sábado, 25 de janeiro de 2014

A INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS. O parente mais pobre de uma família que empobreceu

A propósito do trabalho no Público sobre os impactos muito significativos da actual visão da tutela sobre a investigação científica no universo particular das ciências sociais, recordo uma recente entrevista, também no Público, de Devon Jensen, professor universitário com trabalho desenvolvido sobre o papel das universidades, a sua relação com os governos e o mundo económico e empresarial, que apresentou em Lisboa uma conferência com a estimulante interrogação como título, Is Higher Education Merely a Servant of the Economy?  .
Da extensa entrevista cuja leitura na altura recomendei retomo algumas notas.
Em primeiro lugar parece-me de a importância crucial atribuída ao investimento em formação de nível superior ainda que em diferentes formatos e extensão. Esta afirmação contraria a lógica actualmente seguida em Portugal de desinvestimento no ensino superior e investigação.
Parece-me também de sublinhar a importância do investimento na formação e desenvolvimento na formação e investigação nos domínios das ciências sociais e das humanidades. Mais uma vez, este investimento e importância são afirmados ao arrepio da forma insustentável como em Portugal as Ciências Sociais são consideradas pelo MEC, como várias posições e discursos ultimamente produzidos e divulgados demonstram e aos quais aqui tenho feito referência. Recordo a discriminação em matéria de financiamento e os discursos que se vão ouvindo sobre o que deve ser a investigação de “qualidade”.
No mesmo sentido, parece interessante que, contrariando um discurso que se instala no sentido de definir a oferta formativa de ensino superior com um critério quase exclusivamente centrado na “empregabilidade”, Devon Jensen chama a atenção para a volatilidade e mudança no mercado de trabalho, bem como para o papel de liderança que as instituições devem assumir na definição da sua oferta, ou seja e como já tenho referido, o ensino superior não deve ignorar o marcado de trabalho mas não pode andar “a reboque” desse mercado que, aliás, muda a uma velocidade enorme.
Uma última referência para o que Devon Jensen chama de “novo paradigma” no financiamento das universidades a que eu acrescentaria, da investigação.
Em termos simples, Devon Jensen afirma que sendo as empresas beneficiárias da qualificação dos seus trabalhadores devem, por isso, financiar as universidades para a formação. A experiência vai-me causando alguma reserva face aos “novos paradigmas” tantas vezes referidos a propósito das mais variadas matérias que, nas mais das vezes, de novo têm pouco e paradigma … nunca serão. Miguel Seabra e Nuno Crato também defendem uma nova visão para a investigação e ciência e o resultado parece muito preocupante.
Na verdade esta perspectiva levanta-me algumas questões. Em primeiro lugar, creio que se considerarmos que as empresas beneficiam da qualificação superior dos seus colaboradores então devem pagar-lhes em função dessas competências e dos benefícios que obtêm. Com salários mais elevados os mais qualificados pagarão, obviamente, um maior volume de impostos o que contribui mais para o financiamento do estado e, também, do ensino superior público. A situação por cá é assustadora pois verifica-se que empresas e também o estado pagam a pessoas qualificadas salários miseráveis e indignos, não sendo um salário mas antes um subsídio de sobrevivência. Como esperar que este mercado que assim funciona venha a envolver-se num “novo paradigma” financiando o ensino superior e da investigação?
Finalmente, com as empresas a financiar o ensino superior e a investigação, acentuar-se-ia a desvalorização do universo das ciências sociais e das humanidades. O que se passa com o financiamento à investigação nesta área mostram isso mesmo. Esta perspectiva vai ao encontro da visão expressa pelo Ministro Pires de Lima e da visão da tutela e está bem evidenciada no trabalho do Público.
Sopram ventos adversos.

2 comentários:

Ramses II disse...

Boa tarde, alguns comentarios, acerca do artigo do Publico e das ciencias sociais.
De facto, as ciencias sociais, sempre foram o ''parente pobre'' e parece que neste momento vive-se uma ditadura económica, quero dizer, que tudo tem que ser mensuravel,quantificavel,traduzido pelo fim ultimo de servir a economia,tudo tem que ser quantificado em euros.
Ora, ha áreas em que isso é impossivel,como o caso das ciencias sociais, uma bolsa investigação em Dança ou História da arte, não tem que tradução economica como por exemplo uma bolsa em Biologia.
Outra pergunta, porque que não temos doutorados a trabalhar em empresas ? o nosso tecido empresarial não esta preparado, para contratar doutorados.
a estrategia, do ministro é no fundo dizer que sejam os privados a investir em I&D.
Por ultimo Financiamento do ensino superior,as instituições de investigação tem cada vez menos dinheiro (basta ir a faculdade de farmacia de lisboa, com equipamentos de 30 ou anos) e deixo a pergunta, que qualidade de investigação queremos ?
uma ultima pergunta, as propinas de mestrado/doutoramento na faculdade de farmacia/medicina rondam os 5000,6000 euros, por ano. Sem bolsa é impossivel.

Manuel Carvalho disse...

Esta peça do Público revela que, infelizmente, há mais nestas notícias do que o que é dito. Usam uma foto da FCSH, mas ninguém da instituição é ouvido. A única coisa dita é que o Diogo Ramada Curto é investigador do Centro de Sociologia, quando ele apregoou bem que se demitiu de lá.

O Público, que tem feito uma excelente cobertura de tudo, tem omitido sistematicamente que houve um parecer do Conselho Científico da FCT contra a política da FCT. Não houve uma linha sobre isto e o jornal insiste em só falar da mulher do Crato, sem referir o dito parecer.

Esperava melhor do Público. Ou haverá esquemas que não são revelados?