados na Ilha das Flores nos Açores.
Podia ter feito um texto sem falar disto tudo, mas não consegui.

O HOMEM A QUEM CHAMAVAM CONTRAMÃO

Era uma vez um homem, chamavam-lhe o Contramão. A sua vida foi estranha, por razões que nunca soube entender parecia que as circunstâncias determinavam que ele fizesse o contrário do que seria de esperar.
Logo em pequeno, aprendeu bem as coisas da escola, mas fazia as coisas conforme elas eram para ser feitas. Se o assunto da escrita era um, ele escrevia sobre outro, se os problemas eram para resolver de uma maneira, resolvia-os de uma outra que nem ele próprio sabia explicar. Gostava de jogos e brincadeiras que não interessavam mais ninguém. Gostava de ler, mas lia os livros que ninguém da sua idade lia. As pessoas que o conheciam já não se admiravam. Ele andava sempre ao contrário dos outros, era o Contramão. Enamorou-se da mais improvável das raparigas e arranjou uma profissão mal paga e que, praticamente, já não atraía ninguém, era pensador, estava o dia inteiro a pensar, quase sempre naquilo que não passava pela cabeça dos outros, o que lhe criava muitos embaraços, era o Contramão.
Já velho, assumia comportamentos que os outros achavam despropositados mas de que não se admiravam. Afinal, vinham de um tipo a quem chamavam Contramão.
Um dia, sem que nada o fizesse prever, de repente partiu, para sempre. Ainda ouviram o Contramão dizer, “maldita, apanhou-me em contra pé”.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

A DELINQUÊNCIA FUNCIONA BEM

Parece que afinal sempre existem problemas com a justiça em Portugal. Já me tinha parecido e à maior parte dos portugueses também, mas o Ministro Alberto Costa vem agora também dizer que existem dificuldades, se calhar a gente tinha razão, existem mesmo problemas apesar das extraordinárias reformas que o extraordinário ministro do extraordinário governo promoveu.
O Ministro com aquele ar esclarecido que, às vezes, consegue mostrar, afirma que as dificuldades derivam da investigação e acção penal. Esse pessoal não investiga, claro, temos problemas. Mas afinal, o Procurador-geral também acha que existem problemas na justiça em Portugal. Ainda mais me convenço que os problemas existem mesmo. Bem, mas os problemas derivam das leis, da máquina judiciária e da falta de recursos. Certo. Se bem percebi, quem devia investigar e agir não o faz, a máquina não funciona e não chegam os recursos. Fiquei convencido.
A única área eficaz, competente, organizada, com recursos humanos suficientes, bem preparados e com meios, é a delinquência. Que o diga Vale e Azevedo.

ESTAVA ESCRITO NAS ESTRELAS

Há tabus e tabus. Este é um daqueles tabus com rabo de fora. Dado que muito provavelmente o dono das esquerdas, Manuel Alegre, aponta a Belém, e parece ser um nome das esquerdas a ter em conta para tal efeito uma vez que Guterres está refugiado, era óbvio que só podia continuar no PS. Sem o aparelho do partido, Belém era uma miragem e, por outro lado, ficar fora das listas, mostra um desapego e prepara uma “distanciação” muito úteis para a campanha para as presidenciais. Ao PS dá imenso jeito que Alegre continue para ilustrar a pluralidade e a diversidade e blá, blá, blá, do partido.
Temos, assim, um modelo de negócio perfeito, ganham todos. E nós fingimos que estamos muito admirados e reagimos com a expressão do momento, “Ele fica? A sério? não posso!”

SÓ DE OUVIR, ARREPIA

Diz o INE que temos perto de quinhentos mil desempregados, só de ouvir arrepia. Acresce que, segundo dados divulgados já esta semana, cerca de 38% não têm subsídio de desemprego. Esta situação parece estar a afectar sobretudo jovens, as maiores vítimas do trabalho precário e desprotegido de direitos e também se deve a práticas empresariais criminosas que com o argumento, real é certo, da crise promovem despedimentos quase selvagens.
Estranhamente, ou talvez não, as elites partidárias, as que querem governar o país, como sabem isso só pode acontecer por dentro dos partidos, usam esta catástrofe com arma para a baixa política, falando de aspectos acessórios como a existência ou não de orçamento rectificativo e insistindo numa definição de responsabilidades pouco estimulante, inútil e inconclusiva. É de fora, é de dentro, é de todos. Face a esta situação dramática, pensar que os nossos destinos estão nas mãos desta gente, é um pesadelo. Como se diz aqui no meu Alentejo, perante um problema tão grave, a questão é “como que vamos, TODOS, lidar com isto porra?”.
Como nota final, hoje passa o Dia Internacional da Família, perto de meio milhão de famílias portuguesas, pelo menos, afectadas pelo desemprego, deveria constituir uma boa base de preocupação séria e acima dos interesses partidários de ocasião.

