terça-feira, 31 de dezembro de 2013

UM ANO NOVO, ASSIM MESMO NOVO. ERA BOM

Por uma vez, o Ano Novo poderia ser mesmo Novo. Por exemplo.
Poderia ser Novo no respeito efectivo pela dignidade, pelos direitos básicos das pessoas e no combate às desigualdades e à exclusão e pobreza.
Poderia ser Novo na gestão da coisa pública com transparência, justiça e ao serviço das pessoas.
Poderia ser Novo na definição de políticas dirigidas às pessoas e não ao sabor dos endeusados mercados e da agenda da partidocracia.
Poderia ser Novo no recentrar das grandes questões da educação na qualidade dos processos educativos e no sucesso do trabalho de alunos e professores.
Poderia ser Novo no combate ao desperdício e à iniquidade de mordomias insustentáveis.
Poderia ser Novo nos discursos e padrões éticos das lideranças políticas, económicas e sociais.
Poderia ser mesmo Novo, estão a ver? 
De repente, lembrei-me do Zé, um jovem com uma deficiência motora significativa com quem me cruzei há anos, que quando falava dos seus desejos de futuro terminava sempre da mesma maneira, “sonhar não custa nada, viver é que custa”. 
Que o Ano Novo vos (nos) seja leve.

OS ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS, UMA QUESTÃO ADMINISTRATIVA

O ano que termina mostrou, entre muitas outras coisas, o entendimento que o MEC tem dos princípios da educação inclusiva. Certamente se lembrarão, questionado sobre as condições existentes de apoio a alunos com necessidades especiais em turmas demasiado extensas, o Ministro da Examinação considerou que se tratava de uma "questão administrativa", ou seja e na realidade, os alunos não estão na sala de aula, não participam, sendo que a participação é, como defendo, o mais sólido critério de inclusão.
Com este entendimento assistimos a corte de professores, à utilização irracional de docentes nas escolas desempenhando funções em contextos para os quais não estão preparados, a atrasos e falta nos dispositivos de apoio, a atrasos e falhas nos apoios às famílias e instituições, à falta de técnicos especializados etc., tudo na maior "normalidade" como sempre o MEC entende.
No DN de hoje lê-se que de acordo com a Associação Nacional de Empresas de Apoio Especializado, a Direcção Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) rejeita de forma administrativa, sem avaliação realizada por si ou pelas escolas, os pedidos de atribuição de subsídios de educação especial afirmando que os meninos "não têm necessidades educativas especiais".
É impossível ler estas questões sem uma inquietação. Não vou discutir aqui o modelo de resposta e o sistema montado nem, muito menos, se as avaliações são sólidas e competentes matéria sobre a qual nem sequer me devo pronunciar por razões ético deontológicas, são da responsabilidade e assinadas por técnicos. Se levantarem dúvidas deve aprofundar ou esclarecer o processo de avaliação, não é matéria de tratamento administrativo
A minha questão remete para a inaceitável forma de decisão que, aliás, já se verificava na apreciação dos pedidos de condições especiais para a realização de exames nacionais por parte de alunos com necessidades especiais em que uns burocratas na 5 de Outubro decidiam, sem conhecer os alunos, olhando para os processos, se poderiam, ou não, aceder a condições especiais de exame e, em alguns casos, decidiam completamente à revelia da avaliação da escola e dos técnicos que acompanham os alunos.
É esta fórmula, absolutamente desrespeitosa dos profissionais, eticamente inaceitável, que transforma aspectos fundamentais para a vida dos miúdos e famílias numa mera questão administrativa resolvida a "olhómetro" que impressiona pela irresponsabilidade.
Numa política educativa de selecção, "darwinista", para os mais "dotados" os que conseguem sobreviver, a presença de alunos com necessidades especiais só atrapalha. Assim sendo, colocam-se duas hipóteses, ou se mandam embora da escola de volta às instituições a quem se vai garantindo uns apoios, a diminuir evidentemente, para que por lá mantenham estes alunos, sobretudo adolescentes e jovens ou, segunda hipótese e mais barata, nega-se irresponsavel e administrativamente a sua condição de alunos com necessidades especiais, "normalizam-se" ficam tratados como todos os outros alunos e espera-se que a selecção e a iniciativa das famílias leve os meninos que atrapalham para fora da sala de aula, primeiro, e para fora da escola, depois.
A notícia de hoje inscreve-se nesta segunda hipótese bem mais económica.
Sopram ventos adversos conforme o dia cabaneiro, como se diz no Meu Alentejo, que hoje temos para finalizar 2013.

UM ANO EDUCATIVO EM 1000 CARACTERES

Quando o Governo em funções completou mais um ano, o Público solicitou-me um balanço sobre esse período de política educativa para o qual me concedeu a enormidade de 500 caracteres com uma "pequena" tolerância, não deveria ultrapassar os 1000. Neste tempo, também de balanço e dada a grandeza da tarefa, proponho-me usar o mesmo critério sendo que, obviamente, esta introdução não conta.
Ficou mais clara a cruzada ideológica do Ministro contra a escola pública traduzida no desinvestimento em professores e funcionários, no aumento insustentável do número de alunos por turma e em mudanças curriculares para poupar custos. Para 2014 apenas aumenta o investimento no ensino privado, diminui na generalidade das áreas.
Continuou a construção de um sistema educativo "darwinista", só para os mais fortes, assente em sucessivos exames,  empurrando os mais fracos para um modelo de ensino vocacional condenado internacionalmente. Os alunos com NEE foram especialmente atropelados com atrasos, falta de professores, técnicos e apoios.
O discurso do rigor, excelência e competência não resistiu à deriva sobre o número de professores necessários e ao início do ano lectivo, às reacções aos resultados dos alunos portugueses nas comparações internacionais ou à sinistra prova de avaliação a professores com que o ano terminou, numa das mais tristes páginas da história da educação em Portugal.
Gastei no balanço 996 caracteres incluindo espaços.
Como li algures, 2014 terá a vantagem de não ser 2013, vamos ver o que será.
Bom Ano.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A SINISTRA PROVA CONTINUA A ASSOMBRAR

Ao que se soube hoje, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto bem como o do Funchal deram provimento à providência cautelar interposta pela Fenprof relativa à realização da sinistra Prova dita de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades para professores.
A decisão destes Tribunais, de sentido contrário à de outros Tribunais, suspende a eficácia do Despacho que cria a sinistra Prova e inibe a realização de actos com ela relacionados.
Surge assim mais um capítulo desta narrativa. A sinistra Prova, uma coisa assombrada e negra, continua a pairar por aí.
Enquanto se aguarda a marcação por parte do MEC de nova data, dado que na estreia da Prova a normalidade foi tanta que boa parte dos docentes não a realizou e os incidentes e ilegalidades foram mais que muitos, surge esta decisão judicial.
Uma vez que a racionalidade já desapareceu há muito desta saga, resta saber como vai o MEC reagir à decisão desfavorável dos Tribunais do Porto e do Funchal.
Não tenho grandes dúvidas que sendo a humildade e a capacidade para reconhecer um erro dimensões ausentes na postura do Ministro da Examinação, o caminho será certamente a obstinada persistência na defesa do indefensável e na montagem de uma das páginas mais negras que o mundo da educação em Portugal conheceu nas últimas décadas e, verdade seja dita, muitas foram sendo escritas.