A ANORMAL NORMALIDADE

De há uns dias para cá que se fala da visita do Primeiro-ministro à Madeira. O inimputável Alberto João tem afirmado que o receberá de “braços abertos”. Há pouco, dizia-se na RTP1 que José Sócrates “já está na Madeira” com o ar de que alguém tinha atravessado Iraque, Irão e Afeganistão e sobrevivido. Não sei se hei-de ficar zangado, se envergonhado, se triste e resignado, se aceitar como normal. Vejamos, o Chefe do Governo visita em situação oficial uma parte do território nacional, situação que deveria parecer absolutamente normal. Mas não é, a comunicação social, interroga-se sobre como vai ser recebido, o anfitrião, o Alberto João, diz que o vai receber bem e ouvem-se comentários desconfiados dessa atitude e depois de ele chegar, constata-se que afinal o Eng. ainda está vivo e, aparentemente, de boa saúde.
Antes de continuar, afirmo que não sou simpatizante do Primeiro-ministro, já aqui tenho muito frequentemente criticado estilo e políticas, no entanto, seria bom sublinhar que, neste caso, o ruído se deve, sobretudo, à existência de um bando à frente dos destinos da Madeira, salvo honrosas excepções, sem estofo ético, cívico e democrático. Não tem a ver com a luta político-partidária dirigida ao partido do governo e ao seu chefe, lembrem-se, por exemplo, dos discursos insultuosos contra o Sr. Silva, o Dr. Marques Mendes e outros dirigentes do PSD, tem a ver com uma troglodita e caceteira forma de estar na vida política que, em qualquer país do mundo seria objecto de repúdio mas que aqui, neste projecto de país, se tolera, porque, no fundo, é água de que todos bebem. É mesmo vergonha o que sinto.

A VIAGEM

(Foto de Maria)

Hão-de fazer a viagem.
Vão passar as tormentas e vencerão adamastores.
E chegarão à Ilha dos Amores.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

DECRETAR A VIRTUDE

De vez em quando aparecem episódios deste tipo relatados na imprensa, eventualmente haverá outros não publicitados. Depois de há dois ou três anos, se me não falha a memória, uma escola da zona de Sintra ter decretado um “dressing code” surge agora a Escola 2, 3 José Maria dos Santos, em Palmela, a proibir a alunos, professores e funcionários o uso de minissaias, decotes excessivos, calças descaídas, etc. As reacções são as do costume. “Atentado aos direitos individuais” dizem uns, “que parvoíce” acham outros, “está muito certo” sustentam outros ainda, pais por exemplo, caso de um elemento da Confap, desta vez não foi o Dr. Albino Almeida, “é preciso decoro” clamam mais alguns ou, argumento final, “farda é que é”.
Peço desculpa, mas este tipo de abordagens esquece o essencial. Os miúdos nesta fase, pré-adolescência e adolescência, estão a construir uma identidade, a sua. Tal “trabalho” passa, em todas as épocas (os Legisladores esquecem-se da recusa da gravata nos anos 50, das minissaias dos anos 60, dos cabelos às cores dos anos 80, dos piercings a seguir, etc), pela tentação de andar nos limites do instituído, linguagem, vestuário, “aspecto visual”, música, consumos, etc. Este tipo de funcionamento, quase sempre transitório, presente, de forma mais ou menos evidente, na generalidade dos adolescentes levanta algumas inquietações aos adultos que, à falta de melhor solução, têm a tentação de proibir, o que se compreende. Também me lembro de me terem proibido socas, a camisa por fora das calças e cabelo comprido. Mas só proibir é tapar o Sol com a peneira. Claro que muitos pais ficam contentes com o facto de a escola proibir algo que eles gostavam de proibir mas que não se sentem capazes, assim a escola compra, por eles, a “briga” com os filhos.
Devo afirmar que não simpatizo com a ideia de que “vale tudo”, são direitos individuais, veste-se, fala-se e faz-se o que se quer, considero este argumento uma espécie de delinquência educativa. O que quero simplesmente dizer é que, muito para lá das proibições, ou em vez das proibições, trata-se de valores, capacidade de auto-regulação dos comportamentos por parte dos jovens, de construção conjunta dos necessários códigos de conduta e de sermos capazes de discriminar o essencial do acessório.
Não é o tamanho da saia que previne a vitimização, não é a calça descaída que determina a indisciplina.