O MANUAL DO ALPINISTA

Entre os Secretários de Estado que hoje vão tomar posse num novo processo de restyling do Governo que não das políticas, destaca-se um nome, o de João Almeida, o novo Secretário de Estado da Administração Interna. Parece-me uma excelente escolha, assente num extensíssimo e sólido currículo académico e profissional de que se destacam ter sido, claro, dirigente da "jota" centrista, adjunto da Vereadora da Câmara de Lisboa, Maria José Nogueira Pinto, Secretário-geral do CDS-PP, Presidente do Clube de Futebol “Os Belenenses”, porta-voz do CDS-PP, actualmente é deputado do mesmo partido, uff, cansa só de ler.
Algumas pessoas mal intencionadas ou invejosas, pecado muito feio diga-se, podem achar que esta nomeação, justa e merecida, sublinho, se deverá a uma das formas mais eficazes de progressão social e profissional existentes em Portugal, a pertença a uma juventude partidária, sobretudo, naturalmente, nos partidos do chamado arco do poder. É verdade que existe um grupinho bastante numeroso, de rapaziada ainda novinha, sem currículo relevante, académico ou profissional que enxameia gabinetes ministeriais. Como característica comum têm a pertença à "sua" jota onde desempenharam cargos que os catapultam para assessores ou deputados e são o início de uma bela e promissora carreira, numa despudorada utilização da administração pública, central, local e empresarial para a distribuição de alguns jobs para os promissores boys e girls. Apesar de João Almeida estar acima de qualquer suspeita, dado o seu trajecto, a sociedade portuguesa está cheia de exemplos deste tipo de percursos nas suas diferentes fases.
Um deles é a história do meu amigo Alpinista. Nasceu numa terra pequena onde muita gente gostava de praticar a subida, na vida, é claro. Uns conseguiam subir alguma coisa, outros nem tanto, mas tinham pena.
O Alpinista, foi um rapaz discreto sem de início revelar algumas especiais capacidades ou dotes que o habilitassem ao sucesso, subir na vida. No entanto, tinha alguma capacidade discursiva, era perspicaz e assertivo, conseguia perceber sem grande dificuldade o caminho a seguir e fazia-o de forma convicta.
Durante a adolescência e olhando para o que se passava naquela terra, tudo o que era lugares importantes eram ocupados de acordo com o aparelho partidário do partido que ocupasse o poder naquela altura e verificando que outros lugares exigiriam um mérito a que ele não acederia rapidamente, decidiu-se pela via partidária. Analisou a oferta e optou pelo partido que lhe pareceu com maior probabilidade de ocupar o poder durante mais tempo inscrevendo-se na juventude partidária. Diligentemente o Alpinista cumpria as tarefas que lhe eram cometidas e com a sua capacidade discursiva foi subindo na hierarquia, tendo chegado a um patamar que lhe garantiu um lugar nas listas de deputados em representação da juventude. Entretanto inscreveu-se numa daquelas universidades em que a exigência em certos cursos, sobretudo para figuras de algum relevo público, não é muito grande, mas que, para compensar, as notas são mais altas e passou a Dr. Alpinista. O bom desempenho no aparelho do partido e a fidelidade canina no Parlamento, levaram-no a uma irrelevante Secretaria de Estado durante alguns mandatos. A sua acção, socialmente insignificante, mas partidariamente relevante, valeu-lhe, à saída do Governo, um lugar na administração de uma empresa de capitais públicos de uma área que ignorava por completo.
Alguns anos depois, poucos naturalmente, o Alpinista reformou-se, retirando-se para uma das propriedades que faziam parte do património que entretanto tinha adquirido e dedicou-se à escrita.
O livro que produziu, autobiográfico, rapidamente se transformou num enorme sucesso, tem por título, “O Manual do Alpinista” e consta obrigatoriamente das bibliografias distribuídas nas Universidades de Verão dos diversos partidos.

A AUSTERIDADE FAZ MAL ÀS PESSOAS


Em relatório sobre o impacto da crise económica e a protecção dos direitos humanos, o Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa sustenta que os Governos Europeus que impõem programas de austeridade esquecem as suas obrigações para com os direitos humanos, incluindo os direitos sociais e económicos dos mais vulneráveis e a necessidade de garantirem o acesso à justiça e ao direito à igualdade de tratamento. Acrescenta ainda, lê-se no I, que os credores internacionais também não incorporaram estes direitos nos seus programas de assistência.

Lamento que a rapaziada do Conselho da Europa, incluindo o Comissário para os Direitos Humanos tenha decidido passar os últimos tempos nalguma espécie de retiro e só agora reparem, que a austeridade tem causado uns problemazinhos a algumas pessoas. Como diz o povo, “Fazem o mal e a caramunha”, tomam-nos por tolos.
Mais atento parece o Padre Jardim Moreira, presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza.


Aguardemos por 2014 e pela correcção das políticas europeias que produzem pobreza e atentam contra os direitos humanos.

domingo, 29 de dezembro de 2013

CORRER ATRÁS DE UM FUTURO QUE NÃO MORA AQUI

Um estudo internacional divulgado no início de Dezembro referia que Portugal é o país da Europa, entre os analisados, em que as pessoas mais revelam desejo de emigrar, sendo que 57% dos jovens portugueses, dos 15 aos 24 anos, mostraram essa intenção.
A maioria refere a busca de um emprego. É ainda relevante que em termos globais, 40% da população em idade activa admite sair do país.
Recordo que também há poucos dias o Primeiro-ministro, em intervenção pública, lamentou que tantos jovens qualificados, em que o país deposita tanta esperança, tenham que emigrar em busca de realização profissional. É verdade que também me lembro de intervenções de incentivo à emigração qualificada produzidas por Passos Coelho e do Ex-Ministro Miguel Relvas dirigidas, por exemplo, a professores e jovens qualificados. Os discursos políticos têm esta virtude, a elasticidade, por assim dizer.
É evidente que o volume de emigração jovem e qualificada é lamentável, mas o Primeiro-ministro e todas as lideranças políticas com responsabilidade na situação actual não podem, como o povo diz, fazer o mal e a caramunha. Esta situação, destruição do emprego, precariedade, etc., que se justificam com a "crise", resultam de políticas e modelos económicos que estão por detrás da crise e dos impactos que têm na vida das pessoas.
Segundo dados da OCDE relativos a fluxos migratórios, a emigração de portugueses para países fora da União Europeia aumentou mais do triplo entre 2010 e 2011, sendo que a organização estima que os números pequem por defeito.
Só em 2013 já terão partido mais de 120 000 pessoas. É também conhecido que, a par da Irlanda, somos o país de onde sai gente com maior qualificação o que exige ainda maior reflexão pelas consequências previsíveis, estimando-se em 100 000 os jovens, sobretudo qualificados, que estão a sair do país, emigrando para outras paragens o que tem um custo brutal, avaliado em cerca de 2 700 milhões de euros, 1,57 % do PIB.
A emigração parece assim constituir-se como via quase exclusiva para aceder a um futuro onde caiba um projecto de vida positivo e viável como tem vindo a verificar-se.
Aliás, alguns inquéritos junto de estudantes universitários mostram como muitos admitem emigrar em busca de melhores condições de realização pessoal e profissional apesar de muitos afirmarem que pretendem voltar.
Somos um país de emigrantes de há séculos pelo que este movimento de partida, só por si, não será de estranhar. No entanto, creio que é preocupante constatarmos que durante muitos anos a emigração se realizava na busca de melhores condições de vida, a agora a emigração realiza-se à procura da própria vida, muita gente, sobretudo jovens não tem condições de vida, tem nada e parte à procura, não de melhor, mas de qualquer coisa. Este vazio que aqui se sente é angustiante, sobretudo para quem está começar, se sente qualificado e com o desejo de construção de um projecto de vida viável e bem sucedido.
De todo este cenário, resulta o retrato de um país pobre, envelhecido, onde poucos querem fazer nascer crianças, donde muitas pessoas, sobretudo jovens, partem, fogem, à procura de uma vida que aqui lhes parece inacessível.
E o futuro? O futuro não mora aqui.

MAS AS CRIANÇAS SENHORES, PORQUE LHES DAIS TANTAS DORES?

No Porto, a PSP retirou durante a madrugada uma criança de 4 anos que estava só num apartamento. A situação foi denunciada por vizinhos, sendo que as autoridades não conseguiram contactar familiares do miúdo que, por isso, foi para entregue a uma instituição.
Apenas mais um exemplo, lamentavelmente frequente, dos tratos e negligência que os miúdos sofrem.
Um dia destes vinha pela rua a pensar para dentro e, portanto, não reparando para fora, quando oiço uma voz bem alto “não comeces com essa merda, levas já uma chapada nos cornos”. Assustei-me, poderia, na minha distracção ter feito algo de estranho e indevido e quando atentei, tinha-se cruzado comigo uma senhora com uma gaiata de uns 3 anos pela mão. A miúda ia com uma cara pouco tranquila e ainda ouvi da mãe o tão português “ouvistes?”.
Fiquei parado a olhar para aquela gente que se afastava. Tentei imaginar como poderia ser o dia a dia daquela miúda e a relação com aquela mãe. Posso ser injusto mas não me ocorreu um pensamento optimista.
Aquela mãe seria doente? Foi apenas um incidente casual e sem repetição? Quem protegerá aquela miúda? Não é suposto proteger os filhos dos pais.
Esta gente que deixa um miúdo de 4 anos abandonado em casa, está incontactável, merece um filho? Que vida carrega, que lhes falta ou lhes sobra?
Este miúdo, por enquanto, é um sobrevivente, até quando?
Mas as crianças senhores, porque lhes dais tanta dor.

QUANDO UM CÃO É GENTE

O comovente trabalho do Público sobre a relação entre algumas pessoas sem abrigo e os animais que lhes fazem companhia, isto é, lhes dão algum abrigo, levando alguns a recusar alojamento porque não aceitam separar-se dos seus amigos não pôde deixar de me recordar o meu Faísca e sem querer, longe disso, fazer qualquer abusiva comparação, a não ser no afecto que os bicho nos merecem e nos devolvem, partilho um texto que escrevi quando o meu Faísca partiu.
O meu Faísca foi dar um passeio muito grande, aquele passeio de onde não se volta. Alguns de vós, os que por aqui passam há mais tempo, conhecerão algumas das histórias com o Faísca. A estrada dele teve que ser abreviada para evitar mais males de sofrimento, não lhe perguntámos, não soubemos como, mas acho que a dignidade dele diria que sim.
O Faísca fazia parte da família, vivia aqui em casa há dezassete anos. Dizem que um ano na vida dos cães equivale a vários anos na vida das pessoas. Os dezassete do Faísca para nós parecem que foram o sempre, sempre aqui esteve. Também acho que os dezassete anos do Faísca serão o sempre, irá certamente aparecer nas conversas cá de dentro.
Era um companheiro dos bons, sempre atento nas conversas longas ou curtas que mantínhamos com ele. Mesmo quando nos últimos anos ficou completamente surdo, sentava-se olhava e compunha aquele ar que nos fazia sentir escutados. Quando algum de nós entrava em casa o seu ar de satisfação, aos pulos e de rabo a bater eram genuínos, nunca chegou a aprender com os humanos os fingimentos dos afectos. Quando fazia uns disparates sentava-se de lado a observar, sereno, sem grandes agitações, com ar de "foi sem querer" e de olhos a pedir desculpa.
Foi uma companhia sempre presente nos últimos anos do Avô Gila, com uma cumplicidade entre eles que só encontramos nos miúdos saudáveis e que às vezes nos fazia arreliar para rirmos logo a seguir, é natural, miúdos juntos, às vezes dá asneira.
É verdade, tenho de o reafirmar para me convencer, o Faísca partiu, provavelmente vai encontrar a Tita. A Tita era uma gata do campo que também já foi e com quem, desmentindo a tradição, o Faísca se enroscava na soleira da porta a apanhar o sol das tardes de inverno lá no Meu Alentejo, cena bonita de se ver.
Pois é companheiro, havemos ainda de nos encontrar, muitas vezes. Nas teias que a memória tece.

Como hoje.

A REFORMA DO ESTADO EM MODO "FINGIDOR"


Não vale a pena insistir na retórica da redução das gorduras do estado. Na prática isto apenas quer dizer cortes nos serviços prestados pelo estado, manutenção e ou aumento dos gastos dentro do estado e o emagrecimento dos rendimentos da esmagadora maioria das famílias portugueses.
Esta gente não tem nada de poeta mas é "fingidora".

SÓ APRENDE QUEM SE RI E SÓ SE RI QUEM NÃO TEM FOME

O Público, na revista de hoje, apresenta um extenso e interessante trabalho sobre o recurso às cantinas escolares em tempo de férias. Do trabalho releva que embora existam crianças que recorrem às cantinas escolares porque frequentam nas escolas Actividades de Tempo Livres, dado que as famílias não têm como resolver o problema da guarda dos miúdos enquanto trabalham, boa parte das crianças e adolescentes encontram na cantina escolar a única refeição consistente e equilibrada a que acedem.
Como se sabe, as carências alimentares atingem muitíssimas famílias, o próprio MEC procurou responder através do PERA - Programa Escolar de Reforço Alimentar, durante o último ano lectivo, são múltiplas as situações de crianças a chegar à escola sem alimentação, sendo que as únicas refeições que a que acedem são as que as escolas proporcionam o que também tem levado justamente inúmeras autarquias a manter abertas nas férias a cantinas escolares o que sustentou o trabalho do Público.
O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares no rendimento escolar e comportamento é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas.
É também reconhecido que as crianças constituem um dos grupos mais vulneráveis e que sofrem maiores consequências das dificuldades sentidas nas suas comunidades e famílias.
Em Maio, um Relatório, "Food for Thought", da organização Save the Children, afirmava que 25% das crianças do terão o seu desempenho escolar em risco devido à malnutrição com as óbvias e pesadas consequências em termos de qualificação e qualidade de vida de que a educação é uma ferramenta essencial.
Em qualquer parte do mundo, miúdos com fome, com carências, não aprendem e vão continuar pobres. Manteremos as estatísticas internacionais referentes a assimetrias e incapacidade de proporcionar mobilidade social através da educação. Não estranhamos. Dói mas é “normal”, é o destino.
Quando penso nestas matérias sempre me lembro da história, umas das maiores lições que já recebi e que já contei várias vezes e que me aconteceu há uns anos em Inhambane, Moçambique. Ao passar por uma escola para gaiatos pequenos o Velho Bata, um homem velho e sem cursos, meu anjo da guarda durante a estadia por lá, me dizer que se mandasse traria um camião de batata-doce para aquela escola. Perante a minha estranheza, explicou que aqueles miúdos teriam de comer até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é Velho, putos com fome não aprendem e vão continuar pobres.

sábado, 28 de dezembro de 2013

NOTÍCIAS, DIZEM

Aqui no Meu Alentejo, com a quentura do lume e o aconchego de umas couves aqui do monte com bacalhau, achei por bem ouvir o Telejornal.
Do que respeita a Portugal fiquei verdadeiramente impressionado com algumas das peças.
Passaram uma reportagem feita na zona de Montalegre porque tinha nevado. A sério, nevou lá para as lindas terras de Montalegre em finais de Dezembro, algo que efectivamente é uma notícia. Na peça, os habitantes ouvidos, alguns "este senhor" e algumas "esta senhora" sempre presentes nos directos, referiram a normalidade do tempo e os bombeiros referiram também a normalidade da situação  e das condições de circulação e funcionamento. Fiquei um pouco perplexo com o trabalho mas registei, nevou em Montalegre, em Dezembro.
Tivemos também uma viagem sobre as propostas de comemoração da passagem de ano que se aproxima. Da Serra da Estrela ao Algarve vários "vendedores" apresentaram a sua oferta. Para todos os preços sempre com uma característica sublinhada muito fortemente, a diversão está garantida. Os "vendedores", eles próprios, mostravam um ar extremamente "feliz" o que me deixou tranquilo, só pessoas felizes e divertidas podem vender felicidade e diversão a preços diversificados e com fogo de vista incluído, muito fogo de vista, como sempre.
Demos ainda um salto à festa das promoções e dos saldos que também oferecem a felicidade a preços de ocasião, com descontos mesmo grandes. Vários "este senhor" e várias "esta senhora" mostraram em animados depoimentos como é compensador e muito actrativo uma viagem, algumas bem compridas, até uma grande superfície comercial para ser feliz, a preço de saldo, o que é uma tentação, obviamente.
Finalmente, suponho que com toda a intenção, surge uma peça em que se abordou a depressão da festa, um quadro clíncio que deixa as pessoas um bocado em baixo durante as festas. Uma psicóloga explicou muito bem todo o quadro e eu fiquei preocupado. Eu próprio estava ver estas peças televisivas sobre as festas e sobre a extraordinária situação da neve que caiu em Montalegre num dia de Dezembro e já não me estava a sentir nada bem.
Felizmente o Telejornal regressou à normalidade, umas guerras, umas bombas, umas manifestações com violência, uns desastres, enfim, as coisas do costume.
Agora vou pegar num copinho de aguardente com alfarroba que me vai ajudar a recuperar.
Fiquem bem.

SERÁ REFORMÁVEL A PARTIDOCRACIA?