EU, SE ESTIVESSE NO LUGAR DELE

Vital Moreira se estivesse no lugar de Lopes da Mota pediria a suspensão do mandato no Eurojust. Esta afirmação sublinha um aspecto que acho muito curioso no nosso funcionamento. A esmagadora maioria de nós sabe sempre com a maior das convicções o que faria se estivesse no lugar do outro. Entre a classe política então é fantástico. Vejam como funcionam as oposições, sabem sempre o que deveria ser feito se estivessem no lugar do governo. Pois muitos destes já tiveram no governo e as políticas que realizaram não resolveram as grandes questões e nem sequer fizeram o que agora acham que fariam se estivessem no lugar do poder. Quem está no poder acha que se estivesse no lugar da oposição faria um determinado estilo de oposição, quando estão na oposição fazem exactamente o que dizem que não fariam se estivessem nesse lugar. Vejam o caso de antigos ministros que depois de saírem sabem sempre, até escrevem livros, sobre o que fariam se estivessem no lugar donde saíram. Este funcionamento é engraçadíssimo.
Assim, para não fugir ao destino, eu, se estivesse no lugar dele, Vital Moreira, tinha pensado melhor se aceitaria uma função, a candidatura às europeias, que obriga a um desempenho para o qual manifestamente não tem jeito.

INVEJINHAS

Ao que parece, um grupo de rapaziada da medicina, especialidade ginecologia, desloca-se a um congresso na Malásia, ao que consta um dos países do mundo com maior avanço nos conhecimentos sobre esta área. Quando lá estão, certamente cansados da densidade científica dos trabalhos do congresso, aproveitam um pequeno intervalo e deslocam-se a uma ilha onde fomentam o convívio e o espírito de grupo aproveitando para aprofundar a troca de conhecimentos científicos num clima lúdico e informal. Os encargos com este programa terão sido alegadamente suportados por um laboratório o que me parece também muito louvável no sentido de promover cooperação entre os vários actores e agentes no domínio da saúde. Não percebo, sinceramente, o tom crítico com que esta matéria aparece tratada na imprensa. Esquecem, provavelmente o sacrifício que representa o afastamento dos senhores ginecologistas da sua família, pacientes e amigos, do esforço intelectual que realizam, dos conhecimentos científicos acumulados e que obviamente colocarão ao serviço dos utentes, do espírito de camaradagem e são convívio que torna mais felizes as pessoas e, portanto, melhores profissionais. Só consigo explicar tal azedume pelo sentimento tão português da invejinha.
Há só um pormenor que não entendo muito bem. Porque fizeram tantos quilómetros para se disfarçar de piratas se, alguns deles, já cá passam algum tempo na pirataria e mercenarismo?

O SR. FERNANDO, O SAPATEIRO

A nossa estrada, mais longa ou mais curta, quase nunca a percorremos sós, embora em alguns trajectos isso possa acontecer. As pessoas que vamos encontrando vão-se arrumando em nós, umas foram apenas um cruzamento de que já nem a memória regista, outras passaram, ficou uma impressão, positiva ou negativa, que se recorda, quando a memória acende. Algumas, menos, percorrem connosco a estrada, ainda e sempre, nas subidas e nas descidas. Algumas outras continuam sempre a caminhar connosco, mesmo quando já andam, porque pararam a sua estrada, ficam na nossa. Uma destas pessoas foi o Sr. Fernando, o Sapateiro, desculpem a maiúscula, ele merece. Era o Sapateiro da minha terra, terrinha nessa altura. O Sr. Fernando tinha uma oficina pequena, onde cabia a sua bancada baixinha e uns armários onde tinha alguns sapatos para vender. Foi das pessoas mais bem dispostas com a vida que conheci. Sempre com ideias sobre histórias e partidas que nós miúdos adorávamos. Estou a vê-lo, num banco pequenino, de avental de lona grossa muito polido do uso e sempre com alguns de nós a ouvir as histórias a que a D. Rosa, a mulher, quando estava, abanava a cabeça com ar de “não tens juízo”. O Sr. Fernando foi ainda um homem que me, nos, mostrou muito mundo. Naquele tempo, numa família sem carro e sem grande orçamento, conhecíamos o mundo através de excursões a que se chegava com as poupanças de serões e horas extra. Era o Sr. Fernando que as organizava, um passeio à Nazaré, uma viagem de cinco dias ao Norte, um passeio à serra da Estrela, uma viagem de três dias ao Algarve, e, não esqueço, até chegámos a ir a Badajoz, ao Estrangeiro, pois claro, e foi o Sr. Fernando que nos levou ao Estrangeiro, batíamos palmas quando passávamos a fronteira, sempre um momento tenso, não vá a Guarda descobrir as garrafas de coca cola que vinham escondidas na roupa e mais os rebuçados. Era o Sr. Fernando que sempre que alguém adormecia no autocarro, soprava uma gaita aos nossos ouvidos que até os neurónios estremeciam. E era o Sr. Fernando que arranjava uma pensões manhosas, onde nos arrumávamos por famílias e que nos parecia de muitas estrelas quando ainda não tinham inventado as estrelas nos hotéis. E era o Sr. Fernando, uma pessoa que não me lembro de ver aborrecida.
E é o Sr. Fernando que, de vez em quando, como hoje, aparece para matar saudades e andar um bocadinho na minha estrada, ele que já cumpriu a dele.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