Ao que parece os “independentes” que ganharam eleições autárquicas exigem alterações à Lei Eleitoral Autárquica que “beneficia escandalosamente os partidos”, pois entendem que estão “mais livres” para as suas competências face aos cidadãos e acusam as “máquinas" partidárias de tomarem conta dos lugares.
Uma primeira nota, para registar que a maioria destes “independentes” se apresentaram às eleições enquanto tal por não terem sido objecto de escolha dos partidos a que pertenciam ou em situação de litígio, ou seja, se tivessem sido os escolhidos ou não tivessem tido algum desaguisado partidário ter-se-iam candidatado pelo “partidinho” e, provavelmente, agora estariam calados. Esta nota não retira a importância de candidaturas e resultados como o de Rui Moreira no Porto que impôs uma estrondosa derrota a um “aparelhista” encartado como Luís Filipe Menezes.
No entanto, é verdade que, muitas vezes o tenho escrito, no actual quadro político-administrativo é muito difícil a intervenção cívica, no sentido político, fora da tutela dos aparelhos partidários cuja praxis e discursos criaram um partidocracia que minou a confiança e tem provocado o afastamento dos cidadãos pelo que se percebe a afirmação da necessidade de mudança.
Verifica-se também que a capacidade de mobilização dos partidos se dirige, sobretudo, a uma minoria de pessoas que emerge dos respectivos aparelhos que, assim, podem aceder e manter alguma forma de poder e a uma maioria que enche autocarros, recebe uns brindes e tem um almocinho de borla. A partidocracia não atrai porque os partidos se tornam donos da consciência política das pessoas, veja-se o espectáculo deprimente da Assembleia da República, salvo honrosas excepções vota-se o que o partido manda, independentemente da consciência.
Reconhece-se hoje que as camadas mais novas, sobretudo mas não só, atravessam uma complexa situação envolvendo os valores, a confiança nos projectos de vida, os estilos de vida, etc. Neste quadro, a adesão à intervenção política, tal como se verifica genericamente em Portugal, parece mais uma parte do problema, é velha a partidocracia para responder a problemas novos, que um caminho para a solução.
Creio que o descontentamento e desconfiança de muitos dos cidadãos, traduzidos em percentagens de abstenção acima dos 50%, mostram que importa pensar numa participação política para lá dos partidos, várias manifestações com grande mobilização que escaparam à lógica da partidocracia, bem como iniciativas de grupos de cidadãos mobilizados por causas ou algumas candidaturas verdadeiramente fora do espectro partidário, dão sinais nesse sentido.
De tudo isto resulta, como muitas vezes refiro, o afastamento das pessoas pelo que a construção de outras formas de participação cívica parece ser a única forma possível de reformar o quadro político que temos, ou seja, os partidos ou definham ou mudam, pela pressão do exterior.
Existe, tem que existir política para além dos partidos, que se reformam ou tenderão a implodir com riscos para própria democracia cuja saúde já está debilitada.
De qualquer forma, como se diz aqui no Meu Alentejo, deixe lá ver.

OS NOMES QUE CHAMAMOS

Nestes dias entre Natal e Ano Novo em que a agenda repousa um pouco até ao regresso à "normalidade" de Janeiro, uma referência a um trabalho do DN sobre os nomes que os portugueses estão a atribuir aos seus rebentos e que, na verdade, parece uma opção interessante para intercalar com as notícias do quotidiano de chumbo em que estamos mergulhados. 
Ao que se diz, continuamos um país de Marias mas a recuperação dos "Joões" ameaça o domínio dos Rodrigos, só mesmo no final do ano se saberá.
Confesso que fiquei um pouco inquieto. Um mundo sem “Sónias Andreias”, sem “Kátias Vanessas”, sem “Sandras Cristinas”, sem “Tatianas”, sem “Fábios”, sem “Mauros” vai ser, certamente, um mundo diferente. Também em trabalhos anteriores sobre esta matéria se registava já a tentativa de sofisticar um pouco as escolhas, mantém-se o popular João, mas cresceu o uso de Rodrigo, Martim, Tomás, Mariana, Matilde, entre outras opções, que nos garantem, enfim, outra apresentação.
Mas o que me deixou mais apreensivo face a esta questão, é que, recordando um trabalho também sobre esta matéria há algum tempo divulgado, parece notar-se que o povo está mesmo a voltar as costas aos nossos mais gloriosos nomes, sobretudo nos rapazes, nomes como Manuel, António, José, Paulo, Carlos, etc. estão em queda. Será que vamos deixar de ter um Carlos Jorge, um António Manuel, um Manuel Carlos, um José Manuel, um António João, um Paulo Jorge, tudo nomes na nossa melhor tradição?
Até nos nomes! Estão a mexer com a nossa identidade.
Por outro lado, considerando os nomes que se chamam e de que as pessoas não gostam, uma  pequena história que há dias aqui deixei.
"Gosto quando me chamam. Às vezes, muitas vezes, não me chamam.
Outras vezes chamam-me nomes que não são meus. Os crescidos chamam-me preguiçoso, distraído, parvo, bebé, coitadinho e outros nomes, sempre nomes que não são meus.
Os outros miúdos chamam-me badocha, gordo, bolacha, caixa de óculos, def e outros nomes, sempre nomes que não são meus.
Eu acho que as pessoas, todas as pessoas, só deviam ter um nome, o seu."

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

PROFESSORES À PROVA (Take 2)

Ao que se noticia, está em marcha a tentativa de impedir a realização da segunda tentativa da sinistra Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades dos professores que ocorrerá em data a definir pelo MEC e justificada pela trapalhada de dia 18.
Sobre a sinistra Prova está tudo dito, retomo algumas notas repetidas mas ainda, lamentavelmente, oportunas. Não é necessário conhecimento muito sofisticado na área da Avaliação ou da Formação de Professores para entender que a sinistra Prova não avalia de forma alguma os conteúdos e competências exigidas para a função professor, razão pela qual este modelo não existe em qualquer país sério aplicado a professores já em função e raramente aplicado a professores que querem iniciar a carreira. Ponto.
Podemos discorrer de forma empenhada sobre outras alternativas de avaliação para candidatos à entrada na profissão ou de avaliação de professores já em função mas sabemos todos que só a prática em sala de aula permite aferir das qualificações, vocação ou conhecimentos dos professores, no início ou durante a carreira. Ponto.
Nada do que Crato afirma tem, a mínima relação com a Prova que, Crato sabe-o perfeitamente, não pretende avaliar competências e capacidades de professores, os objectivos do Ministro fazem parte de outra agenda. Este modelo de Prova destinado a avaliar Capacidades e Conhecimentos é algo de delirante, não merece, deste ponto de vista, muitos comentários, é demasiado mau o que temos para reflectir. Ponto.
É evidente que por mais que Nuno Crato afirme, com a maior das hipocrisias, que a Prova “dignifica” os professores”, permite “selecionar” os melhores, a realização desta Prova com o modelo, com os conteúdos, objectivos e circunstância em que acontece é uma página negra, muito negra, da política educativa das últimas décadas.
A realização desta sinistra Prova com Professores a vigiar Professores que estarão a submeter-se a uma Prova humilhante é uma enorme afronta a Todos os Professores, também aos que vigiam e "avaliam", os testemunhos ouvidos no dia 18 foram elucidativos e não deixam de provocar um sobressalto de indignação.
Esta sinistra Prova não é um problema dos Professores contratados, dos descartáveis, é, sobretudo, um problema dos Professores, de Todos os Professores  sempre entendi que assim deveria ser considerada.
Os incidentes, as habilidades, as ilegalidades que ocorreram no dia 18 mostram um MEC inflexível, arrogante, a arrogância do poder, do poder incompetente, evidentemente.
Enquanto este processo não estiver terminado, quero acreditar que os Professores, todos os Professores, não podem aceitar ser assim (des)tratados.