PARA ALÉM DOS PARTIDOS

Por diversas vezes aqui me tenho referido ao enviesamento que, do meu ponto de vista, a democracia portuguesa tem sofrido devido ao modelo de organização política, apenas têm assento na Assembleia da República estruturas partidárias e à praxis da generalidade dos partidos. Este enviesamento traduz-se na existência de uma partidocracia que inibe a participação cívica dos cidadãos evidenciada pelos níveis sempre em subida das abstenções nos diversos actos eleitorais e pela descrença que diferentes inquéritos mostram relativamente à acção dos políticos. Neste quadro, parece-me esgotada a fórmula actual e sem grandes hipóteses de regeneração pelo que um novo partido com o mesmo quadro, e apesar das boas intenções reformistas e voluntaristas, apenas reorganizava o jogo do poder mas sem, creio, alterações substantivas no envolvimento e confiança dos cidadãos. Não me parecem existir condições para um novo PRD.
Acredito mais em iniciativas cívicas, fora da tutela partidária, que se proponham criar um movimento de cidadania exigindo alterações no modelo actual de organização política. A título de exemplo, a criação de círculos uninominais e a possibilidade de cidadãos concorrerem à Assembleia da República sem que para tal estejam integrados em partidos, seriam duas mudanças que, creio, poderiam ter implicações significativas na nossa vida política. Também sei que, por razões óbvias, os partidos defenderão o status quo existente, trata-se da sua sobrevivência da forma como estão e que serve bem os respectivos aparelhos e a algumas clientelas.

UM RAPAZ CHAMADO DESORGANIZADO

Era uma vez um rapaz, chamava-se Desorganizado. Tinha uns quinze anos e já tinha repetido uma ou duas vezes o ano. O Desorganizado vivia no meio dos problemas e os problemas andavam atrás do Desorganizado. Em todas as situações em que as coisas não corriam bem e quando as pessoas colegas ou professores falavam com ele sobre a sua vida e as dificuldades que sentia, respondia de uma forma estranha, dizia que tinha perdido qualquer coisa mas não sabia exactamente o que tinha perdido. Quando os resultados escolares eram baixos o Desorganizado justificava-se com a falta daquilo que tinha perdido mas não sabia o que era. Quando o comportamento não era o desejado e lhe chamavam a atenção, o Desorganizado, como sempre, achava que era por ter perdido alguma coisa que não sabia o que era. Aquela sensação de ter perdido alguma coisa pesava-lhe na cabeça e inquietava-o. Um dia, coisa rara, entrou na biblioteca e encontrou o Professor Velho, o que já não dá aulas, está na biblioteca e fala com os livros. Como aparecia na biblioteca poucas vezes o Velho foi cumprimentá-lo.
Por aqui, Desorganizado? Precisas de ajuda?
Não velho, entrei porque calhou, e precisar até precisava, mas são sei bem de quê.
Então?
Acho que perdi qualquer coisa que me fazia falta, não percebo o quê e não atino com o que fazer.
Desorganizado, tens ideia do que vais fazer daqui a alguns anos?
Não Velho, não tenho ideia nenhuma.
Foi isso que perdeste, o Rumo, tenta perceber o queres fazer daqui a algum tempo, pensa na maneira de lá chegar e vais ver que já não sentes tanto que tenhas perdido alguma coisa, se precisares de ajuda diz.

terça-feira, 12 de maio de 2009

CARTA ABERTA À PLATAFORMA SINDICAL DOS PROFESSORES

Excelentíssimos Senhores Professores, dado que o Senhor Primeiro-ministro, nosso querido e bem amado líder, se encontra muito ocupado com a sua genial governação, assumimos nós, equipa dirigente do ME, a resposta à V. carta.
Em primeiro lugar devemos sublinhar a total e absoluta injustiça das vossas apreciações. Como bem sabeis, sois formadores de jovens, é fundamental que se estabeleçam regras e limites com firmeza. Pois foi isso que fizemos, estabelecemos regras e quando nos chamam de inflexíveis, não é verdade. Vejam, que na avaliação introduzimos vários simplexes e nem assim estão satisfeitos, mais flexibilidade, não é possível. Falam da arrogância, mais uma injustiça, como professores diariamente gerem grupos de alunos, sabem, portanto, a necessidade de um bom nível de assertividade. É isso que somos, assertivos, temos convicções fortes, sabemos o que queremos para o país, não somos arrogantes, nós sempre ouvimos os professores mas não ouvimos ideias tão brilhantes como as nossas. Não nos podem acusar de insensibilidade e indiferença, o que somos é verdadeiramente competentes e não encontramos no vosso discurso matéria que nos leve a mudar, porque somos sensíveis e flexíveis como viram na avaliação.
Os Senhores Professores contestam a figura de Professores Titulares, desculparão mas não encontrámos melhor forma de dividir a classe e, como sabem, uma classe dividida é importante para quem quer tomar medidas com impacto em toda a classe. Contestam a existência de quotas para as classificações de Muito Bom e Excelente. Parece-nos uma medida de extrema sensibilidade, a maioria dos professores ficará, assim, com classificações mais próximas e reduz-se a conflitualidade entre professores que é má para o clima. Vejam só, passe a imodéstia, a genialidade e alcance desta medida, não tem nada ver com questões económicas ou políticas como, caluniosamente, alguns de vós insistem em considerar. Contestam a existência de um exame à entrada da profissão e não entendemos porquê. Os Senhores Professores certamente saberão que existem algumas fragilidades no ensino Superior, parece que até existem casos de licenciaturas duvidosas, com exames aos fins-de-semana e outras coisas do género. Trata-se de uma medida de defesa, da classe, deveriam entender isso. Já encomendámos aos chilenos um modelo de exame e temos grandes esperanças. Como somos flexíveis, ao contrário, do que afirmam, estamos desde já disponíveis para introduzir simplexes nesses exames.
Esperamos assim, de uma vez por todas, que sejam claras as nossas posições e que os Senhores Professores acabem por compreender que Nós somos um privilégio concedido ao país e a vós.
A Equipa do ME responsável pela PEC – Política Educativa em Curso

NUM PAÍS À PRESSÃO, É SÓ MAIS UMA

Ao que parece, confirma-se que os procedimentos do presidente do Eurojust junto dos procuradores a trabalhar no caso Freeport configuram uma situação de pressão. Aguardam-se os desenvolvimentos do caso mas a generalidade das opiniões dirige-se para eventuais responsabilidades políticas. Não entendo esta preocupação, há décadas que o país vive à pressão, nós estamos habituados à pressão, é assim que funcionamos.
O nosso sistema de justiça é um bom exemplo de como a pressão funciona. Lembrem-se de Valentim Loureiro, Isaltino Morais, Fátima Felgueiras, Vale e Azevedo, Dias Loureiro e todas as trapalhadas conhecidas do BPN e SLN, do BPP, dos perdões fiscais do tempo de Oliveira e Costa, do caso Portucale, da quase inexistência de condenados por corrupção num que país clama sistematicamente contra a existência de altos níveis de corrupção. Lembrem-se das pressões bem sucedidas para alterações de PDMs em muitas zonas do país permitindo vários atentados ambientais. Vejam as pressões sobre professores e conselhos executivos relativamente ao seu desagrado face às políticas do ME implicando ameaças, visitas da PSP e inquéritos a alunos sobre o comportamento de professores. Vejam a pressão exercida pelo inimputável Alberto João na gestão do dinheiro dos contribuintes, leva quem vota.
Lembrem-se da pressão sobre as pessoas criada pelo uso excessivo de figuras precárias e abusivas de contratação laboral. Vejam a pressão asfixiante sobre famílias e pequenas empresas por opções de política económica, no mínimo discutíveis. Vejam a pressão sobre os números e a tortura à realidade para que se criem estatísticas positivas que digam o que se quer que elas digam.
Estou cansado, mas, sem dúvida, habituado à pressão.