POLÍTICAS DE FAMÍLIA? SIM, MAS A SÉRIO

Um estudo realizado pela Associação Portuguesa das Famílias Numerosas aos seus membros, presumo que o sejam pois a notícia é omissa embora o seu teor o sugira, concluiu que mais de metade dos inquiridos afirmou ponderar a hipótese de ter mais filhos se pudesse trabalhar a tempo parcial nos moldes anunciados recentemente pelo Governo em proposta que creio integrar o OGE para 2014.
Era importante conhecer o estatuto económico das famílias inquiridas. Na verdade, existem países cuja organização do trabalho contempla esta modalidade mas o salário médio, com a devida ponderação, não tem semelhança com a realidade portuguesa cujo salário médio é demasiado baixo para que o tempo parcial com redução de salário seja atractivo e suficiente para a maioria das famílias.
Aliás, de uma forma completamente despudorada e com uma hipocrisia sem limites, o geniozinho Pedro Lomba, ajudante do génio Poiares Maduro afirmava em Novembro que esta possibilidade, os funcionários públicos poderem trabalhar a tempo parcial  coma óbvia redução de salário é uma medida "amiga da família". Como escrevi na altura, de uma forma absolutamente vergonhosa o mesmo Governo que aumenta o horário de trabalho da administração para as 40 horas semanais vem dizer que o facto de alguns funcionários, poucos que os vencimentos têm sido e vão continuar a ser cortados, poderem trabalhar menos, sacrificando parte do salário, é uma medida de apoio às famílias. Só faltou o Dr. Lomba afirmar que os despedimentos, perdão, a mobilidade especial, na administração pública se destinam  promover uma relação mais próxima e com mais tempo entre as famílias e entre pais e filhos. E dir-nos-á ainda que em casais com ambos desempregados, a família finalmente estará junta e com tempo.
As políticas de apoio às família requerem uma abordagem mais alargada.
Os salários baixos ou o desemprego são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos. Esta é uma questão essencial e um enorme obstáculo, os filhos são muito caros.
Por outro lado, não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas.
Numa situação com níveis de desemprego e precariedade devastadores, o mercado de trabalho é de tal forma competitivo que para além de promover pagamentos indignos, migalhas que a sobrevivência obriga a aceitar, ainda exclui quem não possa ou não queira oferecer uma disponibilidade total. Sabemos todos que assim é.
Gostava ainda de recordar que em Julho de 2012 o FMI propunha apoiar as mães que voltem mais cedo ao trabalho, ou seja, apoiar as mulheres estivessem a trabalhar mais tempo, não perdendo horas de trabalho com essa coisa estúpida e desnecessária de cuidar dos filhos uns meses depois do nascimento.  Nesse sentido, defendia que em vez de apoio às famílias se atribuam apoios às mães trabalhadoras. Em Janeiro deste ano, também os burocratas do FMI defenderam que os apoios sociais à maternidade fossem objecto de tributação fiscal.
Curiosamente, são os países mais ricos, com menos desemprego, os que justamente têm menor rácio de horas de trabalho, casos da Alemanha e da Holanda, sendo ainda que nos países mais desenvolvidos e com menos desemprego também se assiste ao aumento do trabalho parcial. É por estas razões que me parece pouco fiável a generalização do inquérito da Associação Portuguesa das Famílias numerosas.
Toda esta situação torna urgente, de facto, a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida bem como combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Apresentar a possibilidade de trabalho parcial com a respectiva redução de salário para os funcionários públicos como uma medida “amiga da família, depois de lhes ter aumentado a carga horária semanal, é mais uma desonestidade e hipocrisia.
Não é que se estranhe, mas basta de nos tomarem por tolos.

OS VENTOS QUE PODEM TRAZER TEMPESTADES

Lê-se no Público que segundo o Economist Intelligence Unit, um think tank independente do grupo da revista Economist que se dedica à pesquisa, previsão e análise económica, Portugal integra o grupo dos países com “alto risco” de agitação social no próximo ano, quando há cinco anos tinha uma classificação de “risco moderado”. Recordo que segundo a mesma estrutura, no seu Índice da Democracia 2011, Portugal passou da situação democracia plena para uma democracia com falhas, o que segundo a análise realizada se deveu sobretudo à erosão da soberania associada à crise da zona euro.
A apreciação do risco decorre da consideração de factores de risco que para além das dificuldades económicas dos cidadãos e de acontecimentos e manifestações recentes, incluem a percepção de forte desigualdade nos rendimentos, baixos níveis de apoios sociais ou “a erosão da confiança nos governos e nas instituições: a crise da democracia”.
Na verdade, é reconhecido que a instalação de uma clima de desconfiança face ao poder e ao futuro e a desesperança em mudanças significativas em tempo útil, em cima de situações como desemprego, por exemplo, podem provocar níveis de sofrimento que potenciem fenómenos reactivos de natureza grupal ou individual de natureza agressiva mais extremados e dirigidos a terceiros, os identificados como responsáveis, caso dos ocupantes da cargos políticos de relevo, ou mesmo dirigidos contra si próprio através do suicídio, como também se tem verificado.
Dito de outra maneira, os comportamentos correm o risco de forma cada vez mais intensa conterem cargas emocionais que potenciam o seu descontrolo. Aliás, se bem atentarmos nos testemunhos recolhidos em manifestações ou protestos é bastante clara a carga emocional que envolve os comportamentos observados e que se traduzem em comportamentos extremados como verificamos na Grécia, em Espanha ou no extremo do recurso à tragédia das imolações ou do suicídio como forma de protesto.
Assim, um contexto de situações de desemprego, pobreza e exclusão percebido como resultantes de decisões políticas é fortemente perturbador das pessoas e ajuda a explicar o aumento significativo dos casos de perturbações depressivas ou da ansiedade que tem sido relatado ou de comportamentos de natureza mais agressiva.
Se a tudo isto ainda juntarmos sucessivas declarações, algumas inaceitáveis e insultuosas, de pessoas com funções públicas de relevo, está criado um caldo de cultura potencialmente explosivo e onde facilmente germinam os excessos.
É frequente a afirmação de que somos um povo de brandos costumes. A questão é que, como dizia Camões, todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Um dia podemos cansar-nos de ser bons rapazes.

CRATO DISSE O QUE DISSE MAS DIZ QUE NÃO DISSE O QUE DISSE. UMA "CONJECTURÁVEL AMBIGUIDADE"

Ainda na sequência da patética e perturbada entrevista de Nuno Crato na altura da sinistra Prova de Avaliação de Conhecimentos (?!) e Capacidades (!?), a Associação de Reflexão e Intervenção na Política Educativa das Escolas Superiores de Educação promove uma reunião no sentido de preparar uma reacção às declarações do Ministro da Examinação que, ao que parece, poderá passar por um pedido de demissão do Ministro.
Se bem se recordam, aflito com a justificação do injustificável, Nuno Crato começou a disparar de forma irresponsável sobre a formação de professores, área que manifestamente ignora. O seu aval e defesa de uma Prova que não tem rigorosamente a ver com Conhecimentos e Capacidades para o exercício da função de professor é, evidentemente, um atestado dessa ignorância.
Mas Crato foi um pouco mais longe, recorreu ao velho princípio de dividir para reinar, afirmou que a formação de professores nas Escolas Superiores de Educação é de pior qualidade que a das Universidades, outra enormidade. Na mesma linha, tinha realizado há dias um negócio manhoso com a FNE dividindo os professores contratados em dois grupos, um dos quais, os “mais de 5 anos de experiência”, ficou isento da sinistra Prova, uma manobra mais uma vez sem sustentação sólida.
Como referi, de uma assentada, Crato reduziu a zero o trabalho que os Politécnicos e as Universidades realizam, ainda que estas sejam um pouco melhor, mas, sobretudo, desacreditou incompreensivelmente o trabalho da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior cujo trabalho de avaliação é reconhecido.
Sublinho, sempre o tenho afirmado, que a minhas notas não significam que tudo esteja bem na formação de professores, longe disso, mas este não é caminho, tal como não o é a metodologia de revisão já imposta pelo MEC.
O Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos face a esta irresponsável e não sustentada apreciação solicitou ao Primeiro-ministro a demissão de Nuno Crato. O Ministro achou incompreensível o pedido de demissão, considerando que se tratou do "aproveitamento despropositado de uma conjecturável ambiguidade". 
Está certo, Nuno Crato afirmou que as licenciaturas das ESEs não merecem confiança mas isto é uma "conjecturável ambiguidade" entendem?
O Ministro volta a não acertar, produz em público um conjunto de apreciações sobre o trabalho das ESEs que não poderia fazer desta forma e sem que estivesse devidadamente sustentado por avaliações sólidas que contrariassem o trabalho da A3ES e afirma que se tratou de uma “conjecturável ambiguidade”, seja lá isto o que for.
Não, Nuno Crato, certamente perturbado pela “normalidade” com que a sinistra Prova tinha corrido, com cerca de metade dos professores inscritos a não realizá-la, um clima nas escolas completamente alterado, professores enxovalhados e humilhados “esticou-se”, como diz o povo, afirmou o que não podia ter afirmado.
Acontece que pessoas com espinha, como falava o meu Pai, com dimensão ética, com seriedade intelectual, quando erram, assumem.
Confesso, no entanto, que a minha expectativa é baixa, esta gente não tem espinha, como não tem dúvidas.