O CAJÓ FOI AO DOLCE VITA

Hoje ao fim da tarde encontrei o Cajó a sair da oficina. Conhecem o Cajó, lembram-se? É aquele meu amigo que é mecânico, faz uns biscates e tem o maior dos orgulhos no seu Punto kitado que gosta de exibir em passeios no bairro, agora menos, que a crise obriga a poupar combustível. Pois foi mesmo pela crise que a conversa começou.
Então Cajó tudo bem?
P’ra mim não tá nada bem, não há guito e o pessoal não vai à oficina, mas não falta guito à malta p’ra passear. Olhe, ontem era domingo, gosto de dar uma volta e disse p’rá Odete para irmos àquele centro comercial novo lá na Amadora o Doce Vida ó que é. Dizem q’é o maior do mundo ou da Europa, não sei. Bem amigo Zé, aquilo estava cheio da malta, onde é que tá a crise?. Vi-me arrasca para lá chegar, andei às voltas para atinar com as entradas, sabe como é que é, acabam tudo à pressa e depois é só buracos e cenas que não estão acabadas e um gajo também não conhece bem ainda, né. Lugares para estacionar, é mentira. Deixei a bomba meio na estrada, meio no passeio, mas tive que me safar, lá dentro no parque nem consegui entrar. Bem lá dentro do centro, amigo Zé, parecia o estádio da Luz em dia de jogo com os lagartos. Gente até dizer basta, os putos começaram a desatinar, inda enfiei uma galheta no Licas que respondeu mal à Odete. Nas lojas nem se podia entrar, não é que quisesse comprar alguma coisa, mas nem se conseguia ver nada. Arranjei lá um canto, nem sei como, para uma bejeca e o lanche pós putos e basei. É pá, naquele centro não me apanham tão cedo, a crise, qual crise?. Meu rico Almada Fórum.
Vai uma mini Cajó?
Obrigadinho amigo Zé, mas tenho que ir buscar a Odete ao Fórum, aproveito e lavo a vista que aquilo anda muita bem frequentado.
É assim o meu amigo Cajó, detesta Centros Comerciais.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

EDUCAÇÃO É CONSTRUÇÃO

Não sendo especialista em economia, o que também não é grande problema, porque os especialistas fizeram o excelente trabalho que estamos a sofrer, sou dos que acho que o investimento público é uma forma de contrariar os efeitos da crise na economia. Parece-me também ajustado que o investimento público seja disseminado pelo país e não concentrado em dois ou três mega-projectos como aeroporto, TGV e auto-estradas. O investimento mais disperso parece também mais eficaz no sentido de ser acessível às pequenas e médias empresas que asseguram a esmagadora maioria dos empregos do país e que são particularmente vulneráveis às oscilações económicas.
Quando este investimento se destina ao parque escolar, parece-me ainda mais saudável e representa um verdadeiro investimento. A qualidade da educação também depende da qualidade dos espaços e dos equipamentos.
Podemos afirmar nesta situação que, sendo educação uma forma de construção, que também a construção, ou a reconstrução, se dirija à educação.

AVALIAÇÃO E PROGRESSÃO

Já aqui me referi diversas vezes ao Estatuto da Carreira Docente, designadamente, à divisão em dois grupos, professores e professores titulares. Sempre tenho afirmado que não encontro nenhuma justificação séria e consistente para tal, sobretudo se considerarmos que tal divisão assentou no desempenho dos docentes nos últimos 7 anos o que criou situações aberrantes. O ME tem defendido a proposta com base no rigor e na discriminação do mérito. Até poderia acreditar se não introduzissem as quotas. O mérito ou existe ou não, seja qual for o modelo da imprescindível avaliação. Se existe tem que ser atribuído e reconhecido e não sujeito a quotas, criando a inusitada situação de que a pessoa é excelente mas já não cabe, por isso não leva o excelente. Sempre tenho insistido que a progressão na carreira única deve depender também do mérito e sujeita a concursos transparentes mas deve estar separada da avaliação. Na prática, isto quer dizer que se 5 professores merecerem excelente, devem ter excelente na sua avaliação e quando concorrerem a lugares, que podem ser menos, no patamar acima da carreira ou a lugares de outra natureza na escola fá-lo-ão mediante concursos com regras claras e públicas onde, obviamente, existirão critérios como a avaliação de desempenho ou a formação adquirida.
A proposta agora apresentada pelo CDS-PP parece corrigir o que eu chamo de pecado original do Estatuto, a divisão entre professore e professores titulares, embora se refira a uma carreira alternativa que não entendo muito bem o que seja e que pode configurar um remendo do tipo Simplex como os do ME. Nesse caso, já basta o que há.

A AVÓ QUE NÃO SABE LETRAS

Um dia destes estive numa conversa com um grupo de pais. Como frequentemente acontece estavam algumas Avós. A certa altura a conversa girava em torno do que se passa em casa, dos trabalhos da escola e das dificuldades que muitos pais sentem, quer por razões de funcionalidade, quer porque assumem dificuldade ou desconhecimento sobre as matérias escolares, na ajuda aos filhos. Uma das Avós presentes pede para intervir e explica que não sabe ler, na aldeia dela poucas raparigas foram à escola, mas que ajudou muito os dois netos que tem, eles ficavam com ela quando saíam da escola. E ajudou-os bem, disse a Avó, um é economista e o outro é arquitecto. Acrescentou ainda que até os ajudava nos trabalhos de casa. Uma senhora que estava ao seu lado não resistiu a comentar como é que Avó ajudava os netos nas coisas da escola senão sabia ler.
Com o ar que teria quando ajudava os netos, a Avó explicou à senhora que ainda só era Mãe Primeira, como sabem, ser Avó é ser mãe duas vezes, que os miúdos não precisam só das letras, precisam de aprender muitas coisas que os professores não sabem ou não podem ensinar, era isso que ela fazia. Pelos vistos bem.
É por questões deste tipo que já aqui me tenho referido ao papel que os mais velhos, muitos deles sós, poderiam desempenhar junto dos mais novos. Creio que seria bom, para uns e outros, e bem melhor que parte do trabalho que se faz em muitos lugares ao abrigo de uma coisa chamada Actividades de Extensão Curricular e que, provavelmente, são mais Actividades de Extinção da vontade de saber e de gostar da escola em alguma miudagem.

domingo, 10 de maio de 2009

AGORA ENTENDO

O interessante trabalho do Público sobre a proposta de aumento em cerca de vinte vezes a dimensão do nosso território, era a peça que me faltava para entender a manhosa proposta aprovada por todos os partidos para aumentar 55 vezes a possibilidade de receberem dinheiro vivo para se financiarem.
Num rasgo de visão política e de capacidade de planeamento e antecipação, as visionárias e previdentes lideranças políticas pensando na enormidade territorial que se abrirá e nos novos mundos eleitorais que se desenham, é certo que debaixo de água, procurou preparar-se. Até se entende agora o empenho de Paulo Portas na aquisição dos submarinos.
O Eng. Pinto de Abreu, coordenador da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental que parece ter desenvolvido um excelente trabalho, não sonhava certamente com tal efeito. Pois é, o pessoal dos partidos não dorme, aliás com o ruído que produzem nem é possível.

sábado, 9 de maio de 2009

O PORTUGAL DOS PEQUENINOS

Este pessoal não nos dá tréguas. Eu juro que tenho andado a tentar convencer-me que a rapaziada dos partidos, devagarinho, não se podia esperar assim de repente, e já que as eleições se aproximam, iriam começar a falar sobre as suas ideias, até são capazes de ter, nunca se sabe, sobre as questões que nos inquietam e de que forma esperam ou querem contribuir para o bem estar do País e dos cidadãos. Até o convergente Presidente da República fez um apelo relativo à qualidade e importância das campanhas políticas. Mas não, cada cavadela cada minhoca. A moça diz que quer é o Porto, o moço bate-lhe porque não pode querer o Porto, tem que querer Estrasburgo e Bruxelas. Discutem sobre a Maizena e se há centrão ou não há centrão e quem pede desculpa a Vital Moreira. A Dra. Ferreira Leite, cada vez que fala é preciso tradutor. O que eu não consigo ouvir é uma ideia sobre Portugal e a Europa a não ser que apoiam Durão Barroso, seja porque é português o que seria um óptimo critério para apoiar a minha pessoa, por exemplo, ou porque é do PSD outro excelente critério. Referência à competência e ao projecto, nada de nada.
Os tipos que representam a abstenção é que, apesar de não terem dito grande coisa, são capazes de ganhar as eleições.

MAIORIAS E GOVERNABILIDADE

Nos últimos dias instalou-se na agenda a discussão sobre o bloco central. De uma forma geral, a opinião publicada divide-se entre a recusa do centrão e o risco da ingovernabilidade no caso da inexistência de uma maioria absoluta de um só partido.
Sou dos que tendo a aceitar como desejável, em nome de uma fiscalização mais eficaz, da defesa contra derivas absolutistas (temos excelentes exemplos) e de uma maior pressão para entendimentos em torno das questões centrais do país, a maioria relativa. Creio que estes argumentos são aceitáveis mas temos a importante questão da ingovernabilidade.
Não tenho nenhuma perspectiva catastrofista sobre uma maioria relativa e a estabilidade governativa. Em todo o caso creio que se correm riscos de ingovernabilidade, mas esses riscos não decorrem directamente da maioria relativa, mas sim, isto é que me parece importante, da dimensão política, ética e do sentido de resposta aos grandes problemas colocados ao país por parte das lideranças partidárias. Este é que é o ponto. Se o pensamento, discurso e actividade política se dirigirem ao país, às instituições e pessoas e às suas dificuldades, podemos, creio, ter condições de governabilidade. Se, pelo contrário, se dirigirem aos sempre presentes interesses partidários de ocasião e ao poder pelo poder, então o risco da ingovernabilidade é real.
Embora o passado recente não seja animador, pode acontecer que a crise e os seus efeitos, promovam lucidez e sentido de estado, como se costuma dizer, nesta gente que nos governa e quer governar.

HOJE CONHECI A D. GRACIETE

As salas de espera das instituições da saúde são um espaço estimulante e enriquecedor. Hoje dediquei boa parte do meu dia à revisão do corpo, a idade obriga. Com a sala de espera quase cheia, um dos poucos lugares disponíveis era ao meu lado. Senta-se uma senhora idosa, sénior como agora se diz, e, como é de um tempo em que as pessoas falavam umas com as outras mesmo sem se conhecerem, começou.
Temos que ter um lugar, onde nos encostarmos não é?
Claro, precisamos sempre de um lugar, até para esperarmos. Disse eu.
Tem razão, mas eu, com oitenta e dois anos já não vou esperar muito, já lá tenho o lugar à minha espera. O meu marido já lá está há vinte anos e está à minha espera. Não é que tenha pressa. Gosto de cá andar e enquanto me puder mexer não me quero ir embora. Às vezes já me assusto, olhe está a ver como estou (e tira os óculos escuros deixando ver umas marca negras à volta dos olhos), no outro dia caí na cozinha, nem sei quanto tempo estive a assim caída, depois lá consegui chamar a minha filha com o telemóvel. Sabe é que tenho diabetes e, às vezes, não me sinto bem. Fiquei com os olhos assim e até tinha vergonha de sair à rua. Não fosse eu já não ter marido há vinte anos ainda pensavam que ele me tinha batido. Não, mesmo que fosse vivo não era homem para isso. Nem eu deixava. Sempre fui uma mulher tesa, se me desse a primeira já não me dava a segunda que eu fugia, não temos que apanhar de ninguém. E cá ando, venho fazer os exames que a médica me mandou, espero que esteja tudo bem e o senhor? É muito mais novo que eu, tem alguma doença?
Quando me preparava para responder, chamaram a D. Graciete, era ela, para fazer os exames que a médica mandou.
Não sei quais serão os resultados mas acho que a D. Graciete sofre de solidão

sexta-feira, 8 de maio de 2009

OS CAROS PARECERES DOS RICOS PARECISTAS

O DN de hoje apresenta um interessante trabalho sobre o universo dos pareceres jurídicos em Portugal. Trata-se, ao que parece, lá está o parecer, de um negócio de milhões a que alguns, poucos, eminentes especialistas têm acesso. Os pareceres de acordo com a informação de um dos parecistas mais requisitados, Saldanha Sanches, refere que um “parecer” importa em umas dezenas de milhares de euros e acrescenta ainda algo de completamente inesperado, o mundo dos pareceres é permeável à almofada política do parecista.
Completamente de borla aqui vai o meu parecer.
A produção legislativa em Portugal, caracteriza-se, em primeiro lugar, pela sua natureza diarreica, muita e sobre tudo e mais alguma coisa. De facto, entre nós, legisla-se por dois motivos fundamentais, por tudo e por nada. Resultado, temos um emaranhado de leis, avulsas, desencontradas, quando não contraditórias, que só um bom parecista tem tempo, bem pago, para entender e encontrar o parecer que lhe interessa, ou ao cliente.
Em segundo lugar, para além do número, a produção legislativa é excessivamente engordada com doutrina tornando-a mais espessa e susceptível de interpretações diversas, o que não aconteceria se fosse mais simples e menos doutrinária, mas como está dá grandes oportunidades de trabalho aos parecistas.
Finalmente, parece-me que isto tudo é intencional e cultural. Todos nós, faz parte da cultura, gostamos da fórmula “Cá p’ra mim, parece-me que …”, se alguns, os grandes parecistas, os especialistas dos pareceres, ainda ganham bom dinheiro com isso, parece-me, e acabo, que a situação serve a todos.