O REGRESSO À NORMALIDADE NO ...

... Portugal dos Pequeninos.

A realidade é a projecção dos meus desejos, ou seja, a realidade é o que eu digo.


A lei não é imperativa, é indicativa, ou seja, não se sinta obrigado a cumprir, é apenas uma sugestão. Aliás, se não cumprir .... não acontece nada.

E assim se cumpre Portugal.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

POLÍTICAS PARA AS PESSOAS


Albino Aroso, um dos poucos homens que pensava a decisão política em função das pessoas, do bem estar das mulheres e dos miúdos, das famílias, de nós.
Podia servir de inspiração para os dias de hoje.

ENTRE O NATAL E O ANO NOVO

Os dias que medeiam entre o Natal e o Ano Novo têm, do meu ponto de vista, uma característica muito particular. Fico sempre com a sensação de que os vivemos como não dias. Parece uma ideia estranha mas vou tentar explicar.
Logo depois do Natal, ainda a recuperar do espírito natalício, entramos numa espécie de ressaca advinda da azáfama das prendas, dadas, recebidas ou sonhadas e da culpa resultante dos excessos.
Deste estado, passamos para os dias de aproximação ao Ano Novo que, independentemente do que de menos bom possamos racionalmente esperar, vivemos com a esperança de que seja mesmo novo e, sobretudo, Bom.
Trocamos milhares de mensagens e votos noutra azáfama que parece assentar numa ideia mágica dos tempos de miúdo que nos parece fazer acreditar que se assim procedermos, o Ano Novo vai ser mesmo Novo e, repito, Bom.
É certo que de há uns tempos para cá até foi desaparecendo o Próspero, basta que seja Bom, ou até mesmo que não seja pior do que este. É também muito provável que nos últimos dias do próximo Dezembro estaremos com o mesmo sentimento a enunciar os mesmos discursos apesar das promessas optimistas de que ... coisa está a mudar..
Alguns de nós tentarão de forma mais ou menos dispendiosa ou criativa encontrar uma maneira feliz e divertida, assim a entendemos, de entrar em Janeiro, no Ano Novo, portanto. Este ano, dizem, a coisa vai ser mais comedida, efeitos da crise, é claro.
O problema mais sério é que a 2 de Janeiro está aí o Ano Novo que, para muita gente, vai continuar velho e para muita outra gente não vai ser Bom.
Mas para um povo sereno e de brandos costumes, haja saúde, que é o principal, no resto, no resto algum jeito se há-de dar.

OS NEGÓCIOS DA FAMÍLIA. Enésimo episódio



O negócio relativo aos swaps foi adjudicado ao escritório amigo por ajuste directo, claro, devido à confidencialidade e urgência.
No negócio que envolve  a ARS de Lisboa e Vale do Tejo é de registar que as outras ARS procedem ao inventário com os seus próprios recursos mas em Lisboa era necessário "outsourcing".
A terceira referência envolve uma terna troca de favores no arranjo de uns lugarzinhos autárquicos, os amigos são para as ocasiões e tudo é feito com respeito pelas normas, como sempre.
Nós acreditamos evidentemente, somos uns crentes, eu próprio ainda há pouco me cruzei com o Pai Natal que ia de volta para casa e me desejou Bom Ano. Eu acredito.
A roda livre de impunidade e incumprimento dos mais elementares princípios éticos quando não da lei, produziu nas últimas décadas uma verdadeira família de gente que, à sombra dos aparelhos partidários e através de percursos políticos, se movimentam num tráfego intenso entre entidades e empresas públicas e estruturas privadas, envolvendo-se frequentemente em negócios que insultam os cidadãos. É por este tipo de situações que reforma do estado quer dizer cortes nos rendimentos das famílias.
Esta família alargada envolve gente de vários quadrantes sociais e políticos com uma característica comum, os negócios obscuros, e tem membros destacados como Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Duarte Lima, Isaltino Morais entre tantos outros com menos impacto mediático, mais discretos na função ou no comportamento.
Acontece ainda e isto tem efeitos devastadores, que muitos dos negócios que esta família vai realizando, envolvendo com frequência dinheiros públicos ou, caso da SLN/BPN, com consequências pesadíssimas para os contribuintes.
Entretanto, do outro lado desta família que se protege e apoia, temos quase três milhões de portugueses em situações de pobreza e exclusão, um milhão e meio de desempregados e a esmagadora maioria da população esmagada por políticas de austeridade que sacrificam a dignidade e ameaçam a sobrevivência.
Todos os membros desta família, quando questionados sobre os seus negócios ou envolvimento em algo, afirmam, invariavelmente que tudo é feito tudo dentro da lei, nada de incorrecto e, portanto, estão sempre de consciência tranquila, recordo, por exemplo, as trapalhadas que envolveram o "Dr." Relvas ou o Dr. Machete e as suas afirmações sobre a tranquilidade em que repousava as suas consciências.
Alguém poderia explicar a esta gente que, primeiro, não somos parvos e, segundo, o que quer dizer consciência.
Esta é a pantanosa pátria, nossa amada. 

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

OS AMANHÃS NÃO VÃO CANTAR, MESMO QUE SEJA UMA PROMESSA DE NATAL

Em alguns textos que aqui tenho deixado, referi a importância que é de atribuir às palavras e aos comportamentos das lideranças, de várias naturezas. Nesta perspectiva e quando se trata da liderança do país, em circunstâncias particularmente difíceis registe-se, estas palavras assumem ainda particular impacto.
Serve esta introdução par uma pequena nota sobre algumas das palavras do Primeiro-ministro na sua mensagem de Natal.
Durante os últimos tempos em que devido à crise económica mundial certamente, mas também a modelos políticos e económicos trazidos por um programa de austeridade já de si gravoso e reconhecidamente excessivo e ainda ampliado pelo Governo, sempre ouvimos o Primeiro-ministro afirmar que o empobrecimento era a salvação, palavras difíceis de sustentar num país pobre, no qual a maioria das famílias não vivia acima das suas possibilidades mas muitos milhares de famílias mas muitas passaram a viver aquém das suas necessidades.
Na verdade, atingimos cerca três milhões de portugueses em risco de pobreza e exclusão, perto de um milhão de desempregados, centenas de milhares de portugueses, sobretudo jovens, a partir buscando um futuro que por cá lhes parece negado, sempre ouvimos o Primeiro-ministro.
Neste cenário, torna-se difícil ouvir hoje Passos Coelho afirmar que “todos” beneficiarão “das novas oportunidades” a serem criadas “nos próximos anos” e ainda que na "recuperação do nosso país, ninguém pode ficar para trás”, prometendo que “ninguém que esteve presente nos piores momentos da crise, com a sua coragem e o seu esforço, será deixado para trás nos anos de oportunidade que temos pela frente”.
Passos Coelho sabe bem que, mais uma vez, não cumprirá uma promessa, NÃO beneficiarão TODOS das "novas oportunidades", seja lá isso o que for.
Muitos, demasiados, ficaram mesmo para trás e já não chegarão à frente, velhos ou novos. Chegarão à frente, como sempre, os que menos "estiveram presentes com o seu esforço", muitos dos outros perderam um comboio que não voltarão a apanhar.
Os amanhãs não vão cantar, ainda que seja um promessa numa mensagem de Natal.

BOM DIA DE NATAL ...



... EM FAMÍLIA.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

"APENAS" DIFERENTES PONTOS DE VISTA OU CONFLITUALIDADE DE INTERESSES


O presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais refere a falta de apoios para crianças com necessidades educativas especiais, o atraso na entrega de manuais escolares para alunos carenciados, o número insuficiente de auxiliares de acção educativa no espaço escolar e o deficiente funcionamento das actividades de enriquecimento curricular como exemplos que ilustram a apreciação de que “não há memória de um início de ano lectivo com tanta instabilidade".



O ministro da Educação, Nuno Crato, afirmou que «o ano lectivo está a abrir com normalidade»,  em 11 de Setembro de 2013 em declarações, neste caso à TVI.
Ou estes actores não falam da mesma realidade, o estado da educação em Portugal, ou a conflitualidade de interesses não permite que se entenda essa realidade. 
Sobra para os miúdos, para as famílias, para os professores ... para o futuro.

BOM NATAL


Bom Natal.

UM OUTRO NATAL


O número peca por defeito porque apenas 55% das empresas públicas disponibilizaram informação sobre suplementos remuneratórios.
O Natal não é só "quando um homem quiser", é também como os homens quiserem e a verdade é que uns "querem mais que outros" e "querem" coisas diferentes.
É assim o Portugal dos Pequeninos.

FELIZMENTE HÁ NATAL

A não ser num exercício romântico em torno da ideia do clochard francês que escolhe a rua como acto de resistência e projecto de vida, o sem-abrigo é, por natureza e condição, isso mesmo, um sem-abrigo.
Numa sociedade que procura e promove os níveis de bem-estar que já atingimos e que nunca nos satisfazem, a falta de um abrigo, é, creio, a mais despojada das condições sendo que modelos de desenvolvimento e políticas dirigidas a mercados e não a pessoas têm produzido legiões de desabrigados.
Um abrigo, uma casa, grande ou pequena, constitui uma espécie de céu protector para cada um de nós. É também verdade, que não basta o abrigo para ser protector, nas mais das vezes, para além da falta de abrigo existe um mais sério problema de abandono e solidão.
De vez em quando, por diferentes razões, agora porque é Natal e as consciências obrigam, descobre-se a existência de sem-abrigo nas nossas cidades, Então, durante algum tempo, aparecem ad nauseam notícias e peças televisivas que "cobrem" iniciativas variadas, almoços, jantares, distribuição de bens, etc., muitas vezes de um nível intrusivo absolutamente inaceitável, (numa dessas peças ouviu-se uma voz a dizer qualquer coisa como, “olhe que eu sou boa pessoa, mas se vira essa câmara para mim parto isso tudo”). Este ano até um jornal desportivo convidou uma "estrela" do futebol a acompanhar durante uma noite os voluntários de uma instituição no apoio aos desabrigados da vida e do mundo.
Não questiono, evidentemente, a genuína intenção das pessoas e instituições que se disponibilizam para minimizar dificuldades, muitas delas durante todo o ano, embora o problema não seja o cobertor, é o abrigo e a solidão. As pessoas e as instituições desenvolvem um trabalho e um esforço notáveis. A minha questão é o lado voyeurista e quase predatório com que boa parte da comunicação social, sobretudo televisiva, trata pessoas a que poucas vezes dedica atenção. As perguntas e reportagens, sem decoro nem respeito, que esforçados e incompetentes “profissionais” realizam são quase insultuosas e atentatórias dos direitos das pessoas.
As pessoas sem-abrigo, "só" não têm abrigo, não são adereços fornecidos por uma qualquer produção para montar espectáculos televisivos. Ainda lhes restará, acredito, o que ninguém pode perder, a dignidade.

UM CONTO DE NATAL ...

muito pequenino e um bocadinho sem jeito. Pousou no Público.

Bom Natal

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

FUI AO ESPÍRITO NATALÍCIO

Fui ao espírito natalício, isto é, ao Almada Fórum. É um dos maiores e é nosso, aqui mesmo à beira.
Não foi tarefa simples conseguir um lugar para o carrito, parece que é difícil estacionar no espírito natalício, os parques estão completos, gostamos muito do nosso espírito natalício, é tão bonito, ou mais, que os outros.
Logo nos parques se via, se sentia, se ouvia, o Natal. Os carros com as luzes e piscas ligados e a apitar freneticamente pareciam um enfeite. Muito bonito e as pessoas estavam com um ar contente, a entrar ou sair cheias de embrulhos de espírito natalício, até pareciam indiferentes à crise que nestas alturas, é claro, sempre se esquece um pouco.
Lá dentro do espírito natalício havia gente que vou-vos contar. Mas cria-se um ambiente tão simpático e aconchegante com o aquecimento no máximo e as pessoas ao colo umas das outras, que se deseja que o Natal não acabe. Foi uma experiência fantástica. Para terem uma ideia do meu Natal no espírito natalício, deixo-vos uns fragmentos do que fui captando.
“Ó Cajó não tesqueças que temos que ir ao JUMBO buscar os camarões que são mais baratos que no LIDL. Tá bem Micas, aproveita-se e levamos as bejecas.”
“Crise? Qual crise? Crise é para mim que não me sai o Euromilhões.”
“Vanessa não insistas. Inda em Agosto, pelos anos, te comprei um telemóvel, não te vou já comprar outro. Na tua idade não precisas de uma banda muito larga, essa chega muito bem.”
“É sempre a mesma coisa e eu não aprendo. A tua mãe está lá dentro da loja há uma hora, na volta não compra nada nesta e temos que apanhar outra seca.”
“Crise? Qual crise? Crise é para mim que não me sai o Euromilhões.”
“Não me chateies com os livros. Ainda não leste todos os que estão lá em casa.”
“Tatiana, por amor de Deus, 12 prendas chega. Queres mais alguma coisa pede à tua avó.”
“Não Miguel, é ao contrário, o Natal é que passas com a mãe e na passagem de ano é que vais com o teu pai.”
“Crise? Qual crise? Crise é para mim que não me sai o Euromilhões.”
“Ó mãe deixa-me pôr outra moeda na máquina. Ainda só andei seis vezes. Vá lá.”
“Vou ali à FNAC comprar aquela cena do GPS. Fica fixe no carro. O people tem todo.”
“Eu bem te disse que não era boa ideia trazer a velhota. Nunca mais vamos sair daqui.”
Logo que me apanhei com os livros e os discos que fui procurar no espírito natalício ... fugi.
Não, não gosto particularmente do espírito natalício.

A CONTABILIDADE CRIATIVA ...


do Estado gordo. Nada como a habilidade de alguns dos suplementos para ajustar o salário. 
Porque será que boa parte dos serviços da administração pública, ou por ela tutelados, não respondem em tempo e de forma completa sobre os suplementos salariais que processam?

VELHICE CLANDESTINA

No Público de hoje é apresentado um trabalho sobre as alterações nas condições de vida dos idosos, sobretudo, no que respeita às dificuldades que as famílias sentem na manutenção dos seus velhos em instituições, o recurso crescente à oferta clandestina e aos maus tratos sofridos pelos velhos nos contextos familiares.
Recordo que há meses a Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de Idosos aponta para a existência de 24 mil idosos "a viver mal", em lares ilegais e casas de acolhimento clandestinas acentuando que a tendência é de aumento.
Em 2012 foram notificadas para encerramento 80 instituições. Destas, 10 foram encerradas compulsivamente e a Associação refere como problemas a fiscalização insuficiente e a  impunidade dos responsáveis levando que alguns, depois de verem encerradas algumas instalações, "deslocalizam-nas" e abram outros espaços por vezes bem próximos ou até nas antigas instalações. Durante 2013 e até 13 de Dezembro, foram encerrados 79 lares, 22 dos quais com carácter de urgência devido às degradantes condições de funcionamento.
Também segundo o Presidente da Associação a situação tende a agravar-se.
Segundo dados de 2011 existiriam 1972 lares licenciados, cerca de 1000 em situação ilegal alimentando um mercado que valerá perto dos 40 milhões de euros. É ainda de considerar que teremos perto de um milhão de portugueses acima dos 75 anos e dado o envelhecimento progressivo, o futuro do negócio parece assegurado. Aliás, sabe-se que muitas das instituições para idosos têm longas lista de espera.
Este universo, o acolhimento, institucional ou familiar dos velhos é uma questão complexa, como complexa e muitas vezes difícil é viver com a condição de velho.
Um relatório de há um ano, creio, da OMS identificava Portugal como um dos cinco países europeus em que os velhos sofrem mais maus-tratos. Cerca de 39,4% dos velhos sofrem alguma forma de maus-tratos, que envolvem, por exemplo extorsão, abuso psicológico, físico ou negligência. De facto, nos últimos tempos têm sido recorrentes as notícias sobre os maus-tratos aos velhos, aos seniores, como agora se diz. Quer no seio das famílias, quer em instituições, multiplicam-se as referências à forma inaceitável como os velhos estão a ser tratados como o trabalho de hoje no Público retrata. Não é fácil ser velho.
Começam por ser desconsiderados pelo sistema de segurança social que com pensões miseráveis, transforma os velhos em pobres, dependentes e envolvidos numa luta diária pela sobrevivência. Continua com um sistema de saúde que deixa muitos milhares de velhos dependentes de medicação e apoio, sem médico de família.
Em muitas circunstâncias, as famílias, seja pelos valores, seja pelas suas próprias dificuldades e estilos de vida, não se constituem como um porto de abrigo, sendo parte significativa do problema e não da solução produzindo cada vez mais situações de solidão e isolamento entre os velhos, com consequências que têm feito manchetes, muitos velhos morrem de sozinhismo, de solidão. Estão em extinção as relações de vizinhança e a vivência comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos.
É certo que existe, felizmente, um pequeno número de idosos que além do apoio familiar, ainda possuem meios que lhes permitem aceder a bens e equipamentos que contribuem para uma desejável e merecida qualidade de vida no fim da sua estrada.
Finalmente, as instituições, muitas delas, subordinam-se ao lucro e escudam-se numa insuficiente fiscalização não oferecendo a qualidade exigida. Por outro lado, os equipamentos de qualidade são inacessíveis aos rendimentos de muitos dos nossos velhos.
Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.
Não é um fim bonito para nenhuma narrativa.

PEDIDOS AO PAI NATAL

Estava o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, a arrumar alguns materiais já ao fim da tarde quando entrou a professora Joana. O Velho reparou que a Joana vinha com ar de quem não estava muito bem.
Então Joana, algum problema?
Ora Velho, coisas do Natal.
Coisas do Natal?! Como assim, então não é um tempo bom?
Não Velho, decididamente o Natal é um tempo mau para muita gente. É um tempo de muito fingimento.
Estás mesmo zangada, que aconteceu?
Não Velho, não estou zangada, estou triste. Lembrei-me de trabalhar com os miúdos a escrita dos presentes que iriam pedir ao Pai Natal e todos escreveram empenhadamente a lista dos seus desejos.
Então correu bem, porque ficaste triste?
Olha a folha que o Manel me deu.
O Professor Velho pegou na folha que a Professora Joana lhe mostrava e viu com uma letra bem desenhada e sem erros, “Eu quero que o Pai Natal dê um trabalho ao meu pai, um riso para a minha mãe que está sempre aborrecida e uma PlayStation para mim e para o meu irmão que nunca tivemos uma”.
Pois, Joana …vamos beber um chá que nos aqueça.

ESTAMOS A RECUPERAR


No I surge uma animadora referência que indicia a recuperação de que nos falam. Em 2013 os municípios aumentaram, globalmente, os gastos com festas e luzes para assinalar o espírito natalício.
Na falta do pão que que se retome o circo.

domingo, 22 de dezembro de 2013

DEFICIÊNCIA E OBSTÁCULOS

A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade e funcionalidade que a sua condição, só por si, pode implicar.
Como também é reconhecido, existem muitas outras áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente educação, apoios sociais, qualificação profissional e emprego, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são elevados traduzido em taxas de desemprego entre pessoas com deficiência muitíssimo superiores à verificada com a população sem deficiência.
Termino com uma afirmação que repetidamente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.
No entanto, também nesta matéria sopram ventos adversos.

O SOZINHISMO MATA


Apesar do que consta nas certidões de óbito, estou convencido que a verdadeira causa da morte de muitos velhos é o sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, que perderam o amparo.
Quem não vive só, isolado, mais facilmente resiste às mazelas de diferente natureza que a idade traz quase sempre. As pessoas são, espera-se, fonte de saúde e calor. 

O PAI NATAL

Aqui há dias, numa roda de família falava-se de como nos tempos de mais miúdos acreditávamos, e até que idade, no Pai Natal. Aliás, faz parte da agenda desta época o surgimento de algumas peças na comunicação social sobre as crenças das crianças no Pai Natal.
Nesses trabalhos é frequente ouvirmos as crianças afirmar convictamente a sua crença no Pai Natal. É verdade, os miúdos acreditam no Pai Natal. Eu tenho a certeza, já fui Pai Natal. Nunca percebi muito bem porquê, mas desempenhei várias vezes a função, se calhar a escolha devia-se à proeminente mochila que carregava à frente, agora um pouco mais pequena, felizmente, e às barbas brancas que de há muito me acompanham. 
Não pensem que é uma tarefa fácil, não é não senhor. Passar umas horas dentro de um fato quentíssimo com umas barbas ainda mais quentes que insistem em deixar a boca cheia de pêlos não é muito simpático. Mas os miúdos acreditam no Pai Natal e isso ajuda a aliviar o desconforto. Felizmente ainda não tinha sido inventada a moda do Pai Natal trepador de varandas, então desistiria mesmo. 
Numa das vezes, há já muitos anos, cena de que ainda possuo uma memória perfeita, lembro-me do ar aflito e preocupado de um gaiato que insistiu o tempo todo junto de mim para que não me esquecesse do que queria como presente, Moto Ratos, umas personagens de banda desenhada em voga na altura. E o miúdo, sempre que me lembrava os Moto Ratos, explicava-me com os olhos muito abertos e com muitos gestos como se ia para casa dele para eu não me enganar no caminho. Confirmei depois que ele recebeu os desejados Moto Ratos, claro, o Pai Natal cumpre.
Deve ser bom acreditar no Pai Natal. Aliás, deve ser bom acreditar.
Eu já não acredito. Acho que cresci e perdi o encanto.

A PARQUE ESCOLAR, O PARQUE ESCOLAR E AS PESSOAS NOS PARQUES ESCOLARES

Ao que se lê no Público, as obras promovidas pela Parque Escolar na Escola Secundária Gago Coutinho de Alverca foram suspensas em 2011, oito milhões de euros depois do começo. A parte acabada não está a ser utilizada, está a degradar-se, e por razões orçamentais desconhece-se o fim da remodelação o que causa perturbações sérias no funcionamento da escola. Esta situação não é caso único.
Era, é, reconhecido por toda a gente a necessidade de modernização do parque escolar, em algumas situações inaceitavelmente degradado, pelo que o processo desencadeado sob a responsabilidade da Parque Escolar merecia concordância, independentemente da agenda político-partidária que gere os discursos das lideranças políticas.
A verificada derrapagem nas contas de muitas das obras relacionadas, que se não estranha em Portugal, têm sido apenas e lamentavelmente a "rotina" das obras geridas por capitais públicos. No caso particular da recuperação e modernização de edifícios escolares, a avaliação do que foi realizado foi mostrando algo que muitas pessoas que conhecem as escolas tinham como claro, o desajustamento de algumas soluções técnicas, o novo-riquismo saloio de alguns equipamentos e materiais, o custo exorbitante de manutenção que as soluções adoptadas implicam, etc. Estas opções, a “Festa” como lhe chamou Maria de Lourdes Rodrigues, comprometeram o desenvolvimento do programa com consequências muito negativas em várias escolas que ainda continuam em eternas obras.
Sublinho que a recuperação do parque escolar e o equipamento moderno das escolas era, é, uma exigência no sentido de dotar alunos, professores e funcionários de condições de trabalho que sustentem a qualidade que todos desejamos, não é um privilégio que se concede à comunidade escolar.
No entanto e como sempre, esse é o meu ponto, para além dos recursos e equipamentos que por direito dos miúdos devem estar disponibilizados em cada momento com a melhor qualidade possível, no fim temos as pessoas. E de facto, a escola, mais do que equipamentos e meios que se desejam de qualidade, é feita pelas pessoas, todas as pessoas, que na sua função específica lhe dão sentido e qualidade e os últimos tempos têm sido particularmente gravosos para uma parte das pessoas da escola, os professores, maltratados de forma inaceitável por várias medidas da política educativa dos últimos anos.
Desde o aparelho do MEC, na definição das políticas educativas adequadas nas mais variadas dimensões, ao trabalho das direcções das escolas e agrupamentos, ao trabalho dos professores nas suas diferentes funções, ao trabalho dos alunos e dos pais através do nada fácil trabalho educativo familiar, o exercício da responsabilidade e intervenção individual são o mais sólido instrumento de qualidade ao serviço do sistema.
É nesta dimensão que me parece necessário insistir. A comunidade deve ser mais exigente face ao desempenho e à qualidade no que respeita a políticas educativas, na organização e funcionamento das escolas, no que respeita ao trabalho com os miúdos e dos miúdos, no que respeita à responsabilização e envolvimento das famílias, etc. Os meios e os recursos sendo fundamentais, só por si não garantem sucesso e qualidade.
A questão é que a actual PEC – Política Educativa em Curso, apesar de já não apostar nos edifícios, também não aposta nas pessoas e na qualidade do seu trabalho, corta custos de forma cega e está cada vez mais claramente assente numa agenda de desinvestimento na escola pública.
Essa é que é a questão, está para lá da melhor ou pior qualidade dos edifícios escolares